Saúde do adolescente em Medicina Geral e Familiar
Saúde do adolescente em Medicina Geral e Familiar«Levada pela sua curiosidade a seguir o coelho,
Alice vê-se a cair até ao centro da terra povoado de todas as suas fantasias».
Adaptado In Alice no país das maravilhas
Lewis Carroll
(Autor da história Alice no País das Maravilhas foi Lewis Carroll. Bem... na
verdade foi Charles Lutwidge Dodgson. Era inglês e nasceu em 1832 e foi o
primeiro filho de uma família com onze crianças...)
A adolescência (do latim adolescere que significa crescer) é definida como o
período de vida situado entre a infância e a idade adulta, começando na
puberdade, com o aparecimento dos caracteres sexuais secundários, e terminando
com o fim do crescimento,1 pressupondo o atingimento da maturidade psicofísica.
Com características dependentes de tantas variações individuais e sócio-
culturais, compreende-se ser difícil estabelecer idades limite para definir
este período: a OMS considera entre os 10 e os 19 anos inclusivé,2 a Associação
Internacional para a Saúde dos Adolescentes (IAAH) entre os 10 e os 24 anos,3 e
a DGS entre os 10 e 18 anos.4 Os estádios do desenvolvimento humano de Erikson
consideram um adolescente, na fase de agregação das características da
identidade para atingir a idade adulta, dos 13 aos 19 anos.5
A adolescência é caracterizada por mudanças físicas, cognitivas, psicológicas e
sociais. O próprio ciclo vital familiar se modifica quando um filho entra na
adolescência pela sua busca de maior autonomia e socialização.6,7 Entre as
dificuldades e riscos com que se deparam os adolescentes destacam-se o consumo
de álcool, tabaco e outras drogas, as primeiras experiências sexuais, a
associação em grupos, os distúrbios do comportamento alimentar e os possíveis
comportamentos socialmente agressivos.
Há poucos estudos sobre o efeito da vigilância e intervenção em adolescentes
pela parte dos médicos de família. Há alguns que mostram que podem conseguir
influenciar positivamente o seu comportamento relacionado com saúde (tabaco,
álcool, nutrição e actividade sexual).8,9,10 A DGS recomenda consultas de
vigilância aos 11-13, 15 e 18 anos.4
De acordo com os estudos sobre as suas expectativas,11,12,13,14 sabe-se que as
consultas a adolescentes devem ter particularidades próprias, como a
facilitação do acesso (gratuita, desburocratizada e podendo ser atendidos), a
garantia de confidencialidade, o carácter despreconceituoso e desprovido de
julgamentos, o menor tempo de espera possível e envolvendo activamente.4,15,16
Os objectivos desta consulta serão promover a auto-estima do adolescente e a
sua progressiva responsabilização pelas escolhas relativas à saúde, prevenindo
situações disruptivas ou de risco acrescido. Assim, o Médico de Família pode
fazer o acompanhamento de todas as transformações que acontecem neste período
construindo um espaço e tempo ideal para esclarecimento de dúvidas, partilha de
experiências, prevenção e detecção precoce de disfunções/alterações, assim como
acompanhamento dos processos e estratégias de resolução das diferentes pequenas
grandes crises que caracterizam esta fase. É também um momento privilegiado
para a promoção e adopção de estilos de vida saudáveis (em continuidade com o
trabalho em idades mais precoces) que, uma vez assimilados nesta idade, na
maioria dos casos se manterão na vida adulta.4,17,18
O papel de prevenção e intervenção da equipa de cuidados de saúde primários
pode estender-se mesmo fora do Centro de Saúde, planeando intervenções com
adolescentes.19
Existe cada vez mais a percepção de que é importante formação nesta área em
Medicina Geral e Familiar.20,21 Em Portugal, no programa de formação em
Medicina Geral e Familiar, existem objectivos especificamente dirigidos à
formação em saúde do adolescente, enquadrado no estágio de pediatria,22 mas na
prática muitos não obtêm formação nesta área.
Todas as dimensões anteriormente referidas são essenciais para que o papel do
médico de família em Cuidados de Saúde Primários possa contribuir de um modo
integrado para uma prática que proporcione junto do adolescente a intervenção
mais apropriada.
Durante esta etapa do ciclo de vida, com a puberdade, o organismo sofre várias
modificações que afectam, sucessivamente, todos os aspectos da vida biológica,
psicológica e social: 1) alterações corporais, com emergência dos caracteres
sexuais secundários e vivência de impulsos e tensões desconhecidos; 2)
emergência da sexualidade, com conquista de um novo tipo de relação com o outro
e do espaço individual, implicando modificações na relação com os pais, maior
preocupação consigo próprio, vivência de emoções intensas e de inquietações a
nível da identidade; 3) ao nível do pensamento e da forma de abordar o real
(alterações cognitivas), alargamento da perspectiva temporal, maior espírito
crítico, maior capacidade de insight, maior capacidade de decisão e de
autonomia moral e maior capacidade de utilizar a linguagem; 4) a nível social
(com a emancipação da tutela parental e o estabelecimento de novas relações
entre os pares), procura de outros modelos de identificação, organização de uma
nova rede relacional e apropriação crítica dos valores sociais e familiares.
Todas estas dimensões constituem pressupostos fundamentais para que neste
Dossier pudéssemos contar com algumas temáticas necessárias de serem
sistematizadas em suportes úteis na prática clínica do Médico de Família. Assim
Cristina Freitas, Helena Sofia Sousa e Helena Fonseca, em dois artigos,
sistematizam o que de primordial deve ser considerado no Boletim de Saúde
Infantil e Juvenil – o exame global de saúde dos 11 aos 13 anos. Os autores
apresentam vários aspectos que devem ser contemplados pelo profissional de
saúde quando da observação de um adolescente desta idade. No parte I são
abordados os aspectos a englobar na anamnese através da utilização do acrónimo
HEEADSSSSS, com o objectivo de avaliar os contextos de vida do adolescente e
perceber qual o seu desenvolvimento cognitivo e psicossocial. Na parte II são
abordadas as alterações mais frequentemente encontradas no exame objectivo e
apresentadas várias medidas preventivas e as atitudes terapêuticas
recomendadas. Finalmente, são feitas algumas sugestões tendo como objectivo uma
melhoria no atendimento e avaliação global dos adolescentes nesta faixa etária.
O objectivo do artigo sobre Perturbações do Comportamento Alimentar na
Adolescência é o de examinar como algumas particularidades, nomeadamente
relacionadas com a epidemiologia, o diagnóstico, as complicações médicas e
nutricionais, as questões psicológicas, o tratamento e o prognóstico dos
adolescentes com uma Perturbação do Comportamento Alimentar diferem dos
adultos, sobretudo no que respeita à prevenção e às questões ligadas com o
desenvolvimento que caracterizam este período. Por último, e não menos
importante, Isabel Brito aborda conteúdos que têm a ver com as perturbações da
ansiedade e depressivas na adolescência. Estas perturbações provocam situações
problemáticas na família, na escola e socialmente. São destacadas algumas
competência do médico de família, que segue estes doentes ao longo do seu
desenvolvimento, no sentido de os avaliar, tratar e referenciar. A confiança
que a família e o adolescente depositam neste profissional de saúde permite-lhe
controlar a evolução e prevenir situações de risco do jovem com o suporte
familiar.