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EuPTCVHe0870-71032011000200013

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National varietyEu
Year2011
SourceScielo

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Antibioticoterapia como primeira linha na otite média aguda: uma abordagem ainda controversa Antibioticoterapia como primeira linha na otite média aguda: uma abordagem ainda controversa

Luís Monteiro Centro de Saúde Fernão de Magalhães Coimbra

Tähtinen PA, Laine MK, Huovinen P, Jalava J, Ruuskanen O, Ruohola A. A placebo- controlled trial of antimicrobial treatment for acute otitis media. N Engl J Med 2011 Jan 13; 364 (2): 116-26.

A otite média aguda (OMA) é a infecção bacteriana mais comum durante a infância. Não existe consenso relativamente ao tratamento mais adequado da OMA.

Várias orientações recomendam um período de observação prévio à eventual necessidade de antibioticoterapia. Mas alguns especialistas sugeriram que os estudos originais que sustentam esta linha de conduta têm limitações relevantes, incluindo viés de selecção, critérios de diagnóstico variáveis e antibióticos em dosagem ou espectro subóptimo.

O objectivo deste estudo foi aferir a eficácia da antibioticoterapia (com antibiótico e dosagem adequados) na otite média aguda em crianças de 6 a 35 meses de idade.

Métodos Estudo aleatório, duplamente cego com crianças de 6 a 35 meses de idade, com o diagnóstico de OMA. Foi estabelecido um conjunto de critérios para o diagnóstico da OMA que incluiu sinais otoscópicos (ver vídeo disponível no sítio da revista) e presença de: febre, otalgia ou sintomas respiratórios.

Durante sete dias, 161 crianças receberam amoxicilina/ácido clavulânico 40mg + 5,7mg / kg / dia em duas doses diárias. Foi administrado placebo a 158 crianças. As crianças dos dois grupos, sempre que necessário, receberam outra medição como analgésicos, antipiréticos e descongestionantes nasais.

A principal variável de resultado primária foi medir (desde a administração da primeira dose até à reavaliação ao 8.o dia) o tempo decorrido até ao insucesso no tratamento.

Definiu-se insucesso no tratamento como: ausência de melhoria do estado geral da criança avaliada ao terceiro dia; deterioração do estado geral da criança em qualquer momento; ausência de melhoria dos sinais otoscópicos no final do período de tratamento; perfuração timpânica em qualquer momento; infecção grave (como mastoidite ou pneumonia) necessitando de antibioticoterapia de largo espectro e qualquer outro motivo para suspensão do tratamento (como efeitos adversos da medicação).

Resultados O insucesso no tratamento ocorreu em 18,6 % das crianças medicadas com amoxicilina/ácido clavulânico em comparação com 44,9% das crianças do grupo que recebeu placebo (p<0,001). Esta diferença entre os grupos foi registada logo na primeira reavaliação programada ao 3.o dia.

A antibioticoterapia reduziu em 62% o risco de falência de tratamento e diminui em 81% a necessidade de suspender o tratamento aleatorizado e iniciar tratamento com antibiótico (amoxicilina/ácido clavulânico ou ceftriaxona).

Analgésicos e antipiréticos foram administrados aos dois grupos em percentagens semelhantes (84,2% e 85,9%).

Os pais das crianças que receberam amoxicilina/ácido clavulânico tiveram menos dias de ausência (12,1%) ao trabalho do que os pais das crianças no grupo controlo (17,8%).

Quanto aos efeitos adversos, estes ocorreram em 85 crianças (52,8%) do grupo amoxicilina/ácido clavulânico e em 57 crianças (36,1%) do grupo placebo. Os efeitos adversos mais comuns foram a diarreia (47,8% nas crianças medicadas com antibiótico e 26,6% no grupo placebo), seguida do eczema (8,75% nas crianças medicadas com antibiótico e 3,2% no grupo placebo).

Discussão Neste estudo existiu um benefício no tratamento da OMA em crianças entre 6 a 35 meses com amoxicilina/ácido clavulânico, apesar do aumento de efeitos adversos neste grupo. O tratamento com antibiótico reduziu o risco de insucesso no tratamento melhorando o estado geral da criança e os sinais otoscópicos.

Os autores salientam que também é possível constatar que metade das crianças do grupo controlo não tiveram insucesso no tratamento e dois terços não precisaram de suspender o placebo com administração subsequente de antibioticoterapia.

Estudos subsequentes devem tentar identificar quais os doentes que beneficiam mais, de modo a minimizar o tratamento farmacológico desnecessário e o desenvolvimento de resistências.

Comentário Tal como é salientado pelo editorial que acompanha o artigo, os médicos que trataram crianças com OMA 50 anos ficariam surpreendidos pela controvérsia actual em redor da necessidade ou não do uso de antibioticoterapia.1 De facto, antes da introdução dos antibióticos no tratamento, a OMA era uma patologia grave resultando numa taxa elevada de internamentos.2 Mas vários factores contribuíram para uma mudança na terapêutica da OMA, tais como: a maior acessibilidade aos cuidados de saúde, os diferentes métodos de diagnóstico; a alteração na etiologia da doença (na era pré antibiótico Estreptococus A e actualmente metade dos casos são devidos a Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis) e, por último, a disponibilidade de novos antibióticos.1 Este estudo marca a diferença por ser um ensaio aleatorizado, duplamente cego e com critérios pré-definidos de OMA aferidos por experientes especialistas em otoscopia.

Para complementar o artigo os autores disponibilizaram no sítio da revista (www.nejm.org) um vídeo com imagens de otoscopia consideradas pelos investigadores como sinais de OMA e pós-OMA.

Se foi claro que existiu algum beneficio na progressão da doença com o tratamento com antibiótico (antibioticoterapia reduziu em 62% o risco de falência de tratamento e diminui em 81% a necessidade de suspender o tratamento), o aumento de efeitos adversos (52,8% do grupo amoxicilina/ácido clavulânico para 36,1% do grupo placebo) nessas crianças coloca o desafio para o clínico de saber, no momento do diagnóstico, quais as crianças que beneficiarão do tratamento com antibiótico.

O facto dos investigadores terem apenas estudado crianças de 6 a 35 meses de idade constitui uma limitação relevante. Será que em crianças com outras idades teríamos as mesmas conclusões? Apenas estudos posteriores poderão esclarecer esta dúvida.

A opção pela associação amoxicilina/ácido clavulânico ao invés de tratar apenas com amoxicilina constitui uma escolha controversa.

De facto, as actuais Orientações Técnicas da Direcção Geral de Saúde e as recomendações da American Academy of Pediatrics e da American Academy of Family Physicians referem apenas a amoxicilina como o antibiótico de 1.a linha.3,4 Outro ponto a esclarecer prende-se com os eventuais efeitos a longo prazo da antibioticoterapia. Um estudo prospectivo a 3 anos e 6 meses mostrou que as crianças cuja otite foi tratada com amoxicilina tiveram maior incidência de novos episódios de otite que aquelas que não foram medicadas com antibiótico.5 A salientar ainda que na mesma edição da revista NEJM foi publicado outro artigo original relativo à OMA.6 Os investigadores concluíram que em crianças de 6 a 23 meses de idade com OMA o tratamento com amoxicilina/ácido clavulânico durante 10 dias reduz o tempo de resolução de sintomas e diminui os sinais infecciosos identificados ao exame otoscópico. Resultados semelhantes foram publicados recentemente num outro estudo original.7 Em resumo estas publicações indicam que a antibioticoterapia inicial implica um benefício na progressão da doença mas com um aumento de efeitos adversos.

No entanto, enquanto algumas das lacunas referidas acima não forem devidamente esclarecidas permanece como mais sensato não generalizar estas conclusões optando, numa criança habitualmente saudável, pela não prescrição inicial de antibiótico.


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