Análise de custo-eficácia da terapêutica com estatinas para a prevenção
primária da doença cardiovascular
Análise de custo-eficácia da terapêutica com estatinas para a prevenção
primária da doença cardiovascular
Rita Viegas
USF Cova da Piedade
ACES Almada
Greving J, Visseren F, de Wit G, Algra A. Statin treatment for primary
prevention of vascular disease: whom to treat? Cost-effectiveness analysis. BMJ
2011 Mar 30; 342: d1672. doi:10.1136/bmj.d1672.
Questão clínica
Será a terapêutica com estatinas para a prevenção primária da doença
cardiovascular custo-eficaz?
Comentário
Sabe-se que a mortalidade por DCV varia consoante a localização geográfica, o
nível socio-económico, o sexo, a idade, a etnia e os factores de risco
presentes em cada indivíduo,1 factos que pesam na uniformização da utilização
das estatinas em prevenção primária. Apesar da terapêutica se associar à
diminuição da incidência de AVC e de EAM não fatal, independentemente dos
valores basais de colesterol e dos factores de risco, a redução das taxas de
mortalidade global e por doença coronária não são significativas.2
Alguns estudos inferem uma evidência robusta a favor das estatinas para a
prevenção primária de DCV em indivíduos de alto risco,3 apesar do impacto na
redução da mortalidade por todas as causas não ser significativo. Sugere-se que
os benefícios a curto prazo das estatinas podem revelar-se ainda mais modestos,
mesmo nos indivíduos de alto risco para DCV, sendo prudente não extrapolar os
seus benefícios a longo prazo na mortalidade para a diminuição do risco em
prevenção primária. Neste artigo a análise de custo-eficácia é favorável à
utilização de estatinas nos homens de 55 anos com um RCV ≥ 10%. No entanto,
normas de orientação clínica recomendam a utilização destes fármacos em
prevenção primária se o RCV for ≥ 20% em 10 anos.1
O estudo JUPITER sugere que o espectro de pacientes que poderá beneficiar da
medicação é cada vez mais amplo. Contudo a redução do risco absoluto para
eventos cardiovasculares major é pequena (Number Needed To Treat = 120 para 1,9
anos).4
A dose de estatina utilizada neste estudo foi de 40 mg, considerada como uma
dose baixa de medicamento, o que difere da percepção geral de baixa dose. O
custo anual da terapêutica com sinvastatina 40 mg foi estimado em 9 euros por
ano para a realidade Holandesa. Em Portugal o custo médio mensal da terapêutica
atinge os 8,8 euros [17,6 euros (entre 10,58 e 27,76) por embalagem de 60 cp de
sinvastatina 40 mg], o que implica um custo anual de 105,6 euros.5 Este valor
difere amplamente do referido no estudo e em Portugal a utilização de estatinas
na prevenção primária necessitaria de uma avaliação específica. No Reino Unido
os fármacos novos são submetidos a uma análise da eficácia clínica medida em
QALYs; se a terapêutica tiver um custo superior a 20.000-30.000 libras por QALY
não é, na generalidade, considerada custo-eficaz e este aspecto é limitativo
para a sua entrada no mercado.
As análises de custo-eficácia avaliam os custos adicionais inerentes à obtenção
do benefício de determinada terapêutica e ajudam o médico a decidir
racionalmente a sua conduta clínica. É tentadora a possibilidade de prevenir o
que poderá vir a acontecer com a perspectiva de poupar recursos humanos e
financeiros, sendo este um dos motores impulsionadores da indústria
farmacêutica e da intervenção farmacológica na prevenção primária da doença em
geral. Actualmente incorre-se no perigo de tratar factores de risco e na
subsequente medicalização excessiva da saúde e tratamento das não doenças. A
sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde depende da gestão adequada de
recursos, de modo a garantir a qualidade dos cuidados prestados. Urge balizar o
arbítrio da decisão médica e antes de considerar a terapêutica com estatinas ou
de alargar a sua aplicabilidade à prevenção primária há que avaliar
criticamente a informação científica disponível.