Tiotrópio versus salmeterol na prevenção das exacerbações da doença pulmonar
obstrutiva crónica: Qual a melhor opção terapêutica?
Tiotrópio versus salmeterol na prevenção das exacerbações da doença pulmonar
obstrutiva crónica: Qual a melhor opção terapêutica?
Joana Barros* e Mara Galhardo**
*USF Maresia, ULS Matosinhos
**USF Dunas, ULS Matosinhos
Vogelmeier C, Hederer B, Glaab T, Schmidt H, Rutten-van Mölken MP, Beeh KM, et
al. Tiotropium versus salmeterol for the prevention of exacerbations of COPD. N
Engl J Med 2011 Mar 24; 364 (12): 1093-103.
Introdução
As exacerbações frequentes da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) estão
associadas a um aumento substancial da morbi-mortalidade, pelo que a prevenção
das mesmas é um dos objectivos principais do seu tratamento.
As normas de orientação clínica sobre o tratamento das exacerbações na DPOC
moderada a muito grave recomendam o uso de broncodilatadores inalados de longa
duracao de accao: anticolinergicos e agonistas β2. Estudos comparativos
demonstraram uma maior redução no risco de exacerbações com o uso de tiotrópio
relativamente ao salmeterol. Contudo, estas diferenças não se revelaram
estatisticamente significativas, sem evidência da superioridade na utilização
de um tratamento em detrimento do outro.
O objectivo deste estudo foi comparar directamente os efeitos do tiotrópio com
os do salmeterol no risco de exacerbações moderadas e graves da DPOC.
Métodos
POET-COPD (Prevention of Exacerbations with Tiotropium in COPD) é um estudo com
1 ano de duração, multicêntrico (725 centros), multinacional (25 países),
aleatorizado, dupla ocultação, em grupos paralelos, que envolveu 7376 doentes
distribuídos por dois grupos terapêuticos: um constituído por 3707 doentes
tratados com tiotrópio 18λg (Spiriva®, dispositivo inalador HandiHaler®) uma
vez por dia e outro constituido por 3669 doentes tratados com salmeterol 50λg
(Serevent®, dispositivo inalador suspensao pressurizada) duas vezes por dia.
Os pacientes incluídos no estudo apresentavam idade igual ou superior a 40
anos, antecedentes de hábitos tabágicos (≥10 UMA), diagnóstico de DPOC moderada
a muito grave (estádio II-IV da classificação da Global Iniciative for Chronic
Obstructive Lung Disease) e história no último ano de pelo menos uma
exacerbação com necessidade de terapêutica antibiótica/corticoterapia
sistémica/hospitalização. Foi definida exacerbação como agravamento ou
aparecimento de pelo menos um sintoma de DPOC, com duração igual ou superior a
três dias e necessidade de tratamento em ambulatório (exacerbação moderada) ou
hospitalização (exacerbação grave).
Após selecção dos doentes, decorreu um período runin com duração de 2 semanas,
durante o qual se fez uma revisão da terapêutica de base do doente, tendo sido
permitida ao longo do estudo a manutenção da terapêutica habitual, à excepção
dos fármacos dos grupos terapêuticos em estudo.
Após aleatorização, no início da fase de tratamento do estudo foram agendadas
visitas clínicas ao 2.o, 4.o, 8.o e 12.o mês assim como contactos telefónicos
mensais, com aplicação de um questionário que avaliava os dados relacionados
com as exacerbações da DPOC.
Neste estudo, os investigadores definiram como end-point primário o tempo
decorrido até à ocorrência da primeira exacerbação. Como end-points secundários
foram considerados o tempo decorrido até à primeira exacerbação moderada e
grave, o número de exacerbações moderadas e graves e o número de eventos
adversos e fatais.
Resultados
Neste ensaio, verificou-se que 36,5% dos doentes tiveram uma exacerbação da sua
doença. Destes, 44% apresentavam DPOC moderada.
O tempo decorrido até à primeira exacerbação foi superior em 42 dias no grupo
tratado com tiotrópio comparativamente ao grupo tratado com salmeterol,
correspondendo a uma redução estatisticamente significativa de 17% do risco de
desenvolver a primeira exacerbação.
O tiotrópio reduziu de forma significativa o risco de exacerbações moderadas em
14% e de exacerbações graves em 28%, em comparação com o salmeterol. A taxa
anual de exacerbações no grupo tratado com tiotrópio (0,64) foi inferior ao
grupo tratado com salmeterol (0,72), o que significa uma redução
estatisticamente significativa de 11%, e um NNT (número de doentes necessário a
tratar durante um ano para prevenir um exacerbação adicional) de 13. De acordo
com a gravidade das exacerbações, o tiotrópio mostrou-se superior na redução da
taxa anual de exacerbações quer moderadas quer graves, demonstrando nas
primeiras uma redução de 7%, e nas segundas uma redução de 27% comparativamente
ao salmeterol.
O tiotrópio permitiu uma redução significativa na taxa de exacerbações que
necessitaram de tratamento com corticoterapia sistémica (18%), antibioterapia
(10%) ou de ambos (20%) em comparação com o grupo tratado com salmeterol.
Foram reportados 14,7% de eventos adversos graves no grupo sob terapêutica com
tiotrópio e 16,5% no grupo tratado com salmeterol. Ocorreram um total de 142
mortes durante o periodo de tratamento, 64 no grupo do tiotrópio e 78 no grupo
do salmeterol.
Discussão
Este ensaio foi especificamente desenhado para avaliar as exacerbações
moderadas e graves, associadas a instabilidade e progressão da doença,
desenvolvimento de complicações e aumento da mortalidade, sendo a prevenção das
mesmas um dos objectivos principais no tratamento de manutenção da DPOC.
As normas de orientação clínica existentes até agora não favorecem o uso de
salmeterol ou tiotrópio, colocando- os no mesmo prato da balança em termos de
terapêutica de longa duração de acção, consubstanciando esta recomendação na
escassa evidência existente da comparação directa entre estes dois fármacos.
Neste estudo, a terapêutica com tiotrópio aumentou de forma estatisticamente
significativa o tempo decorrido até à primeira exacerbação moderada ou grave
(evidente a partir do 1.o mês de tratamento) e diminuiu significativamente a
taxa anual de exacerbações, benefício consistentemente verificado em todos os
subgrupos de doentes. As hipóteses para estas diferenças observadas, segundo os
autores, poderão estar relacionadas com os diferentes sistemas de aerossóis
utilizados, o tamanho das partículas de aerossóis e a distribuição do fármaco
na árvore pulmonar.
Em análise post-hoc sugere-se que o benefício com o uso de tiotrópio foi
independente do uso de corticoterapia inalada, pois a taxa de exacerbações no
grupo tratado com tiotrópio que descontinuou a corticoterapia inalada de base
não foi superior ao grupo que manteve a terapêutica corticóide de base, achado
já verificado em estudos anteriores.
Este estudo permitiu demonstrar, nos doentes com DPOC moderada a muito grave e
história de exacerbações, a superioridade do tiotrópio sobre o salmeterol em
todos os end-points relativos a exacerbações da doença.
Comentário
Sendo a prevenção das exacerbações na DPOC um dos objectivos principais do
tratamento de manutenção, este estudo mostra-se interessante por comparar os
dois broncodilatadores de longa duração de acção de classes farmacológicas
diferentes mais utilizados na prática clínica da DPOC, até então sem evidência
estatisticamente significativa em estudos anteriores sobre o benefício de um
fármaco relativamente ao outro.1,2,3
As normas de orientação clínica relativas à DPOC têm permitido uma
estandardização dos cuidados, mas as recomendações para iniciar
broncodilatadores de longa duração de acção em doentes com patologia moderada
têm sido omissas relativamente a que medicação usar especificamente.4 Este
estudo permite, então, clarificar as normas de orientação vigentes e optimizar
a prática clínica quando perante um doente com DPOC.
Um dos pontos fortes deste estudo está relacionado com a definição das
exacerbações da DPOC como end-point primário, focando-se num objectivo
específico e relevante. O grande número de doentes incluídos assim como a
informação detalhada obtida sobre as taxas de exacerbação são também aspectos
positivos deste ensaio.
Permanecem por esclarecer alguns aspectos: este estudo, sendo de curta duração,
não permite avaliar se a redução da taxa de exacerbações com o tiotrópio
produziu um acréscimo na esperança média de vida; pelo facto de ser permitido o
uso concomitante de terapêutica corticóide inalatória, outra classe
terapêutica, os resultados do estudo poderão não reflectir exclusivamente a
comparação entre o tiotrópio e o salmeterol na prevenção das exacerbações; não
é claro que a superioridade do tiotrópio observada sobre o salmeterol na
prevenção das exacerbações da DPOC se estenda a outros agonistas ..2 de longa
duração de acção; este estudo não avalia, ainda, qual a combinação de fármacos
que poderá ser a melhor para os diferentes fenótipos e gravidade da DPOC.
O facto de cinco dos oito autores do estudo receberem/ terem recebido apoios e/
ou serem consultores das empresas farmacêuticas com produtos ensaiados no
estudo, além de este ter sido financiado pela Boehringer- Ingelheim e Pfizer,
deve fazer-nos olhar para estes resultados com a devida precaução na sua
aplicabilidade.