Prevalência da INGestão de Álcool nos Adolescentes: Estudo PINGA
Introdução
O álcool é a substância de abuso mais comercializada a nível mundial1 e uma das
poucas substâncias psicotrópicas que tem o seu consumo legalizado e
inclusivamente incentivado pela sociedade.2 De acordo com a Organização Mundial
de Saúde (OMS), o seu consumo pode ser classificado em cinco categorias:
3 abstinência, consumo não nocivo, consumo de risco, consumo nocivo e
dependência (Quadro I).
QUADRO I. Classificação do padrão de consumo de álcool de acordo com a OMS
Nos adolescentes o consumo de álcool tem vindo a assumir proporções alarmantes,
tratando-se da principal substância de abuso nesta faixa etária.5 Um padrão de
consumo que tem assumido importância crescente neste grupo é o chamado «binge
drinking», que corresponde ao consumo de cinco ou mais bebidas contendo álcool
(quatro no sexo feminino), num período de poucas horas, geralmente com o
objectivo de atingir a embriaguez.6,7
O consumo excessivo de álcool tem consequências negativas imediatas para a
saúde,7,8 podendo causar danos cerebrais, interferindo com o desenvolvimento
mental e com o aproveitamento escolar. Encontra-se frequentemente relacionado
com comportamentos anti-sociais, violência, suicídio, acidentes de viação,
comportamentos sexuais de risco, delinquência juvenil e abuso concomitante de
outras substâncias.2,5,7,8,10-12 Está também comprovadamente associado a um
risco aumentado de desenvolvimento de doença hepática, hipertensão arterial,
doença coronária, acidentes vasculares cerebrais e cancro da mama, boca ou
esófago, entre outras consequências.2,4,13 Um aspecto particularmente
preocupante é o facto de o consumo de álcool ter início em idades cada vez mais
precoces,5,12,14 o que aumenta o risco de desenvolvimento de problemas no
futuro.15,16
Segundo um estudo realizado nos EUA em 2003, o consumo de álcool no último mês
em jovens entre os 12 e os 20 anos foi de 50-52,8%;17 30% referiam praticar
«binge drinking» pelo menos uma vez por mês e 58% dos alunos do 12.o ano e 20%
dos alunos do 8.o ano referiam já ter ficado embriagados pelo menos uma vez na
vida.8 De acordo com um outro estudo de grande dimensão, 25,2% dos estudantes
do 7.o ao 12.o ano tinham consumido pelo menos uma bebida no último mês.14
Em Portugal, um estudo realizado no Porto com alunos do 9.o ao 12.o ano de
escolaridade,18 revelou que a proporção de consumo de álcool neste grupo era de
59,8%. Um outro estudo,19 realizado a nível nacional com alunos do 6.o ao 10.o
ano, demonstrou que 55,6% dos jovens do sexo masculino e 48,8% do sexo feminino
já haviam experimentado bebidas alcoólicas, enquanto 44% admitiam consumir
ocasionalmente e 7,1% faziam-no regularmente.
Parecem ser várias as razões que motivam o consumo de álcool pelos
adolescentes, nomeadamente o gosto pelo paladar, a necessidade de se integrarem
no grupo de amigos (como estratégia de coping), de se sentirem adultos ou o
desejo de relaxar e esquecer os problemas. Dois estudos realizados neste
âmbito20-21 concluíram que o consumo de álcool nos adolescentes ocorria
sobretudo por motivos sociais, nomeadamente como estratégia de coping. No
entanto, um número significativo de jovens consumia álcool com o objectivo de
se embriagar.21
Dada a escassez de estudos sobre o consumo de álcool nos adolescentes do
Nordeste Transmontano, região tradicionalmente referida por algum excesso no
consumo, a determinação da proporção de adolescentes que consomem bebidas
alcoólicas de forma regular e a quantificação e caracterização desse consumo
permitirá adequar estratégias de intervenção.
Objectivos
O presente estudo tem como objectivos caracterizar o consumo de álcool nos
adolescentes e verificar se existe relação com o sexo e com a idade. Pretende-
se ainda determinar as principais razões que motivam esse consumo, verificando
também se estão relacionadas com o sexo e com a idade.
Material e Métodos
Tipo de Estudo: Observacional, transversal e analítico.
Local do estudo: Escolas do 3.o ciclo e secundárias do distrito de Bragança.
População em estudo: Constituída pelos 14.826 adolescentes a frequentar as
referidas escolas no ano lectivo 2008/2009,18 definindo-se como adolescentes os
jovens com idades compreendidas entre os 13 e os 19 anos.
Critérios de exclusão: adolescentes ausentes da respectiva escola durante o
período de recolha de dados e estudantes dos estabelecimentos de ensino
seleccionados com menos de 13 anos ou mais de 19 anos.
Caracterização da amostra e técnica de amostragem: Amostra constituída por
adolescentes de turmas e escolas do distrito de Bragança no ano de 2009,
seleccionadas através de uma técnica de amostragem aleatória por etapas
múltiplas, seleccionando inicialmente as escolas e posteriormente algumas
turmas dentro de cada escola. A dimensão calculada da amostra, para uma
prevalência esperada de 45%, com um nível de precisão de 3,0% e um intervalo de
confiança de 95%, corresponde a 955 indivíduos.
Variáveis em estudo:
Sexo: género masculino ou feminino.
Idade: número de anos de vida. Agrupada em três intervalos: 13-14 anos; 15-17
anos e 18-19 anos.
Consumo de álcool: consumo de bebidas contendo álcool. Agrupado em cinco
categorias: abstinente (0 pontos); bebedor ocasional (1-19 pontos); consumo de
risco (20-41 pontos); consumo nocivo (42-57 pontos) e dependência (58-79
pontos).
Motivos de consumo: classificados nas seguintes categorias - gosto pelo
paladar; para acompanhar os amigos; para se sentir adulto; por nervosismo/
tensão/problemas ou ainda por tristeza, solidão ou pena de si próprio.
Métodos de recolha de informação:
Dados recolhidos através de um questionário internacional validado para a
população portuguesa, anónimo e de auto-preenchimento, distribuído nas escolas
e turmas seleccionadas. Como forma de garantir o anonimato, após o seu
preenchimento, os questionários foram colocados em envelopes fechados.
O «Adolescent Alcohol Involvement Scale» (AAIS) é um questionário de 14
questões, dirigido especificamente para populações jovens.23 A pontuação total
varia de 0 a 79 pontos. A cada alínea a) corresponde um ponto (excepto nas
questões 1, 2, 6, 12, 13 e 14, em que corresponde a 0 pontos), a cada alínea b)
dois pontos e assim sucessivamente. Em cada uma das questões pode ser
seleccionada mais do que uma alínea, contudo, para efeitos de pontuação, apenas
é contabilizada a resposta de maior pontuação. Os resultados encontram-se
agrupados em 5 categorias: abstinência (0 pontos); consumo ocasional (1-19
pontos); consumo de risco (20-41 pontos); consumo nocivo (42-57 pontos) e
dependência (58-79 pontos). Em Portugal, Barrias et al24 traduziram e validaram
este questionário, aplicando-o a amostras populacionais de várias regiões.
Tratamento dos dados:
Dados codificados e registados em base de dados informática (Microsoft Excel®).
Para o tratamento estatístico, utilizou-se o programa SPSS v.13.0 recorrendo-se
ao teste do qui-quadrado e adoptando um nível de significância de 0,05.
Resultados
Foram obtidos 1343 inquéritos, dos quais 240 foram excluídos por se encontrarem
incorrectamente preenchidos ou incompletos, o que corresponde a uma taxa de
resposta de 82,1%. Destes, foram ainda excluídos mais 42, por não preencherem
os critérios de inclusão, restando assim um total de 1061 inquéritos válidos e
correctamente preenchidos. A caracterização da amostra obtida encontra-se no
Quadro II. A média de idades foi de 16 anos e a mediana de 16,1 anos.
QUADRO II. Caracterização da amostra
Relativamente à proporção de consumo de álcool, a frequência verificada foi
elevada, com 69,5% dos jovens a apresentarem pelo menos um consumo mensal de
bebidas alcoólicas (Quadro III).
QUADRO III. Frequência de consumo de álcool pelos adolescentes
Dos 1061 jovens que responderam ao questionário, 89,8% (953) já consumiram
álcool em alguma ocasião, 96,4% dos quais no último ano. Apenas 10,2% referem
nunca ter ingerido bebidas alcoólicas, enquanto 21,3% dizem beber todos os
fins-de-semana e 2,0% diariamente. Por outro lado, 27,7% (294) dos jovens dizem
praticar «Binge Drinking».
Constatou-se ainda que o intervalo 14-15 anos foi a idade mais frequente para o
início do consumo de álcool, tendo sido referida por 36,1% dos jovens. Contudo,
uma percentagem de aproximadamente 6% admitiu ter começado a beber antes dos 10
anos.
Relativamente ao padrão de consumo de álcool obtido, mais de dois terços dos
adolescentes apresentam um consumo de risco. O Quadro IV apresenta esses
resultados.
QUADRO IV. Padrão de consumo de álcool obtido
Relacionando o sexo com o consumo de álcool, verificou-se que existe uma
relação estatisticamente significativa, sendo que o sexo masculino apresenta
maior consumo (pontuação média: 34,3, que corresponde a um consumo de risco;
p = 0,032), como se pode comprovar no Quadro V.
QUADRO V. Consumo de álcool por sexo
Analisando a distribuição do consumo de álcool por intervalos de idade,
verificou-se que este aumenta com a idade, apesar de esta relação não ser
estatisticamente significativa (Quadro VI).
QUADRO VI. Consumo de álcool por intervalo de idade
Relativamente aos motivos de consumo apontados, estes encontram-se expressos no
Quadro VII, destacando-se o «acompanhar os amigos» (coping) e o «gosto pelo
paladar» como principais motivos.
QUADRO VII. Motivos de consumo de álcool obtidos
Verificou-se a existência de uma relação entre sexo e motivos de consumo,
embora não estatisticamente significativa. Em ambos os sexos destacam-se como
motivos mais frequentes «acompanhar os amigos» e «gosto pelo paladar». No
entanto, no sexo masculino estes predominam sensivelmente de forma equitativa,
enquanto no sexo feminino predomina claramente o «acompanhar os amigos» (Quadro
VIII).
QUADRO VIII. Motivos de consumo por sexo
Analisando os motivos de consumo por grupo etário, não foi encontrada qualquer
relação - independentemente do grupo etário, os motivos mais referidos foram
sempre «acompanhar os amigos» e «gosto pelo paladar» (Quadro IX).
QUADRO IX. Motivos de consumo por grupo etário
Discussão
A proporção de consumo de álcool nesta faixa etária é elevada e superior à
obtida noutros estudos realizados neste âmbito,5,7,14,18 o que levanta a
hipótese de o Nordeste transmontano ser efectivamente uma região com um consumo
de álcool nos adolescentes acima da média. Um outro dado que sustenta esta
afirmação é a elevada proporção de jovens que já consumiram álcool em alguma
ocasião (89,8%), valor bastante acima daquele encontrado na literatura para
esta faixa etária. No que diz respeito ao «binge drinking», a taxa encontrada
foi semelhante à obtida no estudo realizado nos EUA em 2003.17 Este aspecto é
particularmente relevante, na medida em que este tipo de consumo demonstrou
estar associado a maior dano social e para a saúde.11
O padrão de consumo predominante foi o consumo de risco, seguido pelo consumo
nocivo, constatando-se assim a existência de padrões de consumo preocupantes.
Verificou-se um predomínio de consumo no sexo masculino. Existe também um
predomínio de consumo nas faixas etárias mais elevadas, ainda que não
estatisticamente significativo. Ambos os resultados vão, contudo, de encontro
ao referido na literatura.14
Em relação aos motivos de consumo, os motivos de carácter social assumem-se
como um factor determinante, à semelhança do referido noutros estudos,20,21
independentemente do sexo ou da idade. Assim, o gosto pelo paladar e o
acompanhar os amigos (motivos baseados num reforço positivo) foram os mais
frequentemente apontados. Este facto poderá estar associado a um esforço, por
parte dos adolescentes, para corresponder às expectativas do grupo, para se
sentirem integrados e respeitados.
É também preocupante a elevada percentagem de jovens com início de consumo de
álcool muito precoce, já que quase metade dos jovens referiram começar a beber
antes dos 15 anos. Constitui ainda motivo de reflexão a importante percentagem
dos que iniciaram o consumo antes dos 10 anos de idade. Uma das razões para
este início de consumo tão precoce é o facto de as bebidas alcoólicas
funcionarem como uma droga socialmente aceite e facilmente acessível, apesar de
a sua venda estar interdita a menores de 16 anos.25
No que diz respeito à validade interna deste estudo, pode ser caracterizada
como boa, uma vez que a amostra foi representativa e aleatória e se obteve uma
boa taxa de adesão. Relativamente a limitações, admite-se a existência de
alguns viéses, nomeadamente de memória ou de medição, apesar da garantia de
anonimato e confidencialidade. Quanto à validade externa, os resultados obtidos
foram semelhantes a outros estudos existentes, embora com uma proporção de
consumo ligeiramente superior, o que reforça a ideia de estarmos perante um
problema da maior gravidade.
Este estudo permitiu assim caracterizar o consumo de álcool dos adolescentes do
distrito de Bragança, possibilitando o estabelecimento de estratégias de
prevenção e educação mais direccionadas, nomeadamente a divulgação destes
resultados nas respectivas escolas e realização de sessões educativas. Uma
outra medida a implementar seria a abordagem desta problemática nos Exames
Globais de Saúde dos 11-13 anos, sensibilizando desde logo os jovens e
encarregados de educação.
Como linhas futuras de investigação sugere-se a avaliação de possíveis factores
relacionados com o consumo de álcool, nomeadamente de natureza psicológica ou
social. Seria igualmente pertinente verificar se existe relação entre motivos
de consumo, quantidade consumida e consequências directas desse consumo.