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EuPTCVHe0870-71032011000400005

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National varietyEu
Year2011
SourceScielo

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A realidade do consumo de drogas nas populações escolares

INTRODUÇÃO O consumo de drogas transformou-se numa preocupação mundial, particularmente nos países industrializados, em função da sua grande prevalência e dos riscos que pode acarretar. A adolescência é uma etapa do desenvolvimento que suscita grandes preocupações quanto ao consumo de drogas pois constitui uma época de exposição e vulnerabilidade às mesmas.

Os vários Estados têm fomentado o estudo e o controlo do fenómeno do consumo de drogas com o objectivo de definir políticas de intervenção.

O European School Survey on Alcohol and Drugs (ESPAD) é um projecto com inquéritos realizados a cada 4 anos em 35 países europeus, que conta com o apoio do Grupo Pompidou do Conselho da Europa e do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT). O estudo realizado em 2007 concluiu que, em Portugal Continental, 18% dos rapazes e 10% das raparigas de 16 anos de idade experimentaram o consumo de drogas ilícitas pelo menos uma vez. A média europeia de consumo de drogas foi de 23% no sexo masculino e 17% no sexo feminino.1 O Inquérito Nacional em Meio Escolar, realizado em 2006, revelou um consumo de cannabis de 10% dos alunos do 3.o ciclo e de 32% dos alunos do ensino secundário da Região Autónoma dos Açores, superior à prevalência de qualquer outra região do país para os mesmos grupos etários.2 Notou-se uma diminuição do consumo em relação ao mesmo estudo em 2001 em todas as regiões, excepto nos alunos açorianos do ensino secundário, em que a prevalência se manteve igual (32%).3 Os objectivos deste estudo foram caracterizar o consumo de drogas ilícitas dos estudantes açorianos do 3.o ciclo e avaliar os seus conhecimentos sobre a temática.

MÉTODOS Foi realizado um estudo observacional, transversal descritivo no ano de 2009. A população em estudo era constituída pelos estudantes do 3.o ciclo da Região Autónoma dos Açores. A amostra foi seleccionada por conveniência sendo composta pelos alunos de todas as turmas do 9.o ano de 5 escolas da Região Autónoma dos Açores, o que correspondeu a 605 estudantes, ou seja, 6,4% do total de alunos inscritos no 3.o ciclo na Região nesse ano (9484 alunos). A selecção das escolas dependeu de condicionalismos inerentes à situação geográfica das ilhas.

Foi aplicado um inquérito anónimo (Anexo_I), após autorização do Conselho Executivo de cada escola e dos pais dos alunos. O questionário foi criado pelos autores, com algumas perguntas adaptadas do ESPAD,1 não tendo sido validado. O formulário foi entregue pelos autores no início de uma aula, informando os alunos sobre o objectivo do estudo.

Os inquéritos foram distribuídos explicando-se as instruções para o seu preenchimento e explicitando-se o anonimato das respostas. Os participantes foram encorajados a responder individualmente, com honestidade e em silêncio.

Os alunos foram informados de que poderiam esclarecer qualquer dúvida que surgisse ao longo do preenchimento do inquérito.

Após o seu preenchimento os inquéritos foram dobrados e colocados pelos próprios alunos numa urna fechada e transportados pelos autores, mantendo o anonimato de cada estudante.

As variáveis estudadas foram a idade, sexo, informação sobre drogas e seus efeitos, consumo de drogas, e, em caso afirmativo, local, forma de utilização, tipo de estupefaciente, idade de início, frequência e motivo que levou ao consumo.

Foi utilizado o programa SPSS v. 16.0 na análise estatística.

RESULTADOS Foram entregues 605 inquéritos (taxa de resposta de 100%), dos quais 3 foram excluídos do estudo por apresentarem respostas incoerentes ou sem fidedignidade (um aluno não respondeu a nenhuma questão, dois responderam seleccionando várias opções para a mesma pergunta). Os questionários incluídos foram respondidos de forma integral.

Assim, a amostra incluiu 602 adolescentes, 307 do sexo feminino e 295 do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos. A média de idades foi 15,2 anos, com predomínio da faixa etária dos 14 e 15 anos, 66,7% dos adolescentes, seguida de 16 e 17 anos, 28,9% dos estudantes (Quadro I).

QUADRO I. Caracterização da amostra

Todos os inquiridos afirmaram ter ouvido falar de drogas e seus efeitos em vários contextos. Cerca de 76,4% abordaram o tema na escola e apenas 47,0% discutiram o problema em casa (Quadro II).

QUADRO II. Local onde os alunos abordaram o tema das drogas

A prevalência de consumo de droga entre os estudantes foi de 25,6%, 29,2% dos rapazes e 22,1% das raparigas (Quadro III).

QUADRO III. Prevalência da utilização de drogas ilícitas

A droga mais utilizada foi a cannabis, experimentada por todos os indivíduos que afirmaram ter utilizado drogas ilícitas. A cocaína foi consumida por 5,2%, o ecstasy também por 5,2%, as anfetaminas por 3,2% e a heroína por 1,9% dos alunos. Em todos os tipos de droga a prevalência de utilização foi sempre superior no sexo masculino (Quadro IV).

QUADRO IV. Tipo de Droga consumida

Do total de inquiridos, 62,3% afirmaram ter visto amigos ou colegas consumirem drogas ilícitas e 38,0% afirmaram lhes ter sido oferecida droga.

A percentagem de consumo de drogas ilícitas entre os estudantes foi semelhante para todos os níveis de escolaridade dos pais (Quadro V).

QUADRO V. Escolaridade dos pais e consumo de drogas ilícitas

O Quadro VI mostra os locais de consumo e as vias de administração das drogas.

O local de consumo preferencial foi um bar/discoteca, referido por 78,6% dos alunos que afirmaram ter consumido drogas. Quanto ao consumo de drogas na escola, 249 (41,2%) dos inquiridos viram consumir neste local e 72 (11,9%) o fizeram, correspondendo a 46,8% dos alunos que consumiram droga. Todos estes experimentaram droga fumada, 8 também a consumiram por via nasal, 13 por via oral e 3 por via endovenosa.

QUADRO VI. Local de consumo e via de administração

A idade de início de utilização foi em média de 14,4 anos (14,3 para os rapazes e 14,5 para as raparigas), sendo a idade mínima de 10 anos e a máxima de 18 anos (Quadro VII).

QUADRO VII. Idade de início de consumo de drogas

Quanto à frequência de consumo, é de notar que 42,9% correspondeu a uma ou duas experiências na vida, mas 44,2% apresentava um consumo regular ao fim-de- semana. Cinco estudantes do sexo masculino consumiam diariamente, sendo que destes 3 tinham 15 anos, um 16 anos e outro 18 anos (Quadro VIII).

QUADRO VIII. Frequência de consumo

Os motivos de início de consumo (Quadro IX) mais referidos pelos estudantes foram a curiosidade (80,5%), a oferta de um amigo (27,3%) e a diversão (31,4% dos rapazes e 17,6% das raparigas). Estas razões foram escolhidas pelos estudantes a partir de sete opções, incluindo «outras». Vários motivos podiam ser apontados. Dois estudantes afirmaram ter consumido em momentos de solidão.

QUADRO IX. Motivo de iniciação de consumo

DISCUSSÃO Este estudo mostra uma prevalência de consumo de drogas ilícitas de 25,6% (29,2% nos rapazes e 22,1% nas raparigas) nos alunos respondedores. Estes valores são superiores à média europeia de consumidores, identificada em estudos internacionais. A média de adolescentes entre os 15 e os 16 anos que experimentaram drogas ilícitas pelo menos uma vez na vida, dos países europeus participantes no ESPAD, situou-se nos 23% nos rapazes e 17% nas raparigas, com variação considerável entre os vários países. Os níveis de prevalência mais reduzidos encontraram-se nos países nórdicos e Europa Oriental. Na República Checa, 46% dos adolescentes referiram ter consumido drogas ilícitas. Na Suíça, França e República Eslovaca cerca de 30%. Em Portugal 13%. Na Noruega, Chipre e Roménia apenas 6%.1 A prevalência de consumo de drogas entre os estudantes encontrada nesta amostra é superior à prevalência encontrada em qualquer outra região do país num estudo de 2006 em estudantes do 3.o ciclo (Norte 6%, Centro 6%, Lisboa-Vale do Tejo 6%, Alentejo 8%, Algarve 7% e Madeira 7%). Nos Açores a prevalência encontrada no referido estudo foi de 10%.2 Tal como noutros estudos, são os rapazes quem mais frequentemente consome.4,5 A idade de início de consumo foi em média de 14,4 anos, semelhante à encontrada por outros autores.6-8 A droga mais consumida foi a cannabis, utilizada por todos os estudantes que afirmaram ter experimentado algum tipo de droga ilícita. Este resultado é semelhante ao encontrado noutros trabalhos.6,9 No presente estudo, 19 alunos (3,2%) tinham experimentado uma ou mais drogas além da cannabis. A média europeia de utilização de outras drogas situou-se em 7% em 2007.1 Vários são os factores de risco que têm sido implicados no consumo de drogas ilícitas, tais como factores genéticos, neurobiológicos, de personalidade e psicológicos. Contudo, o meio familiar e o ambiente em que o adolescente se insere são considerados factores de risco major para o abuso de substâncias lícitas e ilícitas.10-13 As relações positivas na família, o suporte emocional e social dos pais e um estilo de disciplina parental construtivo e consistente tendem a estar relacionados com menos envolvimento em comportamentos de risco.14,15 O facto de os jovens passarem o tempo livre em contextos sociais não estruturados está relacionado com um maior uso de substâncias.16 Ao contrário, a participação em actividades organizadas funciona como um factor de protecção.17 Existem vários tipos de consumo de drogas, nomeadamente um consumo tipo festivo, que acontece em grupo e através do qual se procura divertimento,18 e um consumo autoterapêutico que procura o alívio de sintomas de mal-estar e stress.18-20 Os principais locais de consumo foram realmente os locais de lazer, nomeadamente bares e discotecas (78,6%). Quanto aos factores motivadores do consumo, o desejo de diversão foi referido por 25,3% e o facto de estar triste por 8,4% dos participantes.

A curiosidade foi o factor motivante da experimentação referido por mais adolescentes (45,5%), facto de acordo com outros estudos realizados noutros países.7,8,21 Neste estudo verificou-se uma percentagem elevada de alunos que consome droga em ambiente escolar. Do total de inquiridos, 41,2% viram consumir na escola e 46,7% dos consumidores o fizeram neste local. Isto revelou-se um factor extremamente inquietante, uma vez que a escola deveria ser tida como um local privilegiado para prevenir estes comportamentos de risco. No entanto, é o local de convívio entre pares e em que essas condutas se perpetuam, de certo modo como tentativa de afirmação. A intervenção na escola, pelo que foi possível apurar, tem sido feita sobretudo através de sessões de esclarecimento, organizadas pelos Centros de Saúde e que envolvem médicos de Medicina Geral e Familiar, enfermeiros e psicólogos. Contudo, as intervenções realizadas, apesar de fundamentais, parecem não ser suficientes.

Dependendo de vários factores, a escola pode ser um factor protector ou propiciador de comportamentos de risco.22 Um ambiente escolar que seja promotor de saúde pode ser encarado como um recurso para o desenvolvimento de comportamentos de aumento de saúde e de bem-estar, sendo que a satisfação com a escola pode contribuir para esse bem-estar e para a qualidade de vida dos jovens. O contexto escolar (grupo de pares) e social em que o adolescente está inserido tem sido apontado como o preditor mais consistente do uso de substâncias na adolescência.23 No seio do ambiente escolar identificam-se factores como a falta de motivação para a aprendizagem, o fraco desempenho escolar, o absentismo e a vontade de ser independente, articulados com a falta de interesse na realização pessoal como factores de risco para o uso de substâncias ilícitas.24 Por outro lado, a atitude dos amigos em relação à escola parece ser um factor determinante na forma como os adolescentes vêem a escola.25,26 Neste estudo, o desejo de integração num grupo foi referido como motivador do consumo por 18,2% dos utilizadores, sendo que a experimentação levada pela oferta de um amigo foi referida por 16,2%.

A disponibilidade da droga parece ser um factor importante no consumo. Cerca de 62,3% dos estudantes afirmaram ter visto amigos ou colegas consumirem drogas ilícitas e 38,0% afirmaram lhes ter sido oferecida droga. A nível europeu, cerca de 30,0% dos estudantes referiram ser fácil encontrar cannabis.1 As intervenções com o intuito de prevenir o consumo de substâncias psico- activas a nível escolar são fundamentais, havendo necessidade de uma abordagem dos múltiplos problemas do contexto escolar, tal como tem sido proposto e legislado recentemente.2 Estes resultados também alertam para a necessidade de se intervir em factores específicos associados ao risco, como os locais de diversão frequentados pelos adolescentes. Contudo, a socialização com o grupo de pares é fundamental no desenvolvimento, bem-estar e auto-estima dos jovens, pelo que as intervenções têm que abordar alternativas para lidar com os desafios com que os adolescentes se deparam, permitindo-lhes alcançar estabilidade pessoal e social, sem recorrer ao uso de drogas.

Em conclusão, este estudo sugere que a prevalência de consumo de droga entre os adolescentes açorianos é muito elevada, superior a qualquer outra região do país e à média europeia.

No entanto, é importante realçar as limitações metodológicas deste estudo, que poderão ter contribuído para este valor tão elevado. O facto de se terem seleccionado apenas os alunos do 9.o ano, os seja, os mais velhos do 3.o ciclo, pode ter influenciado a elevada percentagem de estudantes que referiram ter consumido substâncias ilícitas, quando comparada com outros estudos. Também a utilização de uma amostra de conveniência, muito provavelmente não representativa da população em estudo, impede a generalização dos resultados para a população estudantil do 3.o ciclo, como era o objectivo do trabalho. Por outro lado, como o estudo foi realizado apenas em ambiente escolar não é possível generalizar estes resultados para a população adolescente da Região Autónoma dos Açores.

A não validação do questionário é uma limitação importante, tanto mais que se admite que algumas perguntas podem ter induzido as respostas.


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