Qual o risco do rastreio do cancro de mama com mamografia?
CLUBE DE LEITURA
Qual o risco do rastreio do cancro de mama com mamografia?
Carla Lopes da Mota
Interna de 3.o ano Medicina Geral e Familiar USF Espinho
Gotzsche PC, Nielsen M. Screening for breast cancer with mammography. Cochrane
Database Syst Rev 2011 Jan 19; (1):: CD001877. doi: 10.1002/14651858.
CD001877.pub4
Introdução
O cancro de mama é uma importante causa de morte e morbilidade nas mulheres. A
sua detecção precoce, recorrendo ao rastreio com mamografia, tem o potencial de
reduzir a mortalidade por esta doença. No entanto, verifica-se que o rastreio
gera sobre-diagnósticos e sobre-tratamentos, pelo que têm sido publicadas
múltiplas estimativas acerca dos benefícios e malefícios do uso da mamografia
no rastreio do cancro de mama.
O objectivo desta revisão foi determinar qual o efeito do rastreio do cancro de
mama, com mamografia, na mortalidade e morbilidade por esta doença.
Métodos
Foi realizada uma pesquisa na Pubmed de ensaios clínicos randomizados e
publicados até Novembro de 2008, que comparavam mulheres que realizaram o
rastreio do cancro de mama com mamografia versus mulheres não rastreadas; os
outcomes avaliados foram a mortalidade por cancro de mama ou qualquer outra
patologia oncológica, mortalidade por todas as causas, recurso a intervenção
cirúrgica, recurso a terapêutica adjuvante e danos associados ao uso de
mamografia.
As mulheres incluídas não tinham diagnóstico prévio de cancro de mama ou
qualquer outra patologia oncológica.
Os dados foram avaliados pelos dois autores de forma independente.
Resultados
Foram identificados oito ensaios e seleccionados sete, incluindo-se no estudo
600.000 mulheres que de forma randomizada realizaram mamografia de rastreio ou
não. Três ensaios com randomização adequada não demostraram uma redução
significativa na mortalidade por cancro de mama a 13 anos [risco relativo (RR)
0,90; intervalo de confiança (IC) 95% 0,79-1,02]. Os outros quatro ensaios, com
randomização sub-óptima, mostraram uma redução significativa na mortalidade por
cancro de mama (RR 0,75; IC 95% 0,67-0,83). O RR calculado usando os sete
ensaios foi de 0,81 (IC 95% 0,74-0,87). Os autores detectaram que a mortalidade
por cancro de mama era um outcome não fidedigno, porque estava enviezado a
favor do rastreio, devido principalmente à incorrecta classificação da causa de
morte.
Os ensaios com randomização adequada não demostraram um efeito do rastreio na
mortalidade por cancro, incluindo o cancro de mama, após 10 anos (RR 1,02; IC
95% 0,95-1,10) ou na mortalidade por todas as causas após 13 anos (RR 0,99; IC
95% 0,95-1,03).
O número de tumorectomias e mastectomias foi significativamente mais elevado no
grupo de rastreio (RR 1,31; IC 95% 1,22-1,42) nos dois ensaios com randomização
adequada que avaliaram este outcome; o uso de radioterapia estava aumentado de
forma semelhante.
Discussão
O rastreio do cancro de mama provavelmente reduz a mortalidade por esta
patologia. Como o efeito desse rastreio foi menor nos ensaios adequadamente
randomizados, uma estimativa razoável será uma redução de 15%, correspondente a
uma redução do risco absoluto de 0,05%. O rastreio levará a um aumento de 30%
de casos sobre-diagnosticados e sobre-tratados ou a um aumento do risco
absoluto de 0,5%. Isto significa que, por cada 2000 mulheres convidadas a
realizar o rastreio do cancro de mama, ao longo de 10 anos, uma terá a sua vida
prolongada. De forma adicional, 10 mulheres saudáveis, que não teriam sido
diagnosticadas se não tivessem integrado o rastreio, serão diagnosticadas com
cancro de mama e efectuarão tratamentos desnecessários. Alem disso, serão
induzidas perturbações psicológicas a mais de 200 mulheres pelos resultados
falsos positivos.
Assim, não é claro se o rastreio tem mais benefícios do que malefícios. Por
isso as mulheres convidadas a realizar o rastreio de cancro da mama com
mamografia deverão ser informadas sobre os seus benefícios, mas também, quais
os possíveis danos que lhes podem ser infligidos.
Comentário
As orientações programáticas do Plano Nacional de Prevenção e Deteção das
Doenças Oncológicas 2007-2010, ainda em vigor, recomendam a realização de
mamografia a cada dois anos a todas as mulheres entre os 50 e os 69 anos, para
o rastreio do cancro da mama.1 Estarão as mulheres cientes dos benefícios e
riscos desta acção que lhes é proposta, em nome da prevenção da doença e
diminuição da mortalidade?
Esta revisão demonstrou que, apesar do rastreio do cancro de mama provavelmente
reduzir a mortalidade por este tipo de cancro, a magnitude do efeito desse
rastreio não é clara. Do rastreio resultam alguns diagnósticos de cancro de
mama em mulheres que provavelmente não teriam doença ou não morreriam por esta
causa. Não se conseguindo determinar quem são estas mulheres, os custos devem
ser ponderados, sejam os encargos para o serviço nacional de saúde e
consequentemente para a sociedade, sejam os possíveis danos físicos e
psicológicos que podem ser induzidos às mulheres rastreadas.
O objectivo de um rastreio é realizar uma deteção precoce, quando a cura ainda
é provável, reduzindo a mortalidade. No entanto, tanto os benefícios quanto os
malefícios devem ser considerados quando se pretende instituir um rastreio
organizado. Perante a incerteza da sobreposição dos benefícios versus os
possíveis danos, as mulheres devem ser informadas e alertadas para esta
realidade, cabendo ao médico de família ter um papel activo nesta clarificação.