Relato de um caso de Síndrome de Ramsay Hunt
INTRODUÇÃO
O Síndrome de Ramsay Hunt foi descrito pelo autor que lhe deu o nome em 1907. É
provocado pelo vírus herpes zóster (VHZ) e é caracterizado por paralisia facial
periférica acompanhada de eritema vesicular do ouvido externo ou boca e outros
sinais/sintomas como acufenos, diminuição da acuidade auditiva, náuseas,
vómitos, vertigem e nistagmo.1 A otalgia é um sintoma comum em Medicina Geral e
Familiar (MGF), contudo os casos de otites a VHZ são pouco frequentes.
Pretende-se com este caso destacar os sinais que alertam para esta patologia.
DESCRIÇÃO DO CASO
Sexo feminino, 68 anos, raça branca. Apresentou-se com otalgia e dor na
hemiface direita intensa tipo queimadura, constante, agravada pela palpação e
mastigação e sem factores de alívio, com três dias de evolução. Negava
otorreia, otorragia, acufenos, vertigens, febre e queixas respiratórias.
Encontrava-se medicada com Amoxicilina+ácido clavulânico 875+125mg bid e
diclofenac 75mg bid há 48h sem melhoria. Doente hipertensa, tiroidectomizada,
com osteoporose e hérnia do hiato, medicada com cálcio+vitamina D3 1500 mg +
400 U.I./dia, lisinopril 20mg+hidroclorotiazida 12,5mg/dia, levotiroxina 0,1mg/
dia e omeprazol 20mg/dia. Negava consumos nocivos. Tinha as vacinas
actualizadas. À observação: normotensa, apirética, otoscopia à direita com
edema e eritema do canal auditivo externo (CAE), membrana timpânica sem sinais
inflamatórios e adenopatia submandibular direita com dois centímetros de
diâmetro de características benignas. Assumiu-se o diagnóstico de otite
externa. Manteve a antibioterapia e iniciou clonixina 300mg tid. Regressou 24h
depois por assimetria facial. Negava alterações da fala, visão e da força/
sensibilidade dos membros. Exame objectivo sobreponível ao anterior, mas com
lesões vesiculares de novo no CAE e pavilhão auricular direito; hiperémia
conjuntival direita e exame neurológico sem alterações, excepto desvio da
comissura labial com incapacidade de elevação da mesma e incapacidade de
encerramento do olho direito sugestiva de paralisia facial periférica direita
(grau V na escala de House-Brackmann).
Admitiu-se o diagnóstico de Síndrome de Ramsay Hunt (72h após o início das
queixas). Iniciou aciclovir 800mg de qid (completou sete dias), pregabalina
50mg tid (completou 15 dias) e lágrimas artificiais. Melhoria sintomática em
48h, mantendo a paralisia facial periférica. Fez betametasona 14mg/2mL
intramuscular toma única e fisioterapia durante quinze dias. Após quatro
semanas estava totalmente recuperada (grau I na escala de House-Brackmann).
COMENTÁRIO
A incidência do Sindrome de Ramsay Hunt é 5/100000 habitantes, sendo a segunda
causa de paralisia facial atraumática.7 Caracteriza-se por dor grave no
dermátomo, com irradiação para o pavilhão auricular e associada a epífora,
obstrução nasal e sialorreia.1-2,7 Faz diagnóstico diferencial com paralisia de
Bell, otite externa e nevralgia do trigémio. As complicações incluem: nevralgia
pós-herpética, meningite, encefalite, mielite, paralisia de nervos cranianos e
paralisia de nervos periféricos.1-4 O diagnóstico é clínico (a análise do
liquído cefalo-raquidiano e a ressonância magnética não têm valor diagnóstico
nem prognóstico1). Relatos de caso e estudos retrospectivos sugerem que o
tratamento precoce com antiviral e corticoesteróide melhoram o prognóstico. Um
esquema terapêutico possível é: aciclovir 800mg per os cinco vezes/dia durante
sete a dez dias e prednisolona 1mg/kg/dia per os durante cinco dias. A
necessidade de fisioterapia de reabilitação é ainda controversa.5-7
Este caso clínico serve principalmente como alerta para a necessidade de o
Médico de Família estar constantemente a actualizar conhecimentos de forma a
não descurar das causas menos prevalentes de sintomas comuns da prática
clínica. Permite ainda destacar a importância da escuta activa, pois na
primeira avaliação uma atenção pormenorizada às queixas da doente já indiciava
um caso de dor neuropática. Por último, permite uma revisão breve desta
entidade nosológica ' síndrome de Ramsay Hunt ' rara nos cuidados de saúde
primários.