Recensão bibliográfica do livro de Gareth Morgan Images of Organization
Recensão bibliográfica do livro de Gareth Morgan Images of Organization
Book review of Images of Organization by Gareth Morgan
Luís Moraisa
aCentro de Investigação e Estudos em Saúde Pública (CIESP), Escola Nacional de
Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal,
luismorais@chmt.min-saude.pt
O livro de Gareth Morgan 1, 'Images of Organization' convida à reflexão. O
próprio autor descreve a obra como um tratado sobre o pensamento metafórico que
contribui para a teoria e a prática da análise organizacional. Trata-se, pois,
de recorrer à metáfora com o fim de: (i) criar novas maneiras de pensar, ver,
arquitectar e desenhar a organização; (ii) ultrapassar as formas estereotipadas
de pensamento que têm prevalecido, através da imagem da máquina e do organismo;
(iii) explorar as potencialidades fornecidas por este tipo de análise.
Gareth Morgan apresenta uma abordagem sobre as organizações a partir de
metáforas que permitem vê-las como máquinas, organismos, cérebros, culturas,
sistemas políticos, prisões psíquicas, fluxos de transformação e instrumentos
de dominação, desenhando as suas forças, limitações e implicações na prática
das organizações.
A intenção parece ser a de demonstrar o quanto o universo das organizações se
está a tornar cada vez mais complexo e repleto de ambiguidades enquanto que a
nossa capacidade de o interpretar não está a seguir o mesmo rumo. Segundo
Morgan, não há mais espaço para uma visão simplista das organizações,
administradas como se fossem máquinas desenhadas para atingir objectivos
predeterminados, que tendem a limitar, em lugar de activar, o desenvolvimento
das capacidades humanas. Não se pode ignorar as contribuições criativas que o
potencial humano é capaz de fornecer, quando lhes são oferecidas as
oportunidades apropriadas.
As organizações precisam desenvolver uma racionalidade reflexiva e auto-
organizadora, necessárias ao constante processo de adaptação às situações de
mudança que o desenvolvimento tecnológico requer, sem o que estarão condenadas
ao fracasso, à morte. É com esta abordagem e por considerar que os seres
humanos têm grande influência sobre aquilo que é o seu mundo, que Morgan
focaliza a organização sob diversos ângulos, explorando metáforas que, quando
analisadas em conjunto, oferecem importantes subsídios para uma melhor
interpretação do universo multifacetado da vida organizacional. Utilizando-se
da metáfora das máquinas, Morgan demonstra o quanto a busca pela precisão e
eficiência subvalorizou os aspectos humanos da organização, subestimando a
capacidade dos trabalhadores de resolverem problemas complexos e imprevisíveis,
revelando grande dificuldade para se adaptar às mudanças.
A organização mecanicista desencoraja a iniciativa e encoraja a apatia e falta
de orgulho pelo trabalho desempenhado, não estimulando desafios. A actualidade
já demonstra serem necessários métodos organizacionais que activem, ao invés de
limitar, o desenvolvimento da capacidade intelectual do trabalhador. Enquanto
na metáfora da máquina o conceito de organização é o de uma estrutura estática
e fechada, na metáfora do organismo o conceito de organização é o de uma
entidade viva, em constante mutação, interagindo com seu ambiente na tentativa
de satisfazer as suas necessidades e adaptar-se a circunstâncias ambientais.
Como um organismo vivo, com elementos diferenciados mas integrados, que tendem
a se auto-organizarem, numa interacção constante com o ambiente, influenciando
e sendo influenciado por ele, a organização vai em busca da sua própria
sobrevivência.
Sob um outro ângulo a organização, de modo similar ao cérebro, pode ser vista
como um sistema de processamento de informações capaz de aprender a aprender, e
através da aprendizagem, num processo que estimule a flexibilidade e a
criatividade, recriar-se. Em circunstâncias que mudam é importante que sejam
questionados os procedimentos que estão a ser desenvolvidos, para que de forma
auto reguladora sejam monitorizadas as modificações necessárias à nova
situação. O processo de aprender a aprender depende da habilidade de permanecer
aberto às mudanças que estão a ocorrer no ambiente e à habilidade de desafiar
hipóteses operacionais com um certo grau de abertura e autocrítica nada
familiar aos moldes mecanicistas. Qualquer movimento no sentido da auto-
organização deve ser acompanhado por importantes mudanças de atitudes e
valores.
Com essa abordagem Morgan conduz-nos à metáfora da cultura, já que é a cultura
que delineia o carácter da organização. Assim, a cultura corporativa pode
facilitar ou dificultar a actividade organizacional dado que, uma mudança
efectiva depende de mudanças nos valores que devem guiar as acções. As crenças
e as ideias que as organizações possuem de si mesmas, bem como aquilo que
pensam fazer no que diz respeito ao seu ambiente, influenciam demasiado a
materialização dos seus objectivos, encorajando-os também para a formulação da
sua estratégia empresarial.
A estratégia empresarial, no entanto, é baseada em interesses, muitas vezes
divergentes e desagregadores, daí o uso da metáfora dos sistemas políticos em
que pessoas interdependentes com interesses divergentes se unem com o propósito
de satisfazer as suas necessidades básicas, desenvolver uma carreira
profissional ou de perseguir metas fora dos seus trabalhos.
Embora as organizações sejam realidades socialmente construídas acabam por
desenvolver um poder próprio capaz de exercer controlo sobre os seus criadores.
Assim, utilizando-se da metáfora da prisão psíquica, Morgan tenta demonstrar
como as pessoas podem ficar prisioneiras de ideias, pressupostos falsos,
crenças preestabelecidas, regras operacionais sem ser questionadas, que
combinados formam pontos de vista muito estreitos do mundo, o que acaba por
funcionar como uma resistência inconsciente a mudanças na organização, e
eliminando a possibilidade de acções associadas a visões alternativas da
realidade.
Muitos dos problemas que as organizações encontram ao lidarem com o seu meio
ambiente encontram-se intimamente ligados com o tipo de identidade que tentam
manter, ignorando flutuações consideradas ameaçadoras à sua auto referência.
Entretanto, a organização vista como fluxo de transformação revela que
indivíduos e organização têm possibilidade de escolher o tipo de auto imagem
que irá guiar as suas acções e delinear o seu futuro. Nesse sentido, deve
considerar-se que as organizações transformam-se em conjunto com seu meio
ambiente, levando a compreender que o padrão da organização que se vai
revelando com o passar do tempo é evolutivo.
Recorrendo à metáfora do instrumento de dominação, Morgan demonstra que até as
formas mais racionais e democráticas de organização podem resultar em modelos
de dominação. Uma maior rentabilidade pode significar maior esforço dos
funcionários, sem que isso implique uma melhoria salarial. O que é racional sob
o ponto de vista da organização pode ser catastrófico na óptica do funcionário.
Aprender a lidar com a inconstância e complexidade da realidade organizacional
é um grande desafio e o método proposto por Morgan é apenas o início de uma
caminhada.