Celebração do 25.º Aniversário da Carta de Ottawa
Celebração do 25.º Aniversário da Carta de Ottawa
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Emília Nunesa
aMédica, Assistente Graduada Sénior de Saúde Pública; Presidente da Direcção da
Associação Portuguesa de Promoção da Saúde Pública. maria.pereira@ihmt.unl.pt
A Carta de Ottawa1, assinada no dia 21 de Novembro de 1986, no final da 1.ª
Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, promovida pela OMS e pelo
Ministério da Saúde do Canadá, permaneceu, até aos dias de hoje, como um guia
orientador para o trabalho em promoção da saúde, como uma fonte de inspiração e
um desafio para a implementação de muitas e diversas iniciativas neste domínio,
apesar das profundas modificações sociais que entretanto tiveram lugar. Durante
os últimos 25 anos, a Carta de Ottawa influenciou de modo significativo a
formulação de objectivos na área da saúde pública. Pela pertinência da sua
visão, dos seus princípios e das suas propostas estratégicas, este documento
ganhou um estatuto próprio, integrando hoje o corpo teórico de referência da
saúde pública.
Esta Carta surge na continuidade de outras iniciativas promovidas pela OMS,
tendo como principais fundamentos, por um lado, a definição de saúde adoptada
por esta Organização, no preâmbulo da sua Constituição, em 1948, (saúde numa
perspectiva bio-psico-social e não a mera ausência de doença), por outro, os
princípios expressos na Declaração de Alma-Ata sobre os Cuidados de Saúde
Primários, aprovada em 19782,3,4,5.Na Declaração de Alma-Ata2, documento
igualmente marcante na história da Saúde Pública, a saúde é reconhecida como um
direito humano fundamental; as desigualdades em saúde são consideradas
inaceitáveis; é reconhecido o direito e o dever, de todos os cidadãos, de
participação no planeamento dos serviços de saúde e nas decisões relacionadas
com a saúde; é feito um apelo à intervenção dos decisores políticos na criação
de condições estruturais favoráveis à saúde; os Cuidados de Saúde Primários são
valorizados como a grande estratégia de obtenção da "Saúde para todos"; a
promoção e a protecção da saúde das pessoas e populações são consideradas como
uma condição essencial para o desenvolvimento económico e social sustentável,
contribuindo para aumentar a qualidade de vida e a paz mundial2.
Para além do trabalho da OMS, são de valorizar outras iniciativas neste
período, que viriam a revelar-se importantes na construção de uma nova
abordagem em Saúde Pública. São de relembrar, entre outras, o "Relatório
Lalonde", do Ministro da Saúde do Canadá (1974), que introduziu o conceito de
campo da saúde e estruturou os determinantes da saúde em quatro grandes grupos
- factores genéticos e biológicos, estilos de vida, factores ambientais e
serviços de saúde; a teoria da salutogénese de Abraham Antonosky e os estudos
sobre estilos de vida e saúde de Belloc e Breslow6,7,3,4,5,8.
Em 1984, a OMS, sob a liderança de Halfdan Mahler, adopta a estratégia "Saúde
para todos no ano 2000", exprimindo, assim, uma vontade de conciliação de
esforços para a obtenção, não só de mais saúde, mas também de uma maior
equidade em saúde9,3,10.
Nesse mesmo ano, na OMS é criado o Programa de Promoção da Saúde e publicado um
pequeno documento: Conceitos e princípios de promoção da saúde11, documento que
continha as raízes conceptuais do que viria a ser adoptado na Carta de Ottawa.
A Carta de Ottawa surge, assim, como documento final dos trabalhos da 1.ª
Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada de 17 a 21 de
Novembro de 1986.
Esta Carta propôs-nos uma visão: saúde e bem-estar para todos, através da
promoção da literacia e do empowerment das pessoas e comunidades, condição
essencial para que estas sejam capazes de agir, de modo consciente e informado,
sobre os factores determinantes da saúde. O trabalho intersectorial, tendo em
vista a criação de condições ambientais e sociais facilitadoras de escolhas
saudáveis e a redução das desigualdades sociais, são consideradas condições
imprescindíveis para a obtenção de ganhos em saúde para toda a população1.
Sumariamente esta Carta propôs-nos três estratégias para uma nova saúde
pública:
- Advogar - defender os interesses da saúde pública em face de outros
interesses;
- Capacitar - promover a literacia e a capacitação das pessoas, famílias,
grupos e populações para que estes sejam capazes de fazer escolhas promotoras
de saúde;
- Mediar - promover a colaboração com outros sectores e estabelecer parcerias
que contribuam para criar condições de vida mais favoráveis à saúde.
e cinco áreas de acção:
Adopção de políticas públicas saudáveis em todos os sectores da governação;
Promoção da literacia, do empowerment e da capacitação;
Reforço da acção comunitária e do papel da sociedade civil;
Promoção de ambientes saudáveis, favorecedores de escolhas individuais e
colectivas promotoras de saúde;
Reorganização dos serviços de saúde, tornando-os mais acessíveis e próximos
das populações.
Após a aprovação desta Carta, muitas iniciativas foram implementadas com
assinalável sucesso, sob a liderança da OMS. Destacam-se, entre outras, a
abordagem centrada em settings, como a Rede de Escolas Promotoras de Saúde e a
Rede de Cidades Saudáveis ou em factores determinantes da saúde, como a
Convenção-Quadro para o Controlo do Tabaco, o Plano de Acção Europeu para uma
Política de Alimentação e Nutrição ou a criação da Comissão para os
Determinantes Sociais da Saúde. O nosso País acompanhou estas iniciativas,
tendo dado passos importantes em muitos domínios, desde a saúde materno-
infantil, à promoção da saúde na escola, ao controlo do consumo de tabaco ou à
redução dos acidentes12,13,14,15.
Chegados a 2011, a OMS tem em preparação uma estratégia europeia 2020, que será
adoptada em 2012. Num recente discurso de preparação desta estratégia a
Directora Geral da OMS - Dra. Margareth Chan - afirmava: "A prevenção é o
coração da saúde pública, mas a equidade é a sua alma"16.
A redução do gradiente social em saúde, através da intervenção sobre os
designados determinantes sociais, deve estar hoje no centro das nossas
preocupações. As pessoas com melhor acesso à in formação, capacidade de a
compreender e utilizar (literacia), maior acesso a bens económicos e a serviços
de saúde, conseguem enfrentar melhor os riscos e os constrangimentos do
quotidiano, beneficiando mais dos avanços na área médica e
terapêutica12,13,17,14.
Pelo contrário, a pobreza e a exclusão social afectam o bem-estar dos cidadãos,
comprometendo gravemente a sua capacidade de expressão, de participação na
sociedade e de acesso à educação, ao emprego e à saúde.
Reduzir as iniquidades em saúde, através de intervenções sobre os grandes
determinantes sociais, em particular sobre a pobreza, a exclusão social e a
iliteracia, é hoje um imperativo não só para os sistemas de saúde, mas para
toda a sociedade.
Agir sobre os determinantes sociais da saúde implica lutar contra os efeitos
adversos, económicos e sociais, decorrentes da globalização a que estamos hoje
sujeitos - massificação, liberalização económica, desemprego, marginalidade,
pobreza e exclusão -, no sentido de garantir igualdade de oportunidades entre
géneros e entre diferentes grupos sociais. Este processo implica uma estreita
aliança entre todos os sectores da governação (saúde em todas as políticas),
organizações da sociedade civil e cidadãos. Contudo, para que os cidadãos
possam assumir um papel activo na defesa da saúde, será necessário garantir o
acesso à informação no domínio da saúde e promover a capacidade de compreensão
e leitura crítica da informação disponível. É imprescindível, também, que estes
disponham das competênciaa que lhes permitam agir sobre os determinantes da
saúde individual e colectiva, da motivação, do poder e de oportunidades de
acção e participação12,18,13,16,14.
Num contexto de crise económica como aquela que estamos a atravessar, a Saúde
Pública tem uma particular responsabilidade de defender a saúde, de estar
atenta e de intervir em favor dos mais pobres e vulneráveis. De mobilizar
recursos e vontades, de capacitar, de mediar e de advogar.
É indispensável, porém, reforçar a avaliação da efectividade do trabalho
realizado. Em período de escassez de recursos a preocupação com a efectividade
e a eficiência das intervenções é decisiva. São necessários resultados, mas é
preciso ser capaz de os evidenciar através de processos de avaliação bem
conduzidos4,5,19.
Decorridos 25 anos, a Carta de Ottawa mantém a sua actualidade. Aprendemos
muito ao longo deste percurso. Sabemos hoje o que deve ser feito. O desafio
para o futuro é a urgência de passar à prática.
B I B L I O G R A F I A
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Notas
1. Texto adaptado do discurso de abertura do XX Encontro Nacional da Associação
Portuguesa para a Promoção da Saúde Pública, 21 de Novembro de 2011.
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