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EuPTCVHe0870-90252012000200010

EuPTCVHe0870-90252012000200010

National varietyEu
Year2012
SourceScielo

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Lesões musculoesqueléticas ligadas ao trabalho em enfermeiros portugueses: «ossos do ofício» ou doenças relacionadas com o trabalho?

Introdução As lesões musculoesqueléticas ligadas ao trabalho (LMELT), incluindo as raquialgias, são descritas como um dos principais problemas da Saúde Ocupacional dos profissionais de saúde, em particular dos enfermeiros1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11.

As condições de trabalho e as tarefas dos enfermeiros, principalmente em contexto hospitalar, constituem-se como os principais determinantes da atividade real de trabalho, condicionando todas as componentes de exposição aos fatores de risco da atividade, designadamente ao nível postural, de repetitividade, aplicação de força e de exposição a vibrações, que se encontram na génese das LMELT12,13. Os enfermeiros realizam frequentemente, durante as suas tarefas de prestação de cuidados de saúde aos doentes/utentes, atividades que requerem posturas articulares extremas, aplicações de força com as mãos/ dedos, assim como exigências a nível da coluna vertebral e, particularmente, da zona lombo-sagrada. Tais situações ocorrem, entre outras tarefas diárias, na prestação de cuidados aos doentes, designadamente durante a sua alimentação, a administração de medicamentos intravenosos, as transferências e outras mobilizações, como o reposicionamento, e na sua higiene. Em qualquer dessas situações observa-se, com frequência, exposição a fatores de risco profissionais, designadamente elevadas solicitações biomecânicas e fisiológicas que excedem as capacidades funcionais dos trabalhadores, numa organização que não permite tempos de recuperação suficientes e tempos de repouso adequados14.

A multifatorialidade etiológica das LMELT inclui, ainda, os fatores de risco psicossociais e as condicionantes organizacionais, designadamente e entre outros, aspetos relativos à satisfação profissional, ao suporte social e ao estilo de liderança e gestão, como elementos importantes na génese das LMELT15.

As variáveis individuais, por bizarro que pareça, têm sido insuficientemente (ou mesmo nada) valorizadas, o que tem conduzido a um menor número de estudos nesse domínio, ainda que com relações claramente identificadas e extremamente importantes16,17. Os estudos de avaliação do risco não dão o suficiente relevo aos aspetos individuais («individual risk assessment») dirigindo-se, muitas vezes, ao que podemos denominar «trabalhador médio»18, figura que, de facto, não existe em nenhuma situação concreta de trabalho.

A maioria dos estudos referidos, quer se trate de exposição a fatores de risco da atividade, quer a condicionantes da atividade como os fatores de risco psicossociais e organizacionais, foram efetuados com suporte em questionários essencialmente de sintomas, com ou sem critério temporal, maioritariamente em delineamentos metodológicos transversais (e/ou retrospetivos) e, frequentemente, com insuficiente (ou mesmo ausente) caracterização da exposição.

Mantêm-se atuais as dúvidas sobre se (e quais) os níveis de intensidade e de frequência da sintomatologia que dão origem a «doenças ligadas ao trabalho», isto é, se é possível diferenciar as queixas decorrentes das exigências físicas a que os trabalhadores estão expostos na realização da atividade de trabalho, das queixas das LMELT como doença profissional ou como doença relacionada com o trabalho19. Tal resposta é, desde logo, difícil de obter, uma vez que a denominação LMELT inclui um conjunto de situações clínicas muito diversas (e diversificadas) que vão desde sintomas a quadros nosológicos e incluem doenças profissionais, doenças relacionadas com o trabalho e, até, doenças agravadas pelo trabalho, isto é, o referido conceito de «doença ligada ao trabalho».

As LMELT afetam um substantivo número de enfermeiros, diminuindo a sua qualidade de vida20, dão origem à redução da motivação e da participação no trabalho, às restrições de realização das tarefas de enfermagem, às transferências de serviço, ao absentismo e até ao abandono precoce da profissão, com os decorrentes efeitos tanto a nível individual, como em aspetos sociais e familiares2.

Em Portugal, entre diversas dificuldades de gestão de um problema da dimensão das LMELT, encontra-se a ausência de uma base para a investigação em enfermeiros portugueses. Tal circunstância determinou o principal objetivo do presente estudo, de âmbito nacional, de identificação da sintomatologia musculoesquelética ligada ao trabalho em enfermeiros inscritos na Ordem dos Enfermeiros. Pretende-se, dessa forma, despertar a atenção da comunidade científica para a necessidade de desenvolvimento de mais investigação em tal domínio, contribuindo, assim, para uma mais eficaz gestão de tais riscos profissionais21.

População e métodos O presente estudo foi feito com a colaboração da Ordem dos Enfermeiros (OE).

Foi dirigido a todos os enfermeiros portugueses inscritos (n=62 566). O estudo teve a duração de 8 meses, tendo decorrido entre julho de 2010 e fevereiro de 2011, período em que a OE colocou (e manteve) um apelo à participação no estudo no seu portal da internet. A participação individual foi voluntária. Após acesso ao banner da OE, com a informação sobre o estudo, existia um redirecionamento (link) para uma página da web da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), onde cada enfermeiro colocou o seu endereço pessoal de email, constituindo a base da participação no estudo (um endereço válido correspondeu a uma inscrição). De seguida, foi enviado para cada endereço de email um link de acesso ao questionário do estudo no «surveymonkey platform questionnaire». O link permitiu a resposta única, no momento, ou faseada de cada respondente, de acordo com a sua decisão pessoal. Garantiu-se, desde sempre, a salvaguarda de dados pessoais e não existiu acesso a informação que permitisse identificar o respondente, respeitando, dessa forma, o seu anonimato.

O questionário utilizado neste estudo é uma adaptação22 do questionário nórdico sobre lesões musculoesqueléticas (Nordic musculoskeletal questionnaire ' NMQ) cujos resultados variam entre 0 e 23% em divergência com o mesmo respondente (fiabilidade) e apresentam 0 a 20% de discordância da história clínica (validade), sendo tal considerado aceitável para um instrumento de rastreio ou screening23. Tem sido utilizado, numa versão adaptada em Portugal, com resultados nesse intervalo para a fiabilidade e validade10,13,24,25,26,27.

O NMQ teve como principal objetivo, na sua génese, o desenvolvimento de um método de estudo epidemiológico, utilizando um conjunto de questões normalizadas, para a identificação das queixas ou sintomas musculoesqueléticos em grupos profissionais28. Tem sido amplamente utilizado para avaliar a presença de sintomas do foro musculoesquelético ligados à atividade de trabalho, destacando-se, entre outros e a título de exemplo, o estudo realizado em enfermeiros chineses29.

O questionário utilizado (em apêndice) está organizado em 4 grandes dimensões: (I) caracterização sociodemográfica; (II) autorreferência de sintomas de LMELT; (III) identificação das tarefas e sua relação com os sintomas; e (IV) caracterização do estado de saúde.

O presente estudo, descritivo, objetiva conhecer os sintomas musculoesqueléticos dos enfermeiros portugueses.

A análise estatística dos resultados foi efetuada com recurso ao software «Statistical Package for Social Sciences (SPSS) vs. PASW Statistics 18®».

Resultados Não existiu qualquer propósito de representatividade da população e não se pretendeu qualquer generalização dos resultados, que se referem apenas aos respondentes a este estudo, que dependeu exclusivamente da sua vontade a adesão à resposta ao inquérito.

Responderam ao questionário de caraterização de sintomas de lesões musculoesqueléticas ligadas ao trabalho 2140 enfermeiros (3,4% do total dos enfermeiros portugueses). Trata-se de um grupo predominantemente do sexo feminino (77,4%), dextro (93,7%), que tem um tempo médio na profissão de 13 anos e trabalha, também em média, 40 h semanais. Relativamente ao tipo de horário praticado, o trabalho por turnos é maioritário (57,5%). Cerca de um terço tem um segundo emprego (n=618) em clínicas privadas (30,4%), a larga maioria a tempo parcial (n=593) e em horário de 20 h semanais.

Dos respondentes, 26,4% (n=566) trabalha na região norte do país, 20,1% (n=431) na região centro, 37,8% (n=809) na região de Lisboa e Vale do Tejo, 4,4% (n=95) no Alentejo, 3,7% (n=80) no Algarve e 6,8% (n=145) nas Regiões Autónomas (4,1% na Madeira e 2,7% nos Açores). Entre os respondentes, 0,7% (n=14) não referiu a região onde trabalhavam.

Quase três quartos dos enfermeiros desempenham funções em hospitais (71,3%). Os restantes encontram-se distribuídos pelos cuidados primários de saúde (21,5%) e pelos cuidados continuados (3,0%), cuidados paliativos (0,4%), emergência médica (0,6%) e INEM/VMER (0,4%), unidades de saúde móveis (0,2%), enfermagem do trabalho (1,3%) e lares de terceira idade (1,3%).

Os enfermeiros que desempenham funções em hospitais (n=1 396) fazem-no, essencialmente, em serviços de: (I) Medicina Interna (21,3%); (II) Cirurgia Geral (12,3%); (III) Pediatria (8,7%); (IV) Ortopedia (8,3%); e (V) Ginecologia e Obstetrícia (6,9%).

As categorias profissionais dos enfermeiros variam entre «enfermeiro» (34,8%) e «enfermeiro-supervisor» (1,4%). As categorias de «enfermeiro graduado» (35,7%), «enfermeiro-especialista» (19%) e «enfermeiro-chefe» (9,0%) completam as categorias profissionais.

Os enfermeiros referem sintomas de LMELT com elevada frequência que, em algumas localizações, atingem valores acima dos 50% dos respondentes. Destacam-se (Figura_1), entre outros e nos últimos 12 meses, a presença de sintomas nas zonas cervical (n=1014), dorsal (n=923), lombar (n=1257), ombros (n=761) e punho/mão (n=602).

A sintomatologia presente nos últimos 7 dias, mais assertiva pela proximidade das queixas autorreferidas, apresenta valores inferiores, ainda que igualmente elevados, atingindo mais a coluna vertebral (região lombar: 632; região cervical: 562; e região dorsal: 468). Também os ombros (n=389) e os punhos e mãos (n=253) são regiões corporais frequentemente atingidas. De destacar ainda o absentismo associado a essa sintomatologia e (eventuais) lesões referidas nas zonas cervical (n=99), dorsal (n=78), lombar (n=177), nos ombros (n=87) e nos punhos/mãos (n=72).

A sintomatologia localizada aos membros superiores, presença de queixas e respetiva lateralidade, revela diferenças substantivas, por exemplo a nível dos punhos/mãos, onde a prevalência no lado direito é muito superior (Figura_2), o que se relaciona, por certo, com o membro ativo e, por isso, com a solicitação na atividade desempenhada. Nos membros inferiores identifica-se sintomatologia sem predominância de lateralidade, ao contrário dos sintomas nos membros superiores, destacando-se as queixas localizadas às articulações tibiotársicas, eventualmente relacionadas com o tempo de permanência na posição de (ortostatismo) e com as grandes distâncias percorridas, em particular, nas unidades hospitalares.

A análise da sintomatologia musculoesquelética, na perspetiva da sua intensidade e da sua frequência, revela a nível lombar queixas de intensidade «elevada» e «muito elevada» da ordem de valores próximos dos 45% dos enfermeiros sintomáticos e, desses, cerca de 65% referem-no com frequência superior a 6 vezes por dia. Tais valores correspondem a cerca de 26% da totalidade da população respondente.

De uma forma geral, a referência a sintomatologia de intensidade «moderada» é prevalente a nível da coluna vertebral, atingindo, tal como a frequência dessas queixas (com frequência superior a 6 vezes por dia), cerca de um terço dos enfermeiros sintomáticos (Figura_3).

Se forem analisados em detalhe os sintomas a nível do membro superior constata- se, igualmente, uma frequência da intensidade «moderada» nos diversos segmentos anatómicos, bem como uma referência à existência de queixas com frequência superior a seis vezes por dia que atinge cerca de dois terços dos enfermeiros portadores dessa sintomatologia (Figura_4).

As tarefas diárias dos enfermeiros respondentes caraterizam-se por um conjunto de intervenções (atividades) que, em média, ocupa cerca de 50% do tempo de trabalho, destacando-se, entre outros, o trabalho informatizado (10,29%), os procedimentos invasivos (9,28%), o tratamento de feridas (9,1%) e a administração de medicação (9,47%) (Figura_5).

Destaque-se que os cuidados prestados no leito que, de uma forma geral, apresentam algumas exigências físicas, abrangem aproximadamente um terço do tempo de trabalho diário dos enfermeiros.

Relativamente à frequência de realização das diversas tarefas de enfermagem, a análise dos resultados revela que o trabalho informatizado, a avaliação de parâmetros fisiológicos, como a tensão arterial e a glicémia (25% cada), e a administração de medicação (24%) são referidos como muito frequentes no dia-a- dia do enfermeiro e por um importante número de respondentes (Figura_6).

Igualmente de destacar são as diferenças entre o levante sem apoio de equipamentos mecânicos (23,9% ' «pouco frequente»; 9,18% ' «frequente») e com meios mecânicos (20,26% ' «pouco frequente»; 1,17% ' «frequente»). Os procedimentos invasivos são a subatividade com maior referência na classificação «pouco frequente» (30,16%) e o apoio no domicílio o menos referido (15,02%).

A relação entre a presença de sintomas musculoesqueléticos e as diferentes posições corporais adotadas ao longo do dia de trabalho em função das exigências do trabalho, incluindo a mobilização, o levantamento e o transporte de cargas/doentes, evidencia o esperável, isto é, os enfermeiros identificam, claramente, as situações de trabalho em que as exigências físicas assumem maior relação com a presença de sintomas musculoesqueléticos, designadamente a mobilização, o levantamento e o transporte de cargas/doentes acima dos 20 kg (Figura_7).

A última dimensão do questionário, relativa à caracterização do estado de saúde dos enfermeiros, evidencia que a maioria pratica regularmente algum tipo de atividade física (50,8%), não fuma (81,7%), não bebe regularmente bebidas alcoólicas (91,3%), não bebe café (73%) e não sofre de doenças crónicas (70,9%). Relativamente aos que referem sofrer de alguma doença, destacam-se: a diabetes (n=24), a hipertensão arterial (n=91), a osteoporose (n=18), as artroses (n=46) e também as hérnias discais (n=111), as tendinites (n=61) e a síndrome do túnel cárpico (n=28).

Cerca de dois terços dos enfermeiros não toma medicamentos regularmente (67,3%). De entre os que se encontram medicados, destacam-se as terapêuticas com calmantes (n=66) e com contracetivos orais (n=232).

Alguns enfermeiros (n=121) realizaram tratamentos de fisioterapia no último ano. A maioria consulta o seu médico esporadicamente (n=1224), outros (n=647) fazem-no periodicamente. No geral, dos enfermeiros que responderam a esta questão, a maioria (n=600) recorre a serviços públicos, enquanto os restantes (n=404) fazem-no nos serviços privados. No último ano, a larga maioria consultou um médico (n=1606).

Observam-se associações, por vezes significativas, entre as variáveis individuais30, a presença de sintomas a nível da coluna vertebral11 e a nível dos membros superiores (Tabela_1) com as tarefas típicas de enfermagem, ainda que, no caso do levante com meios mecânicos, as relações sejam protetoras.

É ao nível dos punhos e mãos que se constatam associações com maior significado entre a sintomatologia musculoesquelética e as tarefas de enfermagem. Assim, observam-se associações significativas entre tais sintomas e a administração de medicamentos (χ2=9,089; p=0,028) que se consideram relacionados com uma atividade de elevada intensidade dos membros superiores, em particular dos punhos, mãos e dedos, durante, entre outros, a utilização dos sistemas de dose unitária e o esmagar dos diversos medicamentos a administrar aos doentes com dificuldades de deglutição. O posicionamento e/ou mobilização do doente (χ2=8,337; p=0,040), as transferências (χ2=9,399; p=0,024) e o levante sem meios mecânicos (χ2=8,455; p=0,037) são igualmente tarefas com substantivas exigências a nível dos punhos e mãos e, como tal, com relações significativas com a presença de queixas musculoesqueléticas.

A higiene no leito é, nos respondentes, a tarefa com maiores exigências a nível dos membros superiores e isso é evidente pela relação estatística significativa em todas as regiões: o ombro (χ2=8,853; p=0,031), o cotovelo (χ2=8,317; p=0,040) e o punho mão (χ2=9,599; p=0,022).

Discussão Em matéria de saúde, higiene e segurança do trabalho (SHST), ou de Saúde Ocupacional (SO), são reconhecidas, particularmente na Europa, as limitações (individuais e sociais) que as lesões musculoesqueléticas ligadas ao trabalho colocam31. Tais aspetos adquirem, em ambiente hospitalar e em outras unidades de saúde, uma dimensão ainda maior nos profissionais de saúde27, designadamente no grupo profissional dos enfermeiros.

Em Portugal, o problema foi com frequência abordado no contexto das empresas da indústria automóvel, ou em empresas desse universo. Tal atenção, na área da Saúde Ocupacional em Unidades de Saúde, foi entre nós alvo de estudo nos hospitais da cidade do Porto durante o ano de 200424. Internacionalmente, o problema tem vindo a ser descrito principalmente desde as décadas de 1980 e de 199032,33,34,35, tendo assumido uma considerável visibilidade e dimensão, que motivou inclusivamente a existência de campanhas anuais europeias dedicadas à prevenção das LMELT.

A larga maioria dos estudos efetuados no contexto da prestação de cuidados de saúde, designadamente envolvendo a enfermagem, tem recorrido a inquéritos por questionário, em particular utilizando adaptações do Questionário Nórdico Musculoesquelético (QNM)23.

Entre os principais resultados deste estudo, encontra-se a referência a sintomas de LMELT presentes nos últimos 12 meses, nos últimos 7 dias e o absentismo relacionado. Podendo os resultados ser influenciados pelos respondentes, isto é, os enfermeiros que participaram voluntariamente no estudo podem ser maioritariamente os mais queixosos por serem aqueles que apresentavam uma motivação acrescida de resposta, de uma forma geral, as diferenças observadas, relativamente a outros estudos nesse grupo de profissionais de saúde, não são evidentes, destacando-se a prevalência de sintomatologia da coluna vertebral, nos últimos 12 meses (Tabela_2). Para as referências sintomáticas relativas aos últimos 7 dias, constata-se uma maior amplitude de variação entre os estudos que, no essencial, apresentam valores de menor frequência em relação aos encontrados nos últimos 12 meses.

No presente estudo, a utilização de uma adaptação do QNM, com inclusão de questões relativas a elementos de caraterização da sintomatologia, designadamente da sua intensidade e da sua frequência por segmento corporal, assim como a solicitação da perceção da relação das queixas com as principais tarefas, pretendeu criar uma base de referência no estudo das LMELT em enfermeiros portugueses. Tal poderá contribuir no futuro para, com base nesse conhecimento, conseguir uma melhor gestão desse risco em Saúde Ocupacional.

Os resultados deste estudo permitem considerar que as relações entre sintomas e tarefas de enfermagem são bem patentes, revelando um conjunto de sintomas musculoesqueléticos ligados ao trabalho, de entre os quais se destacam as regiões anatómicas dos punhos e mãos, com relações significativas com 5 tarefas (administração de medicamentos, higiene no leito, posicionamento e mobilização do doente, transferência do doente e levante sem meios mecânicos) frequentemente realizadas pelos enfermeiros e, em particular, com a utilização frequente de repetitividade e, também frequentemente, com aplicações de força.

Note-se, ainda, que as intensidades referidas da frequência de sintomatologia a nível da ráquis são consideradas como elevadas em aproximadamente 19% dos respondentes e com frequência superior a 6 vezes por dia em 33,26%, o que é revelador da importância dessa sintomatologia.

É de destacar, igualmente, que a presença de sintomas nos últimos 12 meses a nível da ráquis (49,75%), dos membros superiores (23,68%) e dos membros inferiores (19,07%), assim como nos últimos 7 dias (25,89, 11,28 e 11,00%, respetivamente) é indiciadora do nível das exigências físicas, em particular a nível da coluna vertebral, solicitadas a esses profissionais de saúde.

Os sintomas, maioritariamente bilaterais, na região dos ombros (12,38%) denotam também as exigências que são colocadas durante a realização das tarefas de enfermagem e a intensidade elevada, referida por quase 40% dos respondentes, torna ainda mais evidente a «valorização» dos sintomas autorreferidos.

Os resultados obtidos assumem também particular relevo quando a sintomatologia de LMELT é referida com uma intensidade e/ou frequência elevadas a nível cervical (17,06%; 32,66%), dorsal (13,41%; 28,83%) e lombar (26,45%; 38,27%), respetivamente.

Por fim, o retrato da repartição do tempo diário de trabalho dos enfermeiros evidencia elementos da atividade eventualmente díspares do trabalho prescrito (tarefas). As situações mais exigentes na perspetiva física (cuidados de higiene, posicionamento, mobilização, transferência, transporte e levante do doente) ocupam quase um quarto do tempo de trabalho (2 h diárias por enfermeiro), o que, considerando a atividade real de trabalho, pode ser encarado como uma atividade física intensa ou de elevada exigência neste grupo de profissionais de saúde e com as repercussões a nível de sintomatologia musculoesquelética observadas. Trata-se, de facto, de valores muito expressivos de frequência de sintomas em prestadores de cuidados de saúde que importa ter em consideração, qualquer que seja a perspetiva de gestão desses riscos.

Conclusões Os enfermeiros respondentes (n=2 140) evidenciam uma elevada prevalência de queixas musculoesqueléticas ligadas ao trabalho, que cerca de 98% referem sintomatologia, pelo menos num segmento anatómico. Tal frequência de sintomas, associada ao conhecimento de diversos elementos das respetivas situações reais de trabalho (atividade de trabalho com intervenções da enfermagem), é reveladora das exigências físicas que as organizações de saúde, nas quais os enfermeiros se encontram a desempenhar funções (hospitais, centros de saúde, ou outras unidades de saúde), acarretam para a realização da sua atividade diária.

Analisado de outro ângulo, sempre que as exigências físicas do trabalho ultrapassem as capacidades e as limitações individuais, independentemente da maior ou menor predisposição patológica que os profissionais de saúde possam ter para essas patologias, existe fadiga. Tal efeito pode originar alterações do estado de saúde dos enfermeiros, designadamente as LMELT, mas pode igualmente influenciar a atividade de trabalho, em particular aspetos elementares da qualidade da prestação de cuidados de saúde e, consequentemente, da segurança dos doentes.

As queixas mais prevalentes nos últimos 12 meses situam-se na região lombar (60,6%), seguindo-se a coluna cervical (48,6%) e a coluna dorsal (44,5%). A nível dos membros superiores, as queixas mais prevalentes situam-se no punho direito (12,76%). São os 2 segmentos anatómicos mais atingidos e, pelo menos parcialmente, mais «vulneráveis» às exigências do trabalho de enfermagem.

Observam-se diversas associações estatisticamente significativas (p<0,05) entre as tarefas mais frequentes de enfermagem e a presença de sintomas de LMELT, destacando-se a administração de medicamentos, o posicionamento mobilização e transferência do doente e os sintomas nos punhos/mãos (χ2=9,089; p=0,028; χ2=8,337; p=0,040; χ2=9,599; p=0,022; χ2=9,399; p=0,024 respetivamente), assim como a higiene no leito e os sintomas a nível dos ombros, cotovelos e punhos/ mãos (χ2=8,853; p=0,031; χ2=8,317; p=0,040; χ2=9,599; p=0,022 respetivamente).

No sentido protetor, observa-se que o levante com meios mecânicos é também estatisticamente significativo a nível dos ombros e cotovelos (χ2=9,823, 0,020; χ2=7,915, 0,048, respetivamente), o que representa uma diminuição da probabilidade de sintomas com a utilização de meios mecânicos na tarefa de levante.

De uma forma geral, julga-se possível afirmar que as queixas dos enfermeiros em Portugal não são particularmente distintas de outros países, tal como as suas tarefas também não se consideram diferentes.

Assim, a análise da prestação de cuidados em enfermagem pode ser também vista pelo lado do prestador e, em particular, num foco centrado sobre os efeitos da atividade de trabalho no indivíduo12. Será importante, no futuro analisar diferenças de sintomatologia entre as diversas tipologias de trabalho dos enfermeiros, designadamente entre os que desempenham funções em meio hospitalar e nos diferentes serviços, os que se encontram nos cuidados de saúde primários e nos cuidados continuados e, por exemplo, aqueles que têm pluriemprego, entre outros.

No essencial, a matriz multifatorial da etiologia das LMELT engloba fatores profissionais que, dessa forma, lhe conferem a situação de «doença relacionada com o trabalho»39.

A sintomatologia musculoesquelética e as doenças «relacionadas» com a atividade dos enfermeiros decorrem, de facto, das condições de trabalho e da organização em que essa atividade é prestada e, ainda, das suas próprias características, capacidades e limitações pessoais (diferentes entre sexos e que se alteram ao longo do tempo). Por exemplo, a nível hospitalar existe uma elevada prevalência de sintomas de LMELT em enfermeiros11, o que estará por certo associado às exigências colocadas no exercício da sua atividade profissional.

Nesse contexto, é necessário intervir, em primeiro lugar, no trabalho, modificando-o, por exemplo, através (i) da disponibilização de «ajudas técnicas» como equipamentos de transferência de doentes que reduzam as exigências (físicas) do trabalho e (ii) da introdução de algoritmos de decisão nas mobilizações, transferências e levantes, entre outros. A perspetiva de encarar estes aspetos das relações trabalho/doença numa vertente de «ossos do ofício» é muito divergente da identificação de fatores de risco e da prevenção dos seus efeitos centrada na melhoria das condições de trabalho na perspetiva da Saúde e Segurança do Trabalho (e dos doentes) e da Ergonomia. Dito de outra forma, aquela perspetiva considera o trabalho imutável e as doenças profissionais ou as «doenças relacionadas com o trabalho» uma inevitabilidade, quando, de facto, não o são numa outra (e diferente) perspetiva de prevenção.

A gestão desse risco em Saúde Ocupacional necessita de um diagnóstico de situação para que se possa agir. É fundamental ter informação sobre as condições, os meios e a organização de trabalho, assim como sobre os profissionais de saúde e as suas características, capacidades e limitações, de forma a adaptar o envolvimento ao homem, tornando a atividade menos penosa e mantendo a qualidade da prestação de cuidados de saúde e a segurança dos doentes. Se se preferir, ou por outras palavras, as LMELT em enfermeiros não são uma fatalidade e podem, pelo menos parcialmente, ser preveníveis. Para tal, deve existir consciência de que o trabalho não é, de facto, imutável e pode ser melhorado na perspetiva da saúde e segurança de quem presta cuidados. Nesse contexto, a intervenção sistémica e integrada (perspetiva da Ergonomia) atuando, por um lado, sobre as condicionantes externas do trabalho, como os espaços, os circuitos, os processos, a organização temporal, os equipamentos e os meios de trabalho e, por outro, sobre o trabalhador (profissional de saúde), através da formação e informação, pode transformar a atividade de trabalho de modo a diminuir os efeitos negativos sobre a saúde de quem trabalha e aumentar a segurança dos doentes. Tal metodologia de intervenção pode ainda, por certo, contribuir para a prevenção das LMELT e contribuir, igualmente, para a melhoria das situações de trabalho dos enfermeiros.


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