Hábitos tabágicos dos jovens do 9.° ano: estereótipos sobre fumadores, fatores
familiares, escolares e de pares e a relação com o consumo de tabaco
Introdução
O projeto de investigação/ação que se apresenta neste artigo foi desenvolvido
no contexto da Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis. Esta Rede é uma associação
de municípios (com 15 anos de existência e 29 municípios associados) que tem
como missão desenvolver uma abordagem transversal e participada para intervir
na saúde, no ambiente e desenvolvimento sustentável, nas necessidades dos
grupos mais vulneráveis da população, nos transportes, nas acessibilidades e
planeamento, na assistência e apoio social, na pobreza e exclusão social, nos
comportamentos e estilos de vida1,2.
São vários os fatores comportamentais com impacto na saúde das pessoas, entre
os quais o consumo de tabaco. Nos países desenvolvidos o consumo de tabaco
constitui a principal causa de doença e de mortes evitáveis, sendo responsável
por cerca de 25-30% do total de mortes verificadas por cancro1. Segundo dados
da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 6 milhões de pessoas morrem
anualmente, em todo o mundo, devido ao consumo de tabaco ou através do fumo
passivo. Cerca de meio milhão de mortes provêm de países da União Europeia2. A
prevalência de consumo de tabaco faz deste hábito uma verdadeira epidemia e se
nada for feito para reverter este processo a OMS estima que, em 2020/30,
morrerão anualmente cerca de 10 milhões de pessoas, em todo o mundo.
Está cientificamente demonstrada a associação entre o consumo de tabaco e uma
maior probabilidade de se virem a contrair diversas doenças, designadamente,
cancro, com particular destaque para o do pulmão, e doenças do foro
respiratório e do aparelho circulatório1.
Em Portugal, cerca de 20% da população com mais de 10 anos é fumadora e,
segundo dados do Inquérito Nacional de Saúde de 1999, 19% dos fumadores
começaram a fumar antes dos 15 anos de idade. De acordo com a análise dos
Inquéritos Nacionais de Saúde de 1987, 1996 e 1999 verifica-se, genericamente,
um decréscimo na proporção de fumadores do sexo masculino e um aumento no sexo
feminino2,3. Atendendo a esta conjuntura, o Plano Nacional de Saúde 2004/10,
editado pela Direção-Geral de Saúde, apostou nas diversas vertentes da
prevenção tabágica como uma linha estratégica de intervenção no contexto dos
comportamentos e estilos de vida saudáveis. Promover estilos de vida saudáveis
e cidades livres de tabaco, constituem igualmente objetivos da V Fase da Rede
Europeia de Cidades Saudáveis da OMS.
A convicção da importância das estratégias de prevenção tabágica na promoção de
estilos de vida saudáveis e o quadro legal existente criam um ambiente propício
ao desenvolvimento de uma abordagem global e compreensiva, utilizando
estratégias diversificadas e ações orientadas para a área dos comportamentos e
estilos de vida individuais, da informação e educação para a saúde.
Os resultados do estudo Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) revelam
que em Portugal, em 2006, 9% dos rapazes e 12% das raparigas com 15 anos de
idade eram fumadores regulares de tabaco, com consumo de pelo menos um cigarro
por semana4. A maioria dos fumadores iniciam o seu consumo de tabaco na
adolescência5 e, dadas as consequências adversas para a saúde resultantes do
consumo de tabaco, a investigação dos fatores associados a este consumo nos
jovens é uma prioridade. Desta forma, a Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis
decidiu conduzir um projeto de investigação dirigido aos alunos que frequentam
as escolas do 2.° e 3.° ciclos e secundárias da rede pública.
Quais as motivações que levam os jovens a fumar? Que idades tinham quando
experimentaram fumar? Que representações estão associadas ao ato de fumar? Qual
o comportamento dos pais em relação ao consumo de tabaco? E do grupo de pares?
Qual a perceção do impacto do tabaco na saúde? Estas são algumas das questões
que procurámos conhecer através da aplicação de um inquérito por questionário a
uma amostra de 3.649 jovens que frequentavam o 9.° ano de escolaridade das
escolas da rede pública de 16 municípios da Rede Portuguesa de Cidades
Saudáveis (Aveiro, Cabeceiras de Basto, Lisboa, Loures, Lourinhã, Miranda do
Corvo, Montijo, Odivelas, Oeiras, Palmela, Serpa, Setúbal, Torres Vedras, Viana
do Castelo, Vila Real), no ano letivo 2008/2009.
Materiais e métodos
Para o desenvolvimento deste projeto contou-se com a parceria da Escola
Nacional de Saúde Pública, responsável pela tradução do questionário Global
Youth Tobacco Survey (GYTS), do Centro de Controlo de Doenças, para português e
respetiva adaptação à realidade do país. No âmbito desta parceria a Escola
Nacional de Saúde Pública ofereceu apoio na definição da metodologia subjacente
ao estudo e no esclarecimento de dúvidas associadas à aplicação do
questionário.
Instrumento de recolha de dados
O GYTS6 é um questionário escolar, aplicado a jovens entre os 13-15 anos,
projetado para promover a monitorização do uso do tabaco entre os jovens e para
orientar a implementação e avaliação de programas de prevenção e controlo do
tabagismo. A sua versão original continha 54 questões, tendo sofrido uma
expansão e adaptação para a realidade portuguesa na sua versão de 2008
traduzida pela Escola Nacional de Saúde Pública, que foi posteriormente
atualizada pela Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis.
Algumas das diferenças entre as versões manifestam-se na distribuição de
questões em diferentes módulos na versão portuguesa (p. ex. as 3 últimas
questões foram incluídas dentro de um módulo referente a informações
sociodemográficas) e na inclusão de perguntas opcionais adicionais. O
questionário final adaptado é essencialmente constituído por 3 instrumentos de
recolha que totalizam um conjunto de 113 questões:
Questionário base composto por um núcleo de 71 questões estruturadas em
diversas áreas, nomeadamente: Consumo de tabaco (16 itens), Conhecimentos e
atitudes face ao tabaco (17 itens), Exposição ao fumo produzido por fumadores
(8 itens), Atitude acerca de deixar de fumar cigarros (11 itens), Conhecimentos
das mensagens dos meios de comunicação e publicidade acerca de fumar (15
itens), Ensino na escola acerca do tabaco (4 itens), Sentido de coerência (29
itens);
Sentido de coerência (29 questões organizadas numa escala de Likert de 7
pontos), que se define como um constructo teórico que oferece uma orientação
global sobre o sentimento dinâmico de confiança do indivíduo e a forma como os
estímulos que derivam do seu ambiente interno e externo são estruturados,
previsíveis e explicados7. O sentido de coerência pode-se definir através de 3
dimensões: a capacidade de compreensão, que revela a forma como o indivíduo
entende os estímulos intrínsecos ou extrínsecos como informação ordenada,
consistente, clara e estruturada; a capacidade de gestão, que se revela através
da perceção relativamente aos recursos pessoais e sociais que estão ao seu
alcance para satisfazer as exigências requeridas pela situação de estímulo; e a
capacidade de investimento, que se refere à capacidade de retirar um sentido
dos acontecimentos de vida e à capacidade para investir os seus recursos no
sentido de superar as situações adversas
Questionário sociodemográfico (13 questões) no qual alguns itens foram
adicionados ao questionário original, a partir de um número de perguntas
opcionais de informação sociodemográfica do aluno e da sua família.
Os questionários, de autopreenchimento, foram aplicados em contexto de aula por
professores e/ou por técnicos do município que acompanharam o processo.
Procedimento de amostragem
Em termos metodológicos optou-se por uma amostragem probabilística em que todos
os elementos do universo (alunos que frequentam o 9.° ano de escolaridade nas
escolas públicas) possuem a mesma probabilidade de serem incluídos na amostra.
Esta amostragem foi estratificada por escola, tendo sido pré-determinados
quantos elementos da amostra seriam retirados de cada escola. Esta
predeterminação foi feita de forma proporcional à quantidade de alunos
existente em cada escola. A unidade de análise foi a turma e estas foram
selecionadas de forma aleatória, calculando-se a amostra com um nível de
confiança de 95% e máximo erro admissível de 5%.
Caracterização da amostra
Foram respondentes deste estudo 3.649 jovens do 9.° ano, correspondentes à soma
das amostras representativas dos 16 municípios da Rede Portuguesa de Cidades
Saudáveis que participaram neste estudo. A Tabela_1 permite verificar a
distribuição da amostra. Desta, 54,9% são do sexo feminino (n = 1.974) e 45,1%
do sexo masculino (n = 1.619). A maioria dos participantes tem idades
compreendidas entre os 14-15 anos.
Análise estatística, operacionalização de variáveis e escalas de medida
A análise descritiva e comparativa dos dados realizou-se através de testes
estatísticos não paramétricos (qui-quadrado) e correlações de Pearson,
utilizando-se para isso o programa estatístico PASW Statistics 18.0 (SPSS).
Diversas variáveis foram recodificadas de forma a torná-las mais
operacionalizáveis. De forma a melhor promover a utilização de testes de ?2
para observar a existência de associações estatisticamente significativas,
certas variáveis de relevância construídas de forma semelhante e com opções de
resposta idênticas foram recodificadas em variáveis contínuas. Adicionalmente,
variáveis com diversas opções de resposta que poderiam integrar uma mesma
categoria foram recodificadas como variáveis nominais dicotómicas (p. ex. itens
31 e 32, onde se criaram os indicadores "Características Positivas"
e "Características Negativas" que resultam de uma média ponderada
das pontuações obtidas nas características "Êxito",
"Inteligente" e "Sofisticado(a)"; e "Inseguro
(a)", "Tonto(a)" e "Perdedor(a)",
respetivamente).
De forma a trabalhar as questões relacionadas com o sentido de coerência foi
criada uma variável cujo score final foi calculado através das médias dos itens
que a integram. Este processo implicou a inversão de alguns itens, para que os
valores mais perto do máximo (7) correspondessem a um maior sentido de
coerência pessoal em todos os itens da escala.
Resultados
Caracterização socioeconómica dos participantes
Em termos da caracterização socioeconómica das famílias dos participantes
destaca-se o facto de 75,7% indicarem que ambos os pais trabalham. Para 13,1%
dos participantes apenas o pai (padrasto/companheiro da mãe) trabalha, para
6,6% apenas a mãe (madrasta/companheira do pai) e para 2,8% nenhum dos pais
está atualmente empregado. O nível de escolaridade dos pais e mães é muito
diversificado, não se destacando nenhum nível de instrução em particular. A
percentagem de habilitações literárias dos pais e mães apresenta-se na Tabela
2.
Hábitos de consumo e conhecimentos sobre os malefícios do tabaco
Através de uma análise descritiva das variáveis obtivemos os seguintes
resultados:
52% dos jovens já experimentaram fumar. Destes, 44,1% são rapazes e 55,9%
raparigas;
Cerca de 20% fumaram nos últimos 30 dias. A maioria fê-lo apenas um ou 2 dias
do mês. Apenas 4% fumou todos os dias;
74% destes jovens fê-lo entre os 12-15 anos de idade;
Dos inquiridos que fumaram pelo menos uma vez nos últimos 30 dias, cerca de
49,4% fumaram um ou menos cigarros por dia e 33,5% fumaram 2-5 cigarros por
dia;
Os jovens que habitualmente fumam fazem-no em espaços públicos, em festas ou
reuniões sociais;
37,5% adquire os seus cigarros num quiosque de rua ou numa máquina
distribuidora, apesar de ser proibido;
90% de todos os jovens (fumadores e não fumadores) acredita que fumar
cigarros é prejudicial para a saúde;
57% dos jovens que fumam acreditam que é difícil deixar de fumar, no entanto,
consideram que poderiam fazê-lo se quisessem;
78% dos jovens são alertados pela família para os malefícios do tabaco;
Em termos gerais os jovens têm falado nas aulas sobre fumar, contudo, para
cerca de 15 e 22% este é um assunto que nunca foi abordado ou que não o é há
mais de um ano.
Estereótipos sobre os consumidores de tabaco e crenças associadas ao consumo de
tabaco em função do sexo
Procurou-se analisar as diferenças de género no que respeita aos estereótipos
sobre os consumidores de tabaco e crenças associadas ao consumo de tabaco.
Para o efeito realizaram-se cruzamentos entre variáveis e efetuaram-se testes
do ?2. Na Tabela_3 apresentam-se as associações estatisticamente significativas
observadas entre as variáveis analisadas.
Procurando-se analisar possíveis associações em diversas variáveis relacionadas
com a perceção sobre a atratividade ou as relações sociais de raparigas e
rapazes fumadores entre indivíduos do sexo feminino e do sexo masculino, foram
realizados diversos testes ?2 que se revelaram estatisticamente significativos
para p < 0,001. A tabela que se apresenta destaca as associações mais marcantes
entre o grupo de rapazes e de raparigas. Embora, por vezes, a opção de resposta
mais escolhida seja coincidente, as diferenças percentuais revelam-se
significativas.
Assim, e fazendo uma análise das associações verificadas para cada uma das
variáveis, pode concluir-se que relativamente à perceção sobre as amizades
desenvolvidas por raparigas e rapazes fumadores comparativamente a não
fumadores, a grande maioria das respostas propende para a não existência de
associações estatisticamente significativas nas amizades de fumadores ou não
fumadores. Contudo, é de notar que existe uma maior percentagem de rapazes do
que raparigas com a perceção de que os fumadores têm menos amizades do que os
não fumadores. Esta perceção é especialmente marcante nas raparigas fumadoras.
No que se refere à perceção de atratividade, é possível observar que os rapazes
julgam mais negativamente a atratividade de raparigas fumadoras contra a
percentagem de raparigas que julgam as raparigas fumadoras como menos atraentes
(?2 = 80.769, p < 0,001). O mesmo já não se observa face às perceções da
atratividade de rapazes fumadores, sendo que a maioria dos rapazes indica não
haver associações estatisticamente significativas entre fumadores e não
fumadores. Paralelamente, as raparigas julgam igualmente mais negativamente a
atratividade de rapazes fumadores (41,5 vs. 32,5% de rapazes).
A maioria dos rapazes considera não haver diferenças em termos do impacto de
fumar no peso. Contudo, nas raparigas as perceções são mais diferenciadas,
sendo que a percentagem de raparigas que considera que fumar faz emagrecer ou
que não tem qualquer impacto no peso é semelhante. Comparativamente às
raparigas, uma menor percentagem de rapazes pensa que fumar faz emagrecer.
Estereótipos sobre os consumidores de tabaco em função do consumo de tabaco
pelos próprios
Procurou-se analisar se as associações entre consumidores e não consumidores de
tabaco no que respeita aos estereótipos sobre os consumidores de tabaco e o
consumo de tabaco seriam estatisticamente significativas. Para a realização
desta análise realizaram-se cruzamentos entre variáveis e efetuaram-se testes
qui-quadrado (?2). Na Tabela_4 apresentam-se as associações estatisticamente
significativas.
Relativamente às crenças sobre as pessoas fumadoras, é de notar que existem
algumas associações estatisticamente significativas nas variáveis apresentadas.
De uma forma geral, os fumadores apresentam perceções ligeiramente menos
negativas do que os não fumadores sobre as mulheres (?2 = 361.554, p < 0,001) e
os homens (?2 = 316.822, p < 0,001) que fumam. Independentemente de serem
fumadores nos últimos 30 dias, as percentagens de resposta sugerem que as
mulheres fumadoras são julgadas mais negativamente do que os homens fumadores a
nível de características pessoais (tonta, insegura, perdedora).
Fatores familiares, individuais e de relação com os pares e o consumo de tabaco
nos últimos 30 dias
No sentido de se analisar as relações entre o conjunto de variáveis ao nível
individual, familiar e da relação com os pares que podem constituir fatores de
risco ou proteção para o consumo de tabaco, realizou-se uma análise das
correlações entre diferentes variáveis dentro de vários domínios, nomeadamente:
fatores familiares; fatores individuais relacionados com representações e
expectativas, bem como com o sentido de coerência e a relação com a escola; a
relação com o grupo de pares; e a prevenção. A Tabela_5 apresenta a relação
entre estas variáveis.
Observando-se as correlações apresentadas na Tabela_5, ao nível dos fatores
familiares podemos verificar uma correlação estatisticamente significativa,
positiva, entre o consumo de tabaco nos pais e o consumo de tabaco nos filhos
(r = 0,142, p < 0,01), sendo de salientar que esta associação é mais forte ao
nível da influência materna. De referir, igualmente, a correlação positiva
entre o consumo de tabaco pelos irmãos e o consumo de tabaco nos jovens, sendo
a magnitude desta correlação superior à observada para o consumo de tabaco
pelos pais (r = 0,219, p < 0,01).
No âmbito dos fatores individuais e no que concerne às representações e
expectativas, os fatores relacionados com a imagem física e com a saúde são os
que mais fortemente se associam ao consumo de tabaco, não se verificando
relações significativas nas dimensões mais relacionadas com a função do consumo
de tabaco na facilitação da socialização e da autoconfiança. O conhecimento dos
efeitos negativos na saúde associados ao consumo de tabaco tem uma relação
inversa com este, ou seja, quanto maior o conhecimento dos malefícios menor o
consumo (r = -0,158, p < 0,01).
No que concerne ao sentido de coerência, tal como foi referido anteriormente,
constitui um constructo psicológico relacionado com o sentimento de confiança,
controlo e capacidade de gestão da vida. A este nível verificou-se uma relação
negativa entre este constructo e o consumo de tabaco, ainda que de baixa
magnitude. Também a satisfação e a realização escolar se encontra negativamente
relacionada com o consumo de tabaco, podendo estes fatores ser considerados
protetores relativamente ao consumo.
A relação com pares consumidores revela a associação mais forte com o consumo
de tabaco, apresentando correlações positivas fortes no que refere a relação
entre o consumo de tabaco e amigos fumadores (r = 0,449, p < 0,01) e com amigos
que fumam na casa do jovem (r = 0,346, p < 0,01).
Por último, e no que respeita à influência das ações de informação em meio
escolar e mensagens antitabaco na comunicação social, apesar de se verificar
uma correlação negativa com o consumo, os valores da mesma são desprezíveis.
Conclusões e discussão
Os resultados do estudo indicam que a maioria dos jovens já experimentaram
fumar, sendo a percentagem mais elevada nas raparigas em relação aos rapazes.
Este resultado pode tendencialmente revelar um aumento da prevalência do
consumo de tabaco entre o sexo feminino. Uma percentagem elevada de jovens
revela hábitos regulares de consumo de tabaco, uma vez que cerca de 20% indicou
ter consumido tabaco nos últimos 30 dias. Estes hábitos regulares são
preocupantes, na medida em que podem conduzir a comportamentos de dependência
em idades muito jovens.
A partir de uma análise da matriz de correlações entre os diferentes fatores
familiares, individuais e da relação com os pares/escola podemos referir que,
no geral, as correlações verificadas confirmam os resultados encontrados na
literatura sobre fatores de risco e de proteção associados ao consumo de
tabaco8,9,10.
No que diz respeito aos fatores de risco e proteção associados ao consumo de
tabaco, no domínio dos fatores familiares, o consumo de tabaco pela mãe tem
maior influência nos hábitos tabágicos dos jovens do que o consumo de tabaco
pelo pai. Ainda dentro da família, o consumo de tabaco pelos irmãos é mais
influente que o da mãe. Estes dados confirmam os resultados de estudos sobre o
impacto das influências familiares sobre o consumo de tabaco11,12.
No domínio das expectativas, crenças e dos estereótipos foi possível observar
associações estatisticamente significativas entre consumidores e não
consumidores de tabaco nos últimos 30 dias. Os fumadores demonstram uma
tendência para atribuir características menos negativas entre os pares
consumidores de tabaco. Curiosamente, quer fumadores quer não fumadores tendem
a caracterizar mais negativamente as mulheres fumadoras. É, ainda, importante
destacar que cerca de 50% dos jovens fumadores acreditam que conseguiriam
deixar de fumar se quisessem, o que revela um desconhecimento ou descrença da
dependência associada ao consumo de tabaco.
Observou-se que a dimensão relativa à facilitação das relações sociais e do
estabelecimento de amizades tem menos impacto do que as expectativas face à
atratividade e à saúde. Exemplificando, os fumadores tendem a considerar outros
fumadores mais atraentes. Estes dados confirmam os resultados de outros estudos
sobre o impacto diferencial das várias dimensões associadas às expectativas e
representações sobre o consumo de tabaco nos jovens. Normalmente, dimensões
relacionadas com a função do consumo na facilitação das relações sociais estão
mais diretamente associadas ao consumo de outras substâncias, designadamente o
álcool e o haxixe10.
No que respeita à influência da relação com a escola e do sentido de coerência
no consumo de tabaco é possível observar que os jovens com uma associação mais
positiva com a escola têm uma relação inversa com o consumo de tabaco, o que
nos leva a concluir que esta dimensão funciona como fator protetor face aos
hábitos tabágicos. O sentido de coerência apresenta igualmente uma relação
negativa estatisticamente significativa com o consumo de tabaco, mas com
valores desprezíveis. Já a associação com pares consumidores encontra-se
positivamente relacionada com o consumo de tabaco nos jovens, constituindo este
um dos fatores com maior poder preditivo deste comportamento.
Já a relação com pares consumidores revela-se como o fator de risco com uma
associação mais forte com o consumo de tabaco, confirmando o impacto da
influência dos pares nos comportamentos de risco na adolescência. A influência
social por meio da pressão dos pares e a ideia de que fumar é um fator de
integração incentivam o consumo13,14.
Qualquer intervenção preventiva deve ter em conta uma abordagem integrada dos
diferentes fatores de risco e proteção que concorrem para o consumo de tabaco,
sem esquecer as relações entre este comportamento e outros comportamentos de
risco na adolescência (consumo de outras drogas, comportamentos sexuais de
risco, comportamentos antissociais), que como sabemos se encontram
frequentemente associados constituindo parte de uma mesma tendência para o
risco manifestada neste período do ciclo de vida. As estratégias de intervenção
neste âmbito prendem-se essencialmente com a formação para o educador e o
aumento da capacitação para os alunos com vista à prevenção de comportamentos
de risco.
Os resultados obtidos neste estudo estão na base da elaboração de um Plano
Intermunicipal de Prevenção e Cessação Tabágica nos Jovens, que envolve os 16
municípios participantes. Através deste plano pretende-se potenciar as ações
dos agentes locais e os recursos existentes de forma a desenvolver uma
estratégia intermunicipal consubstanciada em 4 eixos de intervenção:
Informação, Educação para a saúde, Cessação tabágica, e Monitorização e
avaliação.
O eixo da informação irá promover campanhas informativas, produção de folhetos,
artigos na comunicação social, criação de blogues, entre outros, sobre os
malefícios associados ao tabaco e as respostas existentes para a cessação do
seu consumo. Este eixo deverá, dentro do possível, basear-se em informação
produzida com e por jovens com o objetivo de transmiti-la aos seus pares. Desta
forma assegura-se que a linguagem é adequada e percetível por todos.
A educação para a saúde das crianças e dos jovens tem constituído a principal
abordagem de prevenção da habituação tabágica na adolescência. Esta educação
deve iniciar-se no seio da família e o envolvimento da mesma ao nível da
sensibilização dos jovens para os malefícios do tabaco e para a importância de
optarem por estilos de vida saudáveis é fundamental. A este nível, prevê-se a
implementação de um conjunto de ações estruturadas a desenvolver com as
famílias dos jovens que frequentam as escolas da rede pública.
Para além da família, a escola tem um papel muito importante na educação para a
saúde. Cabe, também, à escola ajudar os jovens a construírem uma autoestima
positiva e a desenvolverem capacidades para resistirem às pressões do grupo de
pares, da publicidade e da sociedade em geral, adquirindo competências que lhes
permitam fazer opções de modo informado, com autonomia e responsabilidade. No
âmbito deste eixo de intervenção prevê-se o desenvolvimento de um conjunto de
ações com as escolas que passarão por workshops sobre o tabaco, programas de
informação e sensibilização sobre o consumo de tabaco e outros comportamentos
de risco na adolescência, programas de promoção de competências interpessoais,
elaboração de trabalhos de expressão plástica sobre prevenção tabágica,
concursos de fotografia, entre outras atividades que as escolas, as associações
de estudantes e os jovens pretendam desenvolver. A informação é imprescindível
para o aumento do empowerment da população. Uma das formas de produzir
informação é através do debate e esclarecimento de questões, uma metodologia
especialmente eficaz junto da população mais jovem.
O terceiro eixo atua sobre a dependência física e psíquica provocada pela
nicotina, que acaba por ser uma realidade em muitos jovens para os quais deixar
de fumar se torna difícil. Nestes casos, os grupos de autoajuda são pouco
eficazes e o encaminhamento para consultas de cessação tabágica promovidas
pelos centros de saúde torna-se a medida mais eficaz.
A implementação do Plano Intermunicipal de Prevenção e Cessação Tabágica nos
Jovens irá requerer um processo sistemático de monitorização e avaliação,
sustentado na criação de grupos de acompanhamento do projeto no terreno, na
avaliação de processos e de resultados, através de instrumentos a criar para o
efeito sob inspiração da metodologia de Avaliação do Impacto em Saúde.
O desenvolvimento deste projeto de investigação/ação constitui uma plataforma
de trabalho comum entre municípios da Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis, que
permitirá criar instrumentos e metodologias de intervenção com o objetivo de
prevenir o consumo de tabaco por parte dos jovens. Este projeto entronca no
trabalho local desenvolvido por cada município no âmbito dos Planos de
Desenvolvimento de Saúde e nas dinâmicas de parceria já existentes. Constitui
também um contributo para a abordagem de objetivos da V Fase da Rede Europeia
de Cidades Saudáveis da OMS, designadamente a promoção da saúde dos jovens e
estilos de vida saudáveis, de ambientes livres de tabaco e a prevenção de
doenças não transmissíveis, entre outros.