Primeiro apontamento sobre o Sistema de Informação dos Certificados de óbito
(SICO)
EDITORIAL
Primeiro apontamento sobre o Sistema de Informação dos Certificados de óbito
(SICO)
A first note on SICO (Death Certificates Information System)
Francisco George*
Direção Geral da Saúde, Ministério da Saúde, Lisboa, Portugal
A análise da informação em saúde pública constitui, como há muito se reconhece,
uma etapa essencial no processo de produção de novos conhecimentos. Uma questão
que não pode ser ignorada e que está associada à valorização do conhecimento, à
sua gestão, difusão e utilização.
A decisão baseada em conhecimento foi reconhecida já pelos epidemiologistas
ingleses do século XIX, que tinham demonstrado a justeza deste princípio,
nomeadamente William Farr (1808?1883) com a criação do General Register Office
em 1838 e John Snow (1813?1858) nos estudos de mortalidade específica por
cólera em 1855 (On the Mode of Communication of Cholera).
Em Portugal, os registos civis modernos foram instituídos a partir de 1911 pelo
Governo da República. Antes, as estatísticas vitais estavam, no princípio,
ligadas à Igreja, centradas nas paróquias (assentos paroquiais). Eram, nessa
época, incompletas, como assinala o Anuário Estatístico 1904?1905: "…o
número de óbitos por causas ignoradas ou mal definidas se apresenta em 1905
superior a um terço do total."
O famoso modelo de certificado em papel, preenchido pelo médico, fez o seu
percurso ao longo de 100 anos. Os médicos nem sempre terão dado a devida
atenção à importância deste instrumento, a avaliar pela elevada taxa de causas
de óbito desconhecidas (cerca de 10% nos últimos anos). A perfeição no seu
preenchimento não era a regra, facto que sempre dificultou, naturalmente, a
qualidade da sua análise.
Aliás, essa preocupação foi manifesta durante a onda de calor de 2003. Então,
pela primeira vez, foi possível comparar os certificados originais preenchidos
pelos médicos e os verbetes de óbito emitidos pelas conservatórias do registo
civil. As imprecisões foram, nesta altura, evidenciadas. Sobretudo a lentidão
do circuito era considerada inexplicável. é verdade que, de acordo com o quadro
legal então em vigor, um familiar do cidadão falecido entregava na
Conservatória do Registo Civil o certificado de óbito assinado pelo médico que,
de seguida, era transcrito para um verbete na conservatória respetiva e
endereçado à sede da Direção?Geral dos Registos e Notariado (hoje IRN), que por
sua vez o enviava para o Instituto Nacional de Estatística (INE), que depois o
remetia à Direção?Geral da Saúde (DGS) para efeitos de codificação e que
finalmente era de novo encaminhado, ao fim de vários meses, para o INE.
Desde 1911 que o circuito de declaração e de registo do óbito se manteve quase
inalterado, se bem que em 2001 a introdução de um novo modelo em papel
autocopiável e a adoção da 10.a Revisão da Classificação Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde permitiram que Portugal se
aproximasse da generalidade dos países da União Europeia em termos de adequação
às normas estatísticas internacionais relacionadas com a codificação das causas
de morte. Contudo, as alterações de 2001 tiveram um impacte muito limitado na
qualidade das estatísticas de óbito. Não alteraram a reconhecida pouca
utilidade para fins de vigilância epidemiológica ou de investigação e não
melhoraram os estudos de mortalidade.
Ora, a entrada em produção do Sistema de Informação dos Certificados de óbito
(SICO), nos termos previstos na nova lei1, representa um marco que separa 2
eras bem distintas. Antes e depois de 1 de janeiro de 2014. Mais rapidez
(imediatamente), mais segurança e mais qualidade. Mas também mais proteção de
dados em relação ao cidadão, à luz do princípio de que cada instituição só
recebe a informação que legalmente precisa. O processo inteiramente
desmaterializado foi antecedido por um período de longa maturação e por uma
fase experimental, desde o outono de 2012, em Coimbra, que ao longo de 2013 foi
progressivamente alargada a todo o país, incluindo regiões autónomas.
O sistema de certificação das causas de óbito, assente num certificado
desmaterializado, permite, comprovadamente, conhecer em cada momento a evolução
da mortalidade e as suas causas e, portanto, monitorizar em tempo real a
certificação da mortalidade, dado que a DGS dispõe hoje da totalidade dos
certificados emitidos através do SICO.
A aplicação de suporte ao SICO assenta no preenchimento de um certificado de
óbito de adulto e de um outro fetal e neonatal através de um formulário
eletrónico que, inerentemente, tem verificações para preenchimento obrigatório
de todos os campos relevantes, de acordo com a situação de cada óbito
considerado. Paralelamente, este sistema recolhe ainda os Boletins de
Informação Clínica, emitidos nos termos da lei, e os relatórios das autópsias
clínicas e médico?legais realizadas.
A desmaterialização permitida pelo SICO, para além de facilitar o processo de
registo e análise de todos os óbitos ocorridos em Portugal, permite interpretar
acontecimentos inesperados, como a atividade epidémica de um dado problema (de
origem infeciosa ou não), bem como identificar eventuais impactes na
mortalidade devidos aos fenómenos climáticos extremos (por exemplo, ondas de
calor).
Os resultados já avaliados no final do primeiro mês (janeiro de 2014)
demonstram que o registo desmaterializado correspondeu a 100%.
É, agora, tempo de fomentar e organizar projetos de vigilância e de
investigação em parceria com centros académicos e sociedade científicas.
Fevereiro, 2014
*Autor para correspondência
. george@dgs.pt
NOTAS
1
Lei n.º 15/2012, de 3 de abril.
Av. Padre Cruz
1600-560 Lisboa
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