A formação de profissionais de saúde para a prevenção de lesões
musculoesqueléticas ligadas ao trabalho a nível da coluna lombar: uma revisão
sistemática
Introdução
A mobilização manual de cargas representa um peso importante na sociedade em
geral, nas organizações e para os próprios trabalhadores porque afetam a
população em idade ativa, contribuem para o aumento do absentismo laboral, para
a diminuição da produtividade e da qualidade de vida dos trabalhadores1,2.
A atividade dos profissionais de saúde implica exposições a uma variedade de
fatores de risco que podem contribuir para o aparecimento e desenvolvimento de
lesões musculoesqueléticas ligadas ao trabalho (LMELT)3,4. Nesse contexto, a
mobilização de doentes é muito frequente e envolve a realização de uma tarefa
complexa com exigências marcadamente motoras, frequentemente em sobrecarga do
sistema musculoesquelético5.
De acordo com os dados estatísticos do Bureau of Labor Statistics6, a profissão
de enfermagem destaca-se entre as ocupações fortemente associadas à prevalência
de LMELT. A incidência anual de dores da coluna lombar entre os enfermeiros que
mobilizam doentes é de 40-50%7 e a prevalência ao longo da vida é de 35-80%8.
Há também registos segundo os quais os enfermeiros apresentam mais 30% de dias
de trabalho perdidos devido a problemas lombares que a população em geral9. Nos
Estados Unidos da América, a patologia musculoesquelética entre os enfermeiros
é de cerca de 72,5%, em pelo menos uma região corporal. Destes, 15,8%
apresentam sintomas simultaneamente nas regiões lombar, pescoço e ombros10. Em
Portugal, um recente estudo realizado a nível nacional no qual participaram
2.140 enfermeiros revelou uma elevada prevalência de sintomas auto referidos no
último ano, nomeadamente a nível da coluna lombar (60,6%), da coluna torácica
(44,5%) e da coluna cervical (48,6%)11.
Vários autores referem que a formação dos profissionais de saúde sobre
mobilização de doentes tem sido, ao longo dos últimos anos, a estratégia
principal (senão a única) para prevenir a ocorrência de lesões
musculoesqueléticas da coluna lombar ligadas ao trabalho7,12-14. A eficácia
deste tipo de programas de intervenção tem igualmente sido questionada em
diversos estudos7,15,16 que, no essencial, apontam a necessidade de adotar
abordagens sistémicas na prevenção das LMELT neste grupo profissional17-19.
Na prática verifica-se que as situações de trabalho se mantêm inalteradas e/ou
imutáveis. As limitações económicas continuam a ser referidas como o principal
obstáculo para a implementação de estratégias ou procedimentos que impliquem,
por um lado, a alteração dos recursos humanos alocados, bem como a aquisição de
novos equipamentos, por outro, a reformulação e reorganização dos espaços que
permitam a realização correta das técnicas de mobilização de doentes. Nas
unidades de saúde só recentemente se começou a evidenciar a necessidade de
adequar a configuração do local de trabalho e os equipamentos às
características dos trabalhadores20. Nas unidades de saúde portuguesas, de
construção antiga (na sua maioria), é frequente os profissionais de saúde terem
de desempenhar as suas funções em espaços limitados e inadaptados que obrigam à
alteração dos procedimentos mais adequados de mobilização do doente, assumindo
posturas extremas com aplicação de força em desvantagem mecânica na realização
das suas tarefas, como as de higienes e as transferências, entre outras.
Subsiste, assim, a convicção de que o reduzido número de profissionais de
saúde, a pressão organizacional com elevados objetivos de produção e as
inadequadas dimensões físicas dos espaços hospitalares constituem os principais
elementos que, no essencial, contribuem para a realização de más práticas que
colocam em risco os profissionais de saúde durante a prestação de cuidados,
assim como os doentes20.
Em síntese, nos contextos de trabalho prevalece a implementação de programas de
formação profissional como a única forma de contribuir para a prevenção de
LMELT. Tal deve-se, por certo, a ser uma medida fácil de implementar, custo-
efetiva e tempo efetiva14 (mas com resultados dúbios), o que leva a questionar
o investimento neste tipo de programas, assim como nos seus resultados.
Metodologia
O objetivo principal deste estudo foi analisar o impacto da formação e
informação dos profissionais de saúde sobre mobilização de doentes,
nomeadamente enfermeiros, na perspetiva da prevenção de LMELT a nível da coluna
lombar.
Optou-se por uma revisão sistemática da bibliografia por ser um método preciso
e fiável, que permite sintetizar um substantivo conjunto de informação com
evidência científica. Seguiu-se a metodologia do Prisma statement®, de acordo
com as instruções de elaboração referidas por Liberati et al.21. A pergunta de
investigação foi elaborada com base na metodologia Population, Intervention,
Control, Outcomes, Study design (PICOS), sendo a seguinte: Será que os efeitos
da formação sobre a mobilização de doentes, com ou sem programas de melhoria da
capacidade física, previnem a incidência de lesões musculoesqueléticas ligadas
ao trabalho a nível da coluna vertebral nos profissionais de saúde,
nomeadamente nos enfermeiros-
A identificação da bibliografia pertinente baseou-se numa pesquisa nas bases de
dados PubMed, Web of Science, B-On, JSTOR, Science, Nature, Scielo e IndeX e
também no Google Académico. Os descritores da pesquisa circunscreveram-se às
variáveis que decorrem da pergunta de investigação. Utilizaram-se expressões
como "profissionais de saúde" (health personnel OR health care
workers), "enfermeiros" ou outras expressões associadas a
enfermagem (nurses OR nurs*), bem como lesões da coluna vertebral (low back
pain OR spinal/Spin* cord injuries), movimentação de doentes (moving and
lifting patients OR handling patients), capacidade física (physical activity OR
physical fitness) e intervenção educacional (educational intervention OR
training intervention). Iniciou-se a pesquisa na base de dados PubMed por ter a
aplicação Thesaurus. Foi posteriormente repetida a pesquisa, de modo idêntico,
nas restantes bases de dados. Pesquisaram-se estudos realizados nos últimos 15
anos (período 1996-2011) em português, inglês e francês. A seleção dos estudos
foi feita em 2 etapas: triagem e avaliação da qualidade dos estudos.
A triagem foi feita por 2 revisores, de forma independente, através de lista de
verificação dos critérios de elaboração da pergunta de investigação -
População: profissionais de saúde; Intervenção (exposição): formação sobre
mobilização de doentes, exclusiva ou não, com ou sem programas da melhoria da
capacidade física; Controlo (grupo de): profissionais de saúde que não
participaram em programas de formação; Outcomes (resultados): queixas, sintomas
ou lesões musculoesqueléticas a nível da coluna vertebral; Study design (tipo
de estudo): estudos exploratórios, qualitativos ou quantitativos,
observacionais, descritivos, ou experimentais, transversais, longitudinais,
retrospetivos, estudos de caso-controlo ou de coortes.
Foi utilizada a estatística Kappa com o intuito de avaliar o grau de
concordância entre as avaliações dos revisores perante cada artigo. Os
resultados revelaram que relativamente à população, intervenções, controlo e
resultados (outcomes) a concordância entre os revisores é moderada (k = 0,545;
k = 0,550; k = 0,533; k = 0,537, respetivamente). Relativamente ao tipo de
estudo a concordância é substancial (k = 0,629) e no que respeita à seleção
para a fase seguinte é igualmente moderada (k = 0,573).
Foi realizada reunião entre os revisores para identificação dos motivos da
discordância em 12 artigos (que suscitavam dúvidas) e decisão sobre a sua
integração (ou não) na revisão sistemática, tendo-se chegado a um consenso em
11 artigos.
O passo seguinte consistiu na avaliação da qualidade dos estudos. Esta foi
determinada através da aplicação de lista de verificação que contemplou os
critérios de elegibilidade22, nomeadamente, a validade interna, a seleção dos
participantes (viés de seleção), as variáveis de confundimento, a validade dos
resultados (interna) e a validade externa. A lista de verificação dos critérios
de elegibilidade dos artigos (tabela_1) foi construída com base em outras
listas de verificação mais complexas e já testadas, nomeadamente do The
guidelines manual do National Institute for Health and Clinical Excellence e do
Critical Appraisal Skills Programme do Public Health Resource Unit. Foi
posteriormente validada facialmente pelos revisores do estudo antes de se
proceder à sua aplicação.
A figura_1 ilustra a dinâmica do processo de identificação e seleção dos
artigos para análise. A revisão sistemática incide nos resultados dos 11
artigos considerados elegíveis para a fase seguinte, nomeadamente, os estudos
de Black et al., Daynard et al., Hartvigsen et al., Hignett et al., Hodder et
al., Lim et al., Nelson et al., Nussbaum et al., Schibye et al., Warming et
al., Yassi et al. e Johnsson et al.12,13,17,23-31.
Resultados
Constatou-se que a variável "formação" assume diversas formas de
acordo com o contexto e orientação dos estudos, havendo necessidade de
organizar os resultados em 4 grupos, para melhor sistematização:
* a)Estudos com programa de formação exclusiva sobre mobilização de doentes
(Tabela_2);
* b) Estudos com programa de formação sobre mobilização de doentes e programa
de exercício físico (tabela_3);
* c) Estudos com programa de formação sobre mobilização de doentes e introdução
de equipamento mecânico de apoio à mobilização de doentes (Tabela_4);
* d) Estudos com programa de intervenção multifatorial (Tabela_5).
Os resultados encontrados estão evidenciados nas tabelas 2-5.
Discussão dos resultados
A mobilização dos doentes apresenta-se como uma frequente rotina diária dos
profissionais de saúde, nomeadamente dos enfermeiros, assistentes operacionais
e fisioterapeutas. A atividade é complexa com diversas exigências e implica,
habitualmente, uma elevada carga física com repercussões no sistema
musculoesquelético, que, também frequentemente, excede as capacidades
individuais dos intervenientes, em particular biomecânicas.
Optou-se pela abordagem qualitativa, essencialmente descritiva e interpretativa
dos diversos estudos que fizeram parte da presente revisão sistemática devido
fundamentalmente à sua heterogeneidade, que se observa a nível do desenho de
investigação (estudos observacionais, transversais, longitudinais, com ou sem
componente comparativa e com medidas repetidas no tempo), dos métodos
estatísticos (qui-quadrado, Anova, entre outros), dos grupos profissionais
(maioritariamente enfermeiros), instrumentos de recolha de dados
(questionários, instrumentação), e por consequência das variáveis estudadas e
resultados obtidos.
é ainda importante fazer uma pequena referência à comparação entre os
resultados obtidos com a estatística Kappa no seguimento do estudo. Julga-se
que a moderada concordância obtida se deveu à influência dos artigos que
suscitaram dúvidas, mais uma vez devido à sua elevada heterogeneidade no
contexto da revisão sistemática e respetivos critérios de inclusão. Assim, como
os resultados se encontravam mais próximos do limite superior do intervalo da
classificação "concordância moderada" (k = 0,41-0,60), considerou-
se que existia consenso aceitável entre os revisores para se passar à etapa
seguinte do estudo. Sendo tal uma limitação, provavelmente o aumento da equipa
de revisão seria uma estratégia que contribuiria para aumentar o nível de
concordância entre revisores e criar maior assertividade no processo.
Para auxiliar a discussão dos resultados realizou-se uma síntese crítica dos
estudos à luz do atual conhecimento científico nesta área.
a) Estudos com programa de formação exclusiva sobre mobilização de doentes
é reconhecido que as intervenções centradas no indivíduo se têm cingido
essencialmente à formação e treino das várias técnicas de posicionamento e
transferência de doentes. Os estudos com programas de formação exclusiva sobre
mobilização de doentes (tabela_2) apresentam resultados francamente modestos no
sentido de apoiar esta iniciativa e este modelo de intervenção centrado no
indivíduo como preventivos de LMELT a nível lombar.
Numa primeira abordagem sobre os resultados destacam-se os estudos de
Hartvigsen et al.25 e de Nussbaum et al.13, que não revelam alterações
significativas nos comportamentos adotados pelos profissionais de saúde após um
programa orientado para a formação e treino na mobilização de doentes e ainda
constatam que a formação, por si só, não previne a dor lombar (lombalgia).
Estes resultados são compatíveis com os encontrados por outros
estudos5,7,12,32,33. Embora bem aceite, de modo geral, para a prevenção de
LMELT, a formação sobre mecânica corporal e técnicas de mobilização de doentes
não tem conseguido alcançar resultados sustentáveis na evidência científica
relativamente à diminuição dos sintomas e sinais de LMELT. Nelson et al.12
referem que nos últimos 30 anos o empenho de alguns investigadores em mostrar
uma base credível deste tipo de estratégia tem falhado constantemente, quer nos
profissionais do sector da saúde quer noutras áreas.
Similarmente, a implementação de estratégias de intervenção exclusivamente com
informação/formação dos profissionais de saúde nas organizações de saúde
apresenta resultados muito reduzidos e contraditórios, dado que é ministrada em
ambiente laboratorial, controlado, muito diferente da realidade34. O trabalho
real apresenta diversos fatores que não são controlados, nomeadamente as
características de cada doente a ser mobilizado, como a falta de equilíbrio, a
sua massa corporal (frequentemente assimétrica e rígida), a capacidade de
colaborar efetivamente durante a mobilização, entre outros. O ambiente
hospitalar é mais complexo do que o simulado nesses programas de formação
laboratoriais e na realidade, por vezes, as mobilizações ocorrem em casas de
banho ou em espaços confinados que obrigam os profissionais de saúde a adotar
posturas extremas, a aplicar força muito acima dos limites recomendados, sempre
com o intuito de ajudar o doente, evitando situações que o coloquem em risco34.
Além do mais, as técnicas de mobilização que são realizadas habitualmente no
plano horizontal (por exemplo, com o doente na cama) obrigam o profissional de
saúde a utilizar a musculatura dos braços e ombros, em detrimento dos músculos
mais fortes dos membros inferiores, o que frequentemente não é contemplado nos
programas de formação34.
Relativamente aos resultados dos estudos identificados com programa de formação
exclusiva sobre mobilização de doentes, verifica-se na variável
"intervenção" que todos os estudos ensinam e treinam as técnicas de
mobilização de doentes segundo os princípios mais adequados na perspetiva da
ergonomia. O que difere nos programas de formação é o tempo lecionado e o
método de ensino. Em relação ao tempo, nos estudos de Hodder et al.27 e de
Nussbaum et al.13 optou-se pela formação intensiva, em dias consecutivos,
enquanto nos estudos Schibye et al.28, Johnsson et al.31 e Hartivigsen et al.25
o período temporal foi mais alargado (6 meses e 2 anos). Em ambos os casos não
se encontraram diferenças significativas ao nível dos resultados. Assim sendo,
presume-se que o aumento do tempo de formação não conduz à modificação de
comportamentos dos profissionais de saúde no sentido das técnicas recomendadas
para a mobilização de doentes.
Relativamente ao método de ensino nos 5 estudos identificados, sobressaem 3:
formação tradicional (professor-aluno), formação com apoio dos pares e Quality
Learning Circles. Em todos os estudos não se verificaram igualmente alterações
significativas. Alguns autores como Trinkoff et al.35 referem que a formação
tradicional não tem conseguido ser eficaz na manutenção de comportamentos a
curto prazo. No entanto, ainda segundo o mesmo autor, seria expectável que a
formação apoiada pelos pares fosse melhor aceite pelos profissionais de saúde
uma vez que é ministrada por um colega (influente) de equipa, conhecedor das
rotinas e dificuldades diárias. Nos resultados encontrados na presente revisão
sistemática não se verificou nenhum impacto devido à utilização desta
metodologia de formação.
Relativamente aos estudos de Hodder et al.27 e Schibye et al.28, tenta-se
reforçar o efeito positivo da formação intensiva. Refere-se que a formação
permite reduzir as posturas extremas e os desvios da coluna vertebral, assim
como a atividade muscular, diminuindo a carga na região lombar e,
consequentemente, o risco de lesão. Esses resultados são relativamente
expectáveis, uma vez que a avaliação do impacto da medida foi realizada no
imediato, quando os conteúdos da formação ainda estão muito presentes nos
participantes, o que leva a uma maior concordância com as técnicas
preconizadas. Os autores referem também que, quando a técnica recomendada de
mobilização do doente é aplicada, o risco de lesões musculoesqueléticas da
coluna lombar diminui, o que reforça a necessidade de pensar em estratégias
eficazes que levem a que os profissionais de saúde cumpram os procedimentos e
movimentos recomendados.
Os estudos identificados não conseguem comprovar a mudança de comportamentos ao
longo do tempo. Além de serem realizados em ambiente de laboratório, com uma
amostra bastante pequena (n = 22 e n = 9, respetivamente), não realizaram
follow-up dos participantes, pelo que não é possível avaliar o impacto da
formação intensiva na mudança de comportamentos.
Os resultados sustentam que a formação não deverá ser a única intervenção do
programa de prevenção e, em concordância com outros autores36-38, verifica-se
que os programas de formação intensiva sobre mobilização de doentes não
previnem as LMELT nos enfermeiros.
Também os resultados encontrados por Johnsson et al.31, com uma amostra de
maior dimensão, são congruentes com os resultados anteriores. Nesse estudo
concluiu-se que a formação sobre mobilização de doentes e as capacidades de
colaboração conduziram à melhoria da técnica utilizada. Após a formação, os
participantes melhoraram a técnica de transferência de doentes e referiram
maior conforto durante a realização do procedimento. Neste estudo existe a
particularidade da utilização de um modelo de análise das condições em que se
mobiliza o doente. De acordo com a sua própria capacidade, os recursos e
necessidades do doente e limitações do ambiente, o profissional de saúde deve
selecionar a técnica mais adequada. A eficácia deste método também não foi
demonstrada, pois não se verificou a diminuição do número de queixas de LMELT
pelos profissionais de saúde envolvidos.
O constante insucesso dos programas de formação intensiva dos profissionais de
saúde acerca das técnicas de mobilização do doente prende-se com o facto de se
focalizar na informação ao trabalhador, negligenciando a relação entre o posto
de trabalho, o ambiente, a organização e o trabalhador, e ainda com o facto de
os programas não serem incorporados a nível organizacional5. Devido ao carácter
multifatorial inerente à génese das LMELT, ao abordar a problemática da
prevenção das LMELT através de programas de formação exclusiva sobre técnicas
de mobilização de doentes, significa estruturar a intervenção ao nível da ponta
do iceberg deste problema ocupacional.
Segundo alguns autores, de que se destaca Kjellberg5, o conceito de base
"a técnica de trabalho" ainda não foi suficientemente elucidado,
motivo pelo qual se insiste neste tipo de programas. Essa técnica de trabalho
implica uma determinada metodologia e varia de trabalhador para trabalhador. é
também influenciada pelos fatores ligados ao trabalho (a tarefa em si, o design
e circuitos do local de trabalho, a organização do trabalho, os recursos
humanos alocados, entre outros) e ligados ao indivíduo (por exemplo, idade,
sexo, características antropométricas, capacidade física, motivação, capacidade
de resolução de problemas, formação e treino do método). Pelo facto de ser
influenciada por fatores ligados ao trabalho e ao trabalhador, a
(re)aprendizagem dos gestos profissionais com o intuito de reduzir a
suscetibilidade individual não deve substituir a intervenção prioritária sobre
a melhoria das condições de trabalho39 (no sentido mais amplo do termo).
Assim, devido ao cariz multifatorial na origem das LMELT, subsiste a
necessidade de mais estudos nesta área.
Em síntese, os resultados da presente revisão sistemática não suportam os
programas de formação exclusiva dos profissionais de saúde sobre mobilização de
doentes no contexto da prevenção das LMELT a nível lombar.
b) Estudos com programa de formação sobre mobilização de doentes e com programa
de exercício físico
Tendo ainda em conta as estratégias centradas no indivíduo, identificou-se um
estudo que referia um benefício adicional da prática de exercício físico com o
intuito de melhorar a capacidade física do profissional de saúde,
cumulativamente com formação sobre as técnicas de mobilização de doentes.
Apesar disso, o estudo de Warming et al.29 concluiu que a implementação de um
programa de formação sobre técnicas de transferência de forma isolada ou em
combinação com um programa de exercício físico, numa equipa de enfermagem a
nível hospitalar, quando comparada com um grupo de controlo, não evidencia
diferenças estatísticas a nível da dor lombar auto referida, do nível de dor,
das incapacidades resultantes e dos registos de absentismo por doença após um
ano de follow-up.
Seria esperado que um indivíduo com uma boa capacidade física estivesse melhor
preparado para realizar uma tarefa fisicamente mais exigente e tivesse, por
isso, menor risco de lesão musculoesquelética. No entanto, julga-se que devido
à exposição multifatorial aos fatores de risco relacionados com a atividade,
organizacionais e psicossociais não foi possível obter inferências deste tipo,
isto é, a intervenção centrada sobre o indivíduo revelou-se insuficiente para a
prevenção nesse contexto.
Nas conclusões da sua revisão sistemática, Silverstein et al.32 referem que
existe evidência muito limitada de que o exercício físico, entendido como fator
de risco individual, tenha algum efeito positivo na prevenção das LMELT a nível
da coluna lombar. No entanto, tem efeitos positivos na recuperação de algumas
lesões do sistema musculoesquelético. Estes resultados são congruentes com os
de Warming et al.29, que evidenciam a melhoria da (in)capacidade do grupo que
cumpriu um programa de formação e de treino físico, demonstrando que o
exercício físico deverá ser um conceito adicional nos programas de prevenção da
dor lombar nos enfermeiros.
Dawson et al.36, por seu lado, encontraram informação contraditória:
identificaram um estudo baseado no exercício físico realizado em casa, no tempo
de lazer, que revela não existir uma redução na sintomatologia lombar, no
entanto, identificaram outro estudo que demonstrou que o exercício físico,
quando orientado no local de trabalho por um fisioterapeuta, reduz a
intensidade e a prevalência da dor lombar.
Estudos posteriores a 2008 - ano em que foram publicados os dados de Warming et
al.29 - como o de Ewert et al.40 apenas confirmaram os benefícios na
recuperação de lesões musculoesqueléticas. Bell e Burnett41 verificaram que
existe substantiva evidência de que o exercício físico reduz a intensidade da
dor lombar. No entanto, devido à reduzida qualidade metodológica dos estudos e
da presença de resultados contraditórios, existe reduzida evidência e
particularmente limitada (insuficiente informação) de que o exercício físico
contribua efetivamente para a redução da dor lombar nos locais de trabalho com
exigências de mobilização de cargas. Tullar et al.32, numa revisão sistemática,
identificaram apenas um estudo, pelo que se considera não existir informação
suficiente que permita generalizar seja o que for nesse contexto.
Segundo as diretrizes europeias para prevenção da lombalgia, o exercício físico
é recomendado na prevenção do absentismo laboral, na diminuição das queixas e
na prevenção de futuros episódios de lombalgias42.
Em síntese, no essencial, não é possível obter conclusões sobre a influência
dos programas de melhoria da capacidade física com base apenas no resultado de
Warming et al.29 e sugere-se a realização de mais estudos nesta área. Reforça-
se também a ideia de que a inclusão de programas de melhoria da capacidade
física poderá ser uma etapa a integrar em futuros programas de prevenção.
c) Estudos com programa de formação sobre mobilização de doentes e introdução
de equipamento mecânico de apoio à mobilização de doentes
Relativamente à intervenção com base em programas de formação e programas de
introdução e utilização de equipamentos mecânicos de apoio à mobilização de
doentes, foram identificados 2 estudos: Yassi et al.30 e Daynard et al.24,
sendo que o segundo deriva do delineamento do primeiro.
Yassi et al.30 verificam que um programa de formação/treino combinado com a
disponibilidade e utilização de equipamentos de assistência à mobilização de
doentes apresenta melhores resultados na promoção do conforto dos profissionais
de saúde durante as técnicas de mobilização, diminui o cansaço da equipa e a
carga física exigida. Os resultados desse estudo são reconhecidos por outros
autores17,36,43,44.
Kjellberg5, em concordância com Yassi et al.30, refere que a combinação de
programas de formação e de introdução de equipamentos de mobilização de doentes
demonstra níveis mais elevados de bem-estar na equipa e uma maior concordância
com os conteúdos do programa de formação, comparados com os programas
exclusivamente de formação ou centrados sobre o trabalhador. A mesma autora
refere que, em consequência da disponibilidade do equipamento de transferência
e pequenas intervenções na área de trabalho, se observa uma menor prevalência
de sintomas musculoesqueléticos, em oposição a um programa exclusivo de
formação.
Nesse contexto, a escolha da estratégia de introdução de equipamentos de apoio
à mobilização tem sido preferida por muitos investigadores, porque é uma
intervenção com alterações permanentes no procedimento de abordagem à
mobilização do doente que reduz e tendencialmente elimina o risco na sua
origem34.
Apesar disso, é necessária alguma prudência na introdução de novo equipamento.
Equipar os serviços com novos dispositivos de assistência à mobilização de
doentes não significa, por si só, que a equipa os passará a utilizar no seu
dia-a-dia45. Por um lado, é necessária formação acerca da sua correta
utilização/manuseamento, pois uma mobilização de doentes realizada
incorretamente com equipamento mecânico pode provocar idêntico nível de carga
no sistema musculoesquelético que uma mobilização realizada com a técnica
manual33. Por outro lado, é igualmente importante proceder-se a uma correta
avaliação do trabalho real, nomeadamente a uma análise das posturas assumidas/
observadas, da sequência de movimentos, da frequência dos mesmos, a uma
avaliação dos momentos de aplicação de força, assim como da componente
cognitiva do trabalho, em particular dos processos de análise da decisão para a
ação e respetivo controlo/regulação20.
A escolha do equipamento deve decorrer da avaliação do trabalho real: além da
escolha do equipamento adequado ao objetivo pretendido é necessário ter em
conta as diferenças substantivas entre os doentes e os diversos aparelhos
disponíveis no mercado. A aceitação do equipamento pelos profissionais de saúde
é um fator muito importante, sendo que uma correta avaliação é um facilitador à
sua utilização34. Os resultados positivos obtidos no estudo de Yassi et al.30
derivaram de uma correta avaliação do trabalho real e da disponibilização de
equipamento adequado ao grupo de intervenção (grupo C), em relação à frequência
e à atividade desempenhada, que se enquadrou no trabalho diário da equipa.
No estudo de Yassi et al.30 a avaliação cingiu-se aos fatores de risco
relacionados com a atividade, havendo pouco enfoque nos fatores de risco
individuais, sociais e organizacionais, o que a longo prazo poderá constituir
um viés devido à origem multifatorial das LMELT.
Ainda nesse estudo, a introdução de equipamentos mecânicos de apoio à
mobilização de doentes originou um aumento dos tempos de transferência. Na
prática, a velocidade da transferência continua a ser referida como um dos
critérios de suporte pela opção da técnica manual. O manuseamento do
equipamento implica o recurso a posturas, por vezes, extremas durante a
colocação do doente sobre o equipamento. Daynard et al.24 verificaram que o uso
de equipamento aumentou a carga acumulada na coluna lombar, por vezes superior
à referida com a técnica manual.
Daynard et al.24 concluíram que a existência de novos equipamentos no programa
de prevenção de LMELT resultou numa maior aceitação das técnicas de mobilização
recomendadas. A introdução de equipamento nas áreas de trabalho de prestação de
cuidados a doentes dependentes reduz a carga associada à sua movimentação e é
uma medida com elevados benefícios uma vez que a maioria das lesões dos
profissionais de saúde, nomeadamente dos enfermeiros, resulta de uma elevada
frequência de realização de atividades que têm exigências físicas e que dão
origem à presença de sintomas e dor - as lesões ocorrem e agravam-se lentamente
ao longo do tempo devido à aplicação de força, à repetição de gestos e/ou
posturas extremas34,39,46.
Os estudos de Yassi et al.30 e Daynard et al.24, em geral, revelam melhores
resultados na combinação da formação (medida centrada no indivíduo) com a
introdução de equipamento mecânico de assistência à mobilização de doentes
(medida centrada no posto de trabalho), do que um programa de formação
intensiva apenas com recurso a técnicas de mobilização de doentes. Além disso,
reforçam a ideia de que nenhum programa de intervenção exclusiva deverá ser
recomendado.
Ficam ainda por analisar diversas variáveis que condicionam o trabalho real,
nomeadamente o ambiente de trabalho, as características psicológicas e sociais
em que ocorre a prestação de cuidados e as condições organizacionais do
trabalho, o que permite questionar o sucesso desta combinação de programas e
reforça a necessidade de abordar o problema como um todo, isto é, tendo em
conta a interação entre as condicionantes do trabalho, a atividade de trabalho
e os resultados, quer para o trabalhador quer para o sistema produtivo e para o
doente.
d) Estudos com programa de intervenção multifatorial (sistémicos)
Em oposição aos programas de formação exclusiva sobre técnicas de mobilização
de doentes, a implementação de programas multifatoriais de cariz sistémico
demonstra uma evidência científica robusta que o risco de LMELT nos
profissionais de saúde diminui significativamente. Os resultados encontrados
por Nelson et al.12, Black et al.23 e Hignett et al.26 são unânimes.
Nos estudos identificados a formação (geralmente ministrada através dos pares)
é aliada a várias estratégias tais como a (i) avaliação da situação de trabalho
com a consequente intervenção ergonómica, (ii) a implementação de algoritmos de
decisão de apoio à mobilização de doentes, (iii) a aprendizagem com o erro/
incidentes (after action reviews), (iv) a introdução de equipamentos mecânicos
de assistência à mobilização e (v) a adequação das políticas organizacionais,
em particular a nível de recursos humanos.
De facto, nos 3 estudos identificados destaca-se a perspetiva sistémica e
integradora da abordagem das situações reais de trabalho. Nesse contexto, é a
metodologia da análise ergonómica do trabalho, por privilegiar a avaliação das
relações entre o trabalhador e o sistema com o intuito de garantir, por um lado
a saúde, a segurança e o conforto do trabalhador, e por outro lado, a melhoria
da produtividade em qualidade e quantidade, que se revela mais adequada. Esta
perspetiva permite não só compreender o trabalho - como é organizado e como se
realiza no concreto - como também produzir conhecimento sobre a adequação do
envolvimento físico, tecnológico e organizacional, nomeadamente às exigências
físicas e cognitivas, às capacidades humanas, permitindo a antecipação da
futura atividade de trabalho, prevenindo as desarmonias entre o envolvimento e
o trabalhador47.
A mobilização de doentes realizada pelos profissionais de saúde ocorre, na sua
maioria, em unidades de saúde que, atualmente, apresentam elevada complexidade
tecnológica, instrumental e física, com constante pressão temporal e tensão
associadas à prestação de cuidados de saúde de qualidade. Em paralelo, observa-
se uma grande diversidade de profissionais de saúde, cada vez mais envelhecidos
e maioritariamente do sexo feminino, enquanto o trabalho se mantém fisicamente
exigente e realizado por turnos, incluindo o trabalho noturno. Estas
particularidades (fatores de risco) podem ser uma ameaça (risco) para a saúde e
segurança dos profissionais de saúde na situação real de trabalho, enquanto se
esforçam para atingir o desempenho esperado pela organização47.
Frequentemente as organizações desvalorizam a variabilidade individual e do
sistema (consideram o trabalho estável), e, em consequência, as situações de
risco não são antecipadas47. Faria et al.48 referem que as organizações
hospitalares portuguesas apenas têm valorizado, de forma fragmentada, as
condições de trabalho, em particular os aspetos do ambiente físico,
desvalorizando, quer o indivíduo quer a sua atividade real de trabalho.
A utilização da metodologia da análise ergonómica do trabalho irá permitir às
organizações compreender melhor esse trabalho, contribuindo para soluções que,
através de uma intervenção sobre os fatores determinantes do trabalho, permita
a adaptação dos espaços, equipamentos e processos às características,
capacidades e limitações dos trabalhadores, e crie harmonia entre o homem e o
ambiente de trabalho. A diminuição do absentismo resultante dos acidentes e das
doenças profissionais e o aumento do rendimento e da produtividade individual e
coletiva serão os principais benefícios para as organizações47,48.
O estudo de Nelson et al.12 refere que a implementação de um programa
multifatorial de cariz sistémico, num período de 10 anos, permitiria poupar
cerca de 205.000 dólares por ano às organizações envolvidas. Estima, inclusive,
recuperar o capital investido em materiais e formação dos recursos humanos num
período de 3,75 anos. Os resultados de Black et al.23 também mostram resultados
semelhantes, com 41% de redução dos custos por lesão após a intervenção, sendo
que a média de dias de trabalho perdidos diminuiria mais de 50%, de 35,99 dias
para 16,2 dias.
Os resultados referidos estão de acordo com a Osha49, cujos dados de 2009
indicam a possibilidade de uma poupança de 150.000 dólares nos custos de
compensação dos trabalhadores por doença num período de 5 anos, uma redução de
55% dos dias de trabalho perdidos por doença e uma redução de 45% de lesões
associadas à mobilização (incluindo o levante) de doentes nos 4 anos seguintes
à implementação do programa multifatorial (que inclui equipamento mecânico de
assistência à mobilização de doentes, política de "não realizar levante
manual", em combinação com formação sobre técnicas de mobilização de
doentes) com 6 anos de duração.
No estudo de Brophy50 a implementação de um programa multifatorial (com base na
metodologia de análise e intervenção ergonómica no local de trabalho e a
disponibilização de equipamento mecânico) com uma duração de 7 anos permitiu
uma redução de custos na ordem dos 200.000 dólares para os 98.000 dólares,
relativamente às lesões a nível da coluna lombar.
A intervenção sistémica integra, desse modo, a elaboração de soluções centradas
nas condições de trabalho, na organização e na adequação dos dispositivos
técnicos e posteriormente centradas no trabalhador, nomeadamente através da sua
formação e informação47. Por outras palavras, as intervenções devem privilegiar
a (i) adequação do envolvimento (físico, tecnológico e organizacional) à
variabilidade das características, capacidades e limitações humanas, (ii)
evitar a exposição a fatores de risco do local de trabalho acima de níveis
aceitáveis, o desgaste prematuro dos trabalhadores, bem como a fadiga física e
mental que possam contribuir para ocorrência de acidentes, (iii) garantir a
manutenção do estado de saúde dos trabalhadores durante a sua vida ativa e (iv)
apostar na melhoria e no aumento da qualidade de produção47.
A abordagem sistémica deve contemplar medidas como47:
* A conceção de espaços adequados à atividade, sendo que o design dos serviços
hospitalares deve garantir a flexibilidade e adaptabilidade do sistema;
* Reorganização temporal do trabalho;
* Seleção de equipamentos adequados à função e aos utilizadores;
* Introdução de ajudas técnicas (hardware e software) para a diminuição da
probabilidade de erro;
* Integração de programas de promoção da saúde e segurança dos profissionais de
saúde (nomeadamente programas de gestão do stresse, de promoção da atividade
física, de formação/informação, etc.);
* Análise da fiabilidade dos sistemas de trabalho.
A implementação de algoritmos de apoio à decisão na mobilização de doentes,
afixados nos placards dos serviços e junto às camas dos doentes, são
considerados como ferramentas de ajuda (fundamentalmente cognitiva) que
auxiliarão os profissionais de saúde a aplicar os dados da evidência científica
na prática, diminuindo a atual diversidade de abordagens ao doente durante a
sua mobilização12,23,26,35.
A normalização de procedimentos e processos que reduzem a necessidade de
memória a curto prazo e garantem que se mantenham os níveis de segurança e
fiabilidade, incluindo a implementação de algoritmos de decisão, permitirão
uniformizar a abordagem ao utente e tornar seguras as decisões acerca da
mobilização de cada doente35,47.
A introdução de equipamento mecânico já tinha evidenciado ser uma mais-valia
nos estudos de Yassi et al.30 e Daynard et al.24, e surge nos programas
multifatoriais de cariz sistémico como uma etapa indispensável. Os equipamentos
devem ser perspetivados de acordo com a sua disposição/configuração (função,
importância, frequência e sequência de utilização) e com o seu relacionamento
com os componentes da situação de trabalho (comunicação, controlo e movimento).
é ainda importante que exista uma facilidade de interação entre o profissional
de saúde e o equipamento, com sequências lógicas de procedimentos que facilitem
a memorização e a aceitação pelo utilizador. Caso contrário, a sua utilização
será comprometida e o recurso à mobilização manual do doente será uma
constante47.
A aprendizagem com o erro/incidentes (after action reviews) surge também como
uma etapa do programa multifatorial do estudo de Nelson et al.12. Este tipo de
estratégia é considerada para alguns autores como uma ferramenta extremamente
importante. Quando bem utilizada, conduz o processo ativo de formação das
equipas de saúde51.
Em simultâneo, a notificação dos eventos adversos constitui, também, um novo
desafio devido ao problema da subnotificação das LMELT, todavia é crucial para
a implementação desta estratégia52. O objetivo da notificação de eventos
adversos ou potenciais situações de risco é aprender com os erros, difundir
informação e introduzir mudanças nos sistemas ou nas práticas, de forma a
evitar que os mesmos erros se repitam no futuro20. Quando o conhecimento é
partilhado nos locais de trabalho pode tornar-se transferível ou aplicável
noutras situações, contribuindo para minimizar a probabilidade de eventos
adversos. A reflexão sobre os acontecimentos proporciona não apenas um momento
de análise dos objetivos a atingir e de avaliação dos erros inerentes ao
processo a ser refletido, como também um momento facilitador da comunicação da
equipa de saúde que contribui para a saúde e segurança de profissionais de
saúde e doentes35,53.
Os estudos com programas multifatoriais identificados na presente revisão
sistemática destacam 2 medidas a nível organizacional, nomeadamente a
implementação da política de "não realizar levante manual" e a
definição (por escrito) do guião de competências da mobilização de doentes
(manual ou com recurso a equipamento mecânico). Hignett et al.26 referem as
competências, designadamente o conhecimento, as capacidades e as atitudes que
devem ser adotados para minimizar o risco. O objetivo passa por minimizar a
distância entre a teoria e a prática, conduzindo à mudança de atitudes e
comportamentos. No fundo, trata-se, como já foi referido anteriormente, de
normalizar os procedimentos de acordo com o conhecimento científico.
Nos programas multifatoriais de cariz sistémico a formação/informação ao
trabalhador surge no seguimento (em paralelo ou após) serem implementadas ações
no sistema. A formação sobre a mobilização de doentes é importante para a
realização de uma técnica correta, que exponha o profissional de saúde a um
menor risco (ou aceitável) aquando da sua realização.
Hignett et al.26 referem que a formação deve incluir a supervisão diária na
prática e delinear estratégias de facilitação da resolução de problemas,
referindo, tal como Black et al.23 e Nelson et al.12, a vantagem da utilização
dos algoritmos de decisão. Os resultados encontrados parecem evidenciar que a
formação, quando ministrada de acordo com competências organizacionais pré-
definidas, favorece a cultura de segurança no que respeita à mobilização de
doentes.
Outras estratégias organizacionais, nomeadamente as de minimização da fadiga
dos profissionais de saúde, não foram identificadas nesta revisão sistemática.
A fadiga resultante de longos períodos consecutivos de trabalho, do trabalho
noturno e por turnos está na origem de um elevado número de erros, em
geral35,54. Julga-se, nesse contexto, igualmente importante para a prevenção
das LMELT o estudo das estratégias que reduzem a fadiga e que permitem a
limitação de horas consecutivas de trabalho, pois os níveis de desempenho e a
atenção durante a noite, ou após muitas horas consecutivas de trabalho, não são
possíveis de manter a um nível compatível com o desempenho exigido pela
segurança do doente52,53,55,56. Em particular ao nível da enfermagem, elevadas
exigências físicas, de cargas e de trabalho, aliadas, por um lado ao aumento
das solicitações e à incorreta distribuição dos enfermeiros pelos serviços, e
por outro à redução de pessoal e à diminuição do tempo de internamento, julga-
se estarem na base do aumento da fadiga e da probabilidade de erro durante a
prestação de cuidados de saúde aos doentes.
Destaca-se, ainda, o esperado efeito decorrente da inversão da pirâmide etária,
designadamente o envelhecimento da população, que se julga irá provocar um
aumento da procura de cuidados de saúde. Tal, associado à diminuição dos
recursos humanos da saúde e também ao seu envelhecimento, e à sua utilização
como se de um trabalho industrial se tratasse (linha de produção), reduzirá,
consequentemente, o tempo destinado a cada doente e aumentará o risco de
acidente e doenças profissionais34,47,54. é importante referir que, segundo
Markkanen et al.52, baseando-se em Goetch, o sucesso de um programa
multifatorial de cariz sistémico depende de 5 elementos: (i) tipo de liderança
do programa, (ii) política adotada (e sempre que possível colocada por
escrito), (iii) envolvimento do trabalhador, (iv) monitorização contínua e (v)
implementação de ajustamentos baseados nos resultados da monitorização
contínua.
Importa referir também que a presente revisão sistemática comporta algumas
limitações, devidas sobretudo à heterogeneidade dos estudos analisados, o que
torna difícil a sua comparação.
Conclusões
Os cuidados de saúde implicam mobilização de doentes, incluindo a sua
movimentação em situações particularmente complexas que acarretam riscos para
os profissionais de saúde, nomeadamente risco de lesão musculoesquelética a
nível da coluna lombar. A saúde dos profissionais de saúde faz parte integrante
da tão atual e aclamada "qualidade em saúde". Criar ambientes de
trabalho seguros, com rotinas adequadas e locais de trabalho corretamente
planeados irá diminuir as desigualdades em saúde no trabalho destes
profissionais, promovendo a sua segurança, conforto e bem-estar e diminuindo a
ocorrência de eventos adversos, tanto na perspetiva do profissional de saúde
como na do doente.
A implementação de programas baseados em formação exclusiva sobre mobilização
de doentes persiste na prática dos profissionais de saúde por se acreditar que
se trata de uma medida eficiente na perspetiva custo-benefício e custo-
efetividade para a prevenção de LMELT neste sector profissional.
Desta revisão sistemática concluiu-se que não existe evidência científica que
suporte o investimento em programas centrados na formação/informação dos
profissionais de saúde acerca das técnicas de mobilização de doentes com o
intuito de prevenir as lesões musculoesqueléticas da coluna
lombar13,25,27,28,31. Os resultados estão de acordo com anteriores revisões
bibliográficas, de que se destaca Hignett7, apesar de a dúvida subsistir e
diversos estudos26,27 se debruçarem sobre o tema.
Os programas de intervenção multifatorial que utilizam os contributos da
ergonomia para a harmonização das exigências organizacionais que se colocam aos
profissionais de saúde apresentam vantagens inequívocas7,37. A componente
sistémica e integradora da metodologia de análise e intervenção ergonómica
permite compreender as relações entre o trabalhador e o trabalho, contribuindo
para a harmonia entre o homem e o sistema. Existe substantiva evidência
científica de que os programas multifatoriais de cariz sistémico previnem a
ocorrência de LMELT12,23,26 e permitem recuperar o capital investido a curto
prazo. Nelson et al.12 frisam que num período de 10 anos se poupariam mais de
200.000 dólares por ano, sendo que o capital investido em materiais e formação
dos recursos humanos seria recuperado ao final de 3,75 anos. Black et al.23
reportam cerca de 40% de redução dos custos por LMELT e uma diminuição da média
de dias de trabalho perdidos de 36 dias para 16 dias.
Nesse contexto, dá-se particular destaque às soluções adequadas a cada local de
trabalho, tendo em conta o trabalho real e as características dos
trabalhadores. Algumas das estratégias que integram os programas multifatoriais
de cariz sistémico que emergiram desta revisão sistemática no contexto da
mobilização de doentes foram: (i) a análise ergonómica do trabalho e a
intervenção ergonómica, (ii) os algoritmos de apoio à decisão, (iii) a
implementação de equipamentos mecânicos para transferência e levantamento de
doentes, (iv) a formação sobre técnicas e procedimentos de mobilização de
doentes e o manuseamento dos equipamentos, (v) a aprendizagem com o erro/
incidentes (after action reviews), (vi) a política de "não realizar
levante manual" e (vii) a elaboração de um manual de competências para a
mobilização de doentes. A maioria destas medidas não implica substantivos
investimentos à sua implementação, mesmo no presente momento de crise
económica, obrigam apenas a verdadeiramente compreender o trabalho e a
implementar uma cultura de segurança e de aprendizagem com os erros.
Assim, face à atividade dos enfermeiros e em particular pelas frequentes
queixas/sintomas musculoesqueléticos referidos11 como ligados ao trabalho, a
formação sobre mobilização de doentes não deve deixar de existir, deve manter-
se no sentido de reciclar conhecimentos e garantir a concordância com a técnica
recomendada. Esta estratégia apenas demonstra evidência científica quando
combinada com outro tipo de intervenções12,23,24,30. Os resultados de suporte a
esta tipologia de intervenção incluem a diminuição de cerca de 40% dos custos
por lesão e de 45% da média dos dias de trabalho perdidos, de acordo com
Daynard et al.24.
Relativamente aos programas de melhoria da capacidade física dos trabalhadores,
não foi possível chegar a conclusões fidedignas. O estudo identificado apenas
revelou resultados positivos ao nível da recuperação das lesões29.
Decorrente dos resultados obtidos com esta revisão sistemática sugere-se:
* -Abandonar a implementação de programas de formação intensiva sobre
mobilização de doentes como estratégia única, isolada e sem monitorização do
seu impacto ao longo do tempo;
* -Implementar programas de prevenção de acordo com a abordagem sistémica e
integradora das situações de trabalho, incluindo:
o Estudos sobre o benefício da melhoria da capacidade física dos
profissionais de saúde ao nível da prevenção das LMELT;
o Estudos sobre os efeitos da reorganização do trabalho na fadiga dos
profissionais de saúde que realizam trabalho noturno e por turnos;
o Estudos futuros com monitorização do impacto das diversas medidas adotadas
em programas de prevenção de LMELT em profissionais de saúde,
particularmente nos enfermeiros.