«Papa Bem»: investir na literacia em saúde para a prevenção da obesidade
infantil
Introdução
A obesidade é considerada como um dos mais sérios desafios de saúde pública no
início do século XXI. É um problema mundial, que afeta principalmente os países
de médio e alto rendimento1. A sua prevalência entre crianças e adultos tem
vindo a aumentar substancialmente2, sendo as populações com baixos níveis
socioeconómicos e de escolaridade as que estão em maior risco3. Apesar dos
esforços realizados nos últimos anos, as medidas de prevenção e tratamento não
têm demonstrado sucesso no controlo deste problema de saúde pública2.
O excesso de peso e a obesidade estão associados ao desenvolvimento de
condições adversas à saúde, como a hipertensão arterial, hipercolesterolemia,
hipertrigliceridemia e resistência à insulina. Os riscos de doença coronária,
acidente vascular cerebral isquémico e diabetes tipo II aumentam com o
incremento do índice de massa corporal (IMC). Um IMC elevado parece influenciar
também o risco de alguns tipos de cancro, como o cancro da mama, cólon-retal,
do endométrio, dos rins, do esófago e do pâncreas4.
Em crianças, o excesso de peso e a obesidade estão associados a uma redução na
qualidade de vida e maior risco de bullying e isolamento social, com impacto
negativo na saúde mental1.
Em 2011, mais de 40 milhões de crianças em todo o mundo já tinham excesso de
peso antes dos 5 anos de idade5. Relativamente a Portugal, dados de um estudo
realizado em 2001 revelavam uma prevalência de 23,1% de excesso de peso
(incluindo obesidade) e 6,2% de obesidade em crianças de 4 anos de idade6.
Dados mais recentes demonstram um panorama ainda mais preocupante. Em 2010, o
estudo Childhood Obesity Surveillance Initiative encontrou uma prevalência de
30,2% de excesso de peso (incluindo obesidade) e 14,3% de obesidade em crianças
de 6-8 anos7. Já o Estudo do Padrão Alimentar e de Crescimento Infantil (EPACI)
revela uma prevalência de cerca de 38% de excesso de peso (incluindo obesidade)
e de 6,5% de obesidade em crianças dos 12-36 meses de vida8.
Sendo a obesidade uma doença crónica, com um impacto tão negativo na saúde de
adultos e crianças e cada vez mais prevalente por todo o mundo, a sua prevenção
precoce é estratégica e os períodos da gravidez e dos primeiros anos de vida
têm sido apontados como oportunidades importantes neste sentido9,10.
De facto, alguns fatores de risco para a obesidade infantil surgem desde muito
cedo. A vida intrauterina e os primeiros anos de vida são considerados períodos
críticos na programação da regulação do balanço energético a longo prazo10.
Além disso, os hábitos e preferências alimentares começam a ser estabelecidos
durante este período11.
A obesidade no início da gravidez, o aumento excessivo de peso da mãe2 e o
consumo de tabaco10 são exemplos de fatores de risco para a obesidade infantil
no período da gravidez. Logo após o nascimento, a alimentação com leite de
fórmula, a diversificação alimentar antes dos 4 meses de vida e um crescimento
acelerado no primeiro ano de vida são outros exemplos2. Mais tarde, o baixo
consumo de frutas e hortícolas, o hábito de comer fora de casa, as grandes
porções de alimentos, o consumo excessivo de alimentos e bebidas de alta
densidade energética, o hábito de petiscar, os baixos níveis de atividade
física, o excesso de atividades sedentárias, como ver televisão e dormir menos
horas do que o recomendado, são também fatores que contribuem para o excesso de
peso2.
As recomendações mais recentes apontam claramente para a necessidade de
abordagens precoces e mais ecológicas e holistas no combate à obesidade
infantil, focando-se na família e na comunidade em que esta se integra9,10,12.
Entre as estratégias de promoção da saúde, a importância da literacia e da
literacia em saúde tem sido largamente documentada13. No contexto da obesidade,
a baixa literacia e numeracia estão associadas a piores conhecimentos sobre
aleitamento materno, a maiores dificuldades para compreender rótulos e porções
e a um IMC mais elevado14. Vários estudos têm demonstrado que uma proporção
elevada dos pais tem um nível de literacia em saúde que compromete a sua
capacidade para realizar tarefas preventivas básicas, como seguir as
recomendações de uma brochura ou usar uma tabela de percentis15.
Adicionalmente, alguns estudos internacionais têm apontado que muita da
informação sobre saúde infantil que é disponibilizada aos pais não se adequa
aos seus níveis de literacia16,17. Desta forma, melhorar os resultados das
intervenções preventivas implica também que estas sejam sensíveis e adequadas
ao nível de literacia da população-alvo. As recomendações mais recentes para a
prevenção da obesidade infantil incluem a produção e disseminação alargada de
mensagens simples14, que respeitem os princípios de produção e fornecimento de
informação em saúde a populações com baixos níveis de literacia18-20.
O nível de literacia em saúde da população portuguesa é desconhecido21. No
entanto, estando a literacia em saúde intimamente relacionada com os níveis de
literacia em geral, cabe aqui referir que os estudos em Portugal sobre o tema,
apesar de escassos, manifestam de forma semelhante os baixos níveis de
literacia da população22-24.
O presente artigo descreve os procedimentos no projeto "Papa Bem",
um projeto de produção e disseminação de informação sobre a obesidade infantil,
veiculada pela Internet e destinada ao público em geral, desenvolvido no âmbito
do Programa Harvard Medical School - Portugal.
O projeto "Papa Bem" pretende constituir um contributo para a
prevenção da obesidade infantil, tendo como finalidade melhorar a literacia em
saúde de futuros pais, pais e outros cuidadores de crianças até aos 5 anos de
idade, através da disseminação de mensagens baseadas na evidência científica e
veiculadas por materiais escritos e audiovisuais acerca da obesidade infantil e
crescimento saudável.
Materiais e métodos
O quadro de referência teórica que orientou o projeto "Papa Bem" é
composto por 3 referências complementares: o modelo contextual de Davison e
Birch12, a abordagem Health, Exercise, Nutrition for the Really Young (HENRY)
de combate à obesidade infantil de Hunt e Rudolf9, adotada pelo Serviço
Nacional de Saúde do Reino Unido, e o relatório Early Childhood Obesity
Prevention Policies, do Institute of Medicine10.
Estas recomendações vão além das orientações mais habituais em torno da
alimentação e da atividade física, valorizando o papel dos pais e do ambiente
familiar para a formação de bons hábitos de alimentação, de atividade física e
de sono e para um crescimento saudável, incluindo dimensões mais alargadas,
como o estilo de vida, a organização familiar e a parentalidade. Por outro
lado, é enfatizada a importância de abordagens de intervenção centradas na
família, apoiando as mudanças de estilo de vida de acordo com as suas
necessidades e investindo no reconhecimento do problema e motivação para a
mudança25,26. Diversos estudos evidenciam a associação entre fatores parentais
e alguns comportamentos dos filhos12,27,28. As práticas parentais de oferta de
alimentos, como a restrição e a pressão para comer, também têm merecido
destaque nesta área de estudo12,29,30. Alguns trabalhos discutem ainda a
associação entre o estilo parental e os comportamentos alimentares das crianças
e a obesidade infantil31, havendo autores que recomendam a promoção de um
estilo parental "autoritativo", ou seja, firme, que estabelece
limites (por exemplo, são os adultos que definem os alimentos que são
oferecidos à criança), porém, caloroso e responsivo aos sinais da criança (por
exemplo, respeito pelos sinais de fome e saciedade)31-33. As refeições em
família também aparecem associadas a comportamentos alimentares e peso mais
adequados em estudos com crianças e adolescentes34-37. Estas associações
podem evidenciar a importância de aspetos relacionados com a dinâmica
familiar31.
No sentido de conjugar a melhor evidência científica disponível com as
necessidades específicas do público-alvo seguimos os passos do modelo de
planeamento PRECEDE-PROCEED38 e a estratégia de investigação-ação a ele
subjacente.
Segundo este modelo de planeamento, começa-se por identificar a questão ou
problema de saúde e os fatores genéticos, comportamentais e ambientais
eventualmente implicados na situação. Quando é necessário alterar
comportamentos há que identificar os fatores predisponentes dos comportamentos
em causa, bem como os fatores de facilitação e de reforço necessários para
apoiar a mudança destes comportamentos de forma sustentada39.
Desenvolvemos um projeto-piloto numa área do distrito de Lisboa, escolhida por
conveniência devido à sua diversidade socioeconómica e cultural e ao interesse
manifestado pelos profissionais de saúde dos cuidados de saúde primários e do
hospital de referência em colaborar no projeto.
Este projeto-piloto foi organizado em 4 fases interdependentes, que passaremos
a descrever: estudo exploratório, produção dos materiais, avaliação dos
materiais, implementação (fig._1).
Estudo exploratório
Seguindo o modelo de planeamento PRECEDE-PROCEED, após a identificação da
obesidade como um problema de saúde pública e a sua caracterização em Portugal,
partimos para a análise das variáveis modificáveis para a sua prevenção atuando
sobre os comportamentos determinantes, abordando os seus fatores
predisponentes, bem como os fatores facilitadores e de reforço para uma mudança
sustentada dos mesmos.
Após a revisão da literatura avançámos para um diagnóstico ecológico e
educacional da área-piloto, que envolveu a recolha de dados junto da população-
alvo e de alguns dos seus principais mediadores, nomeadamente, os profissionais
de saúde.
A etapa de recolha de dados assentou em diferentes metodologias e fontes de
informação.
* Grupo Focal com profissionais de saúde dos cuidados de saúde primários da
área-piloto (um Grupo Focal com 9 profissionais de saúde, incluindo 4
enfermeiros e 5 médicos de família).
* Questionários dirigidos aos pais de crianças dos 6 meses aos 5 anos de idade
presentes nas consultas de saúde infantil dos centros de saúde (n = 11) e na
consulta de pediatria do hospital (n = 76) da área-piloto (tabela_1).
* Entrevistas semiestruturadas a pais de crianças dos 6 meses aos 5 anos de
idade presentes na consulta de pediatria do hospital da área piloto (8 mães,
5 de nacionalidade portuguesa e 4 estrangeiras).
Produção dos materiais
A elaboração do plano editorial e a produção dos materiais seguiram um processo
sistemático de seleção de mensagens, desenvolvimento de conteúdos, revisão e
avaliação. Num primeiro momento foram considerados os fatores predisponentes,
facilitadores e de reforço identificados na revisão da literatura e no
diagnóstico da área-piloto realizados no âmbito do estudo exploratório, dando
origem a um plano editorial.
Os materiais foram produzidos e revistos pela equipa multidisciplinar do
projeto, incluindo médicos de saúde pública, pediatras, nutricionistas,
especialistas em atividade física, psicólogos, entre outros. Esta produção e
revisão considerou o conteúdo, mas também teve em conta os baixos níveis de
literacia da população portuguesa e as diretrizes do programa, que indicavam a
produção de materiais escritos para um público com o 10.° ano de escolaridade e
versões simplificadas dos mesmos para um público de mais baixa literacia (5.°
ano de escolaridade), com recurso aos meios audiovisuais. Assim, foram
consideradas as recomendações para produção de materiais que têm por base a
metodologia Plain Language e se focam em 4 componentes principais: a adequação
à população-alvo, a linguagem e o estilo, a organização, o layout e o
design40,41.
A equipa do projeto contou com a consultoria de especialistas internacionais em
obesidade infantil e literacia em saúde. Adicionalmente, ao longo de todo o
processo de produção dos materiais foram consultados os profissionais de saúde
da área do estudo-piloto, quer ao nível dos cuidados de saúde primários quer ao
nível da consulta hospitalar da especialidade de obesidade infantil. Estes
profissionais contribuíram para a triagem das mensagens, sua revisão e
avaliação, até chegar ao produto final.
Por forma a motivar e capacitar a equipa do projeto e outros profissionais
envolvidos, organizaram-se 2 workshops: um sobre a produção de materiais de
educação para a saúde para a população, orientado por uma perita em literacia
em saúde da Universidade de Harvard, e outro sobre o modelo de intervenção
HENRY para o controlo da obesidade infantil, orientado pela pediatra
corresponsável pela criação e disseminação deste modelo no Reino Unido9,31.
Avaliação dos materiais
Com o objetivo de validar a adequação cultural, a clareza, a acessibilidade e a
compreensão das mensagens presentes nos materiais produzidos passou-se à etapa
de avaliação da qual fizeram parte as seguintes componentes.
* Revisão dos materiais de acordo com uma lista de princípios de boa
comunicação (por exemplo, utilização da voz ativa, frases curtas, recurso
mínimo a termos técnicos…).
* Aplicação de uma adaptação para a língua portuguesa do teste Suitability
Assessment of Materials18 a uma amostra aleatória de 40% dos materiais
escritos. Esta avaliação foi feita pelos profissionais de saúde da área-
piloto que participaram nos workshops organizados pelo projeto.
Implementação
A fase de implementação envolveu o desenho de diferentes estratégias de
disponibilização e disseminação dos materiais produzidos e de envolvimento dos
mediadores para facilitarem o acesso à informação pelo público-alvo.
* Organização de workshops de sensibilização e capacitação dos profissionais de
saúde e de educação.
* Divulgação do projeto e disponibilização de materiais através de diferentes
veículos e contextos.
* Estabelecimento de contactos para a utilização dos materiais em diferentes
contextos comunitários.
Resultados
Estudo exploratório
Seguindo os passos do modelo de planeamento PRECEDE-PROCEED, através da revisão
da literatura e do diagnóstico ecológico e educacional da área-piloto,
identificámos os fatores predisponentes (tabela_2), facilitadores (tabela_3) e
de reforço (tabela_4) relacionados com os comportamentos que interferem com a
obesidade infantil.
Podemos destacar de entre estes resultados que os pais se preocupam, sobretudo,
que a criança coma pouco (47,1% dos 87 pais que preencheram questionário),
sendo muito menos os que atribuem importância ao facto da criança comer demais
(21,8%). De acordo com um focus group, alguns profissionais de saúde atribuem o
excesso de peso nas crianças aos maus hábitos dos pais. No que respeita ao sono
verifica-se que a maioria dos pais não lhe atribui a devida importância (70,9%
dos pais não se preocupa ou tem preocupações inadequadas acerca do número de
horas de sono que os seus filhos devem dormir). Os profissionais de saúde
apontam hábitos familiares sedentários (em focus group afirmou-se que
"Muitas vezes encontramos os pais com as crianças no shopping […] e nas
zonas urbanas os pais não saem dos apartamentos") e confirma-se a forte
presença da televisão no quotidiano das crianças (em entrevista aos pais:
"A televisão do quarto dele está sempre ligada, mas ele só olha de vez em
quando"), mesmo durante as refeições (39,1% dos pais
"concordam" ou "concordam um pouco" que a televisão
ajuda a criança a comer melhor).
Através dos questionários e das entrevistas levadas a cabo com os pais
verificou-se haver interesse por aceder à informação esclarecedora sobre a
melhor forma de apoiar o crescimento dos seus filhos.
Os profissionais de saúde sugeriram que a abordagem das temáticas em causa
junto dos pais deveria ocorrer nas consultas de saúde materna, considerando que
"a sala de espera também ajuda como ambiente de informação".
É reconhecida pelos profissionais de saúde a necessidade de envolver todos os
protagonistas e locais onde os pais vivem e trabalham - "escola,
família, media, câmara, locais de trabalho" - para apoiar os pais
no processo educativo dos seus filhos.
Produção de materiais
Com a análise dos resultados do estudo exploratório foram tomadas opções
estratégicas para a produção dos materiais tendo em conta o contexto e as
características da população-alvo.
Assim, elaborámos um plano editorial orientado para a perceção do risco,
deteção precoce e prevenção da obesidade infantil e crescimento saudável desde
a gravidez até aos 5 anos de idade da criança, com foco nas seguintes áreas
temáticas: gravidez saudável, alimentação, atividade física, sedentarismo,
sono, interação educador/criança e dinâmicas intrafamiliares e da comunidade
(nomeadamente, creches e jardins de infância).
Considerando as orientações para a produção de materiais para a população em
geral, no desenvolvimento das mensagens utilizámos uma linguagem coloquial, com
frases pequenas e simples, alguns exemplos ilustrativos das mensagens, voz
ativa, amigável e envolvente e o modelo de perguntas e respostas.
Para lidarmos com níveis de literacia, necessidades e contextos de interação
diferentes, decorrentes da realidade de cada indivíduo e família, bem como da
sua sensibilidade às propostas para mudanças comportamentais, desenvolvemos
diversos tipos de materiais para cada área temática: textos, folhetos, vídeos,
áudios e testes do conhecimento (quizzes). Assim, os vídeos pretendem,
principalmente, atender às necessidades da população de mais baixa escolaridade
e permitem uma interação em salas de espera, por exemplo. Os testes do
conhecimento (quizzes) aparecem como instrumentos de reforço à aprendizagem,
podendo considerar-se, também, adequados a qualquer nível de escolaridade. Já
as sugestões práticas e os instrumentos de apoio à introdução de novos
comportamentos, como folhetos de autorregisto e instrumentos de planeamento,
constituem-se como uma aposta para a tomada de decisão, perceção de
autoeficácia e manutenção do comportamento. Os folhetos são particularmente
adequados para a utilização por parte de mediadores, como os profissionais de
saúde.
Organizámos os materiais segundo uma sequência lógica, agrupados por secções e
por áreas temáticas e identificados com pictogramas.
Acerca do layout e do design, procurando ultrapassar eventuais resistências ou
dificuldades no reconhecimento do problema, apostámos numa abordagem positiva,
de um crescimento saudável e bem-estar global da criança. Dedicámos especial
atenção à consistência entre a imagem e o conteúdo e procurámos encontrar uma
identidade para o projeto, com um nome, um logotipo e um slogan positivos e
cativantes (fig._2). Assim, a designação "Papa Bem" decorre da
constatação da dificuldade dos pais em reconhecer o excesso de peso nos seus
filhos e do seu grande interesse em ver os filhos "bem
alimentados". O slogan "Alimentar é educar" remete para a
ideia central do projeto de que alimentar uma criança é muito mais do que
disponibilizar-lhe alimentos. Implica ter em conta o tipo de relação afetiva e
pedagógica entre educador e criança no que diz respeito aos comportamentos
alimentares, de sono, de sedentarismo e de atividade física, em resposta às
necessidades globais da criança em termos de desenvolvimento, quer físico quer
psicológico quer social.
Estas e outras opções estratégicas para a produção de materiais podem ser
observadas nas tabelas_2, 3 e 4, relacionadas com os fatores predisponentes,
facilitadores e de reforço associados à obesidade infantil encontrados no
diagnóstico da área-piloto.
Foram produzidos cerca de 300 textos de base para a estrutura do Website, 17
vídeos de curta duração (cerca de 3 minutos), 15 áudios de cerca de um minuto,
5 quizzes e 40 folhetos.
Avaliação dos materiais
Os materiais escritos produzidos foram revistos e reavaliados sucessivamente
até que todos os critérios da versão adaptada do teste Suitability Assessment
of Materials recebessem pontuação 2 (excelente) ou, em alguns casos, um
(adequado), quando não se conseguiu encontrar melhor formulação.
Implementação
No que se refere à sensibilização e capacitação de profissionais de saúde,
participaram 33 profissionais de saúde no workshop sobre produção de materiais
de educação para a saúde para a população e 28 profissionais de saúde no
workshop sobre o modelo HENRY de intervenção na prevenção da obesidade
infantil, incluindo médicos de família, enfermeiros, pediatras, psicólogos e
médicos de saúde pública. Para além da criação de uma linguagem e abordagem
comum ao problema, estes workshops contribuíram também para o fortalecimento da
parceria com os profissionais.
A divulgação do projeto e disponibilização de materiais tem envolvido
estratégias de disseminação orientadas pela Direção do Programa Harvard Medical
School - Portugal em parceria com a Fundação para a Computação Científica
Nacional e estratégias de disseminação elaboradas pela equipa de investigação
no decorrer do próprio projeto.
Assim, de acordo com as orientações da direção do programa, os materiais
desenvolvidos foram divulgados em diversos canais de informação, nomeadamente,
ecrãs em grandes superfícies comerciais, programas de rádio e televisão e
páginas da Internet (Facebook, Youtube e blog do programa).
Relativamente às estratégias de disseminação desenvolvidas pela equipa do
projeto, a participação dos profissionais de saúde da área-piloto nos workshops
foi o primeiro passo deste processo.
Após a etapa de produção e teste dos materiais, organizámos 3 reuniões que
contaram com a participação de 97 profissionais de saúde, entre enfermeiros,
médicos de família, médicos de saúde pública, nutricionistas e psicólogos da
área-piloto. Nestas reuniões foram apresentados alguns materiais e
disponibilizados exemplares aos participantes.
A Direção Geral de Saúde, reconhecendo a validade das informações veiculadas
pelos materiais produzidos, iniciou a disponibilização dos materiais no seu
website através de uma secção denominada "Papa Bem" que se encontra
na área do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável. Cabe referir
que todos os vídeos desenvolvidos no projeto estão disponíveis na Internet
através do Youtube, num canal denominado "Papa Bem".
Foram ainda produzidos 200 DVD com todos os vídeos e folhetos desenvolvidos no
projeto. Estes DVD têm sido distribuídos em reuniões de apresentação do projeto
"Papa Bem" com profissionais do setor da saúde e da educação e por
requisição de algumas instituições com interesse na divulgação dos materiais.
Finalmente, no que se refere ao estabelecimento de contactos para promover a
utilização sistemática dos materiais, por proposta de uma das equipas dos
cuidados de saúde primários que participou numa das reuniões de divulgação
iniciámos a elaboração de um projeto-piloto, designado por "Comunidades
Papa Bem", para o desenvolvimento de uma metodologia de disseminação das
mensagens do projeto "Papa Bem" a contar com diversos mediadores a
partir das comunidades.
Discussão
O projeto "Papa Bem" foi iniciado com o objetivo de produzir e
disponibilizar um conjunto alargado de informação, tendo em conta os fatores
determinantes da obesidade infantil, incluindo uma abordagem integrada das
várias vertentes de um estilo de vida saudável. O facto do projeto "Papa
Bem" ter sido desenvolvido através de um projeto-piloto nos cuidados de
saúde primários e respetivo hospital de referência permitiu compilar informação
relevante quanto aos principais pontos críticos da compreensão e gestão do
problema da obesidade infantil pelos diferentes atores: mediadores e pais.
Apesar do recurso a uma amostra de conveniência de mediadores e pais, com
dimensões reduzidas, os dados encontrados no diagnóstico da área-piloto estão
de acordo com os resultados de outras investigações42-55. A pouca
disponibilidade dos pais, que foram abordados no momento das consultas dos
filhos, e as limitações de tempo para a concretização dos objetivos do projeto,
foram os principais obstáculos que levaram à limitação do tamanho da amostra de
pais e mediadores envolvidos no estudo. É de referir ainda o maior envolvimento
de mães (93,1%), em comparação com pais (6,9%), como aliás é comum em estudos
desta natureza42,44,45,50.
A metodologia usada na produção dos materiais investiu na translação do
conhecimento produzido pela evidência científica para a utilização nas práticas
do dia-a-dia da população, de acordo com as características e necessidades da
mesma.
O resultado foi um conjunto diverso de materiais baseados na melhor evidência
disponível, adaptados às necessidades específicas expressas por diferentes
atores e adequados a níveis de literacia diversos, orientando a sua
acessibilidade a pessoas com mais baixos níveis de literacia. Os materiais têm
sido divulgados e disponibilizados em contextos diversos e recebido o apoio
entusiasta de profissionais com um papel central na prevenção da obesidade
infantil e promoção de um crescimento saudável.
A forma como são apresentadas as propostas de mudanças para reduzir a
obesidade, bem como o papel dos mediadores na utilização dos materiais
disponíveis basearam-se em modelos sobejamente comprovados como úteis para
apoio na mudança de comportamentos, tendo presente que a focalização apenas no
balanço energético a nível individual é reducionista face a uma problemática
complexa e multifacetada, que exige uma abordagem sistémica.
Contudo, sabe-se que a obesidade não é um problema que se resolva, apenas,
através da informação sobre como promover comportamentos saudáveis. O
conhecimento e a capacidade crítica são componentes fundamentais para a mudança
de comportamentos pelo que é tão importante investir numa literacia crítica. No
entanto, este problema extravasa a célula familiar e está, também, relacionado
com a atividade das grandes indústrias alimentares com as suas estratégias de
marketing agressivas que colocam os seus produtos a preços convidativos,
induzindo, assim, o seu consumo56.
Conforme refere o relatório do Institute of Medicine sobre a prevenção da
obesidade, a abordagem deste problema requer a combinação de várias
intervenções que ao serem integradas num programa compreensivo tornam-se
componentes fundamentais para o seu sucesso57. Os materiais desenvolvidos
poderão ser parte integrante de programas desta natureza.
A oportunidade de fazer formação aos mediadores (profissionais de saúde e
educadores de creches, jardins-de-infância, autarquias, entre outros), conforme
está previsto no projeto-piloto de implementação, "Comunidades Papa
Bem", permitirá desenvolver competências para identificar e compreender a
influência dos fatores contextuais, dos afetos às capacidades cognitivas que
determinam as características das escolhas e preferências das comunidades e
indivíduos, dos recursos às políticas, numa abordagem socioecológica que tem em
conta a forma como estes fatores interagem58,59.
É no triângulo "investigação, práticas e políticas"60 que a
combinação dos resultados da evidência científica nos vários domínios pode dar
suporte e sustentabilidade a intervenções efetivas em que a conjugação de
literacia em saúde e políticas relevantes, facilitadoras de escolhas saudáveis,
poderá conduzir a práticas de sucesso na resolução de problemas como o da
obesidade infantil.
Conclusões
Face à magnitude e severidade que o problema da obesidade assume hoje em todo o
mundo e considerando que os fatores de risco para a obesidade começam a surgir
ainda durante a gravidez, é necessário encontrar estratégias mais eficazes para
a sua prevenção em estádios precoces. As estratégias aqui usadas fundamentam-se
no conhecimento entretanto desenvolvido sobre o processo de instalação do
excesso de peso, investindo-se no aumento da literacia em saúde dos pais e
outros educadores para melhorarem os seus hábitos e a abordagem da alimentação
e crescimento da criança desde o início da sua vida.