Eficácia das intervenções psicológicas em grupo dirigidas a mulheres com cancro
da mama: uma revisão sistemática
Introdução
O cancro da mama constitui-se como um problema de saúde pública dada a sua
incidência e mortalidade. Em 2012, este foi o tipo de cancro mais comum nas
mulheres em Portugal. Estima-se que tenham surgido 6.088 novos casos e que
1.570 mulheres tenham morrido desta doença1. No entanto, e tendo em
consideração que a taxa de sobrevivência ronda os 87%2, as mulheres com cancro
da mama tendem a viver mais tempo com esta doença e com a possibilidade de
recorrência. Assim sendo, torna-se fundamental promover a adaptação
psicossocial destas mulheres ao cancro da mama e contribuir para a melhoria da
sua qualidade de vida.
Na verdade, o diagnóstico de cancro da mama, bem como os tratamentos a ele
associados, podem ter um profundo impacto físico e psicossocial na vida das
mulheres. Estas, sobretudo na fase do diagnóstico e dos tratamentos, tendem a
apresentar níveis superiores de ansiedade e depressão e níveis inferiores de
qualidade de vida, particularmente na dimensão física, em comparação com a
população saudável3,4. Durante esta fase evidencia-se igualmente uma diminuição
da satisfação com a imagem corporal (sobretudo para mulheres submetidas a
mastectomia) e do funcionamento sexual5,6. Além disso, e mesmo após o término
dos tratamentos, as sobreviventes de cancro da mama são confrontadas com
diversos desafios, nomeadamente desafios físicos (p. ex., fertilidade,
linfedema, desfiguramento, reconstrução mamária), desafios psicológicos e
emocionais (p. ex., adaptação à imagem corporal, relações sociais,
funcionamento sexual) e ainda desafios práticos (p. ex., regresso ao trabalho
ou dificuldades financeiras)7-10.
Por estas razões, as diretrizes clínicas internacionais de apoio psicossocial a
pacientes com cancro, e mais especificamente a pacientes com cancro da mama,
defendem que este apoio deve ser providenciado desde a fase do diagnóstico até
à fase de recuperação e sobrevivência7-9,11.
Eficácia da intervenção psicológica em grupo
Durante as últimas 2 décadas, vários estudos têm procurado avaliar a eficácia
da intervenção psicológica individual e em grupo no âmbito do cancro da mama.
No entanto, este tem sido um processo complexo na medida em que existem vários
fatores que influenciam os resultados obtidos. A ausência do estudo destes
fatores comuns e a ausência do estudo das respostas diferenciais aos
tratamentos têm contribuído para a não existência de uma evidência científica
sólida relativamente à eficácia da intervenção psicológica no âmbito do cancro
da mama. Ainda assim, alguns estudos de meta-análise apontam para efeitos
significativos da intervenção na ansiedade (Hedges' g = -0,40), na
depressão (g = -1,01), na qualidade de vida (g = 0,74)12, no sofrimento
psicológico (Cohens' d = 0,31) e na dor (d = 0,31)13. Zimmermann,
Heinrichs e Baucom14 identificaram um efeito global das intervenções
psicológicas para mulheres com cancro da mama de d = 0,26.
Esta dificuldade em avaliar a eficácia da intervenção psicológica no cancro da
mama acentua-se em Portugal dada a escassez de estudos neste domínio. Na
verdade, no âmbito do cancro da mama destacam-se apenas 3 estudos exploratórios
que avaliam a eficácia da intervenção cognitivo-comportamental15-17 e um
estudo exploratório que avalia a eficácia da intervenção psico-educativa18. De
entre os vários estudos, apenas McIntyre et al.15 encontraram diferenças
significativas, no sentido esperado, em algumas das dimensões avaliadas,
nomeadamente na depressão, ansiedade-traço, estratégias de coping de aceitação
e autodistração e na orientação para os serviços de saúde.
Neste sentido, pretende-se com este estudo identificar e examinar criticamente
os programas de intervenção psicológica em grupo para mulheres com cancro da
mama e avaliar a eficácia dos mesmos. Ao contrário das revisões sistemáticas
anteriores, pretendemos definir critérios de inclusão e exclusão mais rigorosos
e focalizados, incluindo apenas estudos clínicos aleatórios que avaliam a
eficácia de intervenções psicológicas em grupo, para mulheres com cancro da
mama (primário ou metastático), nas dimensões físicas, psicológicas e
biológicas, independentemente da abordagem teórica subjacente ao programa de
intervenção. De facto, as revisões sistemáticas anteriores, apesar de serem
relativamente recentes, apresentam algumas limitações na medida em que (a)
contemplam apenas a eficácia de intervenções cognitivo-comportamentais, ou de
apoio e expressão emocional19,20, ou baseadas no mindfulness21; (b) avaliam
dimensões específicas de funcionamento22 (p. ex., sexualidade); (c) restringem-
se ao cancro da mama primário20; ou (d) incluem nas suas análises apenas
intervenções psicológicas individuais23.
Além disso, a maior parte das revisões sistemáticas efetuadas anteriormente
caracterizam-se por colocarem constrangimentos geográficos, linguísticos (p.
ex., inclusão apenas de estudos em inglês) e de publicação (p. ex., inclusão
apenas de artigos publicados em revistas científicas com revisão de pares e
exclusão de dissertações), que limitam o acesso a alguns estudos que podem ter
um contributo importante para o aumento do conhecimento relativamente à
eficácia das intervenções psicológicas em grupo com mulheres com cancro da
mama. A ultrapassagem destes constrangimentos é, igualmente, objetivo deste
trabalho.
A presente revisão sistemática será efetuada tendo como base as linhas de
orientação definidas pela Colaboração Cochrane24.
Métodos
Critérios de seleção dos artigos
Os critérios de inclusão utilizados na procura de estudos foram os seguintes:
(1) estudos clínicos aleatórios; (2) estudos que avaliem a eficácia de
programas de intervenção psicológica em grupo; (3) em mulheres com cancro da
mama (primário ou metastático); (4) que avaliem dimensões físicas, psicológicas
e biológicas. Relativamente aos critérios de exclusão temos: (1) programas de
intervenção psicológica individuais; (2) estudos exploratórios ou estudos
piloto; (3) estudos de caso ou estudos qualitativos; (4) programas de
intervenção psicológica com recurso à internet; (5) programas de intervenção
baseados no exercício físico ou nutrição; (6) programas de intervenção com
apenas uma sessão.
Estratégia de pesquisa
Os métodos de pesquisa utilizados foram os seguintes: bases de dados
bibliográficas consultadas retrospetivamente até ao ano de 1984 relacionadas
com a área da saúde e da psicologia (CINAHL, Medline, PsycArticles,
PsycCritiques, Psychology and Behavioral Sciences Collection, PsycInfo e
Google); pesquisa manual (revistas e resumos de congressos); referências de
estudos e referências associadas às revisões sistemáticas e meta-análises
encontradas. As palavras-chave utilizadas para a pesquisa foram: cancro da mama
(breast cancer), intervenção de grupo (group intervention), terapia de grupo
(group therapy), psicossocial (psychosocial), cognitiva (cognitive),
comportamental (behavioural), suporte (supportive), estudo randomizado
controlado (randomized controlled trial), aleatório (random). Foi forçada a
exclusão das palavras: radioterapia (radiotherapy), quimioterapia
(chemotherapy), dieta (diet) e exercício (exercise). Não foram feitos
constrangimentos linguísticos (à exceção da língua chinesa) nem geográficos de
modo a diminuir o viés de publicação.
Resultados
A estratégia de busca adotada permitiu a identificação de 507 estudos. Destes,
189 foram automaticamente eliminados por se tratarem de duplicatas (i. e.,
apresentarem o mesmo título) e 262 foram excluídos por não cumprirem os
critérios de inclusão (183 por não avaliarem os resultados da intervenção
psicológica, 24 por avaliaram intervenções individuais, 14 por avaliarem
intervenções baseadas na internet, 14 por se tratarem de estudos-piloto, 11 por
incluírem familiares ou outros significativos nas intervenções, 13 por não
serem estudos clínicos aleatórios e 3 por incluírem outros tipos de cancro).
Deste modo, foram selecionados para leitura 56 estudos. Destes, 8 foram
excluídos por não cumprirem os critérios de inclusão (5 não avaliam a eficácia
de intervenções psicológicas, um é composto apenas por uma sessão de
intervenção e 2 estão escritos em mandarim). Deste modo, foram incluídos na
revisão 48 estudos25-69,22,70,71 (fig._1). Uma caracterização detalhada
dos estudos de intervenção incluídos na presente revisão sistemática pode ser
consultada na tabela_1.
No que diz respeito aos participantes, o número total de mulheres envolvidas
foi de 8.027 (Min = 16; Máx = 411 por estudo), sendo que 4.445 participaram nos
grupos experimentais (Min = 8; Máx = 284) e 3.395 nos grupos de controlo (Min =
8; Máx = 191). A média da idade das mulheres no grupo de intervenção é de 52
(DP = 3,64), assim como no grupo de controlo (DP = 3,17). Os alvos da
intervenção são, maioritariamente, mulheres com cancro da mama não metastático
(n = 34), havendo apenas 14 estudos que têm como população-alvo mulheres com
cancro da mama metastático (sendo que, destes, 3 dos estudos incluem todos os
estádios da doença I-IV).
Relativamente ao número de sessões existe, igualmente, uma grande diversidade,
com programas de intervenção a apresentarem 4 sessões e outros a apresentarem
55 sessões (M = 13 sessões; excluem-se da média 7 estudos que não precisaram o
número de sessões referindo apenas que estas se prolongaram durante cerca de 12
meses). Todos os programas de intervenção identificados envolvem uma frequência
semanal (pelo menos numa fase inicial, passando a uma frequência mensal numa
fase posterior), à exceção de um estudo que apresenta uma frequência
bissemanal69. Quanto aos líderes da intervenção, 17 estudos foram liderados
exclusivamente por psicólogos, 15 estudos por vários profissionais (p. ex.,
enfermeiros, assistentes sociais, psiquiatras e psicólogos), 8 por terapeutas,
3 por psicólogos, psiquiatras e/ou psicoterapeutas, 2 por assistentes sociais e
3 não reportam informação relacionada com este tópico.
Os estudos utilizam como grupo de comparação mulheres com cancro da mama que
frequentam grupos psicoeducativos ou seminários temáticos (6 estudos), que
recebem apenas material educativo relacionado com o cancro (11 estudos), que
recebem telefonemas, treino de técnicas de relaxamento ou que frequentam grupos
de encontro, que não existe uma intervenção intencionalizada (7 estudos). Além
disso, existem estudos que não oferecem qualquer intervenção aos elementos do
grupo de controlo, sendo que estes recebem os cuidados usuais oferecidos na
área de residência (9 estudos) ou ficam em lista de espera para os grupos
realizados numa fase posterior (6 estudos).
No que respeita aos momentos de avaliação, todos os estudos apresentam pelo
menos 2 momentos de avaliação (avaliação inicial e avaliação pós-tratamento),
sendo que a maioria dos estudos apresenta avaliações de seguimento (42
estudos). A duração da avaliação de seguimento varia entre a pós-intervenção
até 14 anos. Relativamente às dimensões avaliadas, existe também uma grande
diversidade, sendo que as dimensões avaliadas com maior frequência são as
dimensões emocionais (o humor em 19 estudos, a depressão em 13 estudos, a
ansiedade em 12 estudos e a expressão e regulação emocional em 8 estudos), as
dimensões associadas com o impacto da experiência do cancro e o modo de lidar
com ele (stress, pensamentos intrusivos, pensamentos de evitamento e
hiperativação, estratégias de coping e satisfação com a imagem corporal, em 23
estudos). Note-se que vários estudos avaliam a perceção de stress através da
Escala de Impacto do Evento (The Impact of Event Scale de Horowitz, Wilner e
Alvarez), originalmente concebida para avaliar os pensamentos de intrusão,
evitamento e a hiperativação. Quatro estudos utilizam esta escala para medir
precisamente os pensamentos de intrusão e evitamento. Apenas 2 estudos avaliam
a perceção de stress através da Escala de Perceção de Stress (The Perceived
Stress Scale de Cohen, Kamarck e Mermelstein), escala originalmente concebida
para avaliar a perceção de stress, as dimensões adaptativas (a qualidade de
vida em 15 estudos e o desenvolvimento pós-traumático ou benefícios percebidos
em 4 estudos), as dimensões relacionais (o apoio social em 8 estudos, a
satisfação conjugal em 3 estudos, a relação familiar em 2 estudos e a solidão
num estudo), as dimensões associadas com a perceção subjetiva da saúde física
(a dor em 7 estudos, a fadiga em 4 estudos, o funcionamento sexual em 2 estudos
e a insónia num estudo). Embora com menor frequência, foram também avaliadas
outras dimensões psicológicas (a autoestima em 4 estudos, o otimismo em 2
estudos, a incerteza, a resiliência, o locus de controlo e a autoeficácia num
estudo cada uma). Finalmente foram reportadas também dimensões biológicas
(sistema imunitário e sistema endócrino em 8 estudos) e dados relacionados com
o prolongamento da sobrevivência em 8 estudos.
Relativamente aos objetivos dos programas de intervenção identificados, pode-se
verificar que estes são transversais às diferentes orientações teóricas.
Destacam-se os seguintes objetivos: a promoção da expressão e regulação
emocional, a melhoria da qualidade de vida, a promoção do apoio social, a
melhoria da autoestima, da imagem corporal, do funcionamento sexual e da
intimidade, o desenvolvimento de objetivos de vida e a aquisição de
competências de relaxamento, resolução de problemas, estratégias de coping e
comunicação. Para alcançarem estes objetivos os programas de intervenção tendem
a utilizar técnicas psicoeducativas e de educação para a saúde, e técnicas
cognitivo-comportamentais.
No que respeita à abordagem teórica subjacente, apenas 9 estudos sustentam
teoricamente de forma explícita o programa de intervenção. Três estudos
baseiam-se no modelo biocomportamental do stress do cancro e do curso da doença
de Andersen, Kiecolt-Glaser e Glaser25-27,72, 3 estudos baseiam-se na
teoria existencialista de Yalom58-60,73, um estudo baseia-se na teoria do
apoio social de Stewart, Craig, Mcpherson e Alexander48,74, um estudo baseia-se
na teoria da autoeficácia de Bandura61,75 e um estudo no modelo de
processamento do stress e coping de Lazarus e Folkman34,76.
Relativamente aos resultados encontrados, pode-se afirmar que a intervenção
psicológica em grupo produz benefícios em diversas dimensões, apresentando
resultados nulos em 12 estudos31,34,35,39,43,46,47,58,59,64,66,68. É importante
salientar que, destes, o estudo de Boesen et al.34 foi o único a controlar o
uso de psicofármacos. Os autores encontraram apenas melhorias significativas
nas pacientes que tomavam medicação antidepressiva independentemente de terem
participado no grupo de intervenção ou no grupo de controlo. Os restantes
estudos não reportaram qualquer tipo de informação relacionada com este tópico.
Dos 12 estudos que não encontraram resultados positivos, 5 deles centraram-se
na avaliação do prolongamento da sobrevivência43,46,51,60,68. A avaliação do
prolongamento da sobrevivência foi feita, em todos os estudos, através da
estimativa de Kaplan-Meier. Esta medida permite estimar o intervalo de tempo
que os pacientes sobrevivem após diferentes tipos tratamento (neste caso, grupo
de intervenção ou grupo de controlo), num dado período de tempo. Apesar de
estes estudos não terem encontrado diferenças significativas entre os grupos,
identificaram como preditores significativos do prolongamento da sobrevivência
o local da metástase, a positividade dos recetores hormonais e a presença de
determinados tratamentos como a quimioterapia e a terapia hormonal (sendo que
metástases viscerais, recetores negativos para estrogénio e progesterona e o
ter feito quimioterapia estão associados a um menor prolongamento da
sobrevivência). Num dos estudos, o número de ciclos de quimioterapia (ao
contrário de outros estudos) em conjunto com o número de meses de terapia
hormonal foram preditores significativos da sobrevivência (sendo que um maior
número de ciclos de quimioterapia e de meses de tratamento hormonal estavam
associados a uma maior sobrevivência)60.
Destaca-se ainda o estudo de Goodwin et al.51 e Kissane et al.60, que para além
da avaliação do prolongamento da sobrevivência focaram também a sua atenção
noutros indicadores. Deste modo, os autores verificaram que o grupo de
intervenção, apesar de não ter prolongado a sobrevivência das mulheres,
contribuiu para uma melhoria do seu bem-estar psicológico, nomeadamente através
da diminuição dos sintomas depressivos, dos sentimentos de desesperança, dos
sintomas traumáticos e do melhoramento do funcionamento social51,60. Estudos
futuros deveriam assim ter em consideração outros indicadores, para além da
sobrevivência temporal, com vista à avaliação da qualidade desse tempo.
Discussão
O principal objetivo desta revisão foi identificar os estudos clínicos
aleatórios de intervenções psicológicas em grupo dirigidas a mulheres com
cancro da mama, analisar criticamente o conteúdo destas intervenções e avaliar
a sua eficácia na promoção e melhoria do bem-estar físico e psicossocial das
mulheres que enfrentam esta doença. Pretendeu-se, igualmente, ultrapassar as
limitações apresentadas pelas revisões sistemáticas já existentes, através da
adoção de critérios de inclusão e exclusão mais específicos e exigentes (p.
ex., inclusão de apenas estudos clínicos aleatórios, em grupo, e apenas no
âmbito do cancro da mama, independentemente do referencial teórico adotado e do
estádio da doença) de forma a obter resultados válidos para informar a prática
clínica nesta área de intervenção.
Foi possível verificar que existe uma grande quantidade de estudos no que
respeita à intervenção psicológica em grupo com mulheres com cancro da mama. Os
resultados encontrados pelos mesmos são positivos, na medida em que a grande
maioria dos estudos revelou benefícios em várias dimensões. Na verdade, dos 48
estudos incluídos nesta revisão, 12 deles reportaram resultados nulos, e,
destes, 4 avaliaram apenas o prolongamento da sobrevivência (2 dos estudos
apresentaram resultados mistos). Os restantes estudos evidenciaram efeitos
positivos da intervenção, na direção esperada, em dimensões psicológicas,
nomeadamente na melhoria da qualidade de vida57,60,65, na diminuição dos níveis
de ansiedade e depressão25,28,32,44,45,53,58,70, no aumento da perceção do
apoio social25,37, no desenvolvimento de estratégias de coping57,58,61, na
diminuição da dor e da fadiga40,44,53,54,67,70 e, ainda, em indicadores
biológicos, como indicadores imunitários e inflamatórios25,30,37,62,70.
Esta convergência dos resultados é fácil de compreender à luz das componentes
de intervenção presentes na maioria dos programas de intervenção. De facto,
independentemente do referencial teórico subjacente (que é explicitado em
poucos estudos, o que dificulta a sustentação teórica das intervenções),
existem vários elementos que estão quase sempre presentes nos programas de
intervenção implementados, como foi possível verificar na apresentação dos
resultados.
Relativamente ao prolongamento da sobrevivência, apenas 8 estudos avaliaram
esta dimensão. No entanto, os resultados são discrepantes, com estudos a
apontarem para um prolongamento da sobrevivência26,27,49 (os autores não
avaliaram diretamente a sobrevivência, mas antes o papel mediador dos sintomas
depressivos no aumento do prolongamento da sobrevivência) e outros
não43,46,51,60,68. Os dados apresentados não permitem determinar o efeito das
intervenções psicológicas no prolongamento da sobrevivência, sendo necessários
mais estudos para apurar esta eficácia. Além disso, a existir esse
prolongamento, os mecanismos subjacentes ao mesmo são desconhecidos. Neste
sentido, sugere-se que em estudos futuros algumas variáveis que têm sido
identificadas como preditores significativos da sobrevivência (p. ex., grau
histológico, comprometimento dos gânglios linfáticos, recetores hormonais e
sintomas depressivos)50,59,68 sejam controladas de forma a perceber se os
efeitos encontrados estão efetivamente associados à intervenção psicológica.
Para além da avaliação da eficácia das intervenções no prolongamento da
sobrevivência, existem alguns estudos que procuraram perceber a influência que
as intervenções têm em indicadores fisiológicos intimamente relacionados com o
desenvolvimento e a progressão do cancro (p. ex., sistema imunitário e sistema
inflamatório). De facto, alguns estudos evidenciam que a intervenção melhora os
índices imunitários e inflamatórios, nomeadamente os níveis de cortisol
(inferiores no grupo de intervenção), a regulação da citocina e a proliferação
de linfócitos T (superiores no grupo de intervenção)25,30,37,41,42,62,70.
Apesar da convergência dos resultados encontrados (à exceção dos dados
relativos ao prolongamento da sobrevivência), não é possível identificar,
através das variáveis estudadas e das técnicas de análises de dados efetuadas,
quais as mulheres que mais beneficiam com cada tipo de intervenção, ou seja, as
respostas diferenciais aos tratamentos. Além disso, não é possível perceber
como a intervenção funciona ou se torna eficaz, isto é, quais são os mecanismos
e processos de mudança que levam à eficácia da intervenção. Existe, de facto,
uma grande heterogeneidade no que respeita às características dos grupos (p.
ex., idade, estádio da doença, tratamentos efetuados) e às características dos
programas de intervenção (p. ex., n.° de sessões, duração das sessões, líderes
da intervenção), que dificultam a investigação, não apenas porque esta variação
intragrupo dificulta a identificação do poder estatístico, mas também porque o
não controlo destas variáveis dificulta a identificação das mulheres que
beneficiam mais com cada tipo de intervenção e porquê.
Além disso, também as características pessoais dos líderes da intervenção e a
aliança terapêutica estabelecida com os mesmos, assim como as características
dos próprios elementos do grupo e dos processos subjacentes à intervenção em
grupo (p. ex., coesão, apoio social) poderão influenciar os resultados das
intervenções77-79, sendo por isso essencial que também estas
características sejam controladas. Deste modo, ressalva-se a importância de em
estudos futuros, mais do que avaliar a eficácia dos programas de intervenção
psicológica, haja um foco no estudo de variáveis moderadoras e mediadoras que
possam contribuir para uma melhor compreensão de todo o processo de
intervenção.
Na verdade, são poucos os estudos encontrados nesta revisão que efetuam este
tipo de análise (5 estudos). Antoni et al.28 avaliam o papel moderador do
otimismo (menos otimistas beneficiam mais da intervenção), Groarke, Curtis e
Kerin52 avaliam o papel moderador dos níveis de stress iniciais (mulheres mais
stressadas inicialmente apresentam maior redução do stress e ansiedade após
intervenção) e Taylor et al.22 avaliam o papel moderador dos níveis de
sofrimento inicial e do rendimento (as mulheres que apresentam mais sofrimento
inicial e menos rendimentos beneficiam mais da intervenção). Por seu lado,
Cruess et al.41 avaliam o papel mediador dos benefícios percebidos na
diminuição do nível de cortisol após a intervenção. Phillips et al.63 avaliam o
papel mediador da capacidade para relaxar na diminuição do nível de cortisol.
No entanto, a hipótese de mediação não foi confirmada. É necessário enfatizar
que a capacidade para relaxar foi avaliada apenas com recurso a uma dimensão de
escala de autorrelato composta por 2 itens que avaliam a capacidade para
utilizar técnicas de relaxamento e imaginação guiada para reduzir a tensão
sentida.
Outro aspeto que merece realce nesta revisão é o facto de muitos estudos
apresentarem várias limitações metodológicas, apesar do rigor científico
associado aos ensaios clínicos aleatórios. De facto, a grande maioria dos
estudos não sustenta teoricamente a sua intervenção, havendo apenas algumas
exceções48,58-61, em muitos dos estudos as amostras são pequenas,
limitando a deteção de diferenças estatisticamente significativas, muitos
estudos não avaliam a influência dos valores iniciais das participantes nas
dimensões avaliadas nos resultados encontrados, e as análises estatísticas
utilizadas são simples. A opção por análises estatísticas mais sofisticadas,
como os modelos de crescimento latente, poderia dar um maior contributo na
compreensão e caracterização dos mecanismos de mudança individual e grupal ao
longo do tempo. No entanto, alguns estudos (18 estudos) têm apenas 2 ou 3
momentos de avaliação (inicial, pós-intervenção e avaliação de seguimento), o
que dificulta a caracterização deste processo e a avaliação dos efeitos das
intervenções a longo prazo. Na verdade, os estudos que apresentam avaliações de
seguimento superiores a 2 anos são apenas os estudos que pretendem avaliar o
impacto da intervenção no prolongamento da sobrevivência. No entanto, os dados
relativos à eficácia das intervenções a longo prazo são discrepantes, com
estudos que apontam para a manutenção desses benefícios até 12 meses após a
intervenção27,29,33,56,65 e outros que apontam para o desaparecimento destes
benefícios a longo prazo45,57.
Além disso, outra limitação apresentada por vários
estudos31-33,51,52,57,61,67 tem que ver com o facto de o grupo de
comparação ser constituído por mulheres com cancro da mama que têm acesso aos
cuidados usuais existentes na área de residência. Na verdade, este facto pode
limitar a análise dos resultados das intervenções, na medida em que as mulheres
poderão ter acesso a apoio psicológico fora do contexto do estudo. Os estudos
não fazem qualquer referência ao controlo desta variável, pelo que estudos
futuros deverão ter esta situação em consideração dado o efeito que este apoio
pode ter nos resultados obtidos. Também o controlo da utilização de
psicofármacos deve ser um aspeto a ter em conta, uma vez que a maioria dos
estudos não reporta qualquer informação relacionada com esse controlo.
Limitações
Esta revisão sistemática não está isenta de limitações. De facto, apesar da
tentativa de realizar uma pesquisa abrangente, recorrendo a diferentes fontes
de informação (p. ex., base de dados, motores de busca), nem todos os estudos
realizados estão disponíveis e acessíveis, havendo um viés de publicação
difícil de ultrapassar na totalidade. Deste modo, há sempre a possibilidade de
existirem estudos que não foram incluídos nesta revisão, sobretudo estudos que
não encontram diferenças estatisticamente significativas, dada a dificuldade
que existe em publicar estudos com estes resultados. No entanto, mesmo estes
estudos que não evidenciam resultados significativos deveriam ser considerados
para publicação dado o seu contributo no aumento do conhecimento relacionado
com os mecanismos de mudança no âmbito dos processos terapêuticos.
Conclusões e implicações para a prática
Com a realização desta revisão podemos concluir que existe um número
significativo de estudos que avaliam a eficácia da intervenção psicológica em
grupo com mulheres com cancro da mama e que estes estudos, na sua maioria,
apresentam benefícios em diversas dimensões do funcionamento psicológico e
biológico. No entanto, e apesar desta grande quantidade de estudos, continuam
por explorar e compreender os mecanismos e os processos de mudança subjacentes
aos programas de intervenção implementados. Continuam, igualmente, por
ultrapassar uma série de limitações metodológicas que dificultam o consenso
relativamente à eficácia das intervenções psicológicas. Em estudos futuros esta
informação deve ser tida em consideração, de forma a alcançarmos um maior e
melhor conhecimento acerca deste processo terapêutico neste contexto de
intervenção.
No entanto, é necessário salientar que a avaliação da eficácia da intervenção
psicológica é um processo extremamente complexo, não só porque implica e gera
um conjunto de questões éticas e metodológicas, mas também porque existem
vários fatores difíceis de controlar e mensurar, que poderão influenciar os
resultados obtidos. É fundamental que se continue a aprofundar o conhecimento
relativamente a todo este processo no sentido de oferecer cuidados mais
adequados às necessidades desta população. Ainda assim, e tendo em consideração
os dados aqui apresentados, realça-se a importância da integração das
intervenções psicológicas em grupo no âmbito do apoio psicossocial a mulheres
com cancro da mama, dado os benefícios encontrados e dada a redução de custos
associada à intervenção oferecida em formato de grupo.