Suplementação de iodo na gravidez: qual a importância?
Introdução
O iodo é um componente essencial das hormonas tiroideias, que são
importantíssimas para a vida dos mamíferos1. Esta matéria tem sido objeto de
investigação, nomeadamente no que concerne à sua influência no desenvolvimento
fetal e do recém-nascido. Assim, a comunidade científica tem-se debruçado,
desde há bastante tempo, mas com especial relevo recentemente, sobre o estudo
da relação entre a ingestão adequada versus ingestão deficiente de iodo e a sua
influência no desenvolvimento do feto durante a gravidez, e no desenvolvimento
pós-parto, infância e, por conseguinte, vida adulta dos indivíduos.
Muito recentemente, em Portugal, a Direção Geral de Saúde emitiu uma norma de
orientação clínica acerca da suplementação de iodo em grávidas, na qual
recomenda a ingestão de iodo, sob a forma de iodeto de potássio, a todas as
mulheres em preconceção, grávidas ou em amamentação, desde o período pré-
concecional até ao fim da amamentação2. Trata-se de uma novidade normativa, mas
com um longo passado de discussão académica e científica, que neste trabalho
irá ser abordado e discutido.
Sabe-se, inequivocamente, que o período gestacional é crítico em termos
metabólicos, energéticos e nutricionais, devendo o organismo ser adequadamente
suprido em todas as suas necessidades, protegendo a saúde da mãe e promovendo
um adequado desenvolvimento do feto2. A par deste, o período pré-concecional é
igualmente importante em termos de adequação nutricional de certos elementos,
cujo papel será essencial logo nas primeiras semanas de desenvolvimento
intrauterino e cujo défice se traduzirá em prejuízo irrevogável na maturação de
várias estruturas essenciais do feto, nomeadamente o sistema nervoso2. Nos
seres humanos, o pico de crescimento e desenvolvimento cerebral acontece
durante o período fetal, onde ocorre a proliferação e migração neuronal no
córtex cerebral, hipocampo e eminência ganglionar, crescimento axonal e o
início da mielinização, e continua após o nascimento3. Assim, a necessidade do
pleno conhecimento destas relações justifica, por si só, a importância do tema
em questão.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 13% da população mundial está
afetada por doenças cuja etiologia é a falta de iodo4. Também o International
Council for the Control of Iodine Deficiency Disorders (ICCDD) refere que cerca
de 2 biliões de pessoas têm um aporte deficiente de iodo, considerando que esta
carência é a principal causa mundial evitável de doenças mentais e de
desenvolvimento5. Por seu turno, a United Nations Children's Fund (UNICEF)
sugere que 46 milhões de recém-nascidos estão também sob risco de carência
deste elemento6. Em Portugal, um estudo realizado com 3.631 grávidas em 17
maternidades revela que o aporte de iodo é insuficiente de acordo com as
recomendações. Neste estudo, 83% das grávidas do continente consomem menos iodo
do que é recomendado pela OMS7. Assim, trata-se, inequivocamente, de um
problema de saúde pública que merece reflexão.
Iodo
O iodo é um oligoelemento essencial para o organismo humano5, que existe sob
várias formas químicas, das quais se destacam o iodeto, o iodato e o iodo
elementar. Está presente em quantidades relativamente constantes em águas
salgadas, mas a sua distribuição na terra e em águas doces é desigual5, o que
nos particulariza a importância da fonte dos alimentos com iodo.
Este elemento pode ser encontrado em várias fontes, mas o seu maior aporte é
através daquilo que ingerimos. O marisco e o peixe são excelentes fontes2,5,
uma vez que o oceano é bastante rico em iodo. Já os peixes de água doce podem
ter um conteúdo em iodo muito variável e, na grande maioria dos casos,
deficiente, uma vez que traduzem o nível de iodo das águas em que crescem e dos
alimentos com que são nutridos4. Os lacticínios, como queijo e leite, são,
geralmente, também boas fontes deste elemento2.
O sal iodado merece especial destaque. Na verdade, o vulgar sal (cloreto de
sódio) na sua forma natural não contém iodo. Porém, a adição deste elemento
torna o sal iodado numa das melhores e mais eficazes formas de aumentar o
consumo de iodo na população. É interessante verificar as diferenças regionais
no que toca à prática de adição de iodo ao sal. Nos Estados Unidos da América
os consumidores têm disponível quer sal iodado quer sal não iodado. No Canadá
esta prática é obrigatória e todo o sal de mesa é iodado5. Em Portugal está já
legislada a produção e comercialização de sal iodado5,8.
O iodo pode ainda ser obtido de outras fontes que não a alimentação, mas
igualmente importantes pela sua frequência. Corantes alimentares, produtos de
limpeza da pele, contrastes usados em métodos imagiológicos e medicamentos4,
são outras formas de aporte deste elemento que os seres vivos aproveitam de
forma esporádica, ainda que inconscientemente.
Iodo e tiroide - funções
A tiroide é um órgão endócrino e modula funções centrais, através das suas
hormonas, como o crescimento celular, o desenvolvimento cerebral, a maturação
de órgãos centrais, o controlo da frequência cardíaca e manutenção da
temperatura corporal5. Este órgão concentra 99% do iodo disponível no
organismo9, pelo que a depleção de iodo é causa maior de patologia tiroideia10.
O iodo é uma parte essencial da estrutura química das hormonas da tiroide,
sendo responsável pela sua biossíntese11. A tiroide produz, além de
calcitonina, 2 hormonas de enorme importância: tiroxina (T4) e triiodotironina
(T3). Até se tornarem ativas e disponíveis para as mais variadas funções do
organismo, a estrutura base das hormonas tiroideias depende da ligação de
resíduos de iodo, sendo a disponibilidade deste elemento, portanto, um passo
essencial para a sua formação. A T4 é apenas produto da tiroide, tendo uma taxa
de produção de 80-100 μg/dia12. A T3 é, também, produto da tiroide, mas é
essencialmente produzida (cerca de 80%) em tecidos extratiroideus, a partir da
deiodinação da T412, a uma taxa de 30-40 μg/dia13. Uma grande fração destas
hormonas circula no sangue ligada a proteínas de transporte, especialmente à
Tiroxin Binding Globulin (TBG). Trata-se de uma glicoproteína, produzida no
fígado, com uma altíssima taxa de afinidade para a T4, mas muito menor para a
T3. A sua concentração sérica em indivíduos normais é de cerca de 1,5 mg/dl,
valor que aumenta durante a gestação13,14.
Ingestão recomendada de iodo
Como acontece com todos os nutrientes, as recomendações da ingestão de iodo
variam ao longo da vida. Assim, a dose diária recomendada para crianças entre
os 0 e os 5 anos é de 90 μg/dia, entre os 6 e os 12 anos de 120 μg/dia, para os
adolescentes e adultos é de 150 μg/dia e para as grávidas e lactantes de 250
μg/dia15,16.
Por outro lado, há evidência de que uma dose diária de iodo, em adultos,
superior a 1.100 μg se pode tornar prejudicial17. Já nas grávidas e lactantes o
valor máximo aceitável de ingestão de iodo por dia é de 600 μg18.
As patologias mais importantes e também mais vulgares de défice de iodo são o
bócio e o hipotiroidismo. Porém, no que toca ao desenvolvimento fetal e
infantil, e devido às importantes funções das hormonas tiroideias para as quais
a quantidade de iodo adequada é essencial, as potenciais consequências são mais
graves: atraso mental e cretinismo10.
Em termos obstétricos, a carência de iodo por parte da mãe aumenta a
probabilidade de abortos, infertilidade e complicações na gestação4. Para o
feto e recém-nascido, a exposição insuficiente a uma quantidade adequada de
hormonas tiroideias, primeiro maternas e depois do próprio, tem sido associada
a um condicionamento marcado quer do seu crescimento fenotípico bem como do seu
desenvolvimento cerebral4, com a perpetuação de défices cognitivos que o
acompanharão durante toda a vida.
A gravidez
A gravidez é um estado de grande delicadeza para a saúde quer da mãe quer do
feto, devido a todas as alterações fisiológicas que a mãe sofre durante este
período19.
Na verdade, a gestação é de extrema exigência metabólica e nutricional. Em
termos nutricionais, há uma necessidade crescente de aumento calórico e de
macronutrientes, do primeiro para o terceiro trimestre17. Metabolicamente, há
uma hiperestimulação de vários sistemas, nomeadamente da função cardíaca e
circulatória, renal, pulmonar e endócrina20. Nesta última a função tiroideia
assume-se como muito importante, quer pela regulação de vários efeitos
metabólicos, pelo aumento da necessidade da T4 para manter o normal metabolismo
da mulher, ou ainda pelo aumento da depuração renal na grávida, mas
essencialmente pela transferência de T4 e iodo para o feto durante a
gravidez21, ou seja, pela função direta das hormonas tiroideias no
desenvolvimento intrauterino do feto e, posteriormente, do recém-nascido.
Fisiologicamente, durante a gravidez existe um aumento para cerca do dobro de
TBG, que se liga a aproximadamente a 70% das hormonas tiroideias, graças a uma
grande afinidade para as mesmas22. Porém, a parcela biologicamente ativa das
hormonas tiroideias é a fração livre, que não se liga a esta proteína de
transporte. Portanto, um aumento de TBG traduz-se numa maior ligação a hormonas
tiroideias, o que reduz a fração livre destes elementos. Este facto elucida
acerca do aumento da necessidade real de hormonas tiroideias, de modo a poder
suplantar a ligação da TBG a uma maior quantidade de hormonas e a haver
disponibilidade livre adequada para as mais variadas funções atrás descritas.
A gravidez acompanha-se ainda de uma depuração aumentada de iodo, o que se
reflete num défice plasmático relativo deste elemento. Este défice, conjugado
com uma necessidade aumentada de hormonas tiroideias, condiciona um aumento de
captação de iodo pela tiroide21. Fisiologicamente, este fenómeno leva ao
aumento de volume desta glândula e ao aumento da proteína de transporte TBG, no
sentido de tentar captar maior quantidade deste elemento21. Nutricionalmente, a
carência de iodo inviabiliza todo o processo atrás descrito e esse
acontecimento tem sido associado a um prejuízo imenso para o adequado
desenvolvimento físico e psicológico do feto e recém-nascido2,10.
Assim, é certo que o iodo é um elemento de extrema importância e que a par de
outros micronutrientes, como o ácido fólico e o ferro19, desempenha um papel
muito importante no adequado desenvolvimento do feto e futuro recém-nascido. Se
a suplementação efetiva em todas as mulheres já grávidas, oriundas de vários
contextos socioeconómicos e com diferentes perfis nutricionais e clínicos,
traduz ou não uma necessidade, ver-se-á mais detalhadamente ao longo desta
revisão bibliográfica. Este trabalho pretende, pois, rever a evidência
disponível sobre a importância do iodo no período gestacional, a repercussão da
sua carência/excesso na saúde do feto ou recém-nascido e assim avaliar a
pertinência da suplementação de iodo na gravidez.
Métodos
Seleção da query de pesquisa
Esta revisão bibliográfica foi conduzida de acordo com métodos usuais de
revisões científicas. Tendo em conta o tema em análise, selecionaram-se as
palavras que iriam incluir a query de pesquisa online, isto é, o conjunto de
palavras através do qual se iria pesquisar a informação na base de dados, no
sentido de obter os melhores resultados relativamente ao tema em questão. Foram
utilizados termos incluídos no dicionário de sinónimos usado para indexação de
artigos na PubMed, conhecidos como termos MeSH, no sentido de aumentar a
objetividade da pesquisa. Escolheram-se, inicialmente, os termos
"iodine", que é termo MeSH, "supplementation" e
"pregnancy". Os termos MeSH correspondentes a estas 2 últimas
palavras são, respetivamente, "dietary supplements" e
"gestation", pelo que se optou por construir uma query que
englobasse todos os anteriores. Outras palavras-chave foram testadas, mas não
foram incluídas na query final de pesquisa, uma vez que não aumentavam a
qualidade e diversidade dos estudos encontrados. Assim, construiu-se a seguinte
query: iodine AND (supplementation OR dietary supplements) AND (pregnancy OR
gestation).
Sequência de pesquisa e aplicação do algoritmo de seleção
Começou-se por introduzir a query na Medline e fazer uma pesquisa. Limitou-se
esta pesquisa a artigos sobre a espécie humana, escritos em inglês, português e
espanhol, publicados entre janeiro de 2011 e dezembro de 2013, procurando assim
as últimas evidências científicas sobre o tema. Optou-se por analisar todo o
tipo de artigos, à exceção de guidelines, com o intuito de conhecer o trabalho
científico que o assunto tem promovido. Selecionaram-se, assim, apenas estudos
elegíveis de acordo com a query de pesquisa e os critérios de inclusão
previamente definidos e apresentados na figura_1, sendo excluídos os artigos
que não obedeciam a algum dos critérios.
*
* 1) Aplicaram-se estes critérios aos artigos selecionados pela query.
* 2) Fez-se a análise aos títulos e resumos, e os artigos selecionados foram
submetidos para análise.
* 3) Fez-se uma pesquisa criteriosa da bibliografia usada nestes artigos, que
após submissão aos critérios de inclusão e exclusão foram também alguns
artigos incluídos nesta revisão. Esta opção foi tomada no sentido de
encontrar artigos potencialmente relevantes, que pudessem ser incluídos no
estudo, melhorando a qualidade da base de dados. Por um lado, esta inclusão
permite fazer uma análise própria desses artigos, eliminando o viés dos
autores que os analisaram. Por outro lado, permite analisar o artigo na
íntegra, sendo possível identificar outros aspetos que os autores que usaram
esses artigos não tivessem tido em conta e que fossem relevantes para esta
revisão.
* 4) Foram excluídos os que não disponibilizavam o texto integral.
Resultados
Os resultados do processo de seleção estão descritos na figura_2. Após pesquisa
com a query definida na Medline obtiveram-se 288 artigos. Numa primeira fase do
processo de seleção aplicaram-se os critérios de inclusão aos artigos
encontrados pela query e excluíram-se 208 artigos. De seguida fez-se a análise
aos títulos e resumos e excluíram-se 30 artigos, tendo sido 50 artigos
submetidos para análise do texto original. Infelizmente não se conseguiu obter
a versão integral de todos os artigos, mesmo após cuidadosa pesquisa online na
rede do Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina da Universidade do
Algarve, pelo que se excluíram 24 artigos. Desta amostra de artigos para
exclusão fez-se o contato dos autores, tendo-se obtido apenas uma resposta,
pelo que se adicionou mais esta fonte àquelas até então selecionadas. Nesta
fase foram então incluídos para análise os 27 artigos selecionados e
disponíveis na íntegra. Fez-se ainda, como já referido, uma pesquisa criteriosa
da bibliografia usada nestes artigos e selecionaram-se 5 referências
potencialmente relevantes, que após submissão aos critérios de inclusão e
exclusão foram também incluídos nesta revisão. Totalizaram-se, assim, 32
artigos que foram cuidadosamente analisados.
Foram encontrados 13 artigos de revisão e 19 artigos originais, apresentados
nas figuras_3 e tabela_1, respetivamente. Destes últimos, o artigo de Pharoah e
de McMichael estão escritos sob a forma de comentário científico, pelo que não
apresentam o número de indivíduos estudados. Na figura_4 estão resumidas as
conclusões, acerca da suplementação de iodo, dos autores que se debruçaram
sobre este tema nos estudos analisados. O timing da suplementação, isto é,
antes, durante ou depois da gravidez, não foi tido em conta nesta tabela. A
figura_5 resume a influência que os vários níveis de deficiência de iodo têm na
saúde do feto e/ou recém-nascido, segundo os autores.
Discussão
A importância do iodo na gravidez tem estado na ordem do dia em termos de
produção científica, como se pode verificar pelo número de trabalhos
encontrados. Sabe-se inequivocamente que as hormonas tiroideias têm funções
essenciais, não só modulando o metabolismo dos lípidos, hidratos de carbono e
proteínas, bem como regulando o consumo de oxigénio por parte das células ou
ainda fazendo o controlo da temperatura corporal24. Além disso, são essenciais
para o desenvolvimento do sistema nervoso, cardiovascular, imune e
reprodutor24.
Como referido anteriormente nesta revisão, o período gestacional é de grande
exigência fisiológica e metabólica, pelo que ocorre um aumento das necessidades
quer de macronutrientes quer de micronutrientes. Neste particular, as
necessidades de iodo estão também aumentadas devido a 3 fatores essenciais: um
aumento da produção de T4 pela tiroide da mãe para manter a sua função
tiroideia normal e assim poder transferir adequadamente hormonas tiroideias
para o feto; transferência de iodo da mãe para o feto; e aumento da clearance
renal de iodo por parte da mãe25.
Se por um lado se sabe da importância deste elemento, cujas particularidades
serão aqui discutidas, também se sabe que existe um défice global no seu
consumo. Atualmente ainda 1,88 biliões de pessoas, incluindo 241 milhões de
crianças em idade escolar, tem ingestão insuficiente de iodo26. Na verdade,
este défice global está provavelmente associado a um desconhecimento
generalizado acerca do tema na população em geral e nas grávidas em particular.
Charlton et al. avaliaram os conhecimentos de mulheres grávidas e lactentes da
Austrália acerca da nutrição do iodo e concluíram que em todos os questionários
aplicados existia um conhecimento insuficiente acerca deste elemento e das suas
funções. Além disso, as mulheres não conseguiam identificar se a sua dieta
fornecia as quantidades adequadas de iodo que elas e os seus filhos precisam25.
Curiosamente, neste estudo as mulheres mostraram-se muito mais confiantes
acerca de conhecimentos relacionados com outros aspetos da nutrição, como comer
saudavelmente, informação acerca da contaminação de alimentos e ainda domínio
sobre as temáticas do folato, do cálcio e do ferro25.
Défice de iodo e impacto na saúde do feto e do recém-nascido
O estudo desta relação é uma atualidade em termos de investigação científica e
as abordagens ao tema são várias. Budenhofer et al. referem que alterações da
tiroide maternas, especialmente o hipotiroidismo, afetam negativamente o
desenvolvimento fetal e são causa maior quer de abortos no primeiro trimestre
de gravidez quer de alterações gestacionais27. Assim, este estudo realça a
importância de que as mulheres em idade fértil devem ser vigiadas no que toca à
função tiroideia, não apenas por ginecologistas, mas também por médicos de
família, sendo a suplementação de iodo e o ajuste da hormona tirostimulante
(TSH) em mulheres com hipotiroidismo altamente recomendada27. É de salientar
que, em Portugal, a avaliação da função tiroideia nas grávidas não consta do
plano de vigilância preconizado pela Direção Geral de Saúde. Esta necessidade
de uma boa função tiroideia durante a gravidez foi também documentada por Leung
et al., que demonstraram que uma adequada nutrição durante a gravidez e
lactação é necessária para a síntese de hormonas tiroideias e normal
desenvolvimento do feto28. Estes autores referem ainda que experiências de
suplementação materna com iodo em mulheres com deficiência severa deste
elemento se associaram a reduções da taxa de mortalidade fetal e de
cretinismo28. Zhou et al., na sua revisão sistemática, mostraram também que a
suplementação de iodo na gravidez ou período pré-concecional, em regiões de
deficiência severa de iodo, reduziu o risco de cretinismo29. Por outro lado, a
suplementação em mulheres residentes em áreas associadas a moderada deficiência
mostrou uma diminuição do volume da tiroide e dos níveis de TSH e em áreas de
baixa deficiência relacionou-se com melhorias nos parâmetros neurocognitivos
das crianças28.
Na verdade, as melhorias nos parâmetros de desenvolvimento neurocognitivo do
feto e do recém-nascido após suplementação das mães com iodo em áreas de
deficiência severa deste elemento estão bem estabelecidas. Porém, em áreas de
moderada a baixa deficiência de iodo, a evidência científica não é tão
consistente. Zimmermann refere na sua revisão, onde analisa os efeitos da
deficiência de iodo na gravidez e infância, que a deficiência moderada de iodo
pode causar disfunção da tiroide materna e fetal. Porém, conclui que a relação
desse facto com a função cognitiva e neurológica do recém-nascido ainda não é
clara30. Skeaff analisou estudos que avaliaram o neurodesenvolvimento tanto
pela Neonatal Behavioral Assessment Scale, como por scores de desenvolvimento
motor e cognitivo tendo concluído que, nas zonas de deficiência baixa a
moderada de iodo, não há evidências de atrasos no neurodesenvolvimento das
crianças3. Também Melse-Boonstra et al. referem que a deficiência severa de
iodo é causa de cretinismo no recém-nascido. Os autores usaram, também, a
escala Neonatal Behavioral Assessment, aplicada às 6 semanas de idade, para
avaliar este resultado. Por seu turno, referem também que níveis de deficiência
baixa a moderada carecem de mais investigação no que diz respeito à sua
influência no desenvolvimento neurocognitivo31. Murcia et al. referem mesmo que
no seu estudo, onde foram avaliadas 691 crianças, a hipertirotropinemia materna
(TSH aumentada) no final do primeiro trimestre de gravidez está associada com
um pior desenvolvimento psicomotor32. Referem ainda que a suplementação de
grávidas com níveis adequados de iodo ou com baixa deficiência se relacionou
com um pior desenvolvimento neurológico das crianças, especialmente nas
raparigas32. Estes dados sugerem e alertam para que, antes de se fazer
suplementação das mulheres no período gestacional, deve-se avaliar
cuidadosamente o estado nutricional. Por contraste, um estudo de coorte que
analisou 168 mulheres residentes numa área de pequena a moderada deficiência de
iodo, mostrou que o uso de suplementos que contêm este elemento mostrou ser
efetivo na redução do risco de níveis de T4 perigosamente baixos durante a
gravidez33.
Um dos motivos para a falta de consenso no que toca à deficiência leve a
moderada de iodo e a sua influência, ou falta dela, na saúde do feto ou do
recém-nascido pode ter a ver com os achados de Burns et al. no seu estudo, onde
analisaram 103 placentas provenientes de mulheres com função tiroideia normal.
Aqui, os autores verificam que a placenta tem a capacidade de armazenar iodo, o
que pode explicar porque é que grávidas com défice de ingestão de iodo não
lesam o feto34. Sabe-se que o organismo humano preserva aspetos primários de
sobrevivência, pelo que esta função e a capacidade de armazenamento de iodo
pela placenta poderá existir para garantir um adequado desenvolvimento do feto
e pode ser mais uma prova de que este elemento é essencial no seu
neurodesenvolvimento. Burns et al. consideram ainda que a excreção urinária
pode não refletir fiavelmente os níveis de iodo no organismo devido a esta
fração armazenada na placenta, apesar de os estímulos para a sua libertação
permanecerem desconhecidos, necessitando de mais investigações nesse sentido34.
Também Skeaff et al. mostram que os níveis de iodo de um indivíduo não podem
ser determinados por uma amostra casual de urina, dada a grande variabilidade
que existe nesta medição3. Esta preocupação acerca de uma fiável medição dos
níveis de iodo parece ser comum a vários autores, uma vez que também Gahche et
al., no estudo NHANES 1999-2006, referem que o iodo urinário é um bom marcador
agudo da ingestão de iodo, sendo influenciado pela ingestão recente, e não da
ingestão crónica, pelo que consideram ser importante monitorizar e avaliar a
exposição crónica a este elemento35. Assim, o armazenamento de iodo pela
placenta (e que vai sendo libertado) poderá, de certa forma, mascarar a real
quantidade de iodo armazenada/disponível, o que realça a importância de se
encontrar uma medida da quantidade de iodo disponível no organismo que tenha em
conta todos os seus locais de armazenamento34.
Neste aspeto, também os estudos em análise nesta revisão adotam várias
metodologias com o intuito de aferir os níveis de iodo, desde a história
alimentar ao iodo sanguíneo e urinário. Esta ampla variabilidade de metodologia
é fonte de intensa discussão científica atualmente, pelo que mais estudos
esclarecedores serão necessários para encontrar um método fiável e consensual
de medição do iodo corporal ingerido e armazenado. A partir daí poder-se-á
avaliar ainda mais objetivamente a influência da suplementação na saúde do feto
e do recém-nascido.
A relação entre quociente de inteligência (QI) e deficiência de iodo tem sido,
também, amplamente estudada. Morse descreveu no seu artigo de revisão que
vários estudos mostram que uma deficiência severa em iodo materno pode resultar
em menor desenvolvimento mental do recém-nascido, o que inclui um significativa
redução do QI36. Ao contrário da influência do défice ligeiro a moderado de
iodo no neurodesenvolvimento fetal, cuja relação na literatura ainda é
discutível, neste estudo de Morse verificasse que também a deficiência baixa a
moderada deste elemento afeta negativamente o QI, a capacidade de leitura e a
performance escolar36.
Também Zimmermann refere, na sua revisão sobre o tema, que populações com
défice no aporte de iodo veem o seu QI reduzido entre 12-13,5 pontos30. Bougma
et al., no seu trabalho de revisão sistemática recentemente publicado,
constataram também que a deficiência de iodo tem um impacto biológico
importante no desenvolvimento mental das crianças. Assim, referem que as
crianças com défice de iodo têm entre 6,9-7,2 pontos de QI mais baixos do que
as crianças com níveis de iodo adequados37.
Porém, Bougma et al. alertam que, nalguns estudos analisados, em que eram
fornecidos suplementos de iodo às mães, outras consequências positivas da
suplementação materna com iodo não foram consideradas em nenhum dos artigos
analisados. Estas incluem alterações comportamentais nas mães que podem afetar
o estado mental nas suas crianças (mães com melhor quantidade de iodo, e por
conseguinte melhor função tiroideia, poderão estar mais enérgicas e menos
deprimidas). Isto pode levar a interações mais positivas e estimulantes com as
suas crianças e influenciar o seu desenvolvimento psicossocial. Porém, como
nenhum destes estudos abordou o comportamento da mãe após o parto, não se pode
determinar qual o peso do adequado nível de iodo na criança versus a
estimulação positiva pela mãe nas alterações de QI evidenciadas nos artigos
analisados37. Também Ramakrishnan et al. identificam outros fatores que podem
influenciar o estado nutricional das mulheres e confundirem os resultados do
estudo, como mulheres adolescentes que ainda não terminaram o seu próprio
crescimento, poderem estar carentes de energia e micronutrientes, como o
iodo38. Zhou et al. revelaram, contrariamente ao acima descrito, que em regiões
de deficiência severa de iodo a suplementação com este elemento não melhorou a
inteligência das crianças, nem o crescimento, nem o desenvolvimento geral,
apesar de ter havido uma melhoria nalgumas funções motoras, mas consideram que
mais estudos são necessários para reforçar estas hipóteses29.
Assim, a relação entre função tiroideia materna/fetal, níveis de iodo e QI
carece de mais investigações, no sentido de avaliar o verdadeiro impacto deste
elemento na inteligência das crianças, sem variáveis confundidoras que alterem
a perceção dos resultados obtidos.
A relação entre deficiência de iodo e possíveis defeitos do tubo neural é uma
novidade científica que recentemente começou a ser encarada de forma séria.
Sarici et al. reportam o caso de um recém-nascido com defeito do tubo neural, a
quem foi diagnosticado défice de iodo, bem como à sua mãe, tendo como causa a
baixa ingestão por viverem numa zona de deficiência endémica deste elemento.
Após posterior investigação acerca da etiologia, os autores identificaram um
hipotiroidismo por deficiência de iodo, considerando que a deficiência de iodo
pode ser uma causa de defeitos do tubo neural, que deve ser acrescentada às
outras causas possíveis desta entidade clínica. Consideram, porém, que mais
estudos são necessários para validar esta hipótese39.
Um outro aspeto que gera grande discussão científica prende-se com o timing da
ingestão de iodo, sendo o debate ocupado pela dicotomia "aporte ideal de
iodo durante a gravidez" versus "aporte ideal de iodo antes da
gravidez". A ingestão deste elemento preocupa as autoridades de saúde,
dada a prevalência de um baixo consumo não só pela população em geral, como já
foi referido, mas pelas mulheres em particular. Brantsæter et al. avaliaram,
numa população de 61.904 mulheres norueguesas, a prevalência de carência de
iodo e concluíram que 16,1% tinham uma ingestão de iodo abaixo dos 100
microgramas por dia, 42% tinham uma ingestão abaixo de 150 microgramas por dia
e apenas 21,7% atingiam as recomendações da OMS/UNICEF/ICCDD de 250 μg por
dia40. A correção deste défice de ingestão de iodo divide opiniões.
Ramakrishnan et al. consideram que a nutrição da mulher no período pré-
concecional desempenha um papel essencial no primeiro trimestre de gravidez
(quando muitas mulheres ainda não sabem que estão grávidas e tendo em conta que
é neste período que ocorre o desenvolvimento de estruturas essenciais do
feto)38. Este achado é confirmado por Pharoah et al., que realizaram um ensaio
clínico que avaliou os recém-nascidos de mães tratadas com iodo versus recém-
nascidos de mães não tratadas com iodo, tendo verificado que as mães tratadas
com iodo deram à luz recém-nascidos com cretinismo. Porém, os autores
consideram que o facto de as mulheres já estarem grávidas quando lhes foi
administrado o suplemento de iodo assume crucial importância. Pharoah et al.
consideram, assim, que a deficiência de iodo materno durante o primeiro
trimestre de gravidez é, provavelmente, o principal fator etiológico de
cretinismo41. Os mesmos autores consideram, num outro estudo, que a diminuição
da deficiência de iodo nas mulheres permitiu prevenir o cretinismo endémico
numa zona onde este problema era muito prevalente. Porém, esta prevenção apenas
surtia efeito se o iodo fosse administrado antes da conceção42. Também Moleti
et al., num estudo de coorte que englobou 168 mulheres de uma zona de baixa a
moderada deficiência de iodo, verificaram que o uso regular de suplementos de
iodo é eficaz na redução do risco de níveis baixos de T4 durante a gravidez.
Assim, Moleti et al. recomendam que as mulheres que considerem engravidar devem
ser aconselhadas a ingerir suplementos que contenham iodo vários meses antes da
gravidez33. Deste modo, os autores acima descritos realçam a importância de uma
ótima quantidade de iodo antes da conceção, promovendo um estado eutiroideu
materno, permitindo às hormonas maternas estarem disponíveis para o primeiro
trimestre de gravidez, onde vão ser essenciais para o neurodesenvolvimento
fetal.
Ainda relativamente à importância do timing para uma ótima quantidade de iodo
no organismo, um estudo realizado em Portugal por Costeira et al. revela que a
relação entre o estado da tiroide neonatal e o desenvolvimento do recém-nascido
é fraca e não consistente. Assim, o maior impacto das hormonas tiroideias
parece ser durante a vida fetal, especialmente antes do início do funcionamento
da função tiroideia fetal, que se dá por volta da 20.a semana de gestação e,
portanto já durante o segundo trimestre de gravidez43. Estas observações
realçam, assim, a importância de fazer um acompanhamento da função tiroideia
materna no primeiro trimestre da gravidez, sendo este achado consistente com o
acima descrito noutros trabalhos33,38,41,42.
Fisiologicamente, a disponibilidade materna de T4 para desenvolvimento do
cérebro fetal é mais importante que a disponibilidade de T3, dado que a hormona
T3 fetal é inteiramente gerada localmente a partir da T4 materna. De facto,
considerando que a função tiroideia fetal apenas é considerável a partir das 20
semanas de gestação, atingindo quantidades apreciáveis no terceiro trimestre de
gestação, mas os recetores para hormonas tiroideias estão no cérebro fetal a
partir das 10 semanas de gestação, é de considerar que os níveis de T3 fetal
dependem dos níveis de T4 séricos. Por sua vez, os níveis de T4 séricos
dependem da quantidade de T4 materno que atravessa a barreira placentária43.
Estes mecanismos fisiológicos mostram que as hormonas tiroideias maternas são,
então, importantes enquanto a função tiroideia fetal não é apreciável, ou seja,
durante o primeiro e parte do segundo trimestre de gestação.
Tendo em conta o mecanismo acima descrito, em termos fisiopatológicos, Costeira
et al. consideram que a hipotiroxinemia (T4 baixa) materna está assim associada
a um risco acrescido de atrasos psicomotores nas crianças, avaliado através da
Bayley Scale of Infant Development. Por outro lado, referem que a função
tiroideia à nascença não se relacionou com alterações no desenvolvimento futuro
da criança43.
Um estudo recente de Santiago et al., que avaliou 131 mulheres grávidas no
primeiro trimestre de gestação, refuta aspetos encontrados nos estudos
supracitados (que referem que o consumo de iodo é importante antes da gravidez,
tendo em conta a necessidade deste elemento nos primeiros meses de gestação).
Nesse trabalho, Santiago et al. referem que o desenvolvimento neurológico das
crianças não está significativamente associado com o consumo de suplementos de
iodo desde pelo menos um ano antes de engravidar44. Os autores concluem,
também, que em mulheres grávidas com insuficiente aporte de iodo a toma deste
elemento durante a gravidez não altera a função tiroideia materna44. Este
achado pode ir de encontro ao trabalho de Brucker-Davis et al., onde se refere
que 66% das mulheres grávidas com função tiroideia normal tem um pequeno défice
de iodo durante o primeiro trimestre. Porém, nas análises realizadas neste
estudo, a gonadotrofina coriónica humana correlacionou-se fortemente com os
testes da tiroide45. Assim, esta hormona poderá ser a atriz principal que
controla a função tiroideia materna no primeiro trimestre. Também Obican et al.
apresentam resultados semelhantes e classificam este agente fisiológico como
importante na função da tiroide, ao considerar que o seu aumento durante o
primeiro trimestre. Consequentemente, há também um aumento de T3 e T4 e uma
diminuição proporcional na produção hipofisária de TSH24. Mais estudos serão
necessários para melhor compreender esta relação.
Santiago et al. consideram, porém, que a toma de iodo antes de as mulheres
engravidarem está, essa sim, associada a uma melhor função tiroideia materna44,
o que vai de encontro ao encontrado noutras publicações33,41,42. Santiago et
al. abrem, contudo, a discussão a outro campo dentro deste tema. Ao
considerarem, como já referido, que o consumo de suplementos de iodo desde pelo
menos um ano antes da conceção não afeta o desenvolvimento neurológico das
crianças e que a toma deste elemento antes da gravidez apenas melhora a função
tiroideia materna, assumem assim que o desenvolvimento neurológico é
independente da toma de suplementos de iodo e que estes apenas afetam a função
tiroideia da mãe. Porém, outros estudos mostraram já a importante influência da
função tiroideia materna no neurodesenvolvimento fetal28,32. Mais estudos são
necessários para esclarecer este ponto.
Excesso de iodo e impacto na saúde do feto e recém-nascido
Se a carência de iodo é causa de uma ampla investigação e evidência científica,
como acima descrito, alguns autores têm alertado para o perigo que o excesso de
iodo pode trazer às populações e particularmente às mulheres grávidas. Na
realidade, a sobrecarga de iodo é raríssima, sendo que a maioria das pessoas
pode tolerar por dia 1.000 microgramas sem efeitos adversos4. Existem, de
facto, situações onde podem existir danos provocados pelo excesso de iodo, como
no hipertiroidismo induzido pelo excesso de iodo nos indivíduos com doença
nodular da tiroide, ou ainda no hipotiroidismo por bloqueio da capacidade da
glândula tiroide em produzir hormonas. Outros casos podem surgir em doentes com
patologia autoimune, como a doença de Graves ou tiroidite de Hashimoto4.
Santana-Lopes et al. referem, no seu artigo, que a elevada ingestão de iodo
numa população está associada a um aumento de novos casos de doença autoimune
da tiroide4. Também Pearce refere que o excesso de iodo na gravidez, apesar de
ser um problema muito pouco comum, pode ter efeitos fetais adversos. Porém, o
autor considera que o limite superior seguro de ingestão de iodo ainda não está
bem definido e que mais investigação é necessária para se determinar este
patamar com confiança46.
Por outro lado, Connelly et al. estudaram 3 casos de crianças cujas mães
estavam a ingerir um suplemento em que a quantidade de iodo superava claramente
as necessidades diárias deste elemento. Os autores referem que uma ingestão
excessiva e crónica de iodo pode provocar uma diminuição de produção de
hormonas tiroideias, conhecido fisiologicamente como o efeito de Chaikoff, no
sentido de proteger contra a produção excessiva destas hormonas, na presença de
iodo em grandes quantidades. Nestes 3 casos, após aprofundar a história clínica
materna, Connelly et al. concluíram que as 3 crianças estiveram expostas a
altos níveis de iodo durante a gravidez, tendo desenvolvido hipotiroidismo
congénito secundário ao excesso de iodo materno47.
Além dos efeitos nefastos para os quais o caso acima descrito alerta, importa
chamar a atenção também para os critérios em que se faz a suplementação das
grávidas. De facto, o uso de suplementos está-se a massificar, tendo em conta
os resultados das investigações que vão chegando à população em geral através
de todos os meios. Perante este fato, importa apurar junto das mulheres a toma
desses suplementos, avaliando a sua segurança em termos de quantidade e
qualidade de iodo contido, evitando expor a mãe e o feto a possíveis
sobredosagens nefastas para ambos e que estão relacionadas com o aparecimento
de hipotiroidismo congénito nos recém-nascidos47. Por outro lado, esse controlo
deve ser feito também para que as mulheres e/ou grávidas possam ter acesso a
uma suplementação segura e eficaz, ingerindo apenas o indispensável para uma
boa saúde tiroideia e um ótimo neurodesenvolvimento fetal.
Assim, existem já estratégias de saúde implementadas no sentido de melhorar o
aporte de iodo na população e que revelam algum sucesso. Charlton et al.
mostram no seu estudo que os níveis de iodo urinário das mulheres melhoraram
cerca de 2-3 anos após a introdução de um programa obrigatório de suplementação
deste elemento, na Austrália48. Os autores identificaram também uma falta de
informação nutricional acerca do iodo48, facto que já tinha sido descrito por
Charlton et al. noutro estudo acima referido25. Concluem, porém, que o estudo
reforça a importância do acompanhamento das grávidas que foram suplementadas,
monitorizando o seu status de iodo, no sentido de serem atingidos níveis ótimos
deste elemento, evitando os riscos nefastos do seu excesso48. No entanto,
Fisher et al. mostraram num coorte prospetivo que o sal iodado, uma das formas
utilizadas para aumentar a ingestão de iodo na população, era menos usado em
mulheres com menos literacia, o que sugeriu que as estratégias de saúde neste
campo não estavam a chegar às mulheres com menos formação. Sugerem, também, que
o custo de comprar alimentos ricos neste elemento pode diminuir o seu uso49.
Logo, mesmo em termos de estratégias de incentivo ao aumento do consumo de
alimentos ricos em iodo é necessária a devida cautela, uma vez que nem todos os
alimentos são acessíveis a todos os indivíduos. Relativamente a esta matéria,
Brantsæter et al. mostraram no seu trabalho que a prevalência de ingestão
inadequada de iodo diminuiu com o aumento do consumo de leite e iogurtes.
Diminuiu, igualmente, com o aumento da ingestão de pescado. Concluíram, assim,
que a ingestão de suplementos que contenham iodo é vital para assegurar um
aporte correto deste elemento e é ainda mais importante para mulheres que não
incluem os alimentos acima referidos na sua alimentação40. Este dado é
importante em termos estratégicos. Na verdade, nem todos os indivíduos têm
acesso aos alimentos referidos e que são uma ótima fonte de iodo. Desta forma,
quer para prevenir o défice de iodo na gravidez e seus efeitos deletérios
descritos ao longo deste trabalho quer para evitar que indivíduos excedam o seu
consumo e se exponham a si e ao feto à toxicidade deste elemento, a
suplementação com iodo será, nesta perspetiva, a medida mais razoável em termos
de saúde pública e da mulher. Brantsæter et al. consideram, assim, que uma
dieta adequada, que inclua leite/derivados e peixe, é muito importante na
gravidez, mas referem que mulheres com baixa ingestão destes alimentos devem
fazer suplementação de iodo40.
Um estudo de Kassim et al. mostrou que no contexto particular de zonas de
deficiência e escassez alimentar, que beneficiam de ajuda alimentar, ainda que
a priori sejam classificadas como zonas de défice de iodo, se verificou que o
sal iodado contido nos mantimentos disponibilizados era em grande quantidade,
pelo que estas populações estavam, pelo contrário, em risco de excesso de
iodo50. Esta evidência é mais um alerta para o facto de que os níveis de
ingestão de iodo devem ser minuciosamente aferidos, uma vez que potenciais
deficitários de iodo, que façam uma alimentação baseada, por exemplo, em
enlatados, podem pelo contrário ter um bom aporte deste elemento e a
suplementação, nestes casos, não ser realmente necessária.
Forças/fraquezas do trabalho e principais conclusões
A revisão dos avanços científicos dos últimos 3 anos permitiu obter as
evidências mais recentes acerca do tema em análise, tendo sido incluídos
artigos que ainda não constam de outras revisões encontradas. O facto de se
terem incluído todo o tipo de estudos permitiu não só cruzar factos como também
opiniões de autores, o que enriqueceu indiscutivelmente esta discussão.
Contudo, teria sido potencialmente mais esclarecedor um maior número de estudos
originais que fornecesse novos dados para serem incluídos e discutidos
juntamente com os restantes encontrados.
Em conclusão,
* -verifica-se que os défices de ingestão materna de iodo afetam negativamente
a saúde do feto e do recém-nascido, com consequências que perdurarão toda a
vida. Porém, o timing em que uma quantidade ótima de iodo é essencial para
exercer as suas funções precisa de ser mais estudado;
* -a ingestão excessiva deste elemento pode, por outro lado, acarretar efeitos
nefastos para o recém-nascido. No entanto, a evidência sugere que os casos de
toxicidade por excesso são raros e que a gravidade das lesões que a
deficiência de iodo promove é claramente pior do que as provocadas pela
ingestão excessiva deste elemento;
* -assim, a suplementação de mulheres com iodo é recomendada, mas à luz dos
achados desta revisão, a suplementação deverá seguir um percurso lógico, uma
vez que a real necessidade de suplementar mulheres com défice baixo a
moderado de iodo não é ainda consensual, sendo a suplementação das mulheres
em deficiência severa a que reúne opiniões maioritariamente favoráveis;
* -deve-se, antes de mais, informar as mulheres acerca do iodo, dotando-as de
conhecimentos acerca deste elemento, como as suas fontes alimentares e
funções no organismo. Depois, deve-se avaliar o tipo de ingestão alimentar
que a mulher faz, aferindo os níveis de aporte de iodo tendo em conta o seu
padrão alimentar. Deste modo, poderá ser suplementada apenas com a quantidade
necessária, adequada e personalizada para ter benefícios, sem ter riscos de
toxicidade;
* -idealmente deve ser feito um acompanhamento clínico continuado, a começar
idealmente no período pré-gestacional, bem como uma monitorização regular dos
níveis de iodo. Contudo, o método ideal para esta monitorização não está
ainda determinado, com base nos estudos analisados;
* -permanece a dúvida acerca do benefício/falta de benefício em suplementar
mulheres já grávidas, pelo que mais estudos serão necessários para esclarecer
este ponto de particular importância.