Áreas Rurais: Pólos de Concentração de Agravos à Saúde Bucal?
INTRODUÇÃO
A saúde bucal é parte integrante e essencial da saúde
geral e sendo assim, é um factor determinante para a
qualidade de vida. Os agravos à saúde bucal são
problemas de saúde pública porque têm um impacto
significante no indivíduo e na comunidade, possuem alta
prevalência e podem ser efectivamente prevenidos e
controlados pela acção conjunta da comunidade,
profissionais e indivíduos (1).
A cárie dentária, continua sendo o agravo à saúde
bucal mais prevalente principalmente em crianças e
adolescentes, podendo ocasionar sofrimento físico e
psíquico, como dor, dificuldade mastigadora,
constrangimento para sorrir e embaraço com a aparência,
podendo afectar a auto estima e levar a diminuição do
contacto social. (2, 3). A aparência bucal pode também
influenciar o julgamento que outras pessoas fazem de
nós, pessoas com dentes anteriores cariados ou perdidos,
muitas vezes, são discriminadas (4). Muitas empresas de
prestígio, hoje em dia, exigem que seus funcionários
tenham um sorriso harmonioso e estético (5). Além
dessas consequências, uma infecção dentária não tratada
pode ocasionar risco de morte através da endocardite
bacteriana e septicemia (1).
A caracterização da prevalência de cárie dentária
normalmente é realizada através do Índice CPOD (dentes
permanentes cariados, perdidos e obturados) e ceod
(dentes decíduos cariados, perdidos e obturados) (6).
Este instrumento de medida foi adoptado pela
Organização Mundial de Saúde para definir critérios
utilizados em levantamentos epidemiológicos de cárie
dentária com o objectivo de atenuar diferenças clínicas
subjectivas de observadores.
O dente é considerado cariado (C ou c) quando
apresenta cavidade evidente em superfície lisa ou fissura, esmalte socavado ou um amolecimento detectável
do assoalho ou das paredes, o dente com restauração ou
com selante, mas que esteja também cariado, deve ser
incluído nessa categoria. O índice mede também a
experiência prévia de cárie, pois inclui os dentes que
receberam restauração dental (O ou o) ou foram extraídos
(P ou e) devido à cárie.
A prevalência e severidade dos agravos de oclusão,
bem como das necessidades de tratamento ortodôntico,
de acordo com as normas da OMS (6) devem ser
caracterizados utilizando o Índice de Estética Dentária
(IED) e seus componentes. Este instrumento de medida,
formulado em 1986 na Universidade de Iowa sob a
coordenação do Prof. Naham C. Cons recupera aspectos
da formulação de índices oclusais anteriores e postula a
assunção do pressuposto de que a necessidade de
tratamento ortodôntico inclui pelo menos três elementos
fundamentais: sinais objectivos, sintomas subjectivos e
normas sociais. Possui três componentes: condições da
dentição, de espaço e da oclusão. É um índice desenhado
especialmente para medir estética dentária que não se
confunde com outras dimensões de má oclusão e não
tem por base percepções subjectivas seja do ortodontista
seja do paciente ou dos pais (7).
ESTRATÉGIA DE PESQUISA
A revisão de literatura apresentada neste estudo foi
realizada através da Biblioteca Virtual em Saúde,
www.bireme.br, que permite o acesso a base de dados
internacionais, MEDLINE, LILACS, PUBMED, utilizando
as palavras-chaves: cárie, oclusão, rural, saúde bucal e
epidemiologia. As bibliotecas da Faculdade de
Odontologia e Faculdade de Saúde Pública, ambas
pertencentes a Universidade de São Paulo, forneceram
os artigos completos e alguns estudos nacionais não
publicados em revistas indexadas, porém relevantes
para essa revisão.
Dados de caracterização da população rural brasileira
foram obtidos através de dois Institutos Nacionais de
Pesquisa, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE e Fundação Sistema Estadual de
Análise de Dados - SEADE .
CÁRIE DENTÁRIA E FACTORES ASSOCIADOS
A cárie dentária é uma doença infecciosa transmissível
multifatorial, sendo um processo dinâmico que ocorre
nos depósitos microbianos que formam a placa dental na
superfície do dente e que resulta em distúrbio do equilíbrio
entre a substância do dente e o fluído da placa adjacente.
Com o decorrer do tempo, ocorre a perda de mineral na
superfície do dente ocasionando uma cavidade, sinal da
doença (8).
De acordo com o Diagrama de Keyes (1960), a
ocorrência de cárie se deve a factores relativos ao
hospedeiro (meio bucal), substrato (dieta) e
microorganismo, interagindo no tempo. Segundo estudos
mais modernos, deve-se incluir ainda outras variáveis
que interferem nesse processo, como sexo, idade,
distribuição temporal e geográfica, além de variáveis
socio-económicas, culturais e comportamentais (9).
Sendo assim, sua prevalência pode variar conforme a
cultura da região estudada, grau de escolaridade, padrão
alimentar da população, moradia, acesso a serviços
odontológicos, etc (10).
Nos últimos anos, levantamentos epidemiológicos de
saúde bucal têm demonstrado uma tendência decrescente
ou estável na prevalência de cárie em muitos países do
mundo. Entre 1969 e 1997 a prevalência de cárie nos
países desenvolvidos diminuiu de muito alta para baixa
(3). Através da revisão sistemática da literatura entre
1970 a 2000, Bonecker e Cleaton Jones (11) observaram
que em países da América Latina e Caribe, incluindo o
Brasil, a prevalência de cárie nas crianças de 5, 6 anos e
11, 12 anos está diminuindo ou permanecendo estável.
Narvai et al (12) concluíram que a fluoretação das águas
de abastecimento público, a adição de flúor aos dentifrícios
e a descentralização do sistema de saúde são factores
responsáveis por esse declínio na experiência de cárie
observada em escolares brasileiros.
Diehnelt e Kiyak (13) estudaram os factores socioeconómicos que poderiam influenciar diferenças nas
prevalências de cárie nas diversas regiões do mundo.
Países em desenvolvimento com produto interno bruto
alto ou moderado, urbanizados e que incorporaram hábitos
alimentares que incluíam o consumo de produtos
industrializados cariogênicos, apresentaram maior
prevalência de cárie que os países desenvolvidos e
países em desenvolvimento, com produto interno bruto
baixo. A baixa prevalência de cárie encontrada nos
países com produto interno bruto baixo estava associada
a falta de acesso a produtos industrializados e nos países
desenvolvidos a melhores condições de vida e acesso a
serviços preventivos e assistenciais de saúde.
Entretanto, a redução da cárie dentária no mundo foi
acompanhada pelo fenómeno conhecido como
polarização da doença, caracterizado pela concentração
dos mais altos índices de cárie em grupos populacionais
submetidos a privação dentro de um mesmo país ou
região. Antunes et al (14) analisando grupos com
diferentes situações de risco para a cárie dentária (risco
mínimo, baixo risco, risco moderado, alto risco e risco
máximo) observaram que a distribuição espacial era
semelhante a distribuição sócio económicas do município
de São Paulo (fig. 1).
Consumo elevado de produtos açucarados, condições
de privação social e dificuldade de acesso a serviços
odontológicos preventivos e assistenciais são factores
de risco para a cárie dentária (15).
CÁRIE DENTÁRIA EM POPULAÇÕES DE ÁREAS
RURAIS BRASILEIRAS
Um dos primeiros estudos sobre prevalência de cárie
dentária em população residente em área rural brasileira
foi desenvolvido por Hille (16) em uma fazenda de
Londrina, Paraná. Seu objectivo era contribuir para um
modelo de plano de saúde dental aplicado a áreas rurais
concentradas, uma vez que grande parte da população
rural, no período, era constituída por trabalhadores
agrícolas concentrados em grandes fazendas. Através
da realização de levantamento epidemiológico de saúde
bucal, o autor reconheceu elevados indicadores de
prevalência de cárie dentária e necessidades de
tratamento odontológico nos moradores da fazenda onde
o estudo foi realizado.
Estudos semelhantes foram realizados em diferentes
áreas rurais do Brasil. A maioria dos levantamentos
possui como idade mínima 6 anos e utiliza apenas o
índice CPOD. Na zona rural de Uberlândia, MG, Marques
et al. (17) encontraram o índice CPOD médio aos 6 anos
de 2,6 que pode ser considerado bastante alto. Aos 12
anos o valor do CPOD encontrado nos escolares rurais
brasileiros apresenta uma grande variação, desde 2,5
em áreas rurais da Paraíba onde havia uma concentração
natural de flúor na água (0,7 - 1,0 ppm) (19) até 15,5 em
escolares de 12 anos de Uberlândia que não têm acesso
a rede municipal de abastecimento de água fluoretada, o
que indica uma prevalência de cárie muito elevada (1720).
A elevada prevalência de cárie dentária nas crianças
de áreas rurais brasileiras é semelhante a observada em
localidades rurais da África por Attin et al. (21) e por
Brindle et al. (22). Em algumas comunidades rurais
Africanas e Asiáticas, porém, para os escolares de 12
anos, foram observados melhores indicadores de saúde
bucal (23-26). Entretanto, esses baixos índices foram
atribuídos às características de isolamento das áreas
rurais desses países, e à condição de intensa privação
social dessas populações.
O consumo de produtos cariogênicos, principalmente
relacionado a sua frequência, sendo um dos factores de
risco mais comprovadamente aceito para o
desenvolvimento do processo de cárie, foi estudado por
diversos autores (18-20, 25, 27, 28), através da aplicação
de questionário estes autores observaram que os
moradores de áreas rurais apresentavam baixo consumo
de açúcar. Sabendo que estudos na África (26, 28, 29);
no Iraque (25); na América Central (30) e Austrália (31)
foram realizados em áreas rurais isoladas, entende-se
que esses grupos possuíam menor acesso a produtos
industrializados açucarados, sugerindo que esse factor
foi importante para o registro de menor prevalência de
cáries.
De acordo com Sampaio et al. (19), no entanto, a dieta
está mudando nas áreas rurais do Brasil, em função do
maior acesso aos produtos industrializados e ao açúcar,
o que pode provocar um aumento na prevalência de cárie
dentária dessas populações.
O acesso a serviços de saúde preventivos e
assistenciais é outro factor associado a maior ou menor
prevalência de cárie dentária. A maior dificuldade de
acesso a serviços de saúde bucal dos residentes em
áreas rurais foi relatada em diversos estudos de áreas
rurais de diferentes países (16-18, 21-23, 27, 30-37). O
número de dentes com cavidade evidente de cárie sem
tratamento foi elevado, indicando baixa cobertura dos
serviços odontológicos (18, 20, 22, 23).
No Brasil, os escolares residentes na área rural
apresentaram índices mais elevados de cáries que
aqueles residentes em área urbana (fig. 2) (20), situação
oposta à encontrada em estudos na África (29, 26, 28); no
Iraque (25); na América Central (30) e Austrália (31). No
entanto, essas regiões foram descritas pelos autores
como isoladas das regiões urbanas mais próximas, em
marcante contraste com a área rural estudada no Brasil
(20) onde pequenos distritos rurais foram criados para
suprir as carências inerentes à distância da área urbana,
e nesses distritos são encontrados pontos de comércio,
escolas e, em alguns, o posto de saúde.
Nesse sentido, a alta prevalência de cárie encontrada
em diferentes áreas rurais se deve à desinformação
sobre saúde bucal, dificuldade de acesso ao tratamento
odontológico e a factores económicos, condições comuns
a grupos de população rural de diferentes países e
regiões brasileiras.
OCLUSÃO DENTÁRIA E FACTORES ASSOCIADOS
De acordo com Frazão (38), os problemas de oclusão
dentária consistem de anomalias do crescimento e
desenvolvimento, afectando principalmente os músculos
e os ossos maxilares no período da infância e da
adolescência. Esses distúrbios podem produzir alterações
tanto do ponto de vista estético nos dentes e/ou face,
quanto do ponto de vista funcional na oclusão, mastigação,
deglutição e fonação. Sua ocorrência na população
depende da inteiração de variáveis relacionadas à
hereditariedade e ao meio ambiente.
Os agravos à saúde bucal, assim como outras doenças
humanas, estão passando por uma série complexa de
mudanças inter-relacionadas nos padrões de saúde e
doença (39). Em algumas regiões do Estado de São
Paulo, assim como em países desenvolvidos, a cárie
dentária na infância está em declínio (40) e os problemas
de oclusão dentária podem ser considerados problemas
de saúde pública emergentes (38, 41).
A maioria dos estudos epidemiológicos de oclusão
dentária refere-se a escolares em área urbana. Apesar
de se reconhecer o meio ambiente como importante
factor associado à prevalência dos agravos de oclusão,
esse tema tem sido pouco estudado em população rural
e esses dados são ainda mais escassos em se tratando
da área rural brasileira.
Para Corruccini e Whitley (42) a urbanização é um dos
factores responsáveis pelo aumento da prevalência de
problemas oclusais nas populações modernas,
principalmente devido as mudanças nos hábitos
alimentares, para os autores, uma oclusão mais próxima
da considerada normal poderia ser encontrada em
populações que não consomem muitos produtos
industrializados. De Mûelenaere e Viljoen (43) em uma
comunidade que se encontrava bastante isolada na
África do Sul, com pequena possibilidade de miscigenação
observaram que 83% não necessitavam de tratamento
ortodôntico.
Em Ile-Ife, um pequeno município com características
rurais no sudoeste da Nigéria, Aggarwal e Odusanya
(44), empregando a metodologia sugerida pela OMS em
1962 para medir anomalias dento-faciais, observaram
que 49,23% dos examinados apresentaram algum tipo
de problema de oclusão. Ainda em áreas rurais da
Nigéria, Otuyemi et al. (45) utilizaram os índices: DHC
(dental health score) e AC (Aesthectic score), observaram
através do DHC que 12,65% definitivamente precisavam
de tratamento ortodôntico. Embora os estudos de
Aggarwal e Odusanya (44) e Otuyemi et al. (45) refiramse a grupos populacionais de um mesmo país, a
comparação entre eles é dificultada pelo emprego de
métodos diferentes para estimar a prevalência de agravos
oclusais.
Objectivando estabelecer critérios para os
levantamentos epidemiológicos de anormalidades dentofaciais, a OMS publicou em sua 4ª Edição do Manual
Básico para Levantamentos Epidemiológicos a descrição
do Índice de Estética Dentária (IED). Otuyemi et al. (45),
visando levantar dados que pudessem ser utilizados
para comparações, realizaram novo estudo na Nigéria,
utilizando o Índice de Estética Dentária (IED). Observaram
que ao comparar escolares de áreas rurais e áreas
urbanas, houve ausência de diferença significativa nos
valores de IED. Segundo os autores, esse resultado seria
devido ao fato de a sociedade nigeriana ser relativamente
fechada e homogénea, quanto a características étnicas,
sem discrepâncias de estilo de vida entre os residentes.
No Brasil, apresentaram severa má oclusão 31% dos
escolares na área rural de Itapetininga (46). Essa taxa foi
superior à observada em Capão Alto-SC. Nesta localidade,
segundo os autores, um pequeno município rural, a
prevalência de má oclusão moderada/severa observada
numa amostra de 264 crianças de 6 a 12 de idade foi 12%
(47). Na análise comparativa com um grupo de população
urbana, Mello et al. (fig. 3) (46), identificaram que a
prevalência do agravo de oclusão era significativamente
mais elevada na zona rural ao contrário de observações
apresentadas em outros estudos em que piores
indicadores foram verificados para escolares de
localidades urbanas (43, 48).
Diferenças entre os índices oclusais empregados,
selecção e tamanho da amostra, características sócio
culturais, acesso à assistência odontológica, e a
diversidade de ambientes e modos de vida incluídos
numa mesma categoria denominada de rural, entre outros
aspectos, podem explicar tais discrepâncias.
ATENÇÃO À SAÚDE BUCAL DAS POPULAÇÕES
RURAIS BRASILEIRAS
Do ponto de vista económico, político, social e cultural, o Brasil sempre teve uma importante base rural.
Apesar disso, até meados do século XX, foi deficitária a
atenção à saúde dos trabalhadores rurais. Carneiro et al.
(49) revisaram a literatura sobre políticas de saúde para
a população rural brasileira, observando que a exclusão
dos trabalhadores do campo caracterizava-se, entre
outros factores, pela falta de acesso aos serviços de
saúde, como traço sempre presente na história do país.
Segundo Pinto (10), somente em 1951 os
trabalhadores do campo, em áreas distantes do Norte e
Nordeste do Brasil, passaram a ter acesso a assistência
odontológica, a partir da incorporação da Secção de
Odontologia no Serviço Especial de Saúde Pública
(SESP), em um convénio firmado entre os Governos
Brasileiro e Americano, através da Fundação Rockfeller.
Foi, no entanto, somente com a criação de postos de
atendimento permanente em pequenas cidades do interior, que essa assistência atingiu de modo mais efectivo
a área rural, o que só ocorreu a partir do término do
convénio com a Fundação Rockfeller e a incorporação do
Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) pelo Ministério
da Saúde, como Fundação SESP.
Apesar de a Fundação SESP ter sido a primeira
instituição oferecendo atendimento odontológico à
população residente em áreas rurais brasileiras, o acesso
ao serviço era restrito às crianças em idade escolar, na
forma de “Sistema Incremental”, no Município que
possuísse um posto de atendimento instalado. Dessa
maneira, atingia apenas alguns pontos isolados e não
atendia às necessidades da maioria dos trabalhadores
rurais.
Sua maior contribuição foi ter realizado campanhas
preventivas, introduzindo a importância dessas iniciativas
no âmbito da promoção em saúde, e implantado a
fluoretação das águas de abastecimento público, a partir
do projecto-piloto em Baixo Guandu, ES, 1953. Carneiros
et al. (49) salientam que a Fundação SESP induziu uma
mudança de paradigma na assistência à zona rural.
Com a posterior incorporação do trabalhador rural
brasileiro ao sistema oficial de previdência social, através
do FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador
Rural (1968) e da criação do Pro-Rural - Programa de
Assistência ao Trabalhador Rural (1971), uma política de
assistência odontológica mais efectiva passou a existir
para essa população. A partir desse momento, os
trabalhadores do campo passaram a ter direito a
assistência médica e odontológica, sendo integrados à
Previdência Social, a maior responsável pela assistência
à saúde dos trabalhadores no período.
Pinto (10), no entanto, sublinhava as precariedades
ainda presentes no atendimento odontológico então
provido pelo serviço público: os atendimentos eram
realizados através da livre demanda; os profissionais de
saúde que atendiam essa população recebiam salários
baixos e suas condições de trabalho eram precárias; a
assistência odontológica promovida pelo FUNRURAL
era exclusivamente curativa com grande número de
extracções dentárias.
Recentemente, com a Constituição de 1988 foram
introduzidas importantes modificações no sistema de
saúde do país. Com a criação do Sistema Único de
Saúde - SUS (1990), foi firmado o princípio de
universalidade no atendimento à saúde, o que implica a
equivalência de serviços providos para a população
residente em áreas urbana e rural, sendo necessárias
medidas concretas para que isso de fato ocorra.
O desenvolvimento agrícola no Estado de São Paulo
De acordo com Chabaribery (50), apesar do Estado
de São Paulo possuir a agricultura mais moderna entre
os estados brasileiros, isso não significou homogeneidade
entre os seus municípios, existem regiões muito
desenvolvidas formando os chamados complexos agroindustriais e áreas de agricultura ainda bastante atrasada.
Fato que deve influir na distribuição dos agravos à saúde.
Essas diferenças se devem não apenas a
diversidade de recursos naturais de cada município como
também ao processo histórico do desenvolvimento
agrícola do Estado.
O cultivo da cana-de-açúcar, entre 1765 e 1851, no
chamado Quadrilátero do açúcar, que abrangia a região
de Piracicaba, Itu, Porto Feliz, São Carlos, Jundiaí,
Parnaíba e o litoral, transformou a agricultura paulista
que era predominantemente de subsistência para adquirir
características comerciais.
Até meados do século XIX, a cultura cafeeira ocupava
apenas a região do vale do Paraíba, sendo escoada
através de tropas de burros para o porto do Rio de Janeiro
(51). Com a construção de uma rede de ferrovias e a
entrada de imigrantes europeus, depois também de
asiáticos, em grande volume, a cultura do café pôde se
expandir para as regiões Norte e Oeste do Estado de São
Paulo, onde encontrou espaço e condições climáticas
favoráveis para uma grande expansão. A grande
produtividade da cultura cafeeira nesse período configurou
um novo ciclo de riqueza para o país, enquanto a região
do vale do Paraíba entrava em decadência (51).
O cultivo do algodão se expandiu a partir de Sorocaba,
a seguir para o Norte (de Campinas a Jaboticabal), o Sul
(Itapetininga), o Oeste (Botucatu) e esparsamente o Vale
do Paraíba. No início dos anos 30, com a crise do café,
o algodão representou uma busca alternativa de lucros e
seu cultivo aliado a indústria têxtil paulista iniciava os
chamados complexos agro-industriais (52, 53).
O cultivo de laranjeiras, que no início do povoamento
do Estado, era somente doméstico, incorporou novas
tecnologias e hoje, o chamado corredor citrícola, que
abrange as divisões Regionais Agrícolas de Campinas,
Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, é um dos mais
importantes pólos agro-industriais do Estado (54).
Na década de 50 e 60, a agro indústria canavieira é
retomada. Em 1975, com o Programa Nacional do Álcool
(PROALCOOL), foram instaladas usina para o
processamento da cana e o cultivo da cana se tornou
novamente vantajoso. Hoje, as regiões de Ribeirão Preto,
Barretos, Franca, São Carlos, São José do Rio Preto,
Araçatuba e Presidente Prudente são os mais importantes
pólos da agro indústria canavieira (54).
Em 1996, a agricultura paulista estava concentrada
em duas actividades económicas que eram a cana-deaçúcar e a pecuária bovina. Devido à ampla base
tecnológica das regiões de agro indústrias, houve uma
diminuição e mudança da mão-de-obra empregada, em
consequência do crescimento da parcela de trabalhadores
especializados e assalariados. Formaram-se pólos de
agricultura intensiva e moderna, regiões que procuram
se integrar e regiões marginais a esse padrão (50).
Dessa maneira, o meio rural paulista não pode mais
ser tomado apenas como o conjunto das actividades
agropecuárias e agro-industriais, ganhou novos tipos de
ocupação, como: lazer, turismo ecológico e moradia.
Além de um conjunto de actividades tipicamente urbanas
que estão aumentando no meio rural, como: motorista de
auto-carro para transporte dos trabalhadores rurais,
secretárias, trabalhadores domésticos, administradores,
etc (56).
A SAÚDE BUCAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
Levantamentos epidemiológicos de saúde bucal
realizados no Estado de São Paulo demonstraram que a
população residente em áreas rurais apresentam piores
indicadores de prevalência, severidade e necessidade
de tratamento odontológicos. Em 1993, Dini et al. (18) na
área rural do Município de Araraquara, SP, observou
CPOD de 0,57 aos 6 anos. O índice ceod foi utilizado por
Mello e Antunes (20) para medir a experiência de cárie na
dentição decídua, pôde-se observar que os escolares de
5 anos da área rural de Itapetininga apresentaram índice
ceod considerado elevado. Aos 12 anos os valores do
índice CPOD encontrado nos escolares rurais do Estado
indicam uma prevalência de cárie muito elevada (18,20).
Dados oficiais apontam piores indicadores de renda,
escolaridade e de saneamento em áreas rurais do Estado,
o rendimento médio mensal e a proporção de pessoas
com 10 anos ou mais e com ao menos um ano de
instrução na área urbana representam o dobro dos valores
encontrados na área rural (55). Sabe-se que essas
características podem ter reflexos desfavoráveis nos
níveis de saúde bucal da população rural paulista (15).
Apesar da acentuada expansão dos serviços de saúde
na área odontológica (55), o excesso de demanda por
esses serviços, sua distribuição e acessibilidade não
homogéneas configuram factores que ampliam a
desigualdade (57).
Os dados do Programa Nacional por Amostras de
Domicílios - PNAD (58) são consistentes com essa
afirmação quando demonstram que o acesso a consultas
médicas e odontológicas aumenta expressivamente com
a renda, sendo maior nas áreas urbanas.
CONCLUSÃO
A cárie dentária, tal qual os demais agravos a saúde
é determinada por factores complexos, que incluem
desde políticas de desenvolvimento até o grau de
organização dos serviços de saúde, factores
condicionantes das imensas desigualdades sociais no
Brasil (59).
Ao indicar piores condições socio-económicas e maior
dificuldade de acesso a serviços de saúde, sugere-se
que a população rural possa configurar um pólo de
concentração para os agravos à saúde bucal. Apesar
disso, poucos estudos foram realizados para caracterizar
as condições de saúde bucal das populações rurais de
todo o mundo e esses dados são ainda mais escassos
em se tratando de populações rurais brasileiras (17, 47).
Entretanto, sabendo-se que as áreas rurais não são
homogêneas, deve-se identificar quais são aquelas onde
os escolares têm maior risco de apresentar o agravo à
saúde bucal.
Para promover a saúde bucal de um modo efectivo, os
responsáveis pelos serviços de saúde precisam conhecer
a distribuição dos agravos e das necessidades de
tratamento dentário preventivo e restaurador em cada
segmento de nossa sociedade, para assim prever e
planejar acções de saúde específicas e adequadas às
suas necessidades. Essa observação salienta a
importância da utilização da Epidemiologia, de acordo
com Morgenstern (60) os estudos ecológicos são muito
relevantes para observar o impacto de questões sociais
na saúde das populações e avaliar novos programas de
saúde ou aqueles em andamento. Para Siqueira (61) a
epidemiologia fornece informações concretas para o
processo de planejamento na administração dos serviços
de saúde, pois, orienta a colecta de informações, identifica
as necessidades e impulsiona a implementação.
Sendo a preocupação com a qualidade de vida a
essência do objecto da Saúde Pública procurar grupos
de risco onde os agravos à saúde bucal possam estar
concentrados e com medidas adequadas promover a
saúde desses indivíduos deve ser o foco dos sanitaristas.