Tabagismo em Portugal
INTRODUÇÃO
As primeiras referências ao tabaco surgem entre as
populações nativas do continente americano, que o
usavam não apenas fumado, como psicoestimulante,
mas também em pasta como produto medicinal, pois
acreditavam no seu poder divino (1, 2). A sua introdução
na Europa deu-se no século XVI e foi consequentemente
exportado para países africanos e asiáticos
acompanhando a grandiosidade das trocas comerciais
no período dos Descobrimentos (1).
O consumo de tabaco observa-se há vários séculos,
através do mastigar das folhas, do fumo do cachimbo ou
da inalação, mas o cigarro surge somente no fim do
século XIX. Pelo seu custo e pela facilidade no
manuseamento foi produzido em massa e contribuiu
para uma rápida expansão do consume de tabaco a nível
mundial (2, 3).
Após a I Guerra Mundial, a indústria de tabaco explorou
as ideias de liberdade, de emancipação, de poder, criando
novos significados dos papéis sociais das mulheres, com
o intuito de aumentar o consumo nesta franja de mercado
(4).
O tabaco foi fortemente utilizado pelas tropas aliadas
durante a II Grande Guerra, e o hábito começou a suscitar
interesse científico no mundo anglo-saxónico, que, ao
contrário da Alemanha nazi, durante a primeira metade
do século XX não se havia interessado pelo tabagismo.
O primeiro estudo epidemiológico surge em 1943 (5) e
em 1950 são publicados quatro artigos sobre o tema (69). Nos anos 60 a relação entre tabaco e cancro do
pulmão estava estabelecida (2).
Contudo, à crescente preocupação com os efeitos
sanitários do consumo de tabaco contrapôs-se o ambiente
liberal dos anos 70 e a agressividade da política comercial
da indústria tabaqueira, levantando barreiras à
implementação de campanhas e medidas efectivas contra o consumo de tabaco (2). As medidas legislativas e as
políticas públicas no sentido da prevenção e combate ao
consumo do tabaco generalizaram-se durante a década
de 80 (2). A Organização Mundial de Saúde (OMS) criou
em 1987 o Dia Mundial sem Tabaco (31 de Maio) e lançou
campanhas preventivas, em particular dirigidas aos jovens
e adultos jovens, os alvos preferenciais da indústria
tabaqueira (2). Apesar dos esforços que têm vindo a
desenvolver-se na área da prevenção, estima-se que
ocorram anualmente 4,9 milhões de mortes relacionadas
com o tabaco, sendo o cigarro o único produto legal que
mata através do consumo regular (10).
Para além das consequências individuais é de realçar
o impacto social do tabagismo, nomeadamente através
dos elevados custos económicos associados a gastos
em saúde, absentismo ou incapacidade precoce (11), e
à substituição de parte dos consumos familiares em bens
de primeira necessidade pela aquisição de tabaco com o
que isso arrasta de empobrecimento adicional. Pode
ainda ser gerador de diversos acidentes relacionados
com a condução, fogos domésticos ou florestais (12).
TABACO E SAÚDE
O consumo de tabaco é uma das principais causas de
morte evitável. Para além do substancial aumento do
risco de cancro do pulmão, o tabaco é causa directa ou
provável de outros cancros (e.g. cavidade oral, laringe,
esófago, estômago, rim, bexiga), é causa importante de
doença cardiovascular (e.g. acidente vascular cerebral,
doença vascular periférica, enfarte do miocárdio) e
pulmonar (e.g. doença pulmonar obstrutiva crónica,
enfisema pulmonar, otites). A evidência recolhida ao
longo dos anos através do acompanhamento de algumas
coortes de adultos estudadas em Inglaterra mostrou que
os fumadores apresentavam uma diminuição da
esperança de vida em 10 anos (13).
O tabaco tem igualmente efeitos nefastos na gravidez,
estando associado a aborto espontâneo, gravidez
ectópica, morte fetal in utero, parto pré-termo e baixo
peso ao nascimento (14, 15). Estima-se que seja possível
reduzir em 10% a mortalidade infantil eliminando o
tabagismo materno (16).
Foram identificados numerosos agentes
carcinogénicos e co-carcinogénicos no fumo de tabaco,
sendo o aumento do risco de morbilidade e mortalidade
proporcional ao tempo e à intensidade da exposição (4).
Os fumadores involuntários encontram-se também
em risco em relação a muitas das doenças inerentes ao
fumo directo. Os malefícios do tabaco trazem consequências nefastas não só para o fumador como também para
os não fumadores expostos à poluição tabágica ambiental
PTA), que corresponde ao conceito de Environmental
Tobacco Smoke (ETS) ou Secondhand Smoke, também
designada por fumo passivo, ocorre quando o fumo
exalado de uma pessoa é inalado por outra. Está
demonstrada uma associação entre a poluição tabágica
ambiental e a patologia cardiovascular e pulmonar (17,
18), podendo também ser uma das causas do baixo peso
à nascença ou do síndrome de morte súbita (15).
A dinâmica da epidemia do consumo de tabaco pode
ser definida em quatro fases distintas (Figura 1). Na
primeira, fumar é um comportamento de excepção e é
típico das classes mais altas ou mais favorecidas. No
estádio dois fumar torna-se mais comum entre os homens,
alargando-se este comportamento a todas as classes
sociais. A evolução deste comportamento nas mulheres
está 10 a 20 anos atrasada em relação à situação
observada para os homens e o consumo de tabaco é
adoptado sobretudo nas classes sociais mais favorecidas.
No estádio três a proporção de homens fumadores desce
acentuadamente e atinge o pico máximo nas mulheres.
Durante o quarto e último estádio, a frequência do consumo
decresce em ambos os sexos e torna-se mais frequente
nas classes sociais mais baixas (13). Os Estados Unidos
da América e a maioria dos países do norte da Europa
atingiram já o quarto estádio, o que significa uma maior
prevalência de consumo de tabaco entre as classes
sociais mais desfavorecidas e menos escolarizadas. No
lado oposto, no estádio dois, estão países asiáticos e
latino americanos que apresentam maiores prevalências
entre os homens, sem distinção entre estratos sociais, e
em mulheres mais escolarizadas (13). A maioria dos
países do sul da Europa enquadra-se no estádio 3,
enquanto Portugal se encontra na transição entre as
fases 2 e 3 (19).
Uma grande parte das doenças relacionadas com o
tabaco apresenta um período de latência longo, o que se
traduz num desfasamento temporal entre o consumo nas
populações e a carga de doença que se lhe associa.
Apesar de nem todos os países poderem ser
directamente enquadrados num destes estádios, esta
caracterização ilustra a forma como a epidemia progride
se não for contrariada por políticas eficazes no controlo
do consumo.
Nos EUA, o consumo aumentou 44% entre 1920 e
1950, repercutindo-se no aumento da mortalidade por
cancro do pulmão. Após os anos 50, o consumo de
tabaco per capita estabilizou, mas as taxas de cancro no
pulmão continuaram a aumentar. A estabilização nestas
taxas a partir de 1986 resulta de um claro decréscimo na
prevalência de homens fumadores (20).
Nos países europeus, o tabaco é a causa mais
importante de mortalidade, provocando mais de meio
milhão de mortes anualmente, metade das quais em
indivíduos com menos de 70 anos. Assiste-se a uma
estabilização na mortalidade por cancro do pulmão nos
homens na maioria dos países do centro e sul europeu,
e observa-se igualmente uma clara tendência decrescente
nos países nórdicos e mais ocidentais e um aumento nos
países do leste europeu. Nas mulheres, o consumo de
tabaco tende a aumentar em vários países europeus que
se encontram nas fases menos avançadas da epidemia,
prevendo-se o aumento da mortalidade por causas
relacionadas com o tabaco nas próximas décadas (21).
Globalmente, o consumo de tabaco é responsável por
4 milhões de óbitos por ano, cerca de uma por cada dez
mortes em adultos, estimando-se que cause 450 milhões
de mortes nos próximos 50 anos (22).
CONSUMO DE TABACO
É possível avaliar a dimensão populacional do
tabagismo através do consumo de tabaco estimado pelo
consumo aparente, que resulta do valor da produção
mais a importação, ao qual se subtrai a exportação, ou
através de estimativas de prevalência de fumadores.
Na figura 2 pode observar-se o consumo aparente de
tabaco em diferentes países. Nos EUA é acentuado o
decréscimo na disponibilidade de tabaco a partir dos
anos 80 e na Finlândia a partir dos anos 90. O crescimento
do consumo de cigarros na China verifica-se a partir dos
anos 70, mas não se observa grande variação na última
década do século XX, assim como em Portugal, que teve
um ligeiro decréscimo também nos anos 90.
O consumo de tabaco, medido pela proporção de
fumadores, é também diferente em diferentes áreas geográficas. Na população adulta, a prevalência de fumadores
é mais elevada no sexo masculino, mas a diferença entre
sexos é praticamente inexistente na Nova Zelândia e
muito acentuada na China e nos países do continente
Africano. Nos adolescentes, verifica-se que as diferenças
entre sexos são menores em todas as regiões, sendo,
por exemplo no Chile a proporção de fumadores já superior nas raparigas (Tabela 1).
A análise da evolução da prevalência de adultos
fumadores na última década e a proporção de adolescentes fumadores nos anos mais recentes (Tabela 2)
permite observar a heterogeneidade dos países europeus
relativamente ao seu enquadramento nas diferentes fases
da epidemia. Por exemplo, na Holanda observa-se uma
diminuição da prevalência em adultos de ambos os sexos
e prevalências ainda inferiores nos adolescentes; em
França a descida da prevalência nos fumadores do sexo
masculino é ainda pouco clara nos adultos, mas já notória
nos adolescentes, enquanto que no sexo feminino se
regista um aumento da proporção de fumadoras adultas
e adolescentes.
A quase totalidade dos fumadores inicia o consumo
durante a adolescência (23), ou em idade escolar (24). O
European Smoking Prevention Framework Approach
(ESFA) criado em 1998 envolveu sete cidades de seis
países da Europa (Dinamarca, Finlândia, Holanda, Portugal, Espanha e Reino Unido) e acompanhou durante 4
anos uma amostra de 23.531 adolescentes com média
de idade de 13,3 anos no momento da primeira avaliação
(25). A prevalência de fumadores regulares nesse estudo
foi de 4,0%. A média de idades dos alunos portugueses
avaliados era 13,5 anos e a prevalência de fumadores
regulares foi superior no sexo feminino (4,2% nas
raparigas 3,0% nos rapazes). Em Portugal, como na
Finlândia e no Reino Unido, as raparigas eram mais
frequentemente fumadoras regulares que os rapazes
(Figura 3).
CONSUMO DE TABACO EM PORTUGAL
Em Portugal observamos nas últimas três décadas
um aumento da disponibilidade de tabaco per capita
(Figura 4), mas nos últimos 20 anos tem oscilado num
intervalo de valores relativamente estreito. Aumentou de
1805 cigarros por adulto em 1980 para 1998 cigarros em
2000, observando-se um pico em 1990 (2203 cigarros
por adulto) (26).
A prevalência de fumadores tem sido avaliada em
alguns estudos desenvolvidos no nosso país. Grande
parte desses trabalhos refere-se a grupos específicos da
população ou inclui apenas algumas regiões do país, o
que torna por vezes difícil efectuar comparações directas,
nomeadamente relativas à evolução temporal (Tabela 3).
Dados sobre hábitos tabágicos em Portugal mostram
que o padrão de consumo de tabaco se assemelha mais
ao verificado em países do leste europeu, nos quais a
prevalência de fumadores é bastante superior nos homens
(19). Paralelamente, assiste-se a um aumento da
prevalência de mulheres fumadoras, especialmente entre as mais novas e mais escolarizadas (19), salientandose que embora crescente, a proporção de mulheres
portuguesas que fuma diariamente é inferior à média
europeia. Isto poderá mostrar que Portugal se aproxima
lentamente do padrão de consumo dos países da Europa
do Sul (27).
Em 1987 (28), 1995/96 (29) e 1998/99 (30) o Inquérito
Nacional de Saúde avaliou amostras probabilísticas da
população de Portugal Continental, tendo sido recolhidas
informações sobre os hábitos tabágicos em indivíduos
com idade igual ou superior a 15 anos. Comparando a
prevalência de fumadores que declararam fumar pelo
menos um cigarro por dia observou-se, nos homens, um
decréscimo entre 1987 e 1995/1996 (33,3% e 29,2%,
respectivamente), mantendo-se estável em 1998/1999
(29,3%). Nas mulheres, as frequências têm aumentado
ao longo do tempo (5,0% em 1987, 6,5% em 1995/1996
e 7,9% em 1998/1999) (28-30), apesar de serem ainda
inferiores (Figura 5). Ao comparar a prevalência de
fumadores nas diferentes classes etárias observamos
que os consumos são mais elevadas nos indivíduos entre
os 25 e os 34 anos, em ambos os sexos, nos três
inquéritos nacionais (embora a prevalência de fumadores
nestas idades seja decrescente nos homens e crescente
nas mulheres). As proporções mais baixas de fumadores
observam-se nos indivíduos com idade igual ou superior
a 65 anos, em particular nas mulheres (28-30).
A idade de início de consumo de tabaco é um
importante determinante do consumo regular (10).
Quando o consumo se inicia na infância ou nas fases
mais precoces da adolescência é mais provável que
resulte num consumo regular e futuramente num risco
acrescido de morte por doenças habitualmente
relacionadas com o tabaco (3). Mundialmente, observase uma tendência para a diminuição progressiva da idade
de início de consumo de tabaco e na Figura 6 verifica-se
que em Portugal tem vindo igualmente a diminuir nas
mulheres, sendo a variação menos acentuada nos
homens.
As mulheres fumadoras são mais escolarizadas,
principalmente as que nasceram na primeira metade do
século XX mas estas diferenças têm vindo a atenuar-se
nas mulheres nascidas nas últimas décadas. Nos homens
não se verificam diferenças entre os fumadores e não
fumadores relativamente à escolaridade (Figura 7).
Poderíamos pensar que as pessoas mais
escolarizadas teriam maior formação e informação e
deveriam possuir mecanismos que inibissem a aquisição
e/ou manutenção do consumo de tabaco. O facto de
serem as mulheres mais escolarizadas que fumavam
nas décadas anteriores aos anos 70 remete-nos a um
período cuja ideologia dominante não considerava
aceitável o consumo de tabaco pelas mulheresr. Daí se
compreender o crescimento acentuado verificado a partir
da década de 70, que se prolonga até à actualidade, e
que acompanhou outras manifestações da determinação
do género.
O Centro de Estudos de Cardiologia Preventiva
recolheu informação sobre hábitos tabágicos nos
inquéritos que efectuou em 1975, 1977 e 1980 (31). Em
1975 foi avaliada uma amostra de 2060 indivíduos entre
os 25 e os 64 anos, residentes nos distritos da Guarda,
Castelo Branco, Leiria e Santarém, encontrando-se uma
proporção de fumadores menor no meio rural do que no
meio urbano, sendo a prevalência de fumadores bastante
superior nos homens, quer em meio urbano (52,6% de
homens vs. 6,2% de mulheres fumadores) quer em meio
rural (34,7% de homens vs. 5,7% de mulheres fumadores)
mas semelhante nas mulheres em ambos os meios (31).
Em 1975/77 e 1980, nos inquéritos realizados no
Bairro da Musgueira (bairro urbano degradado), no âmbito
do Programa de Prevenção e Controlo das Doenças
Cardiovasculares na Comunidade, foram observadas
proporções de fumadores próximas das relatadas no
estudo anteriormente referido, embora em 1980 a
prevalência de fumadores fosse inferior em ambos os
sexos (homens: 48,4% em 1975/77 e 45,7% em 1980;
mulheres: 3,3% em 1975/77 e 0,5% em 1980) (31).
O primeiro Inquérito de Saúde realizou-se em 1983,
da responsabilidade do Departamento de Estudos e
Planeamento da Saúde (DEPS), restringindo-se à área
metropolitana de Lisboa (32). Nesse Inquérito a
prevalência de fumadores foi 40,9% nos homens e 8,7%
nas mulheres (32, 33). Estes resultados aproximam-se
dos valores encontrados no estudo realizado um ano
depois, em 1984, pelo Centro de Estudos de Cardiologia
Preventiva, em colaboração com a Euroexpansão (Análise
de Mercados e Sondagens, AS) e com o Conselho de
Prevenção do Tabagismo, no qual foram inquiridos 1040
indivíduos de ambos os sexos, representativos da
população portuguesa com mais de 15 anos, em que as
prevalências de fumadores foram 37,3% nos homens e
10,1% em mulheres (31).
Em 1989, na cidade de Lisboa, os hábitos tabágicos
de uma amostra de 1361 indivíduos com idade igual ou
superior a 15 anos (35% de homens fumadores e 13%
mulheres) (34) foram semelhantes aos observados no
Inquérito Nacional de Saúde de 1987 relativos à área
metropolitana de Lisboa (38% nos homens e 10% nas
mulheres) (28).
Quatro anos mais tarde (31), foi avaliada uma amostra
representativa da população de Portugal Continental,
constituída por 2078 indivíduos com idades
compreendidas entre os 15 e os 78 anos e foi encontrada
uma prevalência de homens fumadores de 43% e de
mulheres fumadoras de 14%.
Na tabela 4 são apresentados dados de prevalência
de consumo de tabaco obtidos noutros estudos realizados
em Portugal.
Tabagismo e Gravidez
A prevalência de tabagismo durante a gravidez foi
estimada em Portugal, em 1995, numa amostra constituída
por 1582 mulheres (1573 responderam às questões
sobre hábitos tabágicos), inquiridas em 41 hospitais do
Continente e dos Açores, 24 a 72 horas após o parto. A
prevalência de mulheres fumadoras durante a gravidez
foi de 11,5%, com diferenças significativas entre as
grandes regiões do país e com um valor muito superior
nos Açores (41).
Num estudo realizado no Porto foram avaliados os
hábitos tabágicos das grávidas que recorreram à consulta
entre a 26ª e a 36ª semana da gravidez, e 15,5% das
mulheres referiram fumar durante a gravidez, sendo a
maior proporção grávidas adolescentes (42). Um outro
estudo realizado em Lisboa, na maternidade Alfredo
Costa, incluindo 1994 mulheres grávidas, estimou uma
prevalência de 17,8% de fumadoras na primeira consulta,
(43) (Tabela 5).
Profissionais de saúde, professores e estudantes
Os profissionais de saúde e os professores têm um
papel de educadores para a saúde e de modelos,
funcionando como exemplo para a população geral e
para os mais jovens (Tabela 6).
Em 1980, em Coimbra, foram estudados os hábitos
tabágicos de profissionais de saúde (364 médicos e 351
enfermeiros), tendo-se identificado nos médicos, uma
proporção de fumadores de 51% em homens e 46% em
mulheres (44, 45). Os enfermeiros do sexo masculino
apresentavam uma prevalência de fumadores próxima
da observada nos médicos (49,3%), enquanto que a
proporção de enfermeiras fumadoras era bastante inferior à dos colegas homens e à das médicas (20,7%) (44,45). Os estudos realizados mais tarde com o mesmo
objectivo apresentam também elevadas prevalências de
fumadores em médicos e enfermeiros (46-48) mas mais
baixa nas mulheres.
Um estudo realizado em 2002 revelou uma prevalência
de 30,3% de fumadores nos professores do sexo masculino e 24,3% de fumadores nas professoras (49).
Em estudantes da Universidade de Coimbra avaliados
em 1979 verificou-se uma prevalência de mulheres
fumadoras bastante superior à verificada em 1965 (39,5%
vs. 10,3%), enquanto que nos homens a proporção de
fumadores sofreu um aumento muito ligeiro entre 1965 e
1979 (de 57,3% para 58,6 %) (31). Nos estudos efectuados
posteriormente, apesar das dificuldades de comparação
directa dos resultados, parece ter ocorrido uma diminuição
da prevalência entre os estudantes do sexo masculino e
um ligeiro aumento nos estudantes do sexo feminino (5053) (Tabela 7).
Focando o grupo etário da adolescência, e analisando
alguns trabalhos realizados no nosso país (Tabela 8),
encontramos em 1980 num estudo de 324 estudantes de
escolas secundárias de Coimbra, uma prevalência de
fumadores de 20,6% nos rapazes e 16,4% nas raparigas
(55). Estes valores são superiores, para ambos os sexos,
aos encontrados num estudo realizado treze anos depois,
em 1993, numa amostra nacional de 16109 adolescentes
a frequentar escolas portuguesas, na qual se observou
uma prevalência de fumadores de 14,6% no sexo
masculino e 11,3% no sexo feminino (56). Para lá de
diferenças no tamanho e representatividade amostral a
discrepância encontrada pode dever-se também ao meio
onde se inserem os indivíduos. O último estudo
contemplou uma amostra nacional representativa dos
estudantes do ensino secundário, incluindo meio rural e
urbano, enquanto no primeiro estudo apenas foram
estudadas escolas urbanas.
Valores intermédios para a prevalência de fumadores
foram encontrados em 1996, numa amostra de 2974
estudantes de escolas secundárias do Porto, sendo a
proporção de fumadores regulares 15,9 % nos rapazes e
14 % nas raparigas (57).
Uma amostra representativa de 1390 estudantes do
7º ao 12º ano de escolaridade, do concelho de Viseu,
mostrou prevalências de tabagismo superiores às
encontradas no Porto (26,7% nos rapazes e 22,9% nas
raparigas) (58).
Um estudo levado a cabo em 1999 avaliou uma
amostra representativa dos alunos do 7º ao 12º ano do
distrito de Viana do Castelo constituída por 1234
estudantes, estimando proporções de fumadores
inferiores às encontradas tanto em Viseu como no Porto
(10,9 % nos rapazes e 6,6 % nas raparigas) (59). As
diferenças encontradas, para além da especificidade
metodológica inerente a cada trabalho, sugerem-nos,
novamente, uma associação entre os hábitos tabágicos
e o meio onde se habita, designadamente a localização
geográfica (litoral vs. interior; rural vs. urbano).
As Coortes Portuguesas
O estudo EpiPorto permitiu traçar um quadro da
distribuição e dos determinantes do consumo de tabaco
(19). Para caracterização dos hábitos tabágicos foi
recolhida informação sobre a frequência de consumo e
número de cigarros fumados e idade de início do consumo.
Os participantes foram classificados de acordo com os
critérios da Organização Mundial de Saúde (68).
Consideraram-se fumadores actuais os participantes que
fumavam pelo menos um cigarro por dia, e fumadores
ocasionais os que fumavam menos de um cigarro por dia.
Dos adultos avaliados (n=2434), 44,8% eram fumadores,
sendo a prevalência superior nos homens (71,6% vs.
28,1%).
Observa-se na Figura 8, que as mulheres das coortes
de nascimento mais antigas iniciaram mais tardiamente
o consumo de tabaco, ao contrário dos homens que o
faziam ainda no período da adolescência. No entanto,
observa-se também que a idade de consumo de tabaco
tem diminuído para as mulheres, mas não se observaram
diferenças significativas ao longo do tempo nos homens.
As observações efectuadas nos participantes do
estudo EpiPorto relativamente à escolaridade média dos
fumadores e não fumadores de cada coorte de nascimento
(Figura 9) foram semelhantes às efectuadas no âmbito
do INS. Procedeu-se a uma avaliação do grau de
dependência de nicotina através do Teste de Fagerström
(69) nos fumadores regulares (pelo menos um cigarro por
dia), para o qual consideramos as categorias dependência
muito leve, leve/moderada e elevada, segundo os anos
completos de escolaridade (Tabela 9).
Nas mulheres o grau de dependência aumenta com a
escolaridade, não se verificando esta diferença nos
homens.
O estudo Epiteen (70, 71) constituiu uma coorte de
adolescentes nascidos em 1990 e que no ano lectivo
2003-2004 estavam inscritos nas escolas públicas e
privadas da cidade do Porto. Dos adolescentes avaliados,
394 (19,9%) declararam apenas ter experimentado fumar,
35 (1,8%) fumavam ocasionalmente e 25 (1,3%) fumavam
diariamente. A proporção de raparigas que já tinham
experimentado fumar (22,4%) era maior do que a dos
rapazes (17,1%), sendo também o uso de tabaco mais
frequente nas raparigas: 2% declararam fumar pelo menos
um cigarro por dia enquanto apenas 0,4% dos rapazes o
admitiram (Figura 10).
A curiosidade foi a razão mais frequentemente referida
para o consumo de tabaco (raparigas: 48,4%; rapazes:
45,6%). A segunda razão mais citada foi ter algum amigo
fumador (raparigas: 13,6%; rapazes: 21,1%) (Tabela 10).
A escola foi o local referido como o mais frequentemente usado para fumar, em ambos os sexos, quer pelos
adolescentes que apenas experimentaram (36,7%), quer
pelos fumadores habituais (43,6%).
Quanto ao número de cigarros fumados no mês que
antecedeu a realização do questionário, 44,9% (raparigas:
38,3%; rapazes: 60,1%) referiram ter fumado menos de
10 cigarros durante esse mês, 18,4% (raparigas: 14,8%;
rapazes: 26,6%) fumaram 10 cigarros e 36,7% (raparigas:
46,9%; rapazes: 13,3%) referiram ter fumado mais de 10
cigarros ao longo do mês.
Estes resultados vão ao encontro dos valores
revelados pelo ESFA (11) em que Portugal já mostra uma
prevalência de fumadores mais elevada nas raparigas.
Os nossos resultados seguem o padrão de outros países
desenvolvidos do sul da Europa, onde se assiste a um
declínio do início do consumo de tabaco por parte dos
rapazes e um aumento por parte das raparigas (25), o
que permite especular acerca do posicionamento de
Portugal numa fase inicial do estádio 3 da evolução da
epidemia do tabaco (13).
Poluição tabágica ambiental (PTA)
Num estudo promovido pelo Conselho de Prevenção
do Tabagismo observaram-se percentagens elevadas
de carboxi-hemoglobina nos não fumadores, estimandose que cada hora de permanência em local poluído pelo
fumo de tabaco equivale em média a fumar um cigarro
(54). Ainda no mesmo âmbito, foi realizado um estudo em
que eram colhidas amostras de ar interior, concluindo
que os filhos de pais fumadores na sua própria habitação
estarão mais sujeitos a infecções respiratórias por inalação
passiva do fumo do tabaco (54).
Um estudo realizado mais tarde pelo Hospital Dona
Estefânia em Lisboa, avaliou a importância da exposição
tabágica como factor de gravidade, relacionado com o
internamento hospitalar, na asma brônquica. Foram
caracterizados os hábitos tabágicos de 128 famílias de
crianças com uma idade média de 4 anos, internadas por
exarcebação de asma, durante um período de dois anos,
e comparados com os registados numa amostra de
crianças observadas em primeira consulta de
Imunoalergologia, no mesmo período de tempo, com
diagnóstico clínico de asma brônquica, emparelhada por
idade, sexo e meio sócio-económico-cultural (72). Os
resultados mostraram que o consumo de tabaco eram
significativamente mais frequente nas famílias das
crianças internadas, estando presentes em 80% destas
comparativamente a 46% das famílias das crianças
observadas na consulta (72). Em conclusão, a exposição
involuntária das crianças ao fumo de tabaco dos pais é
um factor de risco para a gravidade da asma brônquica
infantil.
ECONOMIA E TABACO
Portugal, antes da revolução de 1974 era um dos
países mais pobres e isolados da Europa ocidental, mas
desde então convergiu económica e socialmente ao nível
dos países vizinhos europeus. Para o evoluir desta
situação muito contribui a entrada de Portugal na União
Europeia em 1986, pois permitiu o estreitamento de laços
comerciais com outros países europeus, beneficiando
dos fundos europeus, abrindo caminho ao crescimento
económico e a profundas mudanças estruturais.
Na última década, as despesas com o tabaco têm
assumido um peso crescente nos agregados familiares
portugueses (Figura 11), atingindo em 2000 cerca de
1,6% da despesa média anual total (73).
Observando a Figura 12 verifica-se que embora os
indivíduos com um nível de instrução mais elevado
tenham valores superiores de despesa total, na despesa
relacionada com o consumo de tabaco a relação é
inversa, quer em valor absoluto quer considerando a
proporção total de despesas do agregado familiar.
No âmbito de um projecto europeu sobre economia do
tabaco e economia da saúde, foi estudado o efeito do
preço no consumo de tabaco nas últimas décadas (74).
Os dados retrospectivos sobre economia e saúde em
Portugal foram recolhidos em instituições nacionais e
internacionais: Instituto Nacional de Estatística, Ministério
da Saúde, Ministério das Finanças, Guarda Nacional
Republicana, Alfândegas, Banco Mundial, Indústria
Europeia do Tabaco e Sistema Nacional de Informação
online sobre o Tabaco (74). Verificou-se neste estudo
que nas duas últimas décadas o preço real do cigarro
(estandardizado pela inflação) de uma marca estrangeira
diminuiu, apesar de verificadas algumas oscilações,
(diminuiu de 1,97 € em 1980 para 1,73 € em 1984,
aumentou para 2,47 € em 1987, diminuindo para 1,36 €
em 1993 e aumentou ligeiramente para 1,75 € no ano
2000) (74).
O preço real de uma marca nacional apresentou uma
tendência diferente ao longo do período analisado,
mostrando-se constante entre 1980 e 1992 (1,11 € nos
dois anos), aumentando ligeiramente de 1993 até 2000
(1,53 €) (74).
A estimativa da elasticidade do rendimento relativa ao
consumo de cigarros, indicou-nos, neste estudo, que 1%
no aumento no rendimento leva a 0,44% de aumento no
consumo de cigarros. Da mesma forma que a estimativa
da elasticidade do preço nos indica que 1% no aumento
do preço real se traduz numa diminuição de 0,66% no
consumo de cigarros.
A lei da oferta e da procura indica que quanto mais
caro é o produto menos pessoas o compram.
A indústria tabaqueira insiste no argumento da
cessação de impostos sobre o tabaco pois considera que
estes favorecem o aumento do contrabando. Segundo
esta indústria o contrabando surge como consequência
das diferenças de preço, devido à carga fiscal sobre o
tabaco. No entanto, verifica-se que o contrabando é mais
prevalente nos países onde o tabaco é mais barato, como
é o caso de Espanha. Nos países onde se reduziram os
impostos com vista à diminuição do contrabando, como
na Suécia e Canadá, o consumo aumentou de forma
alarmante (21).
CONTROLO E PREVENÇÃO DO TABAGISMO
O reconhecimento científico dos malefícios do
consumo de tabaco, da poluição tabágica ambiental e as
propriedades aditivas da nicotina com repercussões na
efectividade das medidas de desabituação tabágica, têm
estimulado o desenvolvimento e implementação de um
leque alargado de medidas, programas e políticas de
controlo do consumo (75).
Falamos de medidas que vão desde programas
educacionais a legislação que aumenta as taxas inerentes
às trocas comerciais, restringe o consumo em lugares
públicos, acaba com a publicidade a cigarros, requerendo
também a inclusão de avisos dos malefícios relacionados
com o consumo de cigarros nas próprias embalagens.
A chave para uma efectiva acção internacional no
controlo do tabaco é uma vigorosa liderança a nível das
agências internacionais, tais como a Organização Mundial
de Saúde (OMS), o Banco Mundial, o Fundo Monetário
Internacional (FMI), e também as entidades políticas
regionais como a União Europeia (20).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) desempenha
um papel importante através dos “Planos de Acção para
uma Europa Livre de Tabaco” que tiveram o seu início em
1987 defendendo uma estratégia global, compreensiva e
gradual para reduzir os efeitos negativos do consumo do
tabaco.
Esta estratégia da OMS foi consolidada pela realização
da 1ª Conferência Europeia sobre Tabaco ou Saúde em
1988, na qual ficou aprovada a “Carta Europeia contra o
Tabaco” e foram definidas as “Dez Estratégias para uma
Europa sem Tabaco”.
Estas estratégias e orientações são divulgadas nas
comemorações do “Dia Mundial Sem Tabaco”, a 31 de
Maio, constituindo sempre uma ocasião para se
aprofundar certos aspectos da política global de combate
ao consumo do tabaco. A comunicação social enaltece
as iniciativas realizadas nesta data, no sentido de
confrontar responsáveis políticos com as medidas
implementadas. Em Portugal também foi instituído o Dia
Mundial do Não Fumador (17 de Novembro) pela
Resolução nº35/84 do Conselho de Ministros de 11 de
Junho de 1884. A responsabilidade das actividades
relacionadas com este dia foi atribuída ao Conselho de
Prevenção do Tabagismo (CPT).
Ainda a nível do contexto europeu pode-se mencionar
a criação do “Programa Europa contra o Cancro” que no
ano de 1989 lançou a Campanha publicitária do “Código
Europeu contra o Cancro”.
O Banco Mundial adoptou uma política em 1991 que
tinha como princípio base não fornecer investimentos ou
empréstimos à produção de tabaco, ao seu
processamento ou marketing.
A União Europeia já aprovou duas directivas: - A
Directiva 2001/37/CE, 5 de Junho - para regulamentar a
produção, a rotulagem e avisos dos maços, teores de
nicotina e alcatrão, controlo de comércio e circulação dos
produtos de tabaco; e a - Directiva 2003/33/CE, 26 de
Maio - para o fim da publicidade e patrocínios dos
produtos de tabaco.
A OMS aprovou em 2003 a “Convenção Quadro sobre
Controlo do Tabagismo” que é um marco histórico da
saúde pública mundial e da efectiva prevenção do
tabagismo.
As políticas de prevenção do consumo de tabaco
deverão ter como grande objectivo proteger as presentes
e futuras gerações das consequências sociais,
económicas, ambientais e para a saúde do consumo do
tabaco (76).
Em 1983 foi criado o Conselho de Prevenção do
Tabagismo (CPT) e são definidas como contraordenações todas as infracções à proibição do uso do
tabaco (77). O Conselho de Prevenção ao Tabagismo
(CPT) é o organismo responsável pela implementação
de medidas e programas para reduzir o consumo de
tabaco em Portugal, assim como pela disseminação de
informação dos perigos associados ao consumo de tabaco
(78). O CPT publicou diversos relatórios que indicavam,
nos últimos anos, uma descida no consumo do tabaco
em Portugal, apesar de relatórios de mercado e análises
independentes apontarem para uma tendência contrária.
De facto, estima-se que o mercado do tabaco tenha
crescido significativamente, rondando os 4% no último
ano (78).
Em linhas gerais, estão bem definidos os objectivos
gerais de prevenção e controlo do tabagismo: diminuir a
incidência (evitar a habituação tabágica) e a prevalência
(apoiar a cessação tabágica) de fumadores; regulamentar
as condições de fabrico e de venda dos produtos do
tabaco; proteger os não fumadores da exposição ao fumo
passivo; criar um clima em que fumar não seja norma
(36).
EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO SOBRE O TABAGISMO
EM PORTUGAL
Historicamente as primeiras medidas legislativas
remontam aos finais do século XIX, e tinham como
objectivo a protecção de menores contra os efeitos do
tabaco, tal como aconteceu nos Estados Unidos e na
Noruega (77).
A prevenção do tabagismo iniciou-se após a Segunda
Guerra Mundial, tendo vindo a desenvolver-se medidas
legislativas desde essa altura.
A importância da legislação sobre o tabagismo foi
enaltecida em 1973 pelo Conselho da Europa, através
das recomendações sobre a proibição de publicidade ao
tabaco, especialmente nos meios de comunicação social
(imprensa, rádio e televisão) (77).
Em 1974, a Comissão de Especialistas da OMS para
os Efeitos do Tabaco sobre a saúde, reuniu-se em
Genebra apontando para a necessidade de serem
tomadas decisões políticas a nível governamental,
nomeadamente através de medidas legislativas, pois
todas as recomendações para serem eficazes têm de
comportar um dispositivo legislativo forte (77).
Nesta mesma linha de pensamento, realizou-se em
1975 em Nova Iorque a III Conferência Mundial sobre o
Tabaco e a Saúde, realçando a necessidade de medidas
legislativas em determinados domínios, tais como a
prevenção de tabagismo em adolescentes, em particular
nas escolas, a protecção dos não fumadores e a
publicidade (77).
A IV Conferência Mundial sobre o Tabaco e Saúde
teve lugar em Estocolmo em 1979, na qual se considerou
o tabaco como um dos grandes males da sociedade
moderna, confirmando deste modo a importância de
publicação e cumprimento da legislação adequada (77).
As primeiras medidas legislativas sobre prevenção do
tabaco em Portugal surgem ainda antes das III e IV
Conferências Mundiais sobre o Tabaco e a Saúde,
existindo já a preocupação relativamente aos possíveis
malefícios relacionados com o tabaco.
Em Portugal surge o primeiro Decreto-Lei sobre o
tabagismo em 1959 (Decreto-Lei n.º 42 661, 20 de
Novembro de 1959), que proibia fumar dentro de recintos
fechados onde se realizassem espectáculos (77). Em
1968, a Portaria n.º 23 440, de 19 de Junho, assinala a
interdição de fumar em transportes públicos urbanos;
esta medida alarga-se aos transportes interurbanos,
ferroviários e fluviais através da Portaria n.º 212/78 de 18
de Abril. Para o cumprimento destas medidas antitabágicas, a Portaria n.º 375/78, de 11 de Julho, define a
forma de assinalar a interdição de fumar em transportes
públicos, a forma de exercer a fiscalização e cobrança de
multas (77).
No âmbito dos desportos, foram publicados despachos
relativamente à interdição de se fumar em recintos
desportivos fechados durante a realização de actividades
desportivas (Despacho n.º 134/77, de 19 de Maio) e
relativamente à proibição de qualquer forma de publicidade
relacionada com o tabaco em organizações desportivas
ou locais destinados à prática desportiva (Despacho n.º
52/79, de 27 de Setembro) (77).
Através do Art.º 24 do Decreto-Lei n.º 421/80, de 30 de
Setembro, foi proibida a publicidade ao tabaco na televisão
e na rádio e restringida noutros canais publicitários (79).
Portugal participou na IV Conferência Mundial sobre
o Tabaco e a Saúde e durante o ano de 1980 foi
constituído um grupo interministerial que apresentou ao
Governo propostas de medidas educativas e legislativas
para minimizar os malefícios do consumo de tabaco. Em
1982 e no âmbito das propostas apresentadas é aprovado
um Decreto-Lei (Lei n.º22/82. Prevenção do Tabagismo.
Diário da República) no qual se estabelece que é
legalmente proibido fumar fora das áreas destinadas a
fumadores, como unidades em que prestam cuidados de
saúde, estabelecimentos de ensino e salas de espectáculo
(80).
Dado ser um problema que afecta vários sectores,
como transportes, educação, saúde, desporto e ambiente,
é recomendado pela OMS e parece oportuno criar um
órgão interdepartamental para uma actuação integrada
relativamente à prevenção do tabagismo. Em 1983 é
criado o Conselho de Prevenção do Tabagismo (CPT) e
são definidas como contra-ordenações todas as infracções
à proibição do uso do tabaco (77).
A legislação sobre o regime tabaqueiro era dispersa
o que criava entraves à sua aplicação pela Administração
Pública e pelos agentes económicos. Por este motivo, e
também pela integração de Portugal na Comunidade
Económica Europeia (CEE) em 1986, foi necessário
aprofundar a tentativa já iniciada de harmonizar toda a
legislação existente (81). É de sublinhar como alteração
inovadora a uniformização dos prazos de pagamento do
imposto para fabricantes locais e para importadores dos
produtos de tabaco, deste modo é criado o Decreto-Lei
n.º444/86, de 31 Dezembro que aprova o novo regime
fiscal do tabaco, através da aplicação de impostos de
consumo sobre o tabaco.
Portugal, no sentido de convergir com a legislação de
outros países com máximas restrições à publicidade,
estabelece no Decreto-Lei n.º57/87 de 30 de Janeiro uma
excepção, a de permitir a publicidade ao tabaco em
provas de automobilismo integradas nos campeonatos
do mundo e da Europa (82).
Também em 1988, o Decreto-Lei n.º 393, de 8 de
Novembro vem clarificar a importância da proibição de
fumar em locais públicos no sentido de salvaguardar
espaços livres de fumo (83).
Em 1989, o Decreto-Lei n.º 287/89 de 30 de Agosto
alarga a possibilidade de estabelecer a proibição de
fumar em estabelecimentos similares dos restaurantes,
como pastelarias, cervejarias, cafés, salas de chá e
sanduíche-bar (84).
Em 1990, com o Decreto-Lei n.º 253/90 de 4 de
Agosto é reformulada a obrigatoriedade de em todas as
embalagens de cigarros destinadas ao consumo em
território nacional conter nas duas faces maiores
mensagens de alerta sobre os efeitos nocivos do tabaco,
teores de nicotina e classificação referenciando os teores
de tabaco (85).
Sentiu-se uma necessidade de estabelecer medidas
legislativas comuns aos Estados membros no sentido de
conjugar as exigências relativas à defesa da saúde e a
liberdade de circulação e comercialização dos produtos
do tabaco no espaço europeu, surgindo em Portugal o
Decreto-Lei n.º 200/91, de 29 de Maio (86). Para
complementar este Decreto-Lei é aprovada a Portaria n.º
821/91 de 12 de Agosto, na qual se estabelecem as
advertências da nocividade e os teores de nicotina e
alcatrão que devem constar nas embalagens dos produtos
do tabaco que se destinam a ser comercializados em
território nacional (87).
Em 1998, o Decreto-Lei n.º 283, de 17 de Setembro
introduz, para além da prevenção dos malefícios do
tabaco, a restrição de fumar em locais com risco de
incêndio como é o caso das instalações de acesso ao
metropolitano (88).
Em 2003 é alargada a proibição de fumar em meios de
transporte ferroviário aos transportes ferroviários
suburbanos independentemente da duração da viagem
(89).
Um controlo eficiente do consumo do tabaco exige
uma política compreensiva de controlo do tabaco, apoiada
por uma legislação nacional que seja forte, bem fiscalizada
e sobretudo respeitada rigorosamente.
MEDIDAS EDUCATIVAS E CAMPANHAS ESCOLARES
É importante a prevenção do início do consumo de
tabaco e como diversos estudos têm demonstrado, é na
adolescência que se manifesta a curiosidade em
experimentar e quase sempre se inicia a dependência
(90).
Em parceria com o projecto europeu de investigação/
acção designado “European Smoking Prevention Framework Approach” (ESFA) (25), desenvolvido em 6 países
da Europa (Dinamarca, Finlândia, Holanda, Reino Unido,
Espanha e Portugal), o Conselho de Prevenção do
Tabagismo realizou entre 1997 e 2002, alguns programas
de intervenção no sentido de desincentivar o consumo de
tabaco entre os jovens. Este projecto consistia numa
intervenção para a qual foram realizadas actividades
com a escola e os adolescentes, em que se pretendia
sensibilizar a escola e os professores para a importância
de intervir junto dos alunos em idades favoráveis ao acto
de experimentar fumar e até desenvolver o hábito. Foram
incluídas 12 sessões de prevenção tabágica no currículo
dos jovens alvo da intervenção deste programa,
estruturada em dois programas: “Querer é poder I e II”.
Estes dois programas foram reforçados por acções
realizadas na turma e na escola pelo “Programa “7 OK!”,
e também pelo “Programa Turmas Sem Fumadores “.e
pelo programa “Política Para Uma Escola Sem Tabaco”.
Em Portugal integraram o Projecto ESFA 25 escolas
do país que leccionavam alunos entre os 12 e os 16 anos.
O relatório final do projecto revelou algumas dificuldades
na implementação deste tipo de campanhas em Portugal: por sermos um país sem tradição na prevenção do
tabagismo, pela falta de profissionais neste campo, pela
falta de material e sobretudo devido à nossa cultura
burocrática que é uma grande barreira para todo o tipo de
trabalhos baseados na direcção de projectos.
O Projecto Clube Caça-Cigarros de prevenção do
tabagismo desenvolvido, desde 1990, pelo Departamento
de Educação para a Saúde da Liga Portuguesa Contra o
Cancro - Núcleo Regional do Norte, destina-se a crianças
e jovens com idades compreendidas entre os 8 e os 15
anos, abrangendo assim as faixas etárias
correspondentes ao 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico.
Este projecto insere-se numa série de iniciativas, com
difusão a nível europeu, que pretendiam aumentar o
conhecimento de crianças e jovens acerca dos malefícios
do tabaco, e que contaram com o apoio do Programa
Europa Contra o Cancro. Os “smokebusters” europeus
tornaram-se nos “Caça-Cigarros” em Portugal mas,
apesar da relação que de imediato se estabelece com a
temática do tabagismo, este Projecto tem um âmbito
muito mais alargado pretendendo ser um foco de
promoção de saúde e prevenção de riscos,
nomeadamente no que diz respeito ao aparecimento do
cancro.
No âmbito da elaboração de um Programa de
Prevenção do Comportamento de Fumar em Alunos do
3º Ciclo (91) considerou-se importante a existência de
um manual para professores que fornecesse orientações
na implementação de programas, no sentido de contrariar
a adopção do comportamento de fumar, dado grande
parte dos professores não possuírem formação inicial e
continuada em Educação para a Saúde. O autor considera
que as sessões deste programa devem ser integradas
em várias aulas (91).
A nível geral conclui-se que os programas que
pretendem informar os adolescentes sobre os riscos de
fumar não mostraram sucesso na prevenção do hábito,
embora contribuam para aumentar o nível de
conhecimentos dos adolescentes sobre os problemas
associados ao tabaco (25). Os programas de prevenção
nas escolas acabam por falhar por não se desenvolverem
de uma forma continuada mas apenas preverem algumas
aulas. É necessária uma prevenção continuada não só
na escola, mas também fora dela, a nível das famílias e
de toda a comunidade (25).
MEDIDAS DE APOIO À CESSAÇÃO TABÁGICA
As medidas de apoio aos fumadores que desejam
deixar o hábito incluem, para além de medicamentos
específicos para a substituição da nicotina no processo
de desabituação tabágica, outros meios de apoio, como
as linhas telefónicas, sítios na internet, ou grupos de
entreajuda.
As intervenções a nível da informação e educação do
fumador devem estar associadas às consultas de
desabituação tabágica que contemplam intervenções
diferenciadas. No entanto, é necessário capacitar o
Sistema Nacional de Saúde no sentido de obter uma
resposta eficaz às necessidades daqueles que querem
deixar de fumar nomeadamente através de consultas de
cessação tabágica. O Programa Nacional de Prevenção
e Controlo da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica prevê
a necessidade de criação de consultas de desabituação
tabágica, planeadas regionalmente com o objectivo de
promover ajuda para deixar de fumar (92).
Estas medidas são importantes para o apoio à
desabituação tabágica, no entanto, a situação actual
portuguesa requer medidas preventivas no sentido de
evitar o início do consumo.
MEDIDAS ECONÓMICAS E A PREVENÇÃO DO
CONSUMO DE TABACO
Os estímulos ao consumo de tabaco são constantes,
apesar dos esforços para os minimizar. A liberalização do
comércio e o desaparecimento de barreiras às trocas
comerciais permitiu um aumento da competitividade que
se traduziu numa diminuição dos preços, mais publicidade
para promoção do tabaco, e num consequente aumento
do consumo.
As exigências do sector produtivo são muitas vezes
contraditórias e até concorrenciais face aos objectivos da
saúde pública, como é o caso do consumo de tabaco, o
qual se assume como um paradigma de interesses
conflituais entre os determinantes económicos e a prevenção do comportamento de fumar (93). As companhias
multinacionais de tabaco reclamam uma mudança nas
suas práticas de mercado e de marketing, mas o que se
verifica é um aumento dos seus gastos em publicidade,
nomeadamente em formas mais efectivas de atrair os
mais jovens ao início do consumo. Promovem ainda
campanhas de saúde que, à partida, são infrutíferas e
continuam a opor-se à regulamentação do seu produto
(93).
A maioria destas empresas multinacionais embarcou,
através da Corporate Social Responsability (CSR), numa
tentativa vigorosa de se redefinir como empresas com
responsabilidade civil. Neste âmbito têm promovido um
alargado leque de actividades que pretendem mostrar
que a indústria tem aderido aos princípios do CSR, no
entanto, existe pouca evidência de mudanças
fundamentais nos seus objectivos ou práticas (27).
Uma intervenção eficaz requer a acção dos governos.
A subida do preço do tabaco resultaria numa queda do
consumo de cigarros (12, 74). O aumento dos preços não
iria reduzir somente o consumo de cigarros, mas também
as prevalências de fumadores. Mais fumadores iriam
decidir deixar de fumar e menos pessoas optariam por
iniciar este hábito (12). Os adolescentes e as classes
sociais mais desfavorecidas economicamente seriam os
mais vulneráveis ao aumento dos preços.
O Estado gasta mais a minimizar os efeitos negativos
do tabaco do que lucra com os impostos. Embora não
haja dados em Portugal sobre este assunto, há estudos
de outros países que reflectem a realidade em geral e
revelam que os gastos em saúde são muito superiores ao
montante que o Estado obtém através dos impostos. Aos
custos motivados pelas doenças e mortalidade,
adicionam-se os custos socio-económicos devidos ao
absentismo laboral, das incapacidades permanentes e
da redução da esperança de vida.
PUBLICAÇÃO DE ARTIGOS CIENTÍFICOS COM
DADOS DE PORTUGAL
A investigação científica em saúde é essencial para
cada país uma vez que contribui para o conhecimento
dos problemas e identificação das prioridades permitindo
o delineamento de estratégias de promoção e prevenção
em saúde.
Numa pesquisa efectuada na Base de Dados da
PubMed com as palavras chave “tobacco OR smoking
AND (país respectivo)” obteve-se o número de publicações
por cada país. Com esta informação calculou-se o número
de publicações por milhão de população de cada país.
Registaram-se para Portugal cerca de 10 artigos por
milhão de habitantes, quase 25 vezes menos do que o
observado para a Suécia (Figura 13).
Na área biomédica, Portugal publica por ano cerca de
37,85 artigos por milhão de habitantes (94), sendo dos
países da Europa com mais baixo número de publicações,
o que se observa também relativamente ao tema do
tabaco.
CONCLUSÔES
Os efeitos do tabaco e as consequências que ele
produz a nível da saúde já estão bem estudados e
documentados e fumar é o factor de risco modificável
com o maior número de mortes atribuídas.
Portugal encontra-se num estádio da epidemia menos
adiantado em relação à maioria dos países desenvolvidos.
Contudo, o padrão de evolução é distinto, verificando-se
uma ligeira diminuição nos homens e um aumento nas
mulheres, o que faz esperar além das complicações
comuns a ambos os sexos, adicionais consequências na
função reprodutiva e no resultado da gravidez.
Existem diferenças de consumo de cigarros entre as
zonas rurais urbanas do país, sendo superior nas zonas
urbanas
O consumo de tabaco inicia-se, frequentemente, na
adolescência, sendo as iniciativas destinadas à prevenção
do consumo de tabaco especialmente importante nos
adolescentes. A elevada prevalência de fumadores no
grupo dos profissionais de saúde, nomeadamente nos
médicos e enfermeiros, e nos professores, merece alguma
atenção, uma vez que poderão funcionar como exemplos
na sociedade.
A prevalência de consumo de tabaco é elevada nas
grávidas, sendo necessárias fortes medidas de combate
ao consumo de tabaco nesta população.
A adopção de medidas eficazes para o controlo do
consumo do tabaco poderá permitir ultrapassar alguns
estádios da epidemia.
A lei portuguesa sobre a Prevenção do Tabagismo é
restritiva, sendo necessário uma entidade que fiscalize o
seu efectivo cumprimento.
É importante a monitorização da prevalência de fumadores em Portugal, incluindo amostras representativas
da população continental e regiões autónomas, que permitam a análise de dados estratificados, demográfica e
socioeconomicamente, bem como trabalhos de investigação, com enfoque em grupos populacionais de adolescentes, grávidas e profissionais de saúde.