Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe0871-34132006000100003

EuPTCVHe0871-34132006000100003

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-3413
Year2006
Issue0001
Article number00003

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Aplicação de uma Técnica Inovadora de FISH na Investigação do Atraso Mental Idiopático

INTRODUÇÃO O atraso mental é uma doença crónica de relevo socio-económico e familiar indiscutíveis, uma vez que afecta 2 a 3 % da população geral (1).

As causas do atraso mental são múltiplas e variadas o que torna difícil e por vezes impossível a sua identificação, como o comprovam os 40-50% de atrasos mentais classificados idiopáticos mesmo nos dias de hoje.

Sendo a inteligência uma característica multifactorial com componente hereditária e influenciada por factores ambienciais é de esperar que o atraso mental possa ser causado por: 1 - alterações genéticas, monogénicas; 2 - anomalias cromossómicas; 3 - agentes externos (traumatismos de parto, infecções; agentes químicos, etc); 5 - combinação de vários dos factores anteriores (1).

A maioria dos indivíduos com atraso mental apresenta um QI entre os 50-70 (atraso mental leve/moderado) enquanto que cerca de 10% tem um QI inferior a 50 (atraso mental grave). O peso das causas de atraso mental está relacionado com a gravidade do mesmo.

Assim, os atrasos graves (QI < 50) são em cerca de 3040% dos casos causados por doenças monogénicas ou cromossómicas, 10-30% são causados por factores ambienciais e os restantes 30-40% continuam a ter etiologia desconhecida.

Em contrapartida, nos casos de atraso mental leve/ moderado (QI 50-70) apenas 15% são de causa genética, 15% de causa ambiencial e os restantes 70% continuam a ter etiologia desconhecida (2,3).

Esse peso relativo das causas de atraso mental é complementado com os dados epidemiológicos que mostram que o atraso mental grave é independente da origem e distribuição geográfica ou grupo socio-económico, e que está frequentemente associado a anomalias (1). Pelo contrário, o atraso mental leve/moderado é mais comum nos grupos socio-económicos mais baixos e muitas vezes é um achado único (1).

Até algum tempo atrás, estimava-se que no máximo as anomalias cromossómicas estavam associadas a 40% dos atrasos mentais graves e a 5-10% dos atrasos mentais moderados (4). Contudo, todo o citogeneticista tinha e tem consciência que muitas serão pequenas anomalias submicroscópicas que passam despercebidas numa análise citogenética de rotina. Afinal não é possível detectar com as técnicas de citogenética convencional alterações menores que 5 megabases (Mb) e mesmo alterações maiores podem passar despercebidas quando o padrão de bandas não é suficientemente distinto (5).

O conhecimento destas limitações, as dificuldades técnicas em rastrear todo o genoma à procura de rearranjos submicroscópicos e o facto de grande parte destes envolverem as regiões terminais dos cromossomas (telómeros) levou a que em alternativa se desenvolvesse uma nova tecnologia capaz de detectar rearranjos nos telómeros dos mesmos usando sondas (porções de ADN) específicas dessas regiões - sondas subteloméricas para os 24 cromossomas (22 autossomas mais o X e o Y).

Assim, nos últimos anos, usando estas sondas subteloméricas, tem sido possível, identificar rearranjos cromossómicos subteloméricos e submicroscópicos rearranjos crípticos terminais, numa percentagem que varia entre os 4% e os 16%, responsáveis por atraso mental até então considerado idiopático (2,4,6-9).

Com base nesta evidência efectuou-se o estudo das regiões subteloméricas de 50 doentes afectados de atraso mental. Este estudo retrospectivo teve como finalidade determinar a importância das anomalias cromossómicas subteloméricas como causa de atraso mental idiopático nesta população seleccionada e tentar estabelecer os critérios clínicos que devem presidir à selecção de doentes para este tipo de estudo.

MÉTODOS De entre os indivíduos que frequentam a consulta de Genética do Instituto de Genética Médica (IGM) foram seleccionados 50 indivíduos para este estudo. Todos eles tinham sido observados por geneticista e submetidos a todas as análises genéticas protocoladas na investigação de um atraso mental (cariótipo, estudo metabólico, estudos moleculares, etc.) que se revelaram normais.

Destes, 31 eram do sexo masculino e 19 do sexo feminino. As idades variaram entre 1 e 61 anos de idade.

Todos eles apresentavam atraso mental, classificado como ligeiro/moderado em 26 casos e grave em 14 casos. Em 10 deles não foi possível determinar o grau de atraso mental.

Anomalias ou dismorfias estavam presentes em apenas 14 (28%). Existia história familiar positiva de atraso mental em 32 dos 50 indivíduos (64%) e num deles essa informação não estava disponível.

Foi colhida uma amostra de 5-10ml de sangue periférico aos indivíduos seleccionados. Foram também colhidas amostras de sangue aos pais/familiares dos doentes em que se encontraram alterações cromossómicas.

A análise por citogenética molecular Fluorescence in situ hybridization (FISH) foi realizada em metafases obtidas a partir de culturas sincronizadas de linfócitos, de acordo com as técnicas de rotina utilizadas no laboratório, usando o sistema de sondas Chromoprobe MultiprobeTTM segundo o protocolo do fabricante (Cytocell). Esta metodologia permite analisar, numa lâmina com 41 sondas, as regiões subteloméricas de todos os cromossomas (excepto dos braços curtos dos acrocêntricos, uma vez que estes são constituídos por ADN ribosomal que, quer delectado, quer duplicado, não tem qualquer expressão fenotípica). Para cada par de cromossomas homólogos foram examinadas no mínimo 5 metafases, sendo consideradas as que apresentavam sinais inequívocos de hibridação, perfazendo um total de 115 células por indivíduo.

Os estudos dos familiares daqueles doentes em que se encontraram alterações foram efectuados usando-se sondas específicas para as regiões subteloméricas dos cromossomas envolvidos, nomeadamente o braço longo do cromossoma 2 - Aquarius Probe (Cytocell), e os braços curtos e longos dos cromossomas 1, 4, 6, e 17 Chromoprobe Choices (Cytocell) As anomalias nas regiões subteloméricas de 2q foram interpretadas como polimorfismos de acordo com a literatura (5).

RESULTADOS Dos 50 casos analisados, 7 apresentavam alterações.

As alterações citogenéticas encontradas, a sua origem e interpretação, estão descritas na tabela 1.

Dos sete casos anormais encontrados, cinco apresentavam apenas uma delecção da região subtelomérica de 2q (casos nos 29, 36, 41, 42 e 49), o caso 3 apresentava, para além da delecção em 2q, uma anomalia que envolvia as regiões subteloméricas dos cromossomas 1 e 4, e o caso 45 uma anomalia que envolvia os cromossomas 6 e 17 (Figuras 1 e 2).

A descrição clínica dos casos nos 3 e 45 encontra-se resumida na tabela 2.

DISCUSSÃO Neste grupo altamente seleccionado de doentes, foi apenas de 4% a percentagem de anomalias subteloméricas encontradas após a exclusão dos cinco casos que apresentavam unicamente o polimorfismo de 2q.

Este percentagem de 4% coincide com os valores mínimos encontrados na literatura, se excluirmos os estudos de Joyce et al e de Van Karnebeek et al que apresentavam percentagens inferiores (3,10).

Esta variação de percentagem de anomalias encontradas nos estudos publicados pode ser atribuída a diferenças em um ou mais dos seguintes factores: 1 - Qualidade das preparações cromossómicas e nível de bandagem onde se realizou o cariótipo convencional; 2 - Diferentes técnicas de estudo utilizadas para a detecção dos microarranjos subteloméricos [FISH, microsatellite markers, high resolution comparative genomic hybridization (CGH), etc]; 3 - Critérios clínicos de selecção dos doentes para o estudo.

No que diz respeito à qualidade dos cromossomas e nível de bandas (bandas de alta resolução) quanto melhor é a qualidade dos cromossomas, menor a probabilidade de não ser detectada uma anomalia cromossómica subtil, obviamente dentro dos limites da resolução do microscópio e do olho humano. Neste contexto, e apesar de termos consciência do estudo ter sido realizado num grupo de indivíduos altamente seleccionado, a baixa frequência de anomalias subteloméricas encontrada, diz-nos indirectamente que um cariótipo com bandas de alta resolução detecta a grande maioria das anomalias subteloméricas crípticas, tal como nos afirma Joyce et al e Van Karnebeek et al (3,10). Se bem que a qualidade dum cariótipo influencia a taxa de detecção destes rearranjos seleccionando apenas para posterior estudo os indivíduos com cariótipo convencional normal, os critérios clínicos e familiares utilizados na selecção dos doentes são também fundamentais.

Assim, se forem seleccionados preferencialmente os casos de maior gravidade no que diz respeito ao atraso mental, se existirem anomalias congénitas associadas e uma história familiar de atraso mental positiva, prevê-se detectar uma maior taxa de casos.

Nos nossos 2 casos positivos (casos nos 3 e 45) o grau de atraso mental era grave num deles (caso 3) e moderado no outro (caso 45). As anomalias ou dismorfias associadas estavam contudo presentes em ambos os casos. Tendo em conta o facto de que no grupo dos 50 seleccionados, apenas 14 tinham anomalias/dismorfias associadas, pensamos que este é um bom critério de selecção. No que diz respeito à história familiar de atraso mental, no caso 3 existiam três outros familiares afectados, enquanto que no caso 45, havia referência apenas a um irmão com dificuldade de aprendizagem (Tabela 2).

Desde que se identificaram os rearranjos subteloméricos submicroscópicos como causa de atraso mental, este tipo de testes tem sido proposto como ferramenta de diagnóstico em indivíduos com esta patologia.

Apesar deste tipo de teste idealmente poder ou dever ser aplicado a todos os doentes com atraso mental, o seu custo em tempo e dinheiro é demasiado alto para permitir um uso indiscriminado. Isto é corroborado com o facto de que quando não existe enviezamento dos critérios de selecção clínica e os estudos citogenéticos são de boa qualidade, a percentagem de casos positivos é muito baixa (10). Por isso todos os autores são unânimes na importância duma pré-selecção clínica rigorosa.

Recentemente de Vries et al (11) publicaram um trabalho em que tentaram estabelecer a lista-guia dos critérios clínicos e familiares importantes na selecção dos doentes a serem estudados por esta técnica. Assim, uma história familiar positiva de atraso mental, um atraso mental grave e um atraso de crescimento global ao nascer parecem ser, segundo esses autores, bons indicadores de anomalias subteloméricas. Quando se tenta avaliar as dismorfias como possíveis bons indicadores de anomalias subteloméricas, o estudo acima mencionado refere o hipertelorismo, as anomalias do nariz e orelhas e as anomalias das mãos, entre outras. Contudo, estas dismorfias não eram estatisticamente diferentes das do grupo controle (doentes com atraso mental e sem anomalias subteloméricas).

Tentando comparar as anomalias/dismorfias encontradas nos nossos 2 casos com as publicadas, verificamos que: 1 - contrariamente ao descrito, ambos têm crescimento normal; 2 - existem dismorfias faciais, e outras para além destas, em ambos, se bem que nada de específico ou característico. Afinal não nos devemos esquecer que, sob o rótulo anomalias subteloméricas estamos a incluir delecções e/ou duplicações de diferentes tamanhos e diferentes localizações, com a eventual presença de genes recessivos anormais no cromossoma homólogo normal.

A tudo isto junta-se o facto de, nos poucos estudos existentes até agora, se terem detectado alguns rearranjos subteloméricos, nomeadamente delecções, em indivíduos perfeitamente normais - os polimorfismos do 2q, Xp e Yp (5).

Assim, dos estudos mais recentes parece poder-se concluir que a frequência dos rearranjos subteloméricos (excluindo os polimorfismos) não parece ser tão alta como alguns estudos iniciais faziam crer. Isto é provavelmente devido a: 1 - qualidade das bandas de alta resolução dos estudos citogenéticos efectuados antes da selecção dos doentes; 2 - critérios de selecção clínicos e familiares mais exigentes.

É nossa convicção que, neste momento, o teste para rearranjos subteloméricos não deve ser utilizado como uma análise de rotina na investigação de um atraso mental, mas que a sua execução deverá ser precedida de um cariótipo com bandas de alta resolução de qualidade e uma selecção clínica criteriosa, idealmente após observação por um geneticista clínico.

Num futuro que esperamos próximo, os novos desenvolvimentos técnicos que começam a surgir tais como a utilização de array based comparative genomic hybridization (array CGH) (12), de multiplex amplifiable probe hybridization (MAPH) (13), e de multiplex ligation dependent probe amplification (MLPA) (14) poderão ser mais eficientes, mais rápidos e eventualmente mais baratos, permitindo a pesquisa de rearranjos submicroscópicos (subteloméricos e outros), a um número mais alargado de doentes com atraso mental. Estudos comparativos e de custo/efectividade destas diferentes tecnologias são ainda necessários.


Download text