Características Clínico-laboratoriais e Sobrevida em Doentes com Melanoma da
Úvea
1. EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
1.1. Epidemiologia
O melanoma da úvea é uma neoplasia melanocítica maligna com origem no tracto
uveal: íris, corpo ciliar e coróide (1). É a neoplasia maligna intra-ocular
primária mais frequente no adulto (2).
A incidência anual do melanoma da úvea, ajustada à idade, varia entre 2,9 e 7,9
casos por milhão de habitantes nos Estados Unidos da América e entre 2 e 10
casos por milhão de habitantes na Europa (1-4). Em Portugal, não existem dados
epidemiológicos publicados relativos a esta neoplasia (5). São raras as
publicações de séries de melanomas uveais em Portugal (6,7).
Há controvérsia na literatura sobre as variações de incidência de melanoma
uveal nas últimas décadas (4,8).
A diferença epidemiológica observada e o padrão inconsistente dos vários
registos oncológicosinternacionais de incidência ao longo dos anos podem ser
explicados, pelo menos parcialmente, pela variação na qualidade de registo,
diagnóstico e tratamento do melanoma uveal (8).
Embora o melanoma da úvea possa desenvolver-se em qualquer idade, é
extremamente raro na idade pediátrica (9). A idade média aquando do diagnóstico
situa-se entre os 55 e 65 anos (2,10). A incidência é superior no género
masculino, aumenta com a idade e atinge um valor máximo aos 70 anos (24,5 casos
por milhão no género masculino e 17,8 casos por milhão no género feminino) (2).
A incidência na população caucasiana é cerca de oito vezes superior à observada
na população negra (1).
Estudos recentes descreveram que a incidência de melanoma uveal aumenta com a
latitude (4,11).
Os melanomas da coróide, corpo ciliar e íris constituem, respectivamente,
consoante as séries, 68,8%-90,6%, 4,5%-10% e 3-12% dos melanomas da úvea (12-
15).
Na altura do diagnóstico, os doentes com melanoma da íris têm em média 40-47
anos, ou seja, idade inferior à dos doentes com melanoma noutras localizações
uveais (13,14).
1.2. Etiologia
A etiologia do melanoma da úvea permanece em grande parte desconhecida. Vários
factores têm sido associados a risco aumentado de desenvolvimento de melanomas
da úvea (1,10,12,16). Algumas características fenotípicas, tais como íris clara
(nomeadamente azul ou cinzenta), pele clara e incapacidade/dificuldade para
bronzear aquando da exposição à luz solar têm sido associadas a risco aumentado
de melanoma uveal (1,12,16). A presença de nevos uveais, síndroma do nevo
displásico, melanocitose ocular e oculodérmica, neurofibromatose tipo 1 e,
possivelmente, infecção pelo vírus daimunodeficiência humana, gravidez e
terapêutica com estrogénios ou com levodopa, têm sido descritas como condições
predisponentes para melanoma da úvea (1,10).
Dos factores ambientais, apenas a soldadura por arco eléctrico foi descrita
como associada a risco aumentado de melanoma da úvea (16).
A influência da exposição crónica à radiação solar na etiologia do melanoma
uvealmantém-se controversa (12). Ao contrário do que acontece em melanomas
cutâneos, a luz ultravioleta foi descrita como factor de risco minorno
desenvolvimento do melanoma uveal (16). Contudo, há publicações recentes que
descrevem que o aumento da exposição solar se associa a diminuição da
incidência de melanoma da úvea (4,11).
Estão descritos factores preditivos de transformação de nevo em melanoma da
coróide: dimensão (risco maior com o aumento da espessura), localização
posterior, pigmentação laranja, presença de líquido subretiniano,
sintomatologia visual (diminuição da acuidade visual ou defeitos do campo
visual) e áreas focais de hiperfluorescência intensa na angiografia com
fluoresceína (10).
O melanoma da úvea é raramente bilateral ou familiar (17). Os casos familiares
representam cerca de 0,6% dos melanomas uveais, o que sugere que a
hereditariedade não desempenha um papel majorno desenvolvimento destes tumores
(1,18). A maioria dos doentes com melanoma da úvea familiar não apresenta todas
as características típicas da predisposição hereditária para cancro,
nomeadamente idade jovem, bilateralidade, e tumores primários múltiplos (18).
Devido ao númeroinsuficiente de famílias com mais de dois indivíduos afectados,
é difícil distinguir entre padrão de hereditariedade poligénico e de
transmissão monogénica com penetração incompleta (18). É igualmente difícil
avaliar o papel dos factores ambientais como causa de agregação familiar de
melanomas da úvea (18).
2. PATOLOGIA E GENÉTICA
2.1. Características anátomo-patológicas
Os melanomas coroideus podem ter padrão de crescimento focal ou difuso (1). O
padrão focal pode ser discóide, em forma de cogumelo, ou infiltrativo, com
destruição dos tecidos oculares e invasão extra-escleral (Figura 1A-B) (1).
Fig. 1 - A: Aspecto macroscópico de enucleação de melanoma da coróide; B:
Montagem de corte de melanoma da coróide com forma de cogumelo; C: Melanoma da
úvea com células epitelióides; D: Melanoma da úvea com células fusiformes.
O padrão difuso é raro e caracteriza-se por descoloração irregular plana,
extensa, cinzenta ou acastanhada (19). Cerca de 40% dos melanomas da coróide
esten-dem-se 3mm para o interior do disco óptico e/ou da fóvea (12).
Os melanomas do corpo ciliar são geralmente esféricos e têm dois padrões de
crescimento: invasão das estruturas da câmara anterior, com obliteração da raiz
da íris e dos ângulos de drenagem; ou configuração em anel, envolvendo pelo
menos 180º do corpo ciliar (1,20).
Os melanomas da íris têm padrão de crescimento circunscrito ou difuso (13). Os
melanomas circunscritos são nodulares, podem estender-se para a câmara anterior
ou posterior, e invadir o corpo ciliar (13,19).
Os melanomas difusos constituem uma variante in-vulgar de melanoma da úvea
(21). São definidos como tumores uveais primários com padrão de crescimento
plano horizontal, e espessura ≤ 20% do diâmetro basal (21).
Os melanomas da úvea podem apresentar extensão extra-ocular através de invasão
dos canais esclerais, por permeação dos vasos ciliares posteriores ou das veias
vorticosas (10,12,19).
A classificação dos melanomas da úvea utilizada actualmente - Classificação
de Callendermodificada - estabelece dois padrões citológicos de
melanócitos (fusiformes e epitelióides - Figura 1C-D) e três categorias
de melanomas (fusiforme, epitelióide e mista) (13). Callenderdescreveu dois
tipos de células fusiformes (A e B) (1). Contudo, demonstrou-se ainexistência
de diferença no prognóstico entre os melanomas da úvea constituídos por células
fusiformes A ou células fusiformes B (1).
A classificação de Callendermodificada causa ainda alguma controvérsia
(1).Adistinção entre uma população de células de melanócitos fusiformes e
epitelióides pode ser difícil(1). Por outrolado, ainda não foidefinida
consensualmente a proporção de células epitelióides necessária para classificar
melanomas uveais mistos (1,13).
A American Joint Committee on Cancer(AJCC) desenvolveu uma classificação de
estadiamento TNM (Tumor, Node, Metastasis) para os melanomas da úvea (22).
Segundo a 6ª edição do TNM, a classificação do tumor primário baseia-se no
diâmetro basal, na maior espessura e na extensão extra-ocular dos melanomas da
úvea (22). Alguns autores defendem que o TNM pode ser melhorado com a inclusão
da extensão para o corpo ciliar e da dimensão da extensão extra-ocular nos
critérios de estadiamento (22). Há autores que defendem a inclusão da
classificação do perfil de expressão génica (classe 1 e 2, vide infra) no sistema
de classificação do melanoma da úvea (23).
O grupo do Collaborative Ocular Melanoma Study(COMS) definiu uma classificação
para a dimensão dos melanomas da coróide: pequenos (altura apical: 1-2,5 mm e
diâmetro basal: ≤5 mm); médios (altura apical: 2,5 - 10 mm e diâmetro
basal: 5 - 16 mm); e grandes (altura apical: ≥10 mm e diâmetro
basal≥16mm) (10).
2.2. Características genéticas (citogenéticas e moleculares) -
carcinogénese e progressão do melanoma da úvea
O melanoma da úvea caracteriza-se por múltiplas alterações genéticas (17).
As alterações citogenéticas detectadas nas células dos melanomas da úvea não
são aleatórias: afectam vários cromossomas específicos, sendo os mais frequentes
o 1, 3, 6 e 8 (24).
Há desenvolvimentos recentes no esclarecimento da patogénese dos melanomas
uveais que poderão revelar-se importantes no manuseamento terapêutico e no
seguimento dos doentes com este tipo de tumores oculares.
Na figura 2 apresenta-se um modelo de progressão proposto para o melanoma da
úvea (25).
Os eventos precocesincluem provavelmente desregulação do ciclo celular (25).
Virtualmente todos os melanomas da úvea têm alterações na via do retinoblastoma
(Rb) e na via da p53 (tumor protein 53) (17).
Segundo o modelo proposto por Landreville S et al,as alterações iniciais nos
melanócitos uveais desencadeiam mecanismos de supressão tumoral que conduzem à
apoptose/senescência (25). Na maioria dos casos, as células alteradas são
eliminadas ou evoluem para nevo. Quando persistem os mecanismos alterados que
bloqueiam a apoptose e promovem a sobrevida das células, pode ocorrer a
evolução para melanoma (25).
As principais alterações moleculares e citogenéticas implicadas no
desenvolvimento e progressão do melanoma da úvea estão sumariadas na Tabela 1.
Tabela 1 -
Vias moleculares e alterações citogenéticas implicadas no desenvolvimento e
progressão de melanomas da úvea (17,24-28).
As alterações cromossómicas e moleculares observadas diferem quando se comparam
os melanomas de úvea com os melanomas cutâneos (27). Os melanomas da úvea
caracterizam-se por monossomia 3 e amplificação do braço longo do cromossoma 8,
que são alterações raras nos melanomas cutâneos; e, raramente, por mutação
somática do TP53 [Tumor protein 53 (gene)], do BRAF (v-raf murine sarcoma viral
oncogene homolog B1) e da CDKN2 (INK4A) (Cyclin-dependent kinase inhibitor 2a),
que são alterações comuns nos melanomas cutâneos (27). As mutações somáticas do
PTEN (phosphatase and tensin homolog) são raras nos melanomas da úvea e
infrequentes nos melanomas cutâneos (27). A delecção/translocação do braço
curto do cromossoma 1 é infrequente nos melanomas da úvea e comum nos melanomas
cutâneos (27).
Os melanomas da úvea podem classificar-se, segundo alguns autores, em duas
classes moleculares distintas, com base na análise do perfil de expressão de
três genes [por exemplo, PHLDA1 (pleckstrin homology-like domain, family A,
member 1), FZD6 (frizzled homolog 6 (Drosophila)) e ENPP2 (ectonucleotide
pyrophosphatase/ phosphodiesterase 2]: classe 1 e a classe 2 (29).
Os melanomas da classe 1 e da classe 2 têm baixo e alto risco de metastização,
respectivamente (29).
A análise do perfil de expressão génica pode ser realizada quer em amostras
obtidas por biópsia de agulha fina quer em amostras de tumores arquivados em
parafina (25,29,30).
Estudos recentes subdividiram os melanomas da úvea em quatro subclasses com
significado prognóstico (1A,1B,2A e 2B) (25).
De acordo com este modelo, os melanomas classe 1A da úvea têm expressão génica
relativamente uniforme e aneuploidia mínima (25).
A progressão tumoral caracteriza-se por acumulação de alterações genéticas
(25). As células tumorais podem adquirir um braço curto do cromossoma 6
mantendo a "assinatura"de expressão génica da classe 1 (classe 1B),
ou adquirir um perfil de expressão génica da classe 2, geralmente associado a
perda do cromossoma 3 (25). À medida que os tumores da classe 2Aadquirem
alterações genéticas e instabilidade genómica, podem progredir para a classe
2B, associada a perda do braço curto do cromossoma 8 (25).
Os doentes com melanoma classe 1A da úvea apresentam uma maior sobrevivência
livre de metástases, relativamente aos doentes com outras classes de melanoma.
Por sua vez, os doentes com melanoma classe 2B apresentam a menor sobrevivência
livre de metástases (25).
A duplicação do braço curto do cromossoma 6 ocorre principalmente nos melanomas
da úvea sem metástases, enquanto a monossomia 3 ocorre sobretudo nos melanomas
metastizados(25).Estes dois eventos genéticos são quase mutuamente exclusivos
(25). Em geral, os melanomas com monossomia 3 apresentam mais alterações
cromossómicas (aneuploidia) do que os melanomas com dissomia (25).
A análise da expressão génica revela que os melanomas uveais classe 1 são
constituídos por melanócitos diferenciados, semelhantes aos da úvea normal, com
acentuada expressão de genes da linha melanocítica e da crista neural (23,25).
A expressão destes genes está diminuída nos melanomas classe 2 da úvea, cujas
células têm características transcripcionais semelhantes às das células
estaminais ectodérmicas e neurais (23,25).
Globalmente, estas alterações sugerem que os melanomas classe 1 da úvea, que
não cursam com metastização, são capazes de diferenciação melanocítica,
enquanto os melanomas classe 2, que cursam com metástases, caracterizam-se por
bloqueio parcial da diferenciação melanocítica (25).
Os mecanismos de metastização nos melanomas uveais permanecemlargamente
desconhecidos (25). Um estudo recente implicou a via do NF-kB (nuclear factor
kappa-light-chain-enhancer of activated B cells), mas o mecanismo patogénico
desta via na metastização não está bem esclarecido (27,28).
O HGF (Hepatocyte Growth Factor) e respectivo receptor, c-Met (hepatocyte
growth factor receptor), foram considerados factores importantes para o
crescimento das células do melanoma da úvea no fígado (24).
3. APRESENTAÇÃO CLÍNICA
O doente com melanoma da coróide pode ser assintomático (a neoplasia é
detectada num exame oftalmológico de rotina) ou sintomático (19). Os sintomas
incluem: diminuição da acuidade visual, metamorfopsias, perda de campo visual,
"moscas volantes", fotopsia ou, eventualmente, dor ocular (12,19).
As manifestações do melanoma do corpo ciliar de
pendem do tamanho e da localização do tumor (19). Incluem astigmatismo,
subluxação do cristalino ou cataratas, descolamento da retina e, eventualmente,
uveíte anterior (19).
O melanoma da íris caracteriza-se por um nódulo, pigmentado ou não,
frequentemente com vasos sanguíneos na periferia (19). Induz distorção da
pupila, ectrópio da úvea e, ocasionalmente, associa-se a cataratas localizadas
(19). O tumor pode invadir o ângulo iridocorneano, causando glaucoma secundário
e, em casos avançados, glaucoma neovascular (13,19). O melanoma difuso da íris
manifesta-se geralmente com heterocromia (13,19).
Cerca de 80% dos melanomas da íris surgem na metade inferior da íris (13). Os
melanomas da íris tendem a ser detectados mais precocemente que os restantes
melanomas da úvea, provavelmente devido ao facto das lesões pigmentadas da íris
serem geralmenteidentificadas pelo doente ou familiares (1).
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
As seguintes entidades devem ser consideradas no diagnóstico diferencial dos
melanomas da coróide: nevo grande, melanocitoma, hipertrofia congénita do
epitélio pigmentar da retina, hemorragia no espaço subretiniano, melanoma
cutâneo metastático, hemangioma da coróide, metástase, granuloma da coróide,
esclerite posterior, e ampola proeminente da veia vorticosa (19).
Os diagnósticos diferenciais dos melanomas do corpo ciliar incluem: síndroma de
efusão uveal, cisto iridociliar congénito e outras neoplasias no corpo ciliar
(melanocitoma, meduloepitelioma, metástase, adenocarcinoma, adenoma,
neurilemoma e leiomioma) (19).
Os diagnósticos diferenciais dos melanomas da íris incluem: nevo da íris,
melanoma do corpo ciliar com extensão através da raiz da íris, cisto da íris,
adenoma do epitélio pigmentado da íris, adenoma de Fuchs,leiomioma,
melanocitoma, metástase e sarcoidose (14,19).
5. DIAGNÓSTICO E ESTADIAMENTO
5.1. Diagnóstico
O exame oftalmoscópico é geralmente suficiente para o diagnóstico de melanoma da
úvea (10). A visão estereoscópica obtida com a oftalmoscopia binocular
indirecta permite identificar facilmente o tumor (12). A detecção, por
oftalmoscopia, dos melanomas uveais difusos planos pode ser difícil, mas a
maioria dos tumores da úvea apresenta relevo, frequentemente em forma de cúpula
e é, ocasionalmente, multilobado (10).
A ecografia é o exame imagiológico mais útil para o diagnóstico, permitindo
avaliar as dimensões e definir a extensão intra e extra-ocular do tumor (31). É
particular-mente útil na detecção do tumor quando os meios são opacos (10).
As características ecográficas típicas do melanoma da úvea são a presença de
cavidade acústica, escavação da coróide e sombreado orbitário (31). A
configuração em forma de cogumelo, indicando que o tumor rompeu a membrana de
Bruch, é virtualmente patognomónica de melanoma da coróide (31). A ecografia de
alta-frequência é útil no diagnóstico dos tumores da íris e do corpo ciliar,
permite avaliar a dimensão e extensão, e detectar lesões císticas e sólidas
(12).
O diagnóstico de melanoma da úvea é também evidenciado com fotografia da câmara
anterior e do fundo ocular e, por vezes, angiografia (10). A fotografia
possibilita a documentação das características do tumor e asimagens sequenciais
facilitam a vigilância dos doentes com lesões pigmentadas de diagnóstico
controverso (12).
A angiografia com fluoresceína é também utilizada na caracterização do melanoma
uveal, embora sem qualquer padrão patognomónico (31). A angiografia com verde
indocianina permite uma melhor visualização da vasculatura tumoral, definindo
com mais precisão, em alguns casos, as margens tumorais (12,31).
A acuidade diagnóstica de melanoma da úvea obtida com os meios de diagnóstico
referidos é actualmente elevada, e, por isso, é raro o recurso à biópsia do
tumor (10). Contudo, a biópsia aspirativa com agulha fina é útil quando o
diagnóstico não pode ser estabelecido com base em métodos menos invasivos (19).
Outros métodos imagiológicos, como a ressonância magnética e tomografia
computorizada são utilizados ocasionalmente, mas sem acuidade de diagnóstico e
de avaliação da extensão extra-escleral do melanoma uveal superior às obtidas
com a ecografia (12,31).
5.2. Estadiamento
O fígado é local mais frequente de metastização observada, variavelmente, até
93% dos casos de melanoma da úvea metastizado; tende a ser o primeiro ou o
único local de metastização (32-35). O pulmão, o osso, a pele, e o cérebro são
outros dos locais de metastização descritos (32-35).
A disseminação por via linfática dos melanomas uveais é rara devido à ausência
de drenagem linfática no interior do olho (25).
A detecção de doença metastática resulta do estudo da função hepática
(doseamento de fosfatase alcalina, aspartato aminotrasferase, alanina
aminotransferase, desidrogenase láctica, γ-glutamiltransferase) e na
avaliaçãoimagiológica torácica (radiografia torácica) e hepática (ecografia
abdominal) (36, 37, 38).
Num estudo de coorte retrospectivo de 46 doentes com melanoma da úvea
metastizado, a ecografia e os testes de função hepática realizados anualmente
permitiram detectar a presença de metástases hepáticas assintomáticas em cerca
de 59% dos doentes (37).
Estudos recentes descreveram que a osteopontina, a proteína S-100β, a MIA
(melanoma-inhibitory activity) e a citoqueratina 18 constituem biomarcadores
séricos sensíveis para o diagnóstico de melanoma da úvea metastático (39).
O protocolo do COMS recomenda seguimento anual dos doentes com diagnóstico de
melanoma da úvea, com exame físico de rotina, testes de função hepática e
radiografia torácica (32,38). Quando quaisquer destas avaliações sugere
metastização, são realizados outros procedimentos diagnósticos, nomeadamente
tomografia computorizada ou outras técnicas de imagem e, se indicado, biópsia
(32,38). Alguns autores recomendam a realização de ecografia abdominal quer
aquando do diagnóstico quer no seguimento dos doentes com melanoma da úvea
(32).
Segundo o protocolo de Leiden, o estadiamento deve incluir uma avaliação
sistémica (exame clínico e laboratorial), radiografia torácica, testes de função
hepática (desidrogenase láctica e γ-glutamiltransferase), doseamento de
proteína S-100β e ecografia hepática (38). O seguimento dos doentes com melanoma
da úvea deve ser semestraleincluia realização de ecografia hepática, testes de
função hepática (desidrogenase láctica e γ-glutamiltransferase) e doseamento de
proteína S-100β (38). Perante suspeita de metástases, estão indicados testes
adicionais: tomografia computorizada e biópsia aspirativa com agulha fina (38).
6. PROGNÓSTICO
Há vários factores clínicos, histopatológicos, citogenéticos e moleculares
relacionados com o prognóstico do melanoma da úvea que estão resumidos na
Tabela 2 (16,23,25).
Tabela 2 -
Factores de prognóstico em melanomas da úvea (1,19,23-26,36,40).
A acuidade preditiva dos factores clínicos e histopatológicos temlimitações na
decisão clínicaindividualizada, tanto para vigilância como para indicação de
terapêutica sistémica adjuvante num doente com risco de metastização elevado
(30,40).
Por outro lado, o perfil de expressão génica parece correlacionar-se com o risco
de metastização (29). Os melanomas da classe 1 e da classe 2 apresentam baixo e
alto risco de metastização, respectivamente (29). Num estudo realizado, os
doentes com melanomas da classe 1 e classe 2 apresentaram aos 92 meses, uma
sobrevivência de, respectivamente, 95% ou superior, e 30% (16,30,36).
Noutro estudo recente, os melanomas classe 2 da úvea tinham valor preditivo
positivo e negativo de doença metastática, respectivamente, 91,7% e 86,7%, ou
seja, superiores aos observados com factores clínicos, histopatológicos e
cromossómicos (incluindo a monossomia 3, cujos valores preditivos positivo e
negativo eram, respectivamente, 62,5-77,8% e 61,5-70,6%) (40).
O perfil de expressão génica classe 2 parece ter acuidade prognóstica para
definir subpopulação de doentes com risco de doença metastática elevado e que
são candidatos para terapêutica sistémica adjuvante (23,30, 36, 40).
A avaliação das alterações do cromossoma 3 pode ser uma alternativa nos casos
em que a classificação do perfil da expressão génica não é possível (30).
A monossomia 3 correlaciona-se com melanomas de células epitelióides, padrão de
mimetismo vasculogénico, grande dimensão basal e envolvimento do corpo ciliar
(1,16). Esta alteração citogenética foi observada em cerca de 50-60% de
melanomas da úvea submetidos a enucleação (27,41). Mais de 50% de melanomas com
monossomia 3 desenvolveram metástases no período de 3 anos após enucleação
(36).
Os rearranjos do braço curto do cromossoma 1 ocorrem mais frequentemente em
melanomas do corpo ciliar, em melanomas de grande dimensão, e em melanomas da
úvea metastizados,sugerindo uma associação entre a presença de alterações do
cromossoma 1 e prognóstico reservado (1).
Parece existir uma associação entre a expressão de MMP2 (matrix
metalloproteinase 2) e MMP9, o desenvolvimento de metástases e a diminuição de
sobrevida em melanomas uveais, mas estes resultados necessitam de validação
(1).
A presença de células neoplásicas em circulação parece ser um factor com
potencial valor prognóstico em doentes com melanoma da úvea (30,42,43).
Em doentes com melanoma da úvea metastizado, foram descritos factores de
prognóstico favorável: idade inferior a 60 anos, género feminino, primeiro
local de metástases no pulmão ou nos tecidos moles, intervalo livre de
metástases longo, e história de ressecção hepática ou de quimioterapia intra-
hepática (35).
Eskelin S et aldesenvolveram um modelo de prognóstico para doentes com melanoma
da úvea metastizado, agrupando-os em 3 grupos de sobrevivência mediana estimada
(< 6 meses; 6 - 11 meses; ≥12 meses), com base no índice de Karnofsky, no
doseamento da fosfatase alcalina sérica, e na dimensão da maior metástase (44).
Este modelo pode ter interesse na decisão terapêutica, mas necessita de
validação (44).
Num estudo realizado por Kujala E et alem 289 doentes com melanoma da coróide e
do corpo ciliar, a sobrevivência dos doentesincluindo os casos com doença
metastática (estimada pelo método de Kaplan-Meier) foi de 68% aos 5 anos e 50%
aos 15 anos (45).
7. TRATAMENTO
7.1. Tratamento do tumor primário
Existem várias opções terapêuticas para o tratamento do melanoma da úvea
primário, resumidas na tabela 3.
Tabela_3 - Opções terapêuticas em melanomas da úvea (10,12,14,19,24,27,46,47).
Os principais factores que determinam a escolha do tratamento para o tumor
primário são: idade, índice de performance, potencial de visão, estado do olho
adelfo, tamanho e localização do tumor (46).
O recurso à enucleação diminuiu substancialmente nas últimas décadas com a
emergência de opções mais conservadoras, nomeadamente braquiterapia,
radioterapia (RT) com partículas carregadas, termoterapia transpupilar e
ressecção local (24).
O grupo COMS demonstrou que nos doentes com melanoma da coróide de tamanho
médio, a terapêutica com braquiterapia ou com enucleação permitia a mesma
sobrevivência aos 5 anos: 82% e 81%, respectivamente (19,36). Assim, tornou-se
prática corrente nestes casos o recurso à braquiterapia ou à radioterapia com
partículas carregadas (10,36).
A taxa descrita de controlo local com braquiterapia tem sido superior a 90%
(48).
O grupo COMS reportou um controlo local aos 5 anos de 90%, em doentes com
melanoma da coróide de tamanho pequeno e médio, tratados com braquiterapia com
iodo-125 (49).
Um estudo realizado por Ginderdeuren R et al, em 98 casos de melanoma de úvea
submetidos a braquiterapia com estrôncio 90, revelou uma taxa de controlo local
após 3, 5 e 10 anos, de respectivamente, 95%, 92%, e 90% (50).
Um estudo realizado em 400 doentes com melanoma da úvea submetidos a
braquiterapia com paládio-103 revelou um controlo local de 96,7% (51).
A regressão tumoral inicia-se 1 a 2 meses após o tratamento com braquiterapia e
continua durante vários anos. A resposta tumoral à braquiterapia é geralmente
gradual (19).
As complicações do tratamento com braquiterapia dependem do tamanho e da
distância do tumor ao nervo óptico e à fóvea (19). A morbilidade resultante da
irradiação excessiva do cristalino, nervo óptico e mácula inclui: cataratas,
papilopatia (com ou sem neovascularização do disco óptico) e maculopatia. A
braquiterapia pode causar edema macular cistóide, exsudado da retina,
descolamento seroso da retina, atrofia corio-retiniana, oclusão da veia central
da retina, retinopatia proliferativa, atrofia óptica, hemorragia do vítreo,
necrose escleral, glaucoma secundário, glaucoma neovascular, neovascularização
da íris, estrabismo secundário e recidiva local (19, 48, 49, 52). As
complicações são mais graves nos doentes diabéticos. O edema macular cistóide,
maculopatia isquémica, hemorragia do vítreo e neuropatia óptica são causas
comuns de diminuição da acuidade visual (49).
Um estudo realizado pelo grupo COMS em 657 doentes submetidos a braquiterapia
com I-125 revelou que 57% dos doentes apresentam, ao fim de 3 anos, acuidade
visual de 20/200 (51). O estudo retrospectivo realizado por Finger P et al,em
400 doentes com melanoma da úvea submetidos a braquiterapia com paládio-103,
revelou que 79% e 69% dos doentes apresentavam acuidade visual de pelo menos
20/200 aos 5 anos e 10 anos, respectivamente (51).
Outros estudos reportam que 33% a 65% dos doentes com melanoma da úvea
submetidos a braquiterapia apresentam uma acuidade visual de pelo menos 20/200
aos 5-10 anos (50, 51).
A recidiva local após braquiterapia foi descrita em 2,3 -19% dos casos,
consoante as séries (46, 48 e 51). A percentagem de enucleação secundária a
braquiterapia varia entre 3,5 - 26%, consoante as séries (51).
Nos melanomas coroideus grandes verificou-se não haver vantagem de sobrevivência
com o recurso à radiação pré-enucleação (10,48). Os doentes com melanomas
grandes da úvea são tratados apenas com enucleação (10,48).
Seguimento apenas com observação periódica
Num doente com melanoma da úvea e esperança de vida limitada, a observação pode
ser uma opção apropriada (46).
A observação de lesões suspeitas na íris inclui a documentação por
oftalmoscopiaindirecta, gonioscopia e fotografia (19). O seguimento deve ser
feito inicialmente após 3-6 meses, posteriormente 6-9 meses, e depois
anualmente (19).Após vários anos de seguimento de uma lesão quiescente pode
observar-se crescimento (19).
7.2. Tratamento de doença metastática
Apesar dos avanços no diagnóstico precoce e da eficácia do tratamento do tumor
primário, não se tem observado a melhoria esperada na sobrevivência dos doentes
com melanoma da úvea, após ocorrência de doença metastática (1,27,30).
O prognóstico dos doentes com melanoma da úvea metastático é reservado, com
sobrevivências medianas dos doentes variando entre 2-16 meses
(1,12,16,27,36,47).
Um estudo do grupo COMS descreveu uma mortalidade (proporção cumulativa) de 80%
aos 12 meses, em doentes com melanoma da úvea que desenvolveram metástases
hepáticas (34).
A ocorrência de micrometástases (não detectáveis clinicamente) antes do
tratamento do tumor primário parece explicar a incapacidade actual de prevenir
a doença metastática que pode manifestar-se meses ou anos mais tarde (30).
A presença de doença metastática clinicamente evidente aquando do diagnóstico
inicial é incomum (1,12,24). Porém, na maioria dos casos, a metastização
subclínica pode já ter ocorrido antes do diagnóstico do tumor primário (1,24).
Actualmente, não existe tratamento eficaz a longo prazo para o melanoma da úvea
metastizado (12,16). De facto, o tratamento da doença metastática é geralmente
considerado no âmbito de ensaios clínicos (24).
A abordagem do doente com melanoma da úvea metastizado depende dos órgãos
afectados (47).
As terapêuticas regionais, como ressecção cirúrgica, ablação por
radiofrequência, quimioembolização, quimioinfusão intra-arterial hepática e
perfusão hepática isolada hipertérmica, são utilizadas no tratamento de doença
metastática confinada ao fígado (47). As abordagens sistémicas utilizando
quimioterapia,imunoterapia ou ambas têm sido utilizadas quando há metastização
extra-hepática (Tabela_3) (47).
Foram descritos resultados encorajadores em doentes com metástases confinadas ao
fígado (metástases pequenas e estáveis) submetidos a terapêuticaslocais ou
regionais: ressecção cirúrgica, ablação por radiofrequência, quimioembolização,
quimioinfusãointra-arterialhepá-tica, perfusão hepática isolada hipertérmica,
isoladas ou combinação (12,19,36,47). Em doentes seleccionados, a ressecção
total de metástases hepáticas solitárias tem algum benefício na sobrevivência
dos doentes (24).
Arecidiva do tumor quer no fígado quer noutros órgãos tem sido
umalimitaçãoimportante para a exérese cirúrgica de metástases hepáticas (47).
Embora alguns doentes com melanoma de úvea metastizado que respondem à
terapêutica local/regional apresentem anos de sobrevivência, o aumento na
sobrevivência mediana verificado é de aproximadamente um ano (36).
O melanoma da úvea metastático é altamente resistente à quimioterapia
sistémica, sobretudo quando há envolvimento hepático (24,47).
Os fármacos utilizados no tratamento do melanoma cutâneo metastático
(dacarbazina, temozolamida, inter-ferão-α, e interleucina-2) raramente produzem
respostas sustentadas nos doentes com melanoma da úvea metastático (24,47).
A resistência dos tumores uveais a muitas das terapêuticas actualmente
utilizadas é dependente, pelo me-nos em parte, de alterações da apoptose
tumoral (25). Virtualmente, todos os melanomas da úvea apresentam expressão
constitutiva de Bcl-2, o que pode explicar a resistência das células do
melanoma da úvea à quimioterapia citotóxica (24).
Os dados disponíveis são actualmente insuficientes para recomendar qualquer
protocolo de quimioterapia ou imunoterapia em doentes com melanomas uveais
metastizados (27).
Actualmente, estão em curso múltiplos ensaios clínicos, incluindo
quimioterapia, imunoterapia, e terapêutica dirigida a alvos moleculares para o
tratamento do melanoma da úvea metastizado (16,24).