Vigilância Epidemiológica e Teste VIH em Populações em Maior Risco e de Difícil
Acesso
Vigilância Epidemiológica e Teste VIH em Populações em Maior Risco e de Difícil
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Sónia Dias
Instituto de Higiene e Medicina Tropical; Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Nova de Lisboa
No âmbito desta comunicação apresentou-se o estudo "Teste VIH em
Populações Imigrantes residentes em Portugal" desenvolvido em 2007. Em
seguida foram sumariadas as dificuldades associadas ao desenvolvimento de
estudos epidemiológicos e as potenciais estratégias de prevenção e controlo do
VIH nas populações de difícil acesso, como as populações imigrantes. Por fim,
apresentou-se o projecto "Infecção VIH/Sida nos grupos de Homens que têm
Sexo com Homens e Trabalhadores Sexuais: Prevalência, Determinantes e
Intervenções de Prevenção e Acesso aos Serviços de Saúde", com início em
2009.
O estudo "Teste VIH em Populações Imigrantes em Portugal" (Dias,
S., Severo, M., Gama, A. & Barros, H.) teve como objectivos determinar a
proporção de realização do teste VIH numa população imigrante e identificar os
factores associados à realização do teste. Neste estudo foi aplicado um
questionário a 1513 imigrantes (53,4% homens) no Centro Nacional de Apoio ao
Imigrante (CNAI), em Lisboa. A média de idades dos participantes foi de 33
anos. Cerca de 50% dos participantes era natural de países da América Latina
(destes, 99,3% do Brasil), 34,8% era natural de países Africanos, 11,9% da
Europa de Leste e 2,9% de países asiáticos. Do total da amostra, 54% dos
participantes reportou estatuto legal.
Cerca de 10% dos participantes reportou não saber onde iria se tivesse questões
relacionadas com o VIH/Sida, 80% reportou que recorreria ao SNS (Hospital e/ou
Centro de Saúde) e 5% recorreria a serviços privados de saúde. A maior parte
referiu que recorreria aos médicos se precisasse de informação sobre VIH/Sida.
Alguns imigrantes indicaram como outras fontes de informação a internet e os
amigos/família. Apenas 9,2% dos participantes referiu ter procurado informação
sobre VIH/Sida no SNS. Aproximadamente 51% reportou já ter feito o teste VIH.
Destes, a maioria fez o último teste em Portugal e grande parte fez o teste nos
últimos 4 anos. Relativamente aos factores associados ao teste VIH, a partir da
análise de regressão logística verificou-se que ser homem e estar em situação
não legal associou-se a uma menor probabilidade de ter feito o teste. Por outro
lado, ter entre 26 e 40 anos, ter nível educacional elevado, ser natural de
países da América Latina ou África e conhecer alguém infectado pelo VIH as-
sociou-se a uma maior probabilidade de ter feito o teste.
Os resultados sugerem uma falha na informação sobre os serviços de saúde por
parte dos imigrantes, o que pode ter implicações no acesso atempado e adequado
a estes serviços. Os resultados realçam ainda a possível lacuna no conhecimento
sobre VIH/Sida na população imigrante. No que respeita ao teste VIH, os
resultados do estudo revelam diferenças na população inquirida. Uma menor
probabilidade de ter feito o teste foi associada a ser homem e estar em
situação não legal. A diferença de género observada pode ser explicada pelo
facto de as mulheres tenderem a utilizar mais os serviços de saúde que os
homens no contexto da saúde sexual e reprodutiva.
Este estudo apresenta uma limitação relacionada com o facto de se tratar de uma
amostra por conveniência e portanto não representativa da população imigrante
em Portugal. Esta limitação reflecte em parte as dificuldades que frequentemente
estão associadas aos estudos epidemiológicos.
Embora os actuais sistemas de vigilância epidemiológica permitam conhecer a
prevalência do VIH/Sida, há contudo uma lacuna na informação sobre grupos
específicos da população em maior risco e com um papel importante na transmissão
do VIH/Sida.
Adificuldade em obter amostras representativas de grupos hard-to-reachdeve-se ao
difícilacesso a estas populações (geralmente têm comportamentos ilícitos e
estigmatizantes evitando participar nos estudos) e ao desconhecimento da
dimensão do universo. Recorrendo a amostras não probabilísticas deparamo-nos
com alguns enviesamentos como a falta de representatividade e a validade
externa da amostra, uma vez que a prevalência e comportamentos destas amostras
podem ser substancialmente diferentes do grupo em estudo. Neste contexto, pode
haver importantes falhas no conhecimento da transmissão pelo VIH/Sida,
comprometendo as estratégias de prevenção desenvolvidas. Adicionalmente, com os
actuais sistemas de vigilância epidemiológica há dificuldade em identificar
precocemente novos comportamentos de risco ou indicadores sobre a disseminação
do vírus, o que dificulta a compreensão da dinâmica da infecção.
Tem vindo a ser reconhecida a necessidade de desenvolver estudos que validem
técnicas de amostragem mais apropriadas aos grupos em maior risco e de difícil
acesso, como por exemplo o Respondent-driven sampling, que permitam alcançar
amostras abrangentes e heterogéneas dos grupos que se pretende estudar e
conhecer melhor o universo destas populações. Por outro lado, torna-se
necessário que os actuais sistemas de vigilância epidemiológica incluam
indicadores de primeira e segunda geração de forma a acumular dados biológicos
e comportamentais sobre a infecção e a captar a heterogeneidade e explicar as
modificações dos padrões epidemiológicos. Desta forma, pretende-se produzir
informação pertinente para a acção, contribuindo para o desenvolvimento de
estratégias de intervenção adequadas e eficazes.
Os resultados do estudo apresentado e a literatura realçam a necessidade de
adoptar estratégias inovadoras de prevenção e controlo do VIH. O envolvimento e
participação das comunidades imigrantes no planeamento e desenvolvimento de
intervenções nesta área são essenciais para a sua eficácia.
Neste contexto, pretendendo dar resposta a alguns dos aspectos apontados foi
apresentado o projecto "Infecção VIH/Sida nos grupos de Homens que têm
Sexo com Homens e Trabalhadores Sexuais: Prevalência, Determinantes e
Intervenções de Prevenção e Acesso à Saúde" que iremos iniciar em 2009.
Este projecto integra duas componentes: uma primeira componente visa estimar a
prevalência da infecção nas duas populações do estudo, identificar os factores
sociais e comportamentais associados à infecção nestas populações e
caracterizar os conhecimentos, atitudes e práticas quanto ao VIH/Sida. Esta
componente servirá de linha de base para uma segunda componente, de
intervenções de prevenção e acesso aos serviços de saúde junto das populações.
De forma a dar respostas adequadas a problemas identificados nas populações
através da sua participação e envolvimento da comunidade estão previstas várias
actividades a desenvolver em parceria com as comunidades dos grupos em estudo e
ONG.