Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe0871-34132010000100002

EuPTCVHe0871-34132010000100002

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-3413
Year2010
Issue0001
Article number00002

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Hemoperitoneu Maciço Causado por Mioma Uterino

Introdução Os miomas uterinos são tumores monoclonais benignos com origem nas células musculares lisas do miométrio. Contêm uma grande quantidade de matriz extracelular e são rodeados por uma pseudocápsula (1). O mioma é o tumor ginecológico mais frequente e está presente em cerca de 50% das mulheres na década de vida (2).

Em 95% casos localizam-se no corpo uterino e a sua implantação no miométrio permite classificá-lo com subseroso, intramural ou submucoso.

Histologicamente são compostos por células musculares lisas bem diferenciadas com menos de 5 mitoses por 10 campos de grande ampliação (CGA). A progressão para leiomiossarcoma é rara, acontecendo em 0,1-0,5% dos casos e mesmo nestes a relação etiopatogénica entre ambos os tipos não é muito clara.

O hemoperitoneu é uma complicação muito rara dos miomas uterinos. Uma elevação da pressão abdominal durante stress mecânico (ex: traumatismo, relações sexuais, menstruação) pode levar á rotura de vasos superficiais do mioma (3).

Caso clínico Os autores descrevem um caso de uma nuligesta de 33 anos com antecedentes cirúrgicos de esplenectomia aos 8 anos de idade (após acidente de viação).

História ginecológica: menarca aos 13 anos, ciclos irregulares com cataménios abundantes (6 dias), actualmente contracepção oral com estroprogestativo.

Recorreu ao Serviço de Urgência (Cirurgia Geral) a 12/02/2009 por epigastralgias, vómitos e alterações do trânsito intestinal com um dia de evolução. Ao exame físico apresentava palidez das mucosas e contractura á palpação abdominal. Não apresentava hipertermia nem queixas urinárias.

Efectuou tomografia axial computorizada (TAC) abdomino-pélvica que revelou: Significativo hemoperitoneu ( ) ovário esquerdo francamente aumentado ( ) aspectos sugestivos de rotura de folículo/salpingite complicada, sem outras alterações relevantes. Foi transferida para ginecologia.

Do exame ginecológico destacava-se o abaulamento do fundo de saco vaginal à esquerda e cataménio em curso. A ecografia endovaginal confirmou os achados da TAC.

Foi submetida a laparotomia exploradora urgente: constatou-se hemoperitoneu (± 900 cc) com coágulos, e presença de neoformação muito vascularizada no corno uterino esquerdo com ± 9 x 4 cm diâmetro, com hemorragia activa com origem num vaso superficial. Presença de aderências vascularizadas a ansas intestinais.

Anexos sem alterações.

Procedeu-se a exérese da neoformação e após hemostase difícil (tecidos muito friáveis) foi possível conservação do útero e anexos. A peça operatória foi enviada para exame anatomo-patológico. Fez transfusão de 4 unidades de GR intra-operatóriamente. O pós-operatório decorreu sem complicações e teve alta ao dia.

O relatório anatomo-patológico da peça operatória revelou: 1. Macroscopia: massa de 9x6x3,5 cm, com 92 g, bem delimitada, revestida por cápsula lisa e fina, com área irregular em relação provável com zona de inserção. Ao corte, sólida e constituída por tecidos branco-amarelados e elásticos, com focos muito vascularizados, vasos trombosados ou preenchidos por coágulos hemáticos (Figura 1 ). 2. Microscopia: neoplasia expansiva, com padrão epitelioide (muitas vezes assumindo um aspecto plexiforme). Células em pequenos agregados, fila-indiana ou isoladas com fenótipo epitelioide, caracterizando-se por citoplasma de limites mal definidos frequentemente claro, núcleos redondos ou ovais, por vezes alongados, com contornos irregulares, cromatina fina, por vezes vesiculosa e nucléolo de tamanho intermédio. Pleomorfismo ligeiro a moderado, actividade mitótica inferior a 1 mitose por 10 CGA. Ocasionais células apoptóticas, sem necrose. O estroma é frequentemente hipocelular, fibro- colagenoso ou hialinizado assumindo aspecto de nódulos hialinos e menos frequentemente hipocelular ou vagamente mixoide, componente vascular que compreende vasos tortuosos, com coágulos ou mesmo trombose. Ausência de necrose. Imunohistoquímica: positividade com anticorpos anti-desmina, HHF35 e actina do músculo liso. Negatividade com anticorpos anti-Ck8/18, CD34 e HMB45 (Figuras_2_e_3 ). Este quadro morfológico e imunohistológico é compatível com tumor de histogenese muscular lisa (leiomioma epitelioide) de potencial maligno incerto.

A doente mantém vigilância na consulta de ginecologia. Fez ecografia a 10/09 que revelou vascularização mais acentuada junto ao corno uterino esquerdo e útero, endométrio e anexos sem alterações de relevo.

Discussão Do ponto de vista ginecológico, as causas mais frequentes de hemoperitoneu agudo são rotura de gravidez ectópica, corpo lúteo hemorrágico ou a torção anexial (4). A hemorragia intra-abdominal por rotura espontânea de um mioma uterino é um achado excepcional (2).

Embora os miomas sejam o tumor mais comum na mulher em idade reprodutiva, as complicações agudas por eles causadas são extremamente raras (5), contudo quando ocorrem podem causar morbilidade significativa (e muito ocasionalmente, mortalidade) afectando profundamente a qualidade de vida da mulher.

As complicações possíveis incluem: 1. trombo-embolismo; 2. torção aguda de mioma subseroso pediculado; 3. retenção urinária aguda e insuficiência renal; 4. dor aguda durante a gravidez (causada por degenerescência hemorrágica); 5.

hemorragia vaginal ou intra-peritoneal aguda; 6. trombose da veia mesentérica e gangrena intestinal. É difícil tentar quantificar uma taxa de incidência destas complicações agudas uma vez que são muito raras e na maioria aparecem descritas na literatura como casos clínicos ou séries de casos.

Na maioria das vezes apresentam-se sob a forma de abdómen agudo com necessidade de laparotomia exploradora urgente.

A literatura disponível descreve casos muito semelhantes ao que apresentamos: mulheres entre 30-49 anos de idade, que recorrem ao hospital com dor abdominal inespecífica, coincidente com os primeiros dias da menstruação, que rapidamente evolui para abdómen agudo por hemoperitoneu espontâneo (2,4).

A via laparoscópica, em alternativa á laparotomia, não foi neste caso usada por se tratar de uma doente hemodinamicamente instável e sem diagnóstico pré- operatório.

Lesões classificadas como tumores musculares lisos de potencial maligno incerto não preenchem os critérios de malignidade inequívoca e ultrapassam os observados nas lesões benignas. Quando se considera este diagnóstico são importantes o padrão, a celularidade e o índice mitótico devendo ser referenciada a presença de uns e ausência de outros.

No caso descrito o padrão epitelióide aliado ao índice mitótico (<1 mitose por 10 CGA) preenchem os critérios para a classificação de tumor muscular liso de potencial maligno incerto (Tabela_1 ). É questionável se o índice mitótico observado em 10 CGA é diferente relativamente a outros 10 CGA e é também questionável se um leiomioma solitário extra-uterino, deverá ter critérios diferentes de um leiomioma intra-uterino e se a necrose por si é um critério para a classificação de leiomioma de potencial maligno incerto, particularmente numa mulher jovem, grávida ou tomando anticonceptivos. Aceita-se que tumores mitoticamente activos (5-10 mitoses/10 CGA) mas citologicamente uniformes e sem atipia em mulheres jovens devem ser considerados benignos.

No nosso caso a irrigação e vascularização atípica, o padrão epitelioide, a atipia celular e o índice mitótico levaram-nos a classificá-lo como leiomioma de potencial maligno incerto.

Os tumores musculares lisos de potencial maligno incerto são uma variante do leiomioma uterino e pela sua raridade continuam a constituir um dilema devido ao seu comportamento clínico incerto. A maioria destes tumores tem um curso clínico benigno no entanto podem recorrer e metastizar para locais distantes, tendo por isso indicação para manter vigilância clínica a longo prazo (6).


Download text