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EuPTCVHe0871-34132011000100001

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National varietyEu
Year2011
SourceScielo

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Dermatomiosite na Criança: Caso Clínico

Introdução As miopatias inflamatórias idiopáticas são distúrbios raros em idade pediátrica. A Dermatomiosite Juvenil (DMJ) é a mais comum nesta faixa etária, com uma incidência de 3:1000000 casos/ano e predomínio no sexo feminino1. A idade média de diagnóstico é de sete anos, verificando-se 25% dos casos antes dos quatro anos de idade2. Difere da forma adulta pela maior incidência de vasculopatia e associação rara com doença maligna1,3.

Dados sobre a patogénese da DMJ sugerem tratarse de uma vasculopatia envolvendo mecanismos de imunidade celular contra antigénios musculares, imunocomplexos circulantes e acção do complemento. A sua etiologia poderá estar relacionada com factores infecciosos víricos (enterovírus) ou bacterianos (estreptococo do grupo A) assim como com factores genéticos (associação com os alelos HLA- DRB1*0301 e HLA-DQA1*0501)1. Polimorfismos genéticos da interleucina 1 (IL-1) parecem também ser promotores da doença4.

Os critérios diagnósticos de Bohan e Peter5são consensuais e integram dados clínicos (fraqueza muscular proximal simétrica), lesões cutâneas típicas (eritema heliotrópico, sinal de Gottron), laboratoriais (aumento da enzimas musculares), electromiográficos (miopatia) e histológicos (miosite). O diagnóstico é definitivo, quando se associam três ou quatro critérios à presença das alterações cutâneas típicas, e provável se o doente preencher dois critérios na presença das alterações cutâneas.

Caso clínico Os autores descrevem o caso de uma criança de sexo masculino, com quatro anos de idade, sem antecedentes pessoais ou familiares de relevo, que inicia queixas músculo-esqueléticas inespecíficas em Fevereiro 2005, sendo orientado para a Consulta de Pediatria do hospital da área de residência. Em Junho 2005 é internado nessa instituição por lesões da mucosa oral sugestivas de estomatite aftosa. Por manter queixas álgicas dos membros inferiores (MI), é medicado comum anti-inflamatório não esteroide (ibuprofeno) com melhoria sintomática. É novamente internado após um mês, por febre, anorexia, fadiga e mialgiados músculos proximais dos MI. Apresentava sinais de artrite do joelho esquerdo e punho direito e nódulos subcutâneos violáceos nos MI e cotovelos.

Analiticamente refere-se anemia (hemoglobina:10,1g/dl com volume globular médio: 80fl), elevação da velocidade de sedimentação (VS: 47mm/1ªh), da proteína C-reactiva (PCR: 11mg/l) assim como das enzimas TGO (58U/l) e desidrogenase láctica (DHL: 356U/l). O estudo imunológico e asserologias (Borrelia burgdorferi, Citomegalovirus, vírus da hepatite B e C, Epstein Barr, Parvovirus B19 e Coxsackie) foram negativos. A ecografia abdominal mostrou hepatomegalia homogénea (12,9cm), sem outras alterações. A ecografia de partes moles e o ecocardiograma foram normais. A capilaroscopia mostrouáreas com poucos capilares curtos e desorganizados, sugestivo de doença do tecido conjuntivo, pelo que iniciou corticoterapia (prednisolona-1mg/Kg/dia), verificando-se melhoria sintomática significativa.

Durante o decréscimo da corticoterapia, é novamente internado por febre e recusa da marcha por coxalgia esquerda. A ressonância Magnética nuclear (RMN) da região pélvica revela alterações inflamatórias inespecíficas dos feixes musculares da raiz da coxa, com conservação da sua morfologia. Nessa altura, verificam-se úlceras cutâneas no cotovelo (Figura_1 ) e pavilhões auriculares, sendo transferido para o serviço de Pediatria do hospital São João para apoio de reumatologia e Dermatologia Pediátricas.

Na admissão apresentava razoável estado geral, úlceras cutâneas no cotovelo direito e pavilhões auriculares e pápulas eritematosas com descamação nas articulações interfalângicas (IF) proximais sugestivas de calcinose cutânea e pápulas de Gottron, respectivamente (Figura_2 ). O exame músculo-esquelético mostrava diminuição da amplitude de movimentos dos cotovelos e ancas e fraqueza muscular proximal dos membros inferiores (grau II ) com sinal de Gower positivo. Analiticamente o hemograma era normal, sendo de destacar elevação daVS (85mm/1ªh), PCR (92mg/l) e das enzimas musculares séricas: TGO/ tGP (70/106U/l), DHL (320U/l), Creatinacinase (CK:51U/l) e Aldolase (16.5U/l). O estudo imunológico mostrou um aumento das imunoglobulinas igG e igM e o estudo de automunidade (anticorpos anti-nucleares, anti-ENA e Factor reumatoide) foi negativo. As radiografias das ancas, joelhos e punhos e a electromiografia ( do músculo tibial anterior não revelaram alterações. A biópsia cutânea mostrou dermatite com sinais de hemorragia antiga e estudo de imunofluorescência directa negativo.

Perante os achados clínicos e laboratoriais, presume-se o diagnóstico de DMJ e o doente reinicia corticoterapia (prednisolona 1mg/Kg/dia) com melhoria clínica e normalização dos parâmetros analíticos em quinze dias.

Seguido em Consulta de reumatologia pediátrica, manteve-se assintomático mas com uma dose mínima de corticoide.

Discussão A sintomatologia na DMJ é predominantemente muscular e insidiosa, mas os sintomas constitucionais podem dominar o quadro clínico, o que geralmente atrasa o diagnóstico de seis a oito meses em média1. Neste caso, o quadro clínico inicial é consistente com a apresentação mais comum. Existe predomínio, ao longo de oito meses, das queixas músculo-esqueléticas tais como fraqueza, mialgia, artralgia e artrite (atinge até 30% dos doentes) em relação às queixas cutâneas. A presença no último internamento de lesões cutâneas de calcinose (presentes em 40 a 75% dos casos) indicia uma doença subjacente agressiva com evolução arrastada6. Não , no entanto, atingimento de outros órgãos ou sistemas para além das clássicas alterações cutâneas e fraqueza muscular, apesar do atingimento multissistémico ser frequente na criança1,7,8.

Analiticamente, é observado o aumento característico das enzimas musculares séricas. O padrão é muito variável, sendo a CK a que menos se relaciona com a actividade da doença, podendo não haver elevação na fase aguda. As enzimas aldolase, DHL e TGO, apesar de menos específicas, reflectem melhor a actividade da doença, pelo que é importante a sua determinação e valorização precoces7.

Anticorpos antinucleares podem estar presentes em mais de 80% dos casos; o factor reumatóide e restantes auto anticorpos estão raramente presentes1,7,8.

A capilaroscopia periungueal é um exame não invasivo que pode revelar alterações típicas como neste caso e auxiliar no diagnóstico e seguimento destes doentes9. Na admissão, o doente preenchia, para além da presença do rash típico (pápulas de Gottron), pelo menos dois critérios diagnósticos: o critério clínico (fraqueza muscular proximal dos MI) e o laboratorial (elevação das enzimas musculares). Não se objectivaram alterações na EMG, provavelmente pelo facto do doente ter efectuado corticoterapia em altas doses nos três meses anteriores. A RMN muscular, apesar de não integrar os critérios diagnósticos, é um instrumento válido e fiável na medição da inflamação muscular na DMJ10,11.

Objectiva a presença de miosite nos casos em que não existe aumento das enzimas musculares1. É cada vez mais usada para orientação diagnóstica, que a biópsia muscular, para além de ser um procedimento invasivo, pode ser negativa em até 20% dos casos no início da doença, dado que a inflamação muscular é habitualmente um processo focal7. Assim, numerosos casos de DMJ, tal como o que os autores apresentam, não preenchem o critério histológico de doença e são classificados como Dermatomiosite provável, em relação aos critérios de Bohan e Peter.

O tratamento consiste em terapêutica de suporte e supressão da actividade inflamatória com corticoterapia1. Os agentes modificadores de doença (Metotrexato, hidroxicloroquina, Ciclosporina) são usados na tentativa de reduzir o uso de corticoides ou quando estes não são suficientemente eficazes no controlo da doença, existindo alguns autores que preconizam o uso de Metrotexato em primeira linha12. Os agentes biológicos tais como anticorpos monoclonais (rituximab) e anti-TNF ainda estão em estudo1,7,8. Com tratamento adequado, o prognóstico a longo prazo é bom, não se verificando sequelas funcionais, para a maioria dos doentes6,13. Lesões severas da pele (calcinose), sintomas neurológicos, gastrointestinais ou pulmonares estão associados a prognóstico mais reservado14. A precocidade de diagnóstico e o tratamento adequado são fundamentais, pois influenciam o prognóstico destes doentes2.

Os autores apresentam este caso pela raridade deste distúrbio na idade pediátrica. Realçam também a forma agressiva de manifestação cutânea da DMJ neste doente.


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