Intervenção da Fisioterapia na Fibrose Quística: Uma Revisão Sistemática
Introdução
A Fibrose Quística (FQ)é uma patologia autossómica recessiva1e multissistémica,
que pelo aumento da produção de secreções, afecta principalmente os pulmõese o
pâncreas2.
Apesar de se ter descoberto o gene da FQ em 19893, actualmente ainda não existe
tratamento curativo. todavia, cuidados médicos especializados, tratamentos
farmacológicos, assim como outras terapias, nomeadamente a Fisioterapia,
permitem melhorar a qualidade de vida dos pacientes com FQ2. Esta patologia é
causada por mutações num gene localizado no braço longo do cromossoma 74. Este
gene é responsável por codificar uma proteína com 1480 aminoácidos, conhecida
como Cystic Fibrosis Transmembrane Regulator(CFTR)5.
A Fisiopatologia da doença pulmonar é desencadeada por uma disfunção da
proteína CFTR, levando à desregulação do conteúdo de sal e água no muco das
vias aéreas. Uma anomalia neste muco compromete a limpeza mucociliar e as
defesas das vias aéreas contra a infecção6.
Segundo a Cystic Fibrosis Foundation, a expressão clínica desta patologia é
variada e a severidade dos sintomas é distinta de paciente para paciente. A
semiologia típica nesta patologia caracteriza-se por: tosse persistente;
infecções pulmonares frequentes, como pneumonia ou bronquite; sibilâncias;
dispneia; pele com sabor a sal; reduzido ganho ponderal, apesar de uma
alimentação normal; fezes volumosas; dificuldade na motilidade peristáltica;
baixa estatura; pólipo nasal2. A severidade da semiologia na FQ é, em parte,
baseada nos tipos de mutação do CFTR
queopacienteapresenta.hámaisde1.400mutações diferentes no gene CFTR e na
maioria dos pacientes a patologia é diagnosticada ao nascimento, através de
triagem neonatal, ou até aos 2 anos. Para confirmar o diagnóstico, o paciente
deve apresentar níveis de cloro superiores a 60 milimoles por litro no teste de
suor ou teste genético positivo2.
A FQ é a doença hereditária mais comum nos Caucasianos7existindo 30000
pacientes com esta patologia nos Estados unidos da América e 70000 noMundo2.A
incidência da FQ está bem documentada na Europa, sendo que, em média, 1 em 2000
3000 recém-nascidos tem esta patologia1. A mutação mais comum que causa a FQ é
a F508del da CFTR. A frequência da F508del varia de um máximo de 100% nas Ilhas
Faroé da Dinamarca, para um mínimo de 20% na turquia. Na Europa Central,
Nórdica, Ocidental e do Nordeste, o F508del tem uma frequência de 70%1. Em
Portugal, a mutação F508del é a mais comum com uma frequência de 44,5%8. A
mutação A561E é a segunda mais frequenteemPortugal,sendoresponsávelpor3%dos
genes de FQ9.
A prevalência estimada de FQ em Portugal é 1 para 6000 nados-vivos. Já a
prevalência ao nascimento encontrada na Região Centro (1 para 14000 neonatos)
encontra-se aquém da estimada para o País8. Segundo a Associação Nacional de
Fibrose Quística (ANFQ),estima-se que existam cerca de 250 pacientes
diagnosticados em Portugal com FQ, dos quais 41,5 % têm idades até 10 anos, 35
% entre 10 e 20 anos e 23,5% com idades superiores a 20 anos, sendo a idade
média de 15 anose 8 meses10.
Ao longo dos anos, com os avanços no conhecimento sobre a fisiopatologia e
tratamento na FQ, tem aumentado a sobrevivência destes pacientes7. A esperança
média de vida actual da FQ situa-se nos 38,8 anos, sendo que já existem
bastantes adultos com idade compreendida entre os 45 e 55anos11.
O aumento da longevidade nos pacientes com FQ resultou numa maior proporção de
complicações relacionadas com a idade e progressão da patologia, modificando as
necessidades de assistência de saúde7. Com o aumento desta esperança de vida,
as co-morbilidades que afectam outros órgãos, para além dos pulmões e tracto
gastrointestinal, tornaram-se mais significativas. Neste contexto, os défices
de força muscular emassa óssea são importantes12,13,14.
Para ultrapassar o problema de retenção de secreções traqueo-brônquicas, foi
desenvolvida uma panóplia de técnicas de Fisioterapia para desobstrução das
vias aéreas (ACt's)15, que tem como objectivo fulcral: redução da exacerbação
da patologia, aumentando os mecanismos de limpeza mucociliar normal, e a
facilitação da remoção da expectoração16. Para a inclusão destas técnicas nos
tratamentos dos pacientes com FQ, é necessária uma justificação pertinente
sobre a sua efectividade17.
No passado, o intuito primordial da Fisioterapia em pacientes com FQ era
remover as secreções em excesso e assim reduzir a sintomatologia. Actualmente,
a Fisioterapia na FQ é uma combinação de aerossolterapia, ACt's, actividade
física e educação contínua sobre a patologia e o respectivo tratamento. Nesse
sentido, o fisioterapeuta deve estar envolvido na avaliaçãodos pacientes e no
seu desenvolvimento profissional. O papel do fisioterapeuta é, em cooperação
com o paciente e família, elaborar um esquema de Fisioterapia individualizado,
racional e eficiente, que deve ter em conta todos os factores relevantes
físicos e psicossociais18.
A presente revisão sistemática tem como objectivo determinar a efectividade da
Fisioterapia no tratamento de pacientes com FQ, de forma a promover a qualidade
de vida, diminuir as secreções, melhorar a função pulmonar, entre outros;
apresentando uma panóplia de intervenções associadas à utilização de técnicas
manuais de Fisioterapia, ventilação não invasiva (VNI), ortóteses ventilatórias
e actividade física.Com esta análise pretende-se contribuir para a
sistematização do conhecimento desta temática de modo a promover uma prática
clínica de acordo com a evidência científica.
Metodologia
Foi efectuada uma pesquisa computorizada nas bases de dados: Pubmed/Medline, B-
on e PEDro para identificar estudos randomizados controlados que avaliaram o
efeito de intervenções de Fisioterapia em pacientes com FQ, publicados entre os
anos 2000 e 2010. A pesquisa foi realizada com as palavras-chave Cystic
Fibrosis, Physiotherapye Randomized controlled trials, usando operadores de
lógica (AND, OR).
Esta amostra obedeceu a alguns critérios de inclusão e exclusão tais como:
Critérios de inclusão: todos os artigos que incluíssem intervenções de
Fisioterapia; estudos controlados randomizados; publicados na língua inglesa;
definição de que os participantes eram pacientes com FQ diagnosticada;
descrição do tipo de intervenção efectuada, tendo de incluir a comparação de
diferentes técnicas de tratamento de Fisioterapia, ou com um grupo não sujeito
a intervenção terapêutica. Critérios de exclusão: Intervenções que não sejam
consideradas tratamentos de Fisioterapia; intervenções que associem/comparem a
Fisioterapia com terapia farmacológica; participantes entubados e que estejam
impedidos de participar activamente no estudo; participantes que tenham outra
patologia associada; artigos em inglês apenas com o resumo; revisões
sistemáticas; estudos de caso.
Para determinar estes dois critérios, foi realizada uma leitura dos resumos e,
em caso de dúvidas, do texto completo de todos os estudos encontrados na
pesquisa efectuada.
Após a selecção dos artigos que preenchiam os critérios de inclusão, foi
avaliada a sua qualidade metodológica com recurso à Physiotherapy Evidence
Database scoring scale(PEDro)19.
Para esta revisão sistemática foi recolhida, dos estudos seleccionados,
informação sobre a população (patologia, número), a intervenção, os resultados
e o acompanhamento dos pacientes (follow-up). As variáveis analisadas nos
diferentes estudos foram: Quantidade e qualidade da expectoração, SpO2, testes
de função pulmonar, índice de Massa Corporal, testes de resistência, Qualidade
de vida, entre outros, que se podem consultar na Tabela_1.
Resultados
Após a pesquisa efectuada nas bases de dados electrónicas, foram identificados
22 estudos controlados randomizados que cumpriam os critérios de inclusão e
foram incluídos nesta revisão. Nos estudos incluídos participaram um total de
1049 indivíduos (a amostra mínima utilizada foi de 6 e a máxima de 344
pacientes), sendo a média de participantes por estudo de 47,7 indivíduos
(Tabela_1). Dos indivíduos desta amostra, 570 são do género masculino e 479 do
género feminino, tendo uma média de idade de 20,3 anos (idades varia de 5 a 63
anos).
Dos 22 estudos mencionados nesta revisão, tendo em conta a intervenção de
Fisioterapia na FQ, 15 avaliaram a Fisioterapia com a aplicação de técnicas
manuais, 9 têm em conta a aplicação de VNI, 8 referem a utilização de ortóteses
respiratórias e 4 avaliam a Fisioterapia através de actividade física.
Qualidade Metodológica
Os 22 estudos apresentam uma qualidade metodológica com média aritmética de 4.7
em 10 da escala de PEDro (Tabela_2). Na generalidade, os estudos apresentam
razoável qualidade metodológica, disponibilizando informação estatística que
permite uma boa interpretação dos dados e apresentando validade interna
razoável. Contudo, é precisamente na validade interna que os estudos apresentam
mais limitações: na generalidade dos estudos, a distribuição dos pacientes
pelos diferentes grupos de tratamento não é efectuada sem que previamente se
saiba em que grupo o paciente deve ser incluído; na maioria dos estudos, é
permitido aos pacientes e aos prestadores de cuidados distinguir as várias for-
mas de Fisioterapia aplicadas aos diferentes grupos, especialmente nos estudos
que incluem medidas de resultados auto-reportadas, nos quais só se considera o
examinador cego quando o paciente também é cego; não é feita uma análise
intention to treat, ou seja, não é explicitamente reportado que, caso os
pacientes não recebam tratamento ou condições de controlo tal como assumido e
as medidas de resultados estiverem disponíveis, a análise é feita tal como se
os pacientes tivessem recebido tratamento (ou condições de controlo).
Discussão
A FQ é uma patologia multissistémica com elevado grau de variabilidade nos
casos de insuficiência pulmonar, com necessidade de tratamentos específicos
para a desobstrução das vias respiratórias. Assim, as ACT´s precisam de ser
individualmente e continuamente adaptadas para atender as necessidades dos
pacientes, familiares e profissionais de saúde 21. A equipa de tratamento da FQ
inclui tipicamente um expertem ACT´s, mais especificamente um Fisioterapeuta. O
papel do Fisioterapeuta incide na intervenção junto do paciente e da sua
família, com o intuito de determinar a técnica mais apropriada e educá-los para
o seu bom desempenho 20. Corroborando a ideia dos autores Lester e Flume 20,
verificou-se neste estudo que, há, de facto, um elevado número de investigações
sobre o desempenho da Fisioterapia na FQ, mas, na maioria, são realizados em
populações pequenas e em curtos períodos de tempo (por vezes, somente uma
sessão de tratamento).
Na conduta desta conceptualização, este estudo debruçou-se na análise de vários
estudos randomizados controlados, em que foram abordadas várias intervenções de
Fisioterapia na FQ.
Ao selecionar uma terapia de higiene brônquica, os fisioterapeutas devem
considerar alguns factores fundamentais, tais como: a motivação e as
expectativas do paciente, a capacidade de concentração, a facilidade de
aprendizagem, a eficácia da técnica, o trabalho respiratório necessário, os
custos, as vantagens da combinação dos métodos e a idade do paciente.20
Técnicas Manuais
Das várias técnicas que o Fisioterapeuta tem ao seu dispor para intervir nesta
patologia, surgem as técnicas manuais. Dos 22, foram incluídos nesta revisão 15
estudos referentes às técnicas manuais da Fisioterapia, que se subdividem em
Fisioterapia Respiratória Convencional (FRC), Drenagem Autogénica (DA) e Ciclo
Activo de técnicas Respiratórias (ACBT).
A FRC ajuda a remover as secreções das vias aéreas de forma a melhorar a fluxo
de ar nos pulmões. A FRC inclui três técnicas: Percussão (P), Vibração (V) e
Drenagem Postural (DP) (20). O ACBT é um regime flexível que compreende
Controlo Respiratório, Exercícios de Expansão torácica e técnica de Expiração
Forçada, frequentemente combinados com posicionamentos assistidos pela
gravidade21.
Chatham et al.22, realizaram um estudo que tinha o objectivo de comparar as
manobras inspiratórias resistidas com a Fisioterapia respiratória, em pacientes
com FQ. Os pacientes receberam, aleatoriamente e em dias alternados,
Fisioterapia respiratória por 30 minutos (DP e ACBT) ou séries de manobras
inspiratórias resistidas a 80% do seu máximo de pressão inspiratória mantida,
desenvolvida entre o volume residual e capacidade pulmonar total. Comparando
com a Fisioterapia respiratória, as manobras inspiratórias resistidas
aumentaram a quantidade da expectoração para o dobro, independentemente da
ordem de tratamento. Noutro estudo, com o intuito de comparar a eficácia e
preferência de pacientes com FQ de idade superior a 12 anos em três métodos de
limpeza das vias aéreas: DP e P, Ventilação Intrapulmonar Percussiva (IPV) e
Oscilação de alta frequência do tórax (HFCWO), Varekojis et al.23verificaram
que a média da quantidade de expectoração húmida diferiu significativamente
(p=0.035), uma vez que foi de 5.53±5.69g na DP e P, 6.84±5.41g na IPV e
4.77±3.29g na HFCWO. Nenhuma modalidade de Fisioterapia revelou ser preferida
relativamente a outra, assim como a quantidade média da expectoração seca não
diferiu significativamente, apesar desta na IPV ser significativamente maior do
que na HFCWO (p< 0.05). No que se refere à DA, Mcllwaine et al.24Verificaram
que esta técnica é tão eficaz como a DP e P, no tratamento de pacientes com FQ,
dado que ambas as técnicas promoveram melhoria da função pulmonar, não havendo
diferença significativa entre elas. Pryor et al.25constataram, também, que a DA
é uma técnica de Fisioterapia similarmente eficaz a longo prazo, como o ACBT,
PEP e PEP oscilatória em pacientes com FQ, uma vez que não foram encontradas
diferenças estatisticamente significativas entre as técnicas nos resultados do
Volume Expiratório Forçado no 1º segundo FEV1 (p=0.35), assim como no teste
Shuttle modificado (p=0.52). Os mesmos autores referem ainda que esta
investigação fornece evidência de apoio a estas modalidades de tratamento.
No que se refere ao ACBT, uma técnica que se revelou deveras auspiciosa em
todas as investigações in-cluídasnesteestudo,Williamsetal.26realizaram uma
investigação em que compararam o ACBT assistido por um fisioterapeuta ou feito
independentemente pelo paciente, em 15 pacientes com FQ, concluindo que na
terapia assistida se conseguiu uma maior desobstrução das vias aéreas, uma vez
que, se registaram melhorias significativas da função pulmonar 24h após a
terapia assistida pelo fisioterapeuta, apesar do dispêndio de energia não ser
significativamente diferente entre os dois métodos de tratamento. Num estudo
posteriormente realizado, Papadopoulou e tsanakas27concluíram que o ACBT obteve
uma superioridade estatisticamente significativa na qualidade da expectoração
em relação à FRC, em pacientes com FQ. No que se refere à quantidade de
expectoração, não se verificaram alterações significativas. Outra investigação,
que demonstra a elevada eficácia do ACBT nesta patologia, é a de Phillips et
al.28, em que concluíram que o ACBT é um método de desobstrução das vias aéreas
mais efectivo que a HFCWO em crianças com FQ, durante uma exacerbação
infecciosa dado que se constatou que a quantidade de expectoração aumentou
significativamente com o ACBT relativamente à HFCWO, durante o tratamento
(5.2gvs.1.1g, p<0.005, de manhã; 4.1g vs. 0.7g, p<0.01, de tarde). A função
pulmonar aumentou significativamente após o ACBT matinal (Capacidade Vital
Forçada [CVF]: 2.67l para 2.76l, p<0.03; FEV1: 1.59l para 1.62l, p<0.03).
Durante a tarde, com o ACBT, verificou-se também aumento significativo da CVF
(2.64 para 2.79, p<0.02) apesar de não ter alterações significativas no FEV1.
Com a HFCWO, a função pulmonar não se alterou em momento algum.
Utilizando também a técnica de ACBT, Hollandet al.29constataram que a adição de
VNI à técnica de ACBT aumentou significativamente a Pressão Expiratória Máxima
(PEmáx) (p=0.02), aumentou a média de SpO2 (p<0.001) e reduziu a dispneia
(p=0.02)., em relação à técnica de ACBT isoladamente. Não houve diferenças no
FEV1, CVF, ou na quantidade de expectoração, porém o Fluxo Expiratório Forçado
entre 25 e 75% (FEF25'75%) aumentou após a VNI (p=0.006).
Ventilação não Invasiva (VNI)
Nesta revisão foram incluídos 9 artigos referentes à VNI. A Oscilação de alta
frequência do tórax (HFCWO) é uma forma de VNI usada através de um colete
insuflável que cobre o tórax e fixando-se, através de tubos, a um gerador de
pulsos de ar. O gerador insufla e desinsufla o colete com frequências
diferentes (Hz). Estas oscilações comprimem e descomprimem a parede torácica,
manipulando assim o fluxo de ar para retirar secreções e movê-las para as vias
aéreas de maior calibre, a partir das quais as secreções podem ser expelidas20.
A vibração realizada de forma mecânica, embora não substitua um Fisioterapeuta,
não provoca fadiga muscular e pode fornecer frequências, ritmos e forças de
impacto constantes. Contudo, não existem fortes indícios de que essa modalidade
seja mais eficaz do que a realização de técnicas de forma manual.45Num estudo
em que compararam os efeitos a curto prazo da HFCWO com as ACTs, Osman et
al.30, corroboram a afirmação anterior ao verificar que durante a finalização
de ambos os tratamentos e, 24h após, as ACT´s removeram mais secreções do que a
HFCWO (p<0.001). No que se refere ao conforto e preferência dos pacientes, não
se verificaram alterações significativas. Foram também realizados estudos
recentes que não registam alterações significativas em relação às variações
dentro da técnica de HFCWO. Um destes estudos é o de Kempainen et al.31onde
verificaram que a HFCWO que gera oscilações em forma de onda triangular é
similarmente eficaz com a HFCWO que gera oscilações em forma sinusoidal, em
pacientes com FQ, uma vez que a média da quantidade de expectoração húmida e
seca produzida durante as sessões de oscilação, em forma de onda triangular e
sinusoidal, não diferiu (p=0.11 e p=0.2, respectivamente). Os autores advogam
que devem ser realizados estudos com maior tempo de comparação para verificar
se existem diferenças clinicamente relevantes nos resultados. No estudo de
Kempainen et al.32, constatou-se que, em adultos com FQ, a HFCWO de alta
pressão/frequência variável remove mais expectoração húmida que a HFCWO de
baixa pressão/média-frequência (6.4g, variância 0.49'22.0g, vs. 4.8g, variância
0.24'15.0g, p=0.02), apesar de não se verificarem alterações na quantidade de
expectoração seca removida (HFCWO alta pressão/ frequência variável 0.20g,
variância 0.009'0.62g, HFCWO baixa pressão/média-frequência 0.12g, variância
0.0001'1.0g, p=0.23), FEV1 (70 ml vs 90 ml, p=.21) e CVF (80 ml vs 80 ml,
p=0.94).
Ortóteses Ventilatórias
Dos estudos incluídos nesta revisão, 8 citam a utilização de ortóteses
ventilatórias, tais como o CPAP (Continuos Positive Airway Pressure), PEP mask
(aparelho que realiza Pressão Expiratória Positiva [PEP]),o Flutter ® e a
Acapella ® (aparelhos que realizam Pressão Expiratória Positiva com oscilação
[PEP oscilatória]). Ao realizarem uma investigação sobre a evidência
fisiológica da eficácia da PEP e HFCWO, em pacientes com FQ hospitalizados,
Darbee, Kanga, Ohtake33concluíram que a HFCWO e a PEP são similarmente eficazes
na melhoria da distribuição ventilatória, difusão de gases e função pulmonar,
em pacientes com FQ hospitalizados. Noutro estudo realizado anteriormente,
Darbee et al.34Constataram a elevada pertinência da PEP na FQ, dado que os
resultados confirmam que o baixo PEP e o alto PEP melhoram a difusão de gases
em indivíduos com FQ e que estas melhorias estão associadas ao aumento da
função pulmonar, expectoração de secreções espO2. Os autores propõem que as
melhorias na difusão de gases em pessoas com FQ podem levar ao aumento da
oxigenação e capacidade funcional nos exercícios.
Defacto,Newboldetal.35verificaram que não houve diferenças significativas na
função pulmonar e qualidade devida dos indivíduos com FQ relativamente às
técnicas de PEP e PEP oscilatória. No entanto, para os autores, uma amostra
maior seria necessária para concluir com segurança que não houve diferenças
entre os grupos. Contudo, num estudo mais recente, lagerkvist et
al.36concluíram que, apesar de ambas as técnicas causarem efeitos transitórios
nos gases sanguíneos dos pacientes com FQ, a PEP oscilatória altera de forma
mais significativa as pressões de gases sanguíneos que a PEP, assim como a
hiperventilação durante a PEP oscilatória, pode reduzir o tempo de tratamento
nestes pacientes. Noutra investigação, Placidi et al.37, ao comparar os efeitos
a curto prazo na quantidade de expectoração recolhida, usando as técnicas de
PEP, CPAP e VNI, concluíram que a eficácia das técnicas é idêntica, e que foi
reportada menorfadigadepoisdaVNIeCPAPdoquenaPEP. Noutro estudo, sontag et
al.38não encontraram alterações significativas ao comparar 3 modalidades de
Fisioterapia diferentes: DP, Flutter® e HFCWO em pacientes com FQ. Noutra
investigação, McCarren, Alison39compararam as técnicas de vibração, Acapella®,
Flutter®, PEP e percussão com o intuito de analisar os efeitos fisiológicos da
vibração na FQ. Os autores verificaram que o fluxo expiratório máximo da
vibração foi 1.4 vezes melhor que o do Flutter® (p=0.002), 1.9 vezes que o da
percussão (p<0.001), 2,7 vezes que o da Acapella® (p<0.001) e 3.6 vezes melhor
que a da PEP (p<0.001).
Actividade Física
Vários autores18,40,41,42,43advogam que a actividade física, como coadjuvante
da Fisioterapia diária, deve ser recomendada aos pacientes com FQ para promover
a desobstrução das vias aéreas, decrescer a incidência de infecção, prevenir a
deteriorização da função pulmonar, melhorar a qualidade de vida e aptidão
física. Nesse sentido, foram criados campos de férias, que são locais onde os
pacientes com a patologia realizam um treino intensivo sob vigilância de um
fisioterapeuta, podendo ser realizados em qualquer altura do ano. Segundo Blau
et al.40, os pacientes com FQ divertemse com a actividade física e preferem-na
à maioria das outras intervenções de Fisioterapia. Os mesmos autores
verificaram que um campo de férias incluindo Fisioterapia respiratória, uma
dieta rica em calorias, escalada diária à montanha e actividades indoormelhorou
o bem-estar,tolerânciaaoexercícioenutriçãodospacientes com FQ, apesar de não
haver alterações significativas na função pulmonare FC em repouso.
No entanto, numa investigação mais recente, Moeller et al.41verificaram
melhorias nos sintomas e nas medições da função pulmonar, como na capacidade
vital e capacidade vital forçada (p<0.05), em pacientes com FQ que participaram
num campo de férias, onde realizavam actividade física e Fisioterapia
respiratória. Contudo, não se verificaram alterações na obstrução e inflamação
dasvias aéreas.Os resultados do campo de férias de Gruber et al.44, corroboram
o anterior, ao confirmar que este programa melhorou o nível de aptidão física
em pacientes com FQ de ambos os géneros. O programa envolvia sessões de 45
minutos, 4 a 5 vezes por semana (actividades como jogging, ginástica, treino de
resistência e natação), mais sessões de 45 a 60 minutos de Fisioterapia
respiratória, 5 vezes por semana. Registaram-se diferenças fisiológicas entre
os géneros, no início e fim do treino, apesar da melhor função pulmonar nas
mulheres. Além disso, observou-se que foi o nível de aptidão física e não a
função pulmonar que determinou a resposta ao treino na FQ, com aqueles que
inicialmente estavam menos aptos a ter uma boa resposta ao treino. Noutro campo
de férias referente aos autores Goldbart et al.42, que incluía Fisioterapia
diária, actividade física e dieta hiper-calórica, verificou-se que a FEV1
aumentou 8.2±2.3% (p<0.05) e a SpO2 melhorou discretamente (1±0.3%, p<0.05). A
capacidade vital forçada aumentou 3.9±1.2%, mas não de forma significativa
(p=0.19). O peso corporal em 89 pacientes aumentou 1.9±0.9%, durante o tempo de
acampamento (p<0.05), e o peso corporal de um grupo de 24 pacientes continuou a
aumentar 5.0±1.7%, 3 meses após o acampamento (p=0.004).
The Pulmonary Guidelines Committeerecomenda o exercício aeróbio como uma
terapia coadjuvante para a desobstrução das vias aéreas e, apesar de não haver
evidência suficiente para concluir que a actividade física é tão efectiva como
as outras modalidades de ACt´s, há evidência de que esta actividade melhora a
remoção das secreções e a qualidade de vida.20Com os resultados deste estudo, é
possível extrapolar que a actividade física parece ser uma técnica bastante
pertinente como complemento às outras modalidades de Fisioterapia.
As limitações do estudo prendem-se com o facto da maioria das investigações ser
de curta duração e não verificar os efeitos a longo prazo, assim como, a
qualidade metodológica ser razoável (4.7 em 10 na escala de PEDro).
Os estudos randomizados controlados, incluídos nesta revisão, indicam que a
Fisioterapia é efectiva no tratamento de pacientes com FQ, contudo, mais
estudos randomizados controlados a longo prazo são necessários para confirmar
estes resultados. Destes estudos, poucos têm uma duração suficiente para
avaliar o impacto de uma intervenção a longo prazo sobre o estado clínico,
frequência das exacerbações, necessidade de antibióticos, ou sobre o impacto do
tratamento diário na qualidade de vida.21O reduzido número de estudos
randomizados controlados com efeitos a longo prazo impede-nos de extrapolar e
retirar conclusões mais firmes sobre esta temática a longo prazo. É também de
sublinhar que a investigação nesta área de conhecimento carece de estudos
referentes à actividade física, sobretudo em campos de férias. É de salientar
que, em Portugal, ainda não existem campos de férias com o intuito de promover
a saúde em pacientes com FQ.
Uma vez que a intervenção da Fisioterapia apresenta evidência científica nesta
área específica, torna-se de primordial importância o recurso ao fisioterapeuta
na promoção de saúde e prevenção de possíveis exacerbações em indivíduos com
FQ.
No entanto, apesar de ser elucidado na literatura que é imprescindível a
actuação da Fisioterapia em pacientes com FQ, ainda não há um consenso
relativamenteàformadeintervençãomaisefectiva.45Nesse sentido, a Fisioterapia
deve ser realizada de forma divertida e segura, incorporando-se no estilo de
vida da famíliadopaciente.46O futuro da Fisioterapia na FQ é um conceito muito
mais abrangente do que somente as ACt´s, devendo ser consideradas a seguintes
intervenções: aerossolterapia (agentes anti-microbianos para inalação irão
continuar a ser desenvolvidos e novos poderão ser introduzidos), ACt´s (novas
ACt´s poderão ser desenvolvidas enquanto que as técnicas existentes poderão
permanecer e evoluir), actividade física e educação ao paciente sobre a
patologia e o respectivo tratamento (46). Para além de Fisioterapia, outras
formas de tratamento são importantes nesta patologia, tais como: terapia
farmacológica, nutrição adequada e, em último recurso, o transplante pulmonar.
No transplante pulmonar, a Fisioterapia revela ser bastante pertinente, tanto
no pré como pós-cirúrgico.47
Conclusão
Após o término deste estudo e de acordo com o objectivo nele proposto, a
evidência actual consubstancializa a ideia de que a intervenção da Fisioterapia
é de primordial importância no tratamento dos pacientes com FQ. O recurso a
técnicas manuais, como as da FRC, ACBT e DA parece oferecer benefícios a curto
prazo nestes pacientes, sobretudo se associadas à VNI. De igual modo, as
técnicas de VNI, mais concretamente a HFCWO, também parecem demonstrar
efectividade. No que se refere às ortóteses respiratórias, quer a PEP, quer a
PEP oscilatória, sugerem ser bastante efectivas. Nos estudos sobre a actividade
física, como modalidade coadjuvante às outras técnicas de Fisioterapia,
constata-se que a mesma é bastante pertinente.
Com os resultados deste estudo, parece que se pode supor que uma modalidadede
Fisioterapia não é melhor do que outra. De facto, o paciente deve ter um papel
activo para tornar a Fisioterapia mais efectiva, colaborando com o
fisioterapeuta durante as sessões de tratamento. Entretanto, é importante
considerar que a motivação é a chave para a adesão a qualquer procedimento..
Sugere-se a implementação de investigações nas diferencia das modalidades de
Fisioterapia, com efeitos a longo prazo, e subsequentes programas de treino em
campos de férias similares aos estudos incluídos nesta revisão, no sentido de
optimizar a qualidade de vida destes pacientes. Para melhorar a qualidade
metodológica desses estudos, propõe-se que a distribuição dos pacientes pelos
grupos seja efectuada por envelope opaco selado, que os resultados não sejam
avaliados por medidas auto-reportadas, assim como, deverá ser realizada uma
análise intention to treat.
É de extrema importância que novos estudos sejam desenvolvidos, com a
finalidade de comprovar cada vez mais e com melhor qualidade a efectividade da
Fisioterapia nesta patologia, contribuindo para a sistematização do
conhecimento desta temática, de modo a promover uma prática clínica baseada na
evidência científica.