Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe0871-34132012000100002

EuPTCVHe0871-34132012000100002

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-3413
Year2012
Issue0001
Article number00002

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Tuberculose: Apresentação Incomum

Introdução Passados 129 anos da descoberta do bacilo Mycobacterium Tuberculosis(MT) por Robert Koch, a Tuberculose tem-se mantido como um problema de saúde Pública constituindo a principal causa de morte provocada por uma doença infecciosa curável.

O recrudescimento desta patologia em meados da década de 80 colocou a população mundial em alerta e despoletou a sua classificação em 1993 pela Organização Mundial de saúde (OMS) como emergência global.

Em 2009 a OMS estimou a incidência da tuberculose em 9 milhões de casos (139/ 100.000 habitantes) condicionando a mortalidade de 1,3 milhões de pessoas.1Muito embora a redução mantida, a um ritmo médio de 3,8%/ano, a incidência na união europeia cifra-se nos 15,8/100.000 habitantes. em Portugal, o número ascende aos 22,3/100.000 habitantes, não atingindo a fasquia <20/ 100.000 habitantes, o que permitiria a sua inclusão nos países de baixa incidência.2 A incidência de Tuberculose com envolvimento exclusivo extra-pulmonar e sistémico constitui em Portugal aproximadamente 2% dos casos.2Esta apresentação pode ser denominada como Tuberculose Miliar. A utilização deste termo data de 1700 por John Jacobus Manget como descrição anatomo-patológica do envolvimento pulmonar difuso caracterizada por vários e pequenos nódulos esbranquiçados semelhantes a sementes de milho. Actualmente, é utilizada para a caracterização de todas as formas progressivas e com disseminação hematogénica, mesma na ausência do padrão anatomo-patológico/radiológico típico. A sua apresentação clínica é extremamente variável, abrangente e pouco específica, constituindo formas agudas, subagudas e crónicas. Pode envolver, entre outros, o sistema respiratório, gastrointestinal, nervoso, cardiovascular, endócrino, hematológico3 As alterações hematológicas são comuns. A anemia normocítica normocrómica está presente em cerca de metade dos doentes. A maioria apresenta valor absoluto de leucócitos normal mas podem ocorrer casos de leucopenia ou leucocitose.

Trombocitopenia e trombocitose são também reportadas.4

Caso clínico Doente de raça caucasiana, sexo feminino, 77 anos, ex-trabalhadora rural, com antecedentes pessoais de Hipertensão Arterial essencial, que recorreu ao serviço de urgência por distensão e dor abdominal frustre e difusa com duas semanas de evolução, sem factores de alívio e/ou agravamento.

Concomitantemente, e durante o mesmo período, referia febre sem padrão característico, associada a sudorese nocturna, anorexia, astenia e adinamia.

Não destacava outros sintomas e não apresentava dados epidemiológicos de relevo.

Objectivamente, encontrava-se febril, hemodinamicamente estável, eupneica, sem exantema e sem adenomegalias palpáveis, sem alterações na auscultação cardiopulmonar mas com abdómen globoso e distendido com hepatomegalia palpável 3cm abaixo do rebordo costal direito e esplenomegalia palpável 9cm abaixo do rebordo costal esquerdo.

Na avaliação analítica efectuada entretanto, verificava-se: anemia normocítica normocrómica (hemoglobina= 10,1mg/dL); leucocitose (142700/ mm3) com 52% de neutrófilos, 46% de precursores mielóides, 1% de blastos, 1% de linfócitos e 0% de basófilos; 296000/mm3plaquetas; insuficiência renal (ureia= 61mg/dL, creatinina 1,4mg/dL), aumento da desidrogenase láctica (1870ui/L), albumina 3,2mg/dL e uma proteína c-reactiva 0,9mg/ dL. O esfregaço sanguíneo revelava uma ligeira anisocitose na série rubra e uma linha mielóide com precursores nas diversas fases mas sem alterações citoplasmáticas relevantes (bastões=14%).

A telerradiografia torácica e a ecografia abdominal reveleram respectivamente padrão intersticial difuso incipientee hepatoesplenomegalia associada a ascite de muito pequeno volume (Figura_1).

Procedeu-se a paracentese diagnóstica de líquido amarelo-citrino destacando-se a presença de 3000 leucócitos (60% polimorfonucleares e 40% de mononucleares), adenosina deaminase normal (38ui/L), glicose 122mg/dL, desidrogenase láctica 658ui/L, proteínas 2,5g/dL e albumina 0,9mg/ dL (definindo um gradiente de albumina soro-ascite =1,1).

Foi internada com os diagnósticos de Leucemia Mielóide Crónica provável e insuficiência renal Aguda (pré-renal). iniciou fluidoterapia e hidroxicarbamida como agente citorredutor.

Durante os primeiros dias de internamento não se registaram alterações subjectivas e objectivas de relevo (manteve febre) e assistiu-se a uma diminuição ligeira e não sustentada dos leucócitos (mínimo 48300/mm3) e normalização da função renal. efectuou-se mielograma que revelou hiperplasia mielóide, aumento dos precursores neutrofílicos, 1,3% de blastos e ausência de displasia; mielocultura que foi negativa e biópsia óssea que foi descrita como compatível com síndrome mieloproliferativo. Na análise citogenética, técnica de hibridização in situ por fluorescência e posteriormente na reacção em cadeia pela polimerase reversa para detecção do gene de fusão bcr/ablnão foram encontrados transcritos de fusão. A mutação p.V617F no gene JAK2 também não foi detectada.

Ao 14º dia de internamento, foi identificado no exame cultural do líquido ascítico e nas hemoculturas bacilo ácido-álcool resistente identificado posteriormente como Mycobacterium Tuberculosis(resistente apenas à estreptomicina). Assumiu-se reacção leucemóide secundária a Tuberculose sistémica. suspendeu hidroxicarbamida e iniciou antibacilares (isoniazida 5mg/ kg, rifampicina 10mg/ kg, pirazinamida 25mg/kg e etambutol 20mg/kg).

Apresentou melhoria clínica significativa com apirexia sustentada.

Analiticamente assistiu-se à normalização dos valores hematológicos e bioquímicos (Tabela_1 ) e à negativação das hemoculturas.

A Tomografia Computorizada torácica evidenciou manutenção de padrão reticular difuso e a imagiologia abdominal seriada foi reveladora de remissão paulatina da hepatoesplenomeglia eda ascite.

Adoentetevealtaao45ºdiadeinternamento,clínica e laboratorialmente melhorada.

Foi reavaliada posteriormente em Consulta externa não apresentando alterações dignas de registo.

Discussão A particularidade deste caso centra-se na atipicidade de apresentação daTuberculose Disseminada. A alteração hematológica rara e pouco frequente é crucial tornando-o incomum e revestido de especial interesse. A anamnese e o exame físico incaracterísticos associados às alterações analíticas descritas tornaram o diagnóstico de doença hematológica primária como mais provável. É considerado para a detecção de infecção/inflamação em situações de hiperleucocitose o valor da proteína c-reactiva igual ou superior a 1mg/dL, a presença de corpos de Dohle, granulações tóxicas e vacúolos citoplasmáticos nos neutrófilos e a contagem manual de bastões = 20%.5Todos estes dados ausentes no presente caso.

Assim, na abordagem da doente, decidiu-se iniciar a citorredução em simultâneo com a confirmação citogénica e molecular do diagnóstico mais provável: Leucemia Mielóide Crónica. Apesar do aspecto sugestivo de síndrome mieloproliferativo na biópsia óssea, o resultado negativo no despiste do gene de fusão bcr/abl e também da mutação no gene JAK2 permitiu a suspensão da hidroxicarbamida. O diagnóstico alternativo de reacção leucemóide ganhou consistência apesar da negatividade persistente dos vários exames microbiológicos directos e culturais e dos testes de amplificação de ácidos nucleicos. Ao 14º dia foi isolado e identificado MycobacteriumTuberculosistendo sido iniciado terapêutica antibacilar quadrupla durante dois meses e mantida posterior-mente isoniazida e rifampicina por quatro.6

Conclusão A dificuldade diagnóstica da reacção leucemóide e a infecção sistémica por Mycobacterium tuberculosis, particulariza esta descrição pelo número reduzido de casos descritos na literatura.

Pese embora os avanços científicos recentes e de forma a evitar o atraso diagnóstico da Tuberculose Miliar, o grau de suspeição na presença de manifestações pouco frequentes e a correcta abordagem microbiológica (nomeadamente de líquidos biológicos) são fundamentais dada a panóplia de apresentações e a incidência desta infecção em Portugal.


Download text