Alergia ao látex
INTRODUÇÃO
O látex natural é um produto extraído da árvore-da-borracha (seringueira ou
Hevea Brasiliensis), que após um complicado processo de manufactura, com vista
à obtenção das propriedades adequadas de elasticidade, resistência e protecção
barreira, entra na composição de múltiplos materiais de uso médico (luvas,
cateteres, algálias, máscaras, drenos, sondas, garrotes, entre outros) e de uso
corrente (preservativos, bolas, balões, toucas, brinquedos, chuchas, tetinas,
entre outros).
O látex natural pelas suas propriedades elásticas foi desde cedo utilizado
pelas civilizações pré-colombianas. No entanto, este látex era relativamente
pouco elástico, quebrando facilmente, sobretudo se submetido a temperaturas
mais frias.
Foi só no século XIX com a descoberta do processo da vulcanização (união dos
polímeros de hidrocarbonetos da borracha por pontes sulfito) que o látex entrou
na sua era industrial. Actualmente, os produtos de látex são ubiquitários na
prestação diária de cuidados de saúde. Para além das luvas existem mais de 40
000 produtos, de uso médico e de uso corrente, que contêm látex e com os quais
se contacta directamente por via cutânea, mucosa ou percutânea. O próprio ar
ambiente hospitalar contém partículas de látex em aerossol, facilitado pela
utilização de pó lubrificante nas luvas (amido de milho) que, por ser bastante
leve e adsorver proteínas do látex, o torna num bom veículo para a disseminação
aérea do látex, permitindo o seu contacto com a mucosa respiratória de vias
aéreas superiores e inferiores.
A alergia ao látex representa um capítulo particularmente excitante e
instrutivo na história das doenças alérgicas1,2.
Após os anos 80 a alergia ao látex eclodiu como uma entidade clínica emergente,
representando um importante problema de saúde, particularmente em grupos
populacionais bem identificados, associados com o contacto com este potente
alergénio quer a nível ocupacional quer durante a realização de intervenções
cirúrgicas. O aumento da prevalência e gravidade das reacções alérgicas ao
látex foi associado a vários factores, com destaque para a generalização do uso
de luvas e outros produtos de látex, como os preservativos (profilaxia do
contágio pelos vírus de hepatites ou da imunodeficiência humana), aumentando o
contacto e consequente sensibilização às proteínas do látex. Contribuíram ainda
para o aumento da sensibilização, as alterações no processamento de fabrico, de
modo a aumentar a sua produção, o que provocou alterações qualitativas nos
produtos finais, nomeadamente com o seu enriquecimento em conteúdo proteico
alergénico.
Mais recentemente, e após constatação deste problema de saúde, foram
instituídas em vários países medidas preventivas visando os grupos de risco
mais afectados, que têm sido eficazes, permitindo um decréscimo na incidência
desta patologia. A introdução de forma generalizada do uso de luvas sem pó
lubrificante e de menor conteúdo alergénico a nível hospitalar permitiu uma
redução na incidência do número de casos observados a nível dos profissionais
de saúde3. Particularmente encorajadores têm sido os resultados da
implementação de uma medicina preventiva nas crianças com espinha bífida, com
evicção desde o nascimento, impedindo o aparecimento de sensibilização a este
potente alergénio4,5.
A primeira descrição de hipersensibilidade imediata ao látex foi efectuada em
1979 por Nutter6. O autor descreveu o caso de uma dona de casa com episódios
repetidos de urticária de contacto, minutos após o uso de luvas de borracha.
O teste cutâneo, efectuado com solução obtida a partir da eluição das luvas em
álcool e água foi positivo, demonstrando um fenómeno mediado por IgE. Desde
então, vários trabalhos têm sido publicados sobre reacções alérgicas mediadas
por IgE, reportando quadros de urticária e/ou angioedema, rinite, conjuntivite,
asma e anafilaxia. A maioria das reacções são ligeiras, mas situações graves,
com envolvimento sistémico e potencialmente fatais, podem ocorrer,
particularmente durante intervenções cirúrgicas ou realização de técnicas
envolvendo exposição das mucosas a produtos com látex, como colocação de
cateteres (ex. clisteres opacos), exames ginecológicos e tratamentos dentários.
Têm também sido descritos casos de anafilaxia após exposição a preservativos,
balões, brinquedos de borracha e outros objectos contendo látex. Apesar da
diversidade de sintomas que podem surgir, muitos dos indivíduos sensibilizados
não apresentam qualquer sintomatologia, sendo importante a distinção entre a
sensibilização assintomática e a alergia ao látex, com manifestações clínicas
associadas7.
Esta patologia apresenta ainda implicações sob um ponto de vista médico-legal,
pois ocorre predominantemente em grupos de risco que incluem, de uma forma
geral, indivíduos com múltiplas exposições a produtos de látex, por razões
profissionais ou de saúde. No primeiro caso surgem questões relacionadas com a
eventual recolocação ou compensação profissional, enquanto no segundo existem
questões relacionadas com a iatrogenia.
PREVALÊNCIA E GRUPOS DE RISCO
A prevalência da sensibilização ao látex na população em geral estima -se
inferior a 1%8, enquanto que em grupos seleccionados, denominados de risco,
esta é muito mais elevada (Quadro 1)2,9-19. O principal grupo de risco para
sensibilização ao látex é constituído pelas crianças com espinha bífida. Outras
patologias malformativas congénitas, nomeadamente anomalias urológicas e
gastrintestinais, condicionando de igual modo múltiplas e precoces intervenções
cirúrgicas representam também grupos de risco. Os profissionais de saúde,
especialmente os que trabalham em blocos operatórios, constituem outro
importante grupo de risco, assim como outros indivíduos com exposição
ocupacional a este alergénio, tais como operários da indústria de látex ou
trabalhadores das plantações da árvore-da-borracha, entre outros. No âmbito da
exposição ocupacional, o tempo de contacto e o grau da exposição representam os
principais factores de risco para a sensibilização. A atopia e a existência de
eczema das mãos parecem também predispor para a sensibilização. Salienta-se
que, no entanto, a sensibilização ao látex e subsequente desenvolvimento de
doença alérgica podem ocorrer em qualquer indivíduo, mesmo na ausência de
factores de risco identificáveis.
Quadro 1. Prevalência de sensibilização ao látex em grupos de risco2,9-19
1. Crianças com espinha bífida
As crianças com espinha bífida representam o principal grupo de risco para
sensibilização ao látex, encontrando-se nos vários estudos prevalências que
variam entre 18 a 73%2,13,17. As elevadas prevalências encontradas parecem
resultar predominantemente do contacto precoce e frequente com produtos
contendo látex. Esta exposição inicia-se, na maioria dos casos, nos primeiros
dias de vida com o encerramento cirúrgico do mielomeningocelo e persiste no
decurso de várias intervenções cirúrgicas e procedimentos médicos invasivos.
Vários autores têm procurado identificar factores de risco para alergia ao
látex nestas crianças. O número elevado de cirurgias, habitualmente mais de 8,
é consensualmente aceite como principal factor de risco12,14.
Outros factores são referidos, tais como: existência de derivação ventriculo -
peritoneal14, atopia12,14, e valor mais elevado de IgE específica e de IgE
total12 -14. Por confirmar está a existência de uma condicionante genética para
o desenvolvimento de alergia ao látex nestas crianças. É controverso se a
existência de derivação ventriculo-peritoneal constitui por si só um factor de
risco, ou se este risco está relacionado com o número mais elevado de cirurgias
a que estas crianças são submetidas. A hipótese do contacto meníngeo precoce
com as luvas de látex aumentar o risco de alergia, é apoiada por Niggemann et
al., num caso publicado em que documenta a produção local de IgE específica
para látex no líquido cefalo-raquidiano de uma criança com derivação ventri
culo-peritoneal20.
Num estudo efectuado por Pires et al.17, englobando 57 crianças com espinha
bífida seguidas no Serviço de Neurologia do Hospital de Dona Estefânia, em
Lisboa, foi encontrada uma prevalência de sensibilização ao látex de 30%. Pela
realização de um modelo de regressão múltipla foram encontrados como factores
de risco independentes, a existência de número elevado de intervenções
cirúrgicas (≥ 4 cirurgias) e níveis séricos mais elevados de IgE total, com um
risco relativo de 26,3 e 8,6 respectivamente.
2.Crianças com outras malformações submetidas a múltiplas cirurgias
As crianças com outras patologias malformativas congénitas submetidas a
múltiplas intervenções cirúrgicas, nomeadamente anomalias urológicas e
gastrintestinais, representam também um importante grupo de risco para
sensibilização ao látex. Escasseiam estudos de prevalência neste grupo de
risco, referindo no entanto alguns autores elevadas prevalências, variando de
20 a 55%16,18.
Degenhardt et al.16 num estudo englobando 86 crianças com malformações
urológicas (n=70) e gastrintestinais (n=16), submetidas a pelo menos uma
cirurgia, encontraram uma prevalência de sensibilização ao látex de 31,4% e uma
prevalência de alergia de 12,8%. Foram identificados como factores de risco
para aparecimento de clínica com exposição ao látex, um número elevado de
cirurgias (> 8) e nível mais elevado de IgE específica para látex.
3.Indivíduos com exposição ocupacional ao látex
Os trabalhadores com exposição ocupacional ao látex, que usam luvas ou
contactam com outro material contendo látex, estão particularmente em risco de
sensibilização.
Trabalhos epidemiológicos realizados em diversos países revelam taxas de
prevalência de sensibilização ao látex em profissionais de saúde variando entre
3 e 17%7,9,11,15,19. Em sectores hospitalares onde a troca de luvas é mais
frequente, como blocos operatórios, unidades de cuidados intensivos, salas de
parto, unidades de endoscopia e laboratórios, as prevalências de sensibilização
são mais elevadas.
Turjanmaa, em 1987, num vasto e pioneiro estudo epidemiológico efectuado em
várias unidades de saúde9, verificou que 7,4% dos médicos e 5,6% dos
enfermeiros que trabalhavam no bloco operatório estavam sensibilizados ao
látex. Não são devidamente valorizados pelos profissionais de saúde que usam
luvas, os riscos a que estão sujeitos e a que expõem terceiros. O amido
aplicado à superfície das luvas como lubrificante facilita a difusão dos
alergénios, o seu aumento no interior das luvas e em suspensão no ar ambiente.
Alguns autores têm procurado avaliar a relação entre a concentração dos
alergénios do látex no ar ambiente e o aparecimento dos sintomas, nomeadamente
respiratórios e oculares. Baur et al.21 estudou 145 profissionais de saúde,
tendo identificado como factor de risco para aparecimento de sintomas nos
indivíduos sensibilizados ao látex a exposição a uma concentração igual ou
superior a 0,6 ng/m3 de partículas de látex no ar ambiente. Salienta -se que as
concentrações mais elevadas foram encontradas em áreas hospitalares em que eram
usadas luvas com pó lubrificante e sem sistemas de ventilação eficazes. Assim,
o uso de luvas sem pó lubrificante contribui não só para a prevenção primária,
mas também para a diminuição dos sintomas nos indivíduos sensibilizados.
Os operários da indústria de látex, bem como os trabalhadores das plantações da
árvore -da -borracha, responsáveis pela colheita da seiva, pelo contacto
frequente com este produto, encontram-se também particularmente em risco de
sensibilização, variando as prevalências de sensibilização ao látex encontradas
entre 6 a 11%10.
4.Indivíduos atópicos
A atopia tem sido referida por vários autores como um factor de risco para a
sensibilização ao látex. A sensibilização a aeroalergénios comuns,
particularmente em indivíduos com eczema das mãos, tem sido identificada como
factor de risco para o desenvolvimento de alergia ao látex em profissionais de
saúde7,9. No entanto, em crianças com mielomeningocelo ou outras malformações
congénitas esta característica nem sempre é um factor de risco independente,
embora tradicionalmente assim seja considerado.
ALERGÉNIOS DO LÁTEX
O conteúdo proteico do látex varia de 1 a 2% dos seus constituintes, tendo sido
identificados no látex natural mais de 240 polipéptidos, com pesos moleculares
entre 4 a 200 kDa.
Alguns destes péptidos permanecem inalterados após o processamento industrial,
podendo actuar como potentes alergénios.
Durante o processamento, o látex natural é submetido a um processo de
vulcanização, com a adição de aditivos químicos e anti-oxidantes, para acelerar
o processo e dotar o produto final das características físico-químicas e
mecânicas desejadas, nomeadamente reforçando as suas propriedades elásticas. A
adição de amónia durante a manufactura diminui o conteúdo proteico por
hidrólise e precipitação de proteínas, mas pode levar ao aparecimento de novos
péptidos com diferente especificidade alergénica. Estima-se que apenas cerca de
25% dos péptidos presentes no látex apresentem propriedades alergénicas, ou
seja capacidade de induzir a produção de anticorpos IgE específicos.
Segundo o Comité Internacional de Nomenclatura de Alergénios da IUIS
(International Union of Immunological Societies), estão até à data
identificados e caracterizados 14 alergénios do látex, que foram denominados de
Hev b 1 a Hev b 14 (Quadro 2)22-26. Considera -se um alergénio majorse houver
uma resposta IgE específica positiva em mais de 50% dos soros dos doentes
alérgicos ao látex.
Quadro 2.Caracterização dos alergénios do látex22-26
Os alergénios do látex podem ser divididos consoante a sua função biológica,
em:
' proteínas envolvidas na biosíntese dos polímeros de isopreno (polisopreno) e
coagulação do látex;
' proteínas pertencentes ao sistema de defesa das plantas;
' proteínas estruturais.
1. Proteínas envolvidas na biosíntese do polisopreno e coagulação do látex
O factor de alongamento da borracha (REF) ou Hev b 1, com um peso molecular de
14,6 kDa, foi o primeiro alergénio do látex a ser caracterizado, sendo
inicialmente considerado o alergénio principal do látex, independentemente do
grupo populacional de risco estudado, facto que estudos posteriores vieram
contestar. Um outro alergénio envolvido na biosíntese do polisopreno é o Hev b
3, com um peso molecular de 23 -27 kDa, também denominado REF-like.
2. Proteínas do sistema de defesa vegetal
A Hevea brasiliensisé uma árvore de climas tropicais, encontrando -se sujeita a
várias agressões microbianas e ambientais. Um importante grupo de proteínas
presentes no látex são designadas por proteínas de defesa ou PR (pathogenesis -
related proteins), sendo responsáveis pela protecção contra várias agressões,
nomeadamente microbianas, por insectos ou fungos, ambientais físicas ou
químicas.
São panalergénios de origem vegetal, que se encontram presentes em várias
plantas não relacionadas taxonomicamente, e que são responsáveis pela
ocorrência de fenómenos de reactividade cruzada com importantes implicações
clínicas. A existência de alergia alimentar por reactividade cruzada a vários
alimentos de origem vegetal, é uma das manifestações clínicas da alergia ao
látex, sendo denominada síndrome látex-frutos. A designação de reactividade
cruzada é um conceito imunológico que pressupõe a existência de dois alergénios
que são reconhecidos pelo mesmo anticorpo. A explicação reside na homologia
estrutural entre os alergénios, com presença de epítopos comuns, e a
demonstração in vitropode ser realizada por estudos de inibição.
O alergénio Hev b 2 é uma β-1,3-glucanase, com peso molecular de 35 kDa,
pertencente ao grupo das PR -2. Tem uma acção antifúngica por degradar os β -
1,3 glicanos constituintes das paredes celulares dos fungos. Foi documentada a
existência de reactividade cruzada com glucanases presentes na banana e tomate.
As quitinases da classe I são proteínas do tipo PR-3, proteínas com função
antifúngica e insecticida, que hidrolizam a quitina, componente do exoesqueleto
de insectos e parede fúngica. A heveína (Hev b 6.02), domínio N 'terminal da
proheveína (Hev b 6.01) com 20 kDa, pertence à família das quitinases e tem um
papel preponderante na síndrome látex-frutos. Foi demonstrado por estudos de
inibição que quitinases da classe I, identificadas como alergénios majorde
frutos como abacate (Prs a 1), castanha (Cas s 5) e banana (Mus a 1), possuem
um domínio N-terminal semelhante ao da heveína. Foi também identificado um
alergénio do látex que corresponde a uma quitinase da classe I, o Hev b 11.
As proteínas de transferência de lípidos (LTPs) são muito estáveis, têm um
baixo peso molecular e pertencem ao grupo das PR-14, com função antimicrobiana
e antifúngica.
A LTP presente no látex, Hev b 12, é um alergénio minor; foi documentada a
existência de reactividade cruzada com LTPs presentes em frutos da família
Rosaceae, tais como pêssego, alperce e ameixa (subfamília Prunoideae).
A patatina do látex (Hev b 7) é uma proteína de reserva para a qual foi também
identificada uma função de defesa, tendo-se demonstrado a sua acção
insecticida. No caso da patatina, apesar de estar demonstrada a existência de
homologia estrutural com a patatina da batata (Sol t 1), a reactividade cruzada
não tem habitualmente implicações clínicas pois esta proteína é inactivada pelo
calor, justificando a ausência de sintomatologia após a ingestão do alimento
cozinhado. O Hev b 13 ou esterase do látex, com um peso molecular de 43 kDa,
tem também propriedades defensivas, encontrando-se ainda em estudo as eventuais
implicações em termos de reactividade cruzada.
Mais recentemente, foi identificado o Hev b 14 ou hevamina, com um peso
molecular de 30 kDa, que pertence ao grupo das quitinases, encontrando -se por
esclarecer a sua relevância clínica.
3. Proteínas estruturais
O Hev b 8 ou profilina do látex pertence a um grupo de proteínas ubiquitárias
do reino vegetal, que se designam por profilinas, proteínas do citoesqueleto
que regulam a polimerização da actina. Foi documentada a homologia estrutural
da profilina do látex com a profilina da banana, bem como com pólenes de
ambrósia, bétula e gramíneas; no entanto, apesar de responsável por forte
reactividade cruzada imunológica, não apresenta implicações clínicas.
O Hev b 4, componente do complexo proteico da micro-hélice, e o Hev b 5,
proteína ácida do látex, são também proteínas estruturais do látex. Para o Hev
b 5 foi documentada a existência de reactividade cruzada com o kiwi e com a
mandioca26. Um aspecto importante a salientar em relação a este alergénio é o
facto de a sua concentração ser superior no látex processado (ex. luvas)
relativamente ao látex natural.
Foram ainda identificadas duas enzimas do látex como alergénios minor: a
enolase (Hev b 9), com função glicolítica e reactividade cruzada descrita com
enolases do tomate e do fungo Cladosporium(Cla h 6) e a superóxido dismutase
(Hev b 10), que permite a destruição de radicais livres, com reactividade
cruzada descrita com o fungo Aspergillus fumigatus(Asp f 6).
4. Padrões de sensibilização alergénica ao látex
A sensibilização a este potente alergénio pode ocorrer essencialmente por duas
vias de exposição: no decurso de intervenções cirúrgicas e por exposição
ocupacional. O estudo do perfil de sensibilização alergénica ao látex, por
recurso a alergénios naturais purificados e alergénios recombinantes, em
diferentes grupos de risco, tem demonstrado a existência de padrões de
sensibilização distintos, que parecem variar consoante a via de exposição ao
látex. Estudos experimentais efectuados em animais têm apoiado estas
evidências27.
Também corroborando estes dados, Peixinho et al., num estudo efectuado na
Universidade da Beira Interior, demonstraram haver padrões diferenciais de
expressão de alergénios entre as faces interna e externa de luvas cirúrgicas de
látex28. Utilizando várias marcas de luvas, os autores encontraram
concentrações de Hev b 1 e Hev b 3 significativamente superiores na superfície
externa das luvas, enquanto a superfície interna apresentava maiores
quantidades dos alergénios Hev b 5 e Hev b 6.02.
A possibilidade de cada grupo populacional, com diferentes vias de exposição,
se sensibilizar especificamente a determinadas proteínas, vem explicar algumas
das particularidades clínicas de cada grupo de risco, nomeadamente em relação à
presença e gravidade da síndrome látex-frutos29. Nos doentes alérgicos ao látex
com exposição ocupacional a este alergénio, esta forma de alergia alimentar por
reactividade cruzada é frequente; pelo contrário, nas crianças com espinha
bífida esta síndrome é rara.
Nos doentes com espinha bífida (exposição por múltiplas cirurgias, efectuadas
em idade precoce), os alergénios majordo látex identificados e caracterizados
são o Hev b 1 (IgE específica presente em 70 a 100% destes doentes) e o Hev b 3
(IgE específica presente em 50 a 85% destes doentes) ' (Quadro 3)24,30. O Hev b
7 é ainda um alergénio relevante nestes doentes31,32. Nos profissionais de
saúde (exposição ocupacional, com contacto mantido por via cutânea e
inalatória) os alergénios majordo látex são o Hev b 5 (IgE específica presente
em 67 a 92% destes doentes), a proheveína ou Hev b 6.01, com o seu domínio N -
terminal conhecido como heveína ou Hev b 6.02 (IgE específica presente em 67 a
84%), o Hev b 13 (IgE específica presente em 63 a 83% destes doentes) e o Hev b
2 (IgE específica presente em 56 a 73%).
Quadro 3.Padrões de sensibilização nos diferentes grupos de risco (alergénios
principais)24,30.
Gaspar et al.29, num estudo de caracterização do perfil de sensibilização
alergénica ao látex, pelo uso de alergénios recombinantes e naturais
purificados, encontraram diferenças significativas entre os perfis de
sensibilização nos doentes com e sem síndrome látex -frutos. A proheveína ou
Hev b 6.01, foi o alergénio principal identificado nos doentes com alergia
alimentar por reactividade cruzada, desencadeando uma resposta IgE específica
positiva em 81% destes doentes.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
As reacções atribuídas ao látex podem apresentar distintas apresentações
clínicas, dependendo de factores individuais como atopia, via de exposição,
frequência, intensidade e tempo de exposição. As manifestações clínicas mais
frequentes são cutâneas e podem ser reacções não imunológicas (dermatite de
contacto irritativa) ou alérgicas (dermatite de contacto alérgica, urticária de
contacto, urticária sistémica e angioedema). Podem manifestar-se por queixas
respiratórias (rinite e asma), oculares (conjuntivite) ou como reacções
alérgicas graves potencialmente fatais (anafilaxia).
1. Manifestações cutâneas
A pele é o órgão mais frequentemente envolvido; indivíduos com contacto
frequente com produtos com látex apresentam com frequência dermatite nas mãos,
punhos ou antebraços. Estas reacções incluem dermatite de contacto irritativa,
dermatite de contacto alérgica, dermatite de contacto a proteínas ou urticária
de contacto. Apesar de outros produtos presentes nas luvas de látex possam
contribuir para as lesões cutâneas, a maioria das queixas devem-se aos
alergénios do látex.
A dermatite de contacto irritativa
é causada por múltiplos estímulos irritantes como lavagem frequente das mãos,
pó lubrificante, oclusão, fricção e químicos irritantes, e é potenciada pelo
uso de detergentes ou produtos com pH alcalino. Pode ser aguda ou crónica e
nestes casos as lesões persistem após a suspensão do agente irritativo. Estas
lesões não têm base imunológica e são causadas por lesão directa na epiderme.
Envolvem com maior frequência os espaços entre os dedos e a face dorsal da mão
onde a camada córnea é mais fina.
Muitas das situações de reacções cutâneas associadas ao uso de luvas são
atribuídas a irritação da pele, mas é fundamental excluir outros diagnósticos e
ter presente que pode ser um factor de risco para sensibilização ao látex.
A dermatite de contacto alérgicaé a reacção alérgica com base imunológica mais
frequente. Trata-se de um mecanismo de hipersensibilidade retardada, tipo IV,
que pode ocorrer horas a dias após exposição a aditivos químicos.
Os alergénios mais comuns são os aditivos aceleradores da vulcanização:
tiurans, carbamatos e benzotiazóis.
Os trabalhadores da indústria da borracha apresentam com frequência
sensibilização aos alergénios do grupo parafenilenodiamina.
A dermatite de contacto a proteínas
é uma dermatite crónica e recorrente causada por proteínas além dos agentes
químicos. A reacção ocorre na maioria dos casos na doença ocupacional e pode
coexistir sensibilização ao látex. As lesões de pápulas ou vesículas ocorrem 30
minutos a 6 horas após contacto com a proteína alergénica.
A urticária de contactoé a reacção alérgica imediata mais frequente e por vezes
a única manifestação de alergia ao látex, particularmente em trabalhadores de
saúde.
Os sintomas são provocados por reacções mediadas por IgE a proteínas do látex,
e ocorrem em geral 10 a 30 minutos após contacto com as luvas.
2. Manifestações respiratórias
A inalação de partículas dos alergénios de látex pode provocar sintomas
mediados por IgE, rinite, conjuntivite e/ou asma, em trabalhadores de saúde e
outras profissões associadas a exposição ocupacional ao látex, entre outros.
As proteínas do látex responsáveis pela sintomatologia estão agregadas no pó
contido nas luvas de látex e, com a manipulação, as partículas ficam em
suspensão (partículas aerossolizadas de látex) e desencadeiam sintomas ao serem
inaladas.
A grande maioria dos indivíduos alérgicos ao látex são atópicos, com
antecedentes de doença alérgica a aeroalergénios, sobretudo ácaros ou pólenes.
No entanto, a asma alérgica ao látex pode ocorrer em indivíduos não atópicos e
sem doença alérgica prévia.
Preconiza-se o rastreio de sensibilização ao látex em indivíduos pertencentes a
grupos de risco, particularmente profissionais de saúde ou de laboratório, com
o objectivo de identificar os doentes sensibilizados e serem iniciadas
precocemente medidas de evicção.
3. Anafilaxia
Os indivíduos com alergia ao látex podem desencadear quadros de anafilaxia em
várias situações e o risco é particularmente elevado quando submetidos a
cirurgias ou procedimentos de diagnóstico invasivos. Podem também ocorrer com a
exposição de balões, bolas e insufláveis de borracha presentes em grande
quantidade em áreas infantis.
Estão descritos casos fatais atribuídos a alergia ao látex após colocação de
cateteres rectais, uretrais e no decurso de cirurgias.
Tem-se observado um aumento crescente na incidência de anafilaxia ao látex no
peri-operatório nos últimos anos. Em estudos prospectivos epidemiológicos
sucessivos em França encontrou-se uma incidência de anafilaxia ao látex de 0,5%
(entre 1984 -1989) e 22,3% (entre 2001-2003)33,34.
Várias séries apontam o látex como segunda causa de anafilaxia peri -
operatória, depois dos relaxantes neuromusculares34.
Resultados semelhantes foram encontrados por Faria et al.35, na consulta de
alergia a fármacos dos hospitais da Universidade de Coimbra, onde os agentes
mais frequentemente envolvidos nos 16 casos de anafilaxia no peri -operatório
estudados foram os relaxantes neuromusculares (62,5%), seguidos do látex
(18,7%). Os sintomas surgem em geral entre 15 a 60 minutos após o inicio da
cirurgia, ao contrário das reacções atribuídas a agentes anestésicos que se
iniciam nos minutos seguintes à indução anestésica.
Em cerca de 30% dos casos, os doentes apresentavam sintomas sugestivos de
sensibilização ao látex e factores de risco não valorizados. São considerados
com maior risco de anafilaxia ao látex, os profissionais de saúde ou
trabalhadores na indústria do látex, particularmente se atópicos e com alergia
alimentar, doentes com antecedentes de reacções adversas em cirurgias
anteriores e crianças submetidas a múltiplas cirurgias por espinha bífida ou
outras malformações congénitas.
A anafilaxia ao látex no peri-operatório, em doentes alérgicos não
diagnosticados previamente, é uma realidade.
Chamando assim a atenção para a necessidade de rastreio pré-operatório dos
doentes com factores de risco de alergia ao látex com o objectivo de confirmar
a sensibilização, incrementar as medidas de evicção e, quando indicada, iniciar
imunoterapia específica ao látex.
SÍNDROME LÁTEX -FRUTOS
A associação de alergia ao látex e alergia alimentar a frutos e outros vegetais
com reactividade cruzada com látex é denominada síndrome látex-frutos. A
primeira descrição desta síndrome foi efectuada em 1991 por Lotfi M'Raihi, que
apresentou um caso clínico de uma enfermeira, de nacionalidade francesa, com
alergia ao látex e à banana, tendo demonstrado a existência de reactividade
cruzada por técnicas de inibição de RAST36. No entanto, a proposta da
designação deste termo seria apenas sugerida em 1994 por Carlos Blanco37 ao
constatar a existência de uma elevada frequência de alergia alimentar a frutos
num grupo de 25 doentes alérgicos ao látex. Neste estudo, realizado em Espanha,
52% dos doentes, na quase totalidade com exposição profissional, apresentavam
concomitantemente alergia a frutos, maioritariamente abacate, castanha e
banana, para os quais o autor realizou estudos de inibição comprovando a
existência de reactividade cruzada com o látex. Desde então, esta entidade
clínica tem sido largamente referida, tendo aumentado o número de alimentos que
apresentam reactividade cruzada descrita com látex (Figura 1), incluindo vários
frutos, particularmente frutos exóticos, e outros vegetais que se encontram
referidos no Quadro 4 38 -41.
Figura 1.Síndrome látex -frutos: alergia alimentar a frutos e outros alimentos
de origem vegetal por reactividade cruzada em doentes alérgicos ao látex
Quadro 4.Lista de alimentos com reactividade cruzada com látex38-41
A prevalência estimada para a ocorrência da síndrome látex -frutos oscila entre
20 a 60%37,39,42. As formas de apresentação podem variar desde síndrome de
alergia oral até reacções sistémicas graves, potencialmente fatais, sendo a
anafilaxia descrita frequentemente como a primeira manifestação clínica desta
síndrome. Os alimentos mais frequentemente implicados são o abacate, a
castanha, a banana e o kiwi.
A síndrome látex-frutos é uma manifestação clínica característica e muito
temida da alergia ao látex, que afecta essencialmente o grupo de risco dos
profissionais de saúde. Neste grupo, a prevalência de alergia alimentar a
frutos e outros vegetais com reactividade cruzada com látex é elevada e
frequentemente causa de anafilaxia. Pelo contrário, nas crianças com espinha
bífida a prevalência de alergia alimentar é baixa, e raramente é causa de
reacções alérgicas graves. As diferenças encontradas devem-se ao facto de cada
grupo de risco se sensibilizar a diferentes proteínas do látex, conforme
referido.
Gaspar et al.39, num estudo envolvendo 61 doentes alérgicos ao látex,
pertencendo a diferentes grupos de risco (15 com espinha bífida, 13 submetidos
a múltiplas cirurgias sem espinha bífida e 33 profissionais de saúde),
verificaram que dos 17 doentes que apresentavam síndrome látex-frutos, 15 eram
profissionais de saúde e a maioria apresentava quadros de anafilaxia. Pelo
contrário, nos doentes com espinha bífida, apenas uma adolescente manifestou a
síndrome, caracterizada por sintomas de alergia oral após ingestão de castanha
crua. Neste grupo de doentes com síndrome látex-frutos, os alimentos mais
frequentemente implicados foram: castanha em 12 doentes, banana em 8, pêssego
em 5 e abacate e kiwi em 4 doentes.
Salienta-se ainda que 3 doentes alérgicos ao látex apresentavam urticária de
contacto com batata crua, mas toleravam a ingestão do alimento cozinhado. Dos
alimentos responsáveis por reacções de anafilaxia, destaca-se a castanha,
referida por 9 doentes, seguida da banana em 5 doentes.
A frequência dos alimentos implicados nesta síndrome varia consoante os
estudos, reflectindo os hábitos dietéticos da região geográfica. Um exemplo bem
ilustrativo é a alergia à castanha, alimento mais frequentemente implicado no
estudo efectuado em Portugal39 e em Espanha37, sendo pelo contrário pouco
frequente em estudo efectuado na Alemanha42.
O diagnóstico da alergia alimentar associada a alergia ao látex baseia-se na
história clínica de ocorrência de reacções adversas imediatas, sugestivas de
serem mediadas por IgE, e é confirmado pela evidência de sensibilização
documentada por teste cutâneo positivo para o alimento implicado. O doseamento
sérico de IgE específica para estes alimentos, frutos e legumes, tem menor
sensibilidade diagnóstica. A realização do teste cutâneo com o alimento em
natureza é muitas vezes imprescindível, quer pela maior sensibilidade
diagnóstica comparativamente ao extracto comercial, quer porque para alguns
destes alimentos não existem disponíveis extractos comerciais. Em casos
duvidosos, os doentes sensibilizados deverão fazer uma prova de provocação
oral, sempre com as medidas de precaução adequadas, nomeadamente em meio
hospitalar e desde que não haja contra-indicação à sua realização. Quando se
diagnostica uma sensibilização assintomática a um alimento não consumido
regularmente ou cuja tolerância se desconhece é prudente aconselhar-se a
evicção. Esta realidade é distinta nas crianças com espinha bífida em que a
sensibilização assintomática é habitual.
A terapêutica da síndrome látex -frutos consiste essencialmente na evicção.
Neste caso, para além das medidas rigorosas de evicção de material contendo
látex, nas actividades profissionais e domésticas dos doentes, é também
imprescindível a evicção dos alimentos implicados. A possibilidade da
imunoterapia específica para o látex reduzir a sensibilização a alimentos tem
sido descrita por alguns autores43. Estes doentes deverão ter disponível um
dispositivo auto-injector de adrenalina em caso de ingestão acidental,
particularmente quando há história de reacções graves.
DIAGNÓSTICO
As reacções de alergia tipo I, mediadas por IgE, ao látex caracterizam-se por
uma notável diversidade clínica, podendo variar desde prurido local até
episódios de choque anafiláctico e morte.
O diagnóstico de alergia ao látex baseia-se na clínica e é confirmado por
testes de diagnóstico in vivo(testes cutâneos, provas de provocação) e/ou
testes laboratoriais, demonstrando a existência de mecanismos imediatos
mediados por IgE e dirigidos contra proteínas do látex.
1. História clínica
A realização de uma história clínica cuidadosa é fundamental.
O doente deverá ser submetido a questionário detalhado, no qual deverão ser
avaliados:
Situações que permitam a inclusão nos denominados grupos de risco,
nomeadamente existência de espinha bífida e outras malformações congénitas,
doentes submetidos a múltiplas cirurgias ou exposição profissional ao látex;
Sintomas imediatos após contacto com luvas de látex ou outros produtos
contendo látex (contacto directo e/ou inalação);
Reacções durante procedimentos médico-cirúrgicos, tais como tratamentos
dentários ou exames ginecológicos, ou reacções intra'operatórias
Reacções com alimentos de origem vegetal com reactividade cruzada descrita
com o látex (síndrome látex-frutos);
Episódios de urticária ou anafilaxia não explicados.
2. Testes cutâneos
Os testes cutâneos por picadasão considerados o melhor método para confirmar a
existência de sensibilização ao látex. Actualmente, existem disponíveis vários
extractos comerciais de látex para a realização de testes cutâneos, permitindo
obter resultados rapidamente e com menor custo que os testes laboratoriais.
Apresentam elevada sensibilidade (>90%) e especificidade (>95%) diagnósticas e
são bastante seguros44,45.
Os determinantes antigénicos variam com o produto utilizado como matéria -prima
para a produção de extractos e, consequentemente, de marca para marca. A
existência de vários alergénios majore a alteração dos antigénios durante o
processo de manufactura são factores responsáveis por condicionar alguma
variabilidade nos resultados obtidos com os diferentes extractos.
Pires et al.45, num estudo em que se avaliou a eficácia e a segurança de 5
extractos comerciais, em doentes com alergia ao látex, encontraram uma
eficiência diagnóstica de 100% com os extractos ALK -Abelló® e Leti®, 91% com
os extractos Bial-Aristegui® e Stallergènes® e 83% com o extracto Lofarma®.
Durante a realização dos testes cutâneos no âmbito deste estudo, bem como na
globalidade dos testes efectuados na nossa consulta de Imunoalergologia, onde o
extracto de látex é utilizado sistematicamente no rastreio de atopia, não
ocorreu qualquer reacção adversa.
As reacções adversas durante a realização de testes cutâneos com o látex são
muito raras, estando associadas à utilização de extractos não comerciais,
preparados a partir de látex não processado ou luvas cirúrgicas, com amplas
variações no seu conteúdo alergénico. Existem, no entanto, casos descritos de
reacções anafilácticas46,47, pelo que os testes devem ser efectuados sob
supervisão médica, em locais com meios adequados ao tratamento de eventuais
reacções.
Dada a existência de reactividade imunológica cruzada entre látex e alimentos,
com possibilidade de reacções graves, a realização de testes cutâneos por
picada para os alimentos implicados deve constar da abordagem diagnóstica dos
doentes com sensibilização ao látex. No caso do extracto comercial apresentar
um resultado negativo e persistir a suspeita clínica, ou no caso de o extracto
não estar disponível, os testes cutâneos deverão ser realizados com o alimento
em natureza.
Os testes epicutâneos(patch -tests) com látex e aditivos da borracha
(tiurans, carbamatos e mercaptobenzotiazóis) são importantes para o diagnóstico
de reacções de hipersensibilidade retardada ao próprio látex (casos
excepcionais) ou aos aditivos utilizados no seu processamento.
Os indivíduos com dermatite das mãos relacionada com o uso de luvas podem
efectuar testes epicutâneos com látex, adicionalmente aos testes com aditivos.
3. Testes laboratoriais
A detecção de IgE específica para o látex
é útil para a confirmação do diagnóstico, assim como para monitorização e
avaliação de prognóstico, sendo uma alternativa válida à realização dos testes
cutâneos. Importantes avanços têm sido feitos nos últimos anos na purificação e
caracterização molecular dos alergénios do látex, permitindo o aparecimento de
reagentes mais sensíveis e mais específicos para fins diagnósticos,
nomeadamente enriquecidos pela adição do alergénio recombinante rHev b 5 aos
extractos naturais utilizados (a concentração do Hev b 5 é superior no látex
processado relativamente ao látex natural).
A determinação sérica de IgE específica para o látex apresenta uma
sensibilidade diagnóstica inferior à dos testes cutâneos. A especificidade do
teste é excelente (cerca de 100%) em indivíduos não atópicos ou alérgicos aos
ácaros, mas foi encontrada uma percentagem elevada (30-40%) de falsos
positivos, com diminuição da especificidade, em doentes com alergia a pólenes,
o que pode ser explicado com base na existência de reactividade cruzada entre o
látex e certos pólenes. Assim, a interpretação dos resultados deve ser sempre
feita de acordo com a clínica.
Os testes laboratoriais são particularmente úteis em situações em que não seja
possível a realização dos testes cutâneos, por toma de determinados
medicamentos, alterações dermatológicas ou em locais em que não exista
experiência na realização de testes cutâneos. O doseamento sérico é, no
entanto, mais dispendioso e os resultados não são imediatos.
Para um estudo mais específico, ou com vista a uma iniciação de imunoterapia
específica, deve ser efectuado o estudo do perfil de sensibilização alergénica
do doente aos alergénios individuais do látex. Existem actualmente disponíveis
as seguintes IgE específicas para alergénios recombinantes do látex: rHev b 1,
rHev b 2, rHev b 3, rHev b 5, rHev b 6.01, rHev b 6.02, rHev b 8, rHev b 9,
rHev b 11.
A detecção múltipla de IgE específicas
' tecnologia microarray' em que múltiplos alergénios purificados, recombinantes
e naturais, são colocados em micropoços de sílica para permitir uma análise de
extensos painéis de IgE específicas48, permite, usando uma quantidade mínima de
soro, identificar os componentes alergénicos para os quais o doente está
sensibilizado, e determinar reactividades cruzadas potenciais na base de
epítopos homólogos.
Como exemplo disponível na prática clínica, temos o ImmunoCAP ISAC® (Phadia '
Thermo Fisher Scientific).
4. Provas de provocação
Quando persistem dúvidas, nomeadamente se houver discrepâncias entre a clínica
e os testes cutâneos ou laboratoriais, o diagnóstico pode ser confirmado
através de provas de provocação específicas. Estas deverão ser sempre
efectuadas em meio hospitalar dada a possibilidade de ocorrência de reacções
anafilácticas, não sendo recomendadas em doentes com antecedentes de reacções
graves. Para além do risco a que estão associadas, os critérios de positividade
considerados não são consensuais entre autores.
O teste de provocação mais utilizado é o teste de uso(use test) com uma luva
de látex. Consiste em avaliar a reacção à colocação de uma luva de látex numa
mão húmida durante 30 minutos, com colocação de uma luva sem látex na outra mão
como controlo. Esta prova apresenta limitações, nomeadamente a variabilidade no
conteúdo alergénico entre diferentes fabricantes de luvas e inclusivamente
entre lotes do mesmo fabricante. Por outro lado, trata-se de um procedimento
que se acompanha de algum risco de reacções sistémicas pelo que deve ser
iniciado com a colocação de apenas uma dedeira de látex num dedo húmido. No
caso de não se verificar reacção poderá ser testada a mão com uma luva.
Pode ser também realizado o teste de fricçãoque consiste em avaliar a reacção à
fricção da face anterior do antebraço ou dos lábios com um objecto de látex.
Existem igualmente testes de provocação inalatória brônquica, provocação nasale
provocação ocularque podem ser utilizados quando existem queixas respiratórias
ou oculares, particularmente em casos de doença profissional49.
TRATAMENTO
A abordagem no tratamento da alergia ao látex consiste fundamentalmente na
evicção da exposição aos alergénios.
A prevenção primária inclui medidas de evicção de sensibilização, que devem
incidir sobre os indivíduos pertencentes a grupos de risco e a prevenção
secundária deve incidir sobre os doentes sensibilizados assintomáticos ou com
doença alérgica ao látex. Os profissionais de saúde e o próprio doente devem
ter conhecimento das medidas gerais de evicção e das medidas particulares a
incrementar em cada grupo de risco. Deve ser ponderada ainda a imunoterapia
específica ao látex nos casos em que a evicção e o tratamento farmacológico não
são suficientes para o controlo da doença alérgica.
1. Medidas de evicção da exposição a alergénios de látex
1.1. Medidas gerais
As medidas gerais de evicção de sensibilização passam pela diminuição da
alergenicidade dos produtos contendo látex a nível industrial e/ou pela baixa
exposição a partículas de látex no ar ambiente onde há manipulação destes
alergénios.
A nível do fabrico dos produtos contendo látex é importante a aplicação de
métodos que diminuam os níveis proteicos dos materiais de látex, como por
exemplo a adição de enzimas proteolíticas (ex. alcalase), de amónia e re -
centrifugação do látex.
A utilização de luvas com baixo teor alergénico (< 50μg/g) permite a diminuição
dos níveis de partículas de látex aerossolizadas no ar ambiente e o seu uso
generalizado a nível hospitalar contribuiu para a diminuição da incidência de
sensibilização ao látex e da sintomatologia nos doentes alérgicos.
A eliminação do pó lubrificante das luvas é uma medida simples que deverá ser
incrementada no ambiente hospitalar ou em alternativa poderão ser usadas luvas
sintéticas.
Quando se comparam as propriedades de barreira das luvas sintéticas e das luvas
com látex, constata-se que as luvas de nitrilo apresentam um efeito barreira
sobreponível ao látex, sendo por isso uma excelente alternativa50, enquanto as
de vinil apresentam baixo efeito barreira e durabilidade inferior. O nitrilo
foi aprovado pela ASTM (American Society for Testing Materials).
Para além das luvas devemos considerar a eventual exposição a outros materiais
a nível hospitalar; existe cada vez maior disponibilidade no mercado de
materiais sem látex, nomeadamente algálias, sondas naso-gástricas, cateteres,
drenos, seringas, adesivos, entre outros.
A maioria dos preservativos sem látex disponíveis é de poliuretano. Estudos
comparativos entre o látex e o poliuretano evidenciaram semelhanças como método
anticoncepcional em relação à eficácia e conforto51.
1.2. Crianças com espinha bífida e outras patologias malformativasEstas
crianças são submetidas a sucessivas cirurgias e outros procedimentos médicos
invasivos desde os primeiros meses de vida, devendo, desde o nascimento,
evitar-se o contacto com material contendo látex. As intervenções cirúrgicas
deverão ser realizadas no primeiro tempo cirúrgico e em ambiente isento de
látex. Deve ser dada especial atenção na evicção do contacto com luvas,
algálias, sondas e cateteres contendo látex, por vezes de uso diário, como
acontece em muitos destes doentes. Foram publicadas na Task Force on Allergic
Reactions to Latex da AAAAI (American Academy of Allergy, Asthma and
Immunology) as recomendações para este grupo de risco52. Num estudo realizado
por Nieto et al.4 a implementação destas medidas, durante 6 anos, levou a uma
diminuição significativa da prevalência de alergia ao látex de 26,7% para 4,5%
nas crianças com espinha bífida. Outros estudos prospectivos são
contraditórios, havendo casos em que apesar da evicção houve aumento de
sensibilização e sintomatologia.
Assim, a eficácia das medidas preventivas permanece por esclarecer e questiona
-se, por outro lado, se a evicção total será possível devido à ubiquidade
destes alergénios nos serviços de saúde a que recorrem regularmente estas
crianças.
1.3. Profissionais de saúde
É fundamental implementar medidas de prevenção primária particularmente nos
profissionais com reconhecido risco de sensibilização, como os atópicos,
doentes com eczema das mãos ou alergia a frutos e vegetais com alto risco de
reactividade cruzada com alergénios do látex.
Na Alemanha, as medidas de prevenção primária educacionais, a eliminação do pó
lubrificante das luvas e/ou o uso de luvas sem látex, implementadas a nível do
sistema nacional de saúde, desde 1998, estiveram associadas a diminuições
significativas de exposição aos alergénios do látex, conduzindo à diminuição
dos casos de doença ocupacional e diminuição de incidência de novas
sensibilizações3.
Estas medidas preventivas não pareceram ser, no entanto, suficientes para
diminuir a sintomatologia em trabalhadores de saúde alérgicos ao látex.
A evicção da exposição em profissionais alérgicos ao látex e o controlo da
doença alérgica torna-se muitas vezes difícil, levantando problemas médico-
legais, pelo que a imunoterapia específica será uma opção terapêutica a
considerar.
2. Imunoterapia específica ao látex
A imunoterapia específica é a terapêutica de eleição nos casos de alergia ao
látex mediada por IgE visando uma inversão na evolução natural da doença.
Numa meta-análise publicada recentemente foram analisados 11 estudos de
imunoterapia ao látex, 3 por via subcutânea (ITSC) e 8 por via sublingual
(ITSL), sendo apenas um efectuado em crianças. Os estudos comprovam a eficácia
desta terapêutica, demonstrando um perfil de segurança superior com ITSL,
estando indicada como terapêutica adicional às medidas de evição, quando estas
são ineficazes ou não exequíveis53.
Foi publicado por Pereira el al.54, em 1999, o primeiro caso de ITSC ao látex
em doente profissional de saúde com uma forma grave de alergia e sensibilização
a frutos associada, com eficácia documentada na redução da sensibilização.
Em 2000 Leynadier et al.55 e em 2003 Sastre et al.56 apresentaram os primeiros
estudos em dupla ocultação, controlados com placebo, de avaliação de tolerância
e eficácia da ITSC em um esquema rush, em 17 e 24 profissionais da saúde
respectivamente. Observou-se uma melhoria nos scoresde sintomas, mas reacções
adversas locais e sistémicas muito significativas no grupo activo em ambos os
estudos. Foi observado por Pereira et al.Em 2003 uma eficácia clínica
sobreponível, com uma tolerância superior, num estudo englobando 4 doentes com
anafilaxia prévia ao látex submetidos a ITSC43. A ITSC ao látex, por ter
apresentado uma elevada frequência de reacções adversas, está actualmente
limitada à investigação.
A ITSL ao látex tem revelado um forte incremento nos últimos anos, desde o
primeiro caso descrito por Nucera et al.57 em 2001. Em 2002 Patriarca et
al.Publicaram a primeira série de profissionais de saúde com alergia ao látex
submetidos com sucesso a ITSL em regime de rush58. Sucederam-se vários estudos
randomizados, controlados com placebo, em adultos59 -61e crianças62, com
duração entre os 12 meses e 8 anos de tratamento, com eficácia comprovada na
redução dos sintomas e sensibilização ao látex. A ITSL tem sido associada a
resultados díspares em relação à frequência das reacções adversas, que variam
entre 0 e 50%. Na revisão da literatura salienta-se a ocorrência de reacções
locais e sistémicas, superiores às que se verificam com extractos de ácaros ou
pólenes. Em geral, as reacções adversas são mínimas e autolimitadas mas, por
existir risco de reacção sistémica no período de indução, este deve ser sempre
efectuado em meio hospitalar.
Em Portugal, num estudo multicêntrico de ITSL ao látex em 22 doentes63, durante
1 ano, verificou-se na fase de indução de ITSL ao látex a ocorrência de
reacções sistémicas ligeiras ou moderadas em 50% dos doentes. A IgE específica
a Hev b 6.01 não mostrou ser um parâmetro importante de avaliação de tolerância
à vacina, ao contrário do observado por outros autores. Um problema que se
colocou foi o risco de novas sensibilizações no decurso de ITSL ao látex, tal
como observado por vários autores.
Num estudo controlado com placebo, Sastre et al.observaram que as novas
sensibilizações a proteínas de látex que ocorreram durante a ITSL ao látex,
apresentavam níveis baixos de IgE específica e não pareciam ser clinicamente
relevantes64.
O único extracto disponível comercialmente preconiza a administração numa fase
de indução de 5 concentrações crescentes ao longo de 4 dias (5x10 -8, 5x10 -5,
5x10 -2, 5 e 500 μg/mL), em meio hospitalar sobre a supervisão de especialista,
e uma fase de manutenção com 5 gotas sub-linguais em 3 administrações por
semana ou 2 gotas sub-linguais em administrações diárias (Quadro 5)63. A
maioria dos estudos, com duração de 3 anos, demonstrou eficácia comprovada em
adultos e crianças. Segundo informação veiculada pelo fabricante (ALK -
Abelló®), o extracto da ITSL é maioritariamente composto por Hev b 6 (5 -6 μg/
mL), contendo baixa quantidade, mas detectável, de Hev b 5 e vestígios de Hev b
2. Considerando por um lado os perfis de sensibilização distintos em diferentes
grupos de risco e, por outro lado, a composição do extracto comercializado
depreende-se que a selecção dos doentes candidatos a ITSL é determinante no
sucesso deste esquema terapêutico. Consideram-se candidatos à ITSL os doentes
com alergia respiratória e/ou anafilaxia em contacto com látex ou síndrome
látex-frutos. Alguns grupos defendem a indicação de ITSL a profissionais de
saúde apenas com manifestações cutâneas de alergia ao látex. Assim, são os
profissionais de saúde, por apresentarem maior sensibilização a Hev b 6 e Hev b
5 os principais candidatos a ITSL com sucesso com este extracto, enquanto nas
crianças submetidas a múltiplas cirurgias a ITSL deverá ser considerada apenas
em casos com comprovada sensibilização ao Hev b 6.
Quadro 5.Protocolo de imunoterapia específica sublingual ao látex63
Os avanços na identificação e caracterização dos alergénios do látex e nos
estudos moleculares de determinação dos epítopos de células T e B, poderá
permitir a curto prazo a aplicação a uma imunoterapia com recombinantes
hipoalergénicos e imunoterapia de peptídeos dirigida aos alergénios majora que
o doente está sensibilizado.
CONCLUSÕES
A sensibilização ao látex não pode ser entendida de uma forma simplista e
generalista. As diferentes vias de exposição, por cirurgias ou por exposição
ocupacional, influenciam de modo determinante o perfil de sensibilização
alergénica, com importantes consequências clínicas e terapêuticas. Ou seja, o
perfil de sensibilização alergénica ao látex de uma criança com espinha bífida,
que se sensibilizou por múltiplas e precoces cirurgias é habitualmente distinto
do de um profissional de saúde alérgico ao látex que se sensibilizou por
exposição ocupacional, com contacto mantido por via cutânea e inalatória a este
alergénio em idade adulta.
A possibilidade de alergia a frutos e outros alimentos de origem vegetal com
reactividade cruzada descrita com látex deve ser investigada em todos os
doentes sensibilizados ao látex. Igualmente, em todos os indivíduos com
existência prévia de manifestações com qualquer um destes alimentos deve ser
investigada alergia ao látex.
A eficácia das medidas de prevenção secundária parece ser limitada, pelo que é
fundamental a instituição precoce de medidas de prevenção primária nos
indivíduos pertencentes a grupos de risco, no sentido de evitar ou minimizar a
exposição a alergénios do látex. Das principais medidas destacam-se, nos
profissionais de saúde o uso generalizado de luvas com baixo teor proteico e
sem pó lubrificante e/ou a utilização de luvas sintéticas e nas crianças com
espinha bífida e outras malformações congénitas a realização de intervenções
cirúrgicas em ambiente isento de látex desde o nascimento.
A imunoterapia específica com extracto de látex por via sublingual tem
demonstrado uma eficácia clínica comprovada a longo prazo nos casos de doença
alérgica ao látex, mas pelo risco de reacções sistémicas na fase de indução o
protocolo deve ser realizado em regime hospitalar sob vigilância de
especialista em Imunoalergologia.
Todos os doentes alérgicos ao látex deverão ser portadores de uma pulseira e/ou
cartão identificador e de informação escrita sobre o seu quadro clínico. Os
doentes com antecedentes de reacções graves deverão ter disponível um
dispositivo auto -injector de adrenalina para situações de exposição acidental,
ao látex e/ou a alimentos com reactividade cruzada com látex a que sejam
alérgicos.