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EuPTCVHe0871-97212012000300004

EuPTCVHe0871-97212012000300004

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-9721
Year2012
Issue0003
Article number00004

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Inquérito sobre asma e actividade sexual na prática clínica alergológica

INTRODUÇÃO A asma é uma doença inflamatória crónica das vias aéreas que deve ser sempre tratada com o objectivo terapêutico de se conseguir um controlo total/óptimo da doença1. De uma forma sintética podemos considerar que esse controlo se traduz, em primeiro lugar, pela ausência de sintomatologia que limite a vida dos doentes nas suas variadas formas e, em segundo lugar, por uma função respiratória normal ou quase normal.

Existem vários estímulos que frequentemente são desencadeantes de crises de broncospasmo, particularmente em doentes não totalmente controlados. As infecções respiratórias, a exposição a alergénios relevantes para esse indivíduo, o stressemocional ou o exercício físico são alguns dos desencadeantes mais reconhecidos1. É, por isso, habitual que os imunoalergologistas responsáveis pelo acompanhamento de doentes asmáticos questionem, de forma sistemática, o efeito de vários desses estímulos na indução de sintomatologia brônquica, a fim de avaliar o grau de controlo existente e se necessidade de implementar medidas terapêuticas adicionais para melhorar esse controlo.

A actividade sexual é uma situação que compreende vários dos desencadeantes acima identificados e que, por isso, pode estar associada com a indução de crises de broncospasmo2-7, uma vez que: a) se trata de um exercício físico que pode ser intenso, frequentemente com hiperventilação significativa, e que muitas vezes pode até ser o único tipo de exercício físico intenso praticado por doentes sedentários; b) pode envolver algum grau de ansiedade/stressemocional, particularmente em fases iniciais dos relacionamentos dos casais ou se existirem outros problemas concomitantes que afectem a vida do casal; c) pode envolver exposição significativa a alergénios, particularmente aos ácaros existentes nos colchões e/ou roupas de cama mas dependendo obviamente dos locais onde a actividade sexual se desenrole; dentro das possíveis exposições alergénicas ainda a referir as hipóteses relativamente raras de alergia ao sémen, de possível exposição ao látex ou ainda de possível exposição a antigénios de fármacos ou a alergénios alimentares que o parceiro sexual tomou ou ingeriu e que se podem expressar nas secreções, originando assim um contacto e a subsequente reacção de hipersensibilidade (connubial allergy).

No entanto, e apesar de ser um aspecto que, pelo exposto acima, pode ser clinicamente relevante questionar, é curioso verificar que na literatura existem muito poucos dados sobre a actividade sexual como factor desencadeante de crises de asma3-7 ou sobre as limitações à actividade sexual que os doentes asmáticos eventualmente sentem8,9. De forma semelhante, em vários sitesda Interneté referido que os médicos que tratam doentes asmáticos geralmente não abordam quaisquer questões relacionadas com queixas respiratórias durante a actividade sexual. E na PubMedtambém não encontrámos nenhum artigo que investigasse as atitudes dos médicos de doentes asmáticos relativamente a este assunto. Atendendo a esta relativa ausência de dados nacionais ou internacionais procurámos determinar, no presente estudo sobre asma e actividade sexual, se os imunoalergologistas portugueses inquiriam habitualmente os seus doentes asmáticos sobre a actividade sexual como desencadeante de crises e quais os seus pontos de vista relativamente a alguns aspectos do diálogo entre médicos e doentes asmáticos quanto às eventuais questões relacionadas com a actividade sexual desses doentes.

MATERIAL E MÉTODOS O presente trabalho consistiu num estudo de opinião de médicos imunoalergologistas sobre asma e actividade sexual, cujo objectivo foi avaliar até que ponto é que estes médicos consideravam relevantes e inquiriam sobre questões relativas à eventual sintomatologia desencadeada pelo esforço em doentes asmáticos, nomeadamente questões relativas ao esforço durante a actividade sexual.

O estudo foi desenvolvido em Setembro de 2010, tendo os questionários (Anexo_1) sido realizados por telefone, e-mail ou fax, de acordo com a disponibilidade do médico. Os médicos contactados foram médicos que constam da base de investigadores do Grupo KeyPoint e/ou cujos contactos estão disponíveis onlineou nas páginas amarelas. Considerando, de acordo com dados da Direcção Geral de Saúde / Ordem dos Médicos, que existia à data um total de 211 imunoalergologistas, uma frequência esperada de resposta de 50/50, um nível de significância de 0,05, uma potência do estudo de 80% e um erro amostral de 7%, definiu -se uma dimensão de amostra de 100 imunoalergologistas.

Foi realizada uma análise descritiva de todas as variáveis, sendo utilizadas medidas de estatística descritiva e frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas.

As respostas foram analisadas de acordo com o sexo e o grupo etário dos médicos inquiridos (<50 anos e ≥50 anos de idade) através da utilização do Qui - Quadrado. O cruzamento entre questões foi efectuado através da utilização do Qui-Quadrado. Foi considerado um nível de significância de 0,05. A análise foi realizada utilizando o software SPSS versão 15.0.

RESULTADOS Foram obtidos 101 questionários, total e validamente preenchidos. A maioria (52%) dos imunoalergologistas eram do sexo masculino, e a média de idades foi de 51,5±7,9 anos (8,9% com idade menor que 40 anos; 32,7% com idade entre 40 e 49 anos; 43,6% com idade entre 50 e 59 anos; 14,9% com idade igual ou superior a 60 anos).

Relativamente ao hábito de questionar os(as) doentes asmáticos(as) sobre o esforço em geral (questão 1) verificou-se que praticamente a totalidade dos médicos (98%) questiona sempre os seus doentes e que todos consideram essa questão relevante (questão 2). quanto ao questionar especificamente sobre o esforço associado à actividade sexual (questão 3), 11% é que questionam este aspecto de uma forma sistemática, apesar de 96% dos inquiridos o achar relevante (questão 4) (Quadro 1).

Quadro 1.Distribuição das respostas às questões 1 a 4

Nas respostas às questões 1 a 4 não se verificaram quaisquer diferenças significativas entre médicos de diferentes sexos ou com diferentes idades.

Na Figura 1 indicam -se as percentagens de respostas referentes à auto- avaliação do à-vontade dos clínicos para, durante a consulta, efectuar questões sobre a sintomatologia eventualmente desencadeada pelo esforço associado à actividade sexual (questão 5): mais de 90% dos clínicos consideram estar à- vontade ou completamente à-vontade para efectuar estas questões. Verificaram-se diferenças significativas por sexo (p=0,031) e por grupo etário (p=0,035), sendo os imunoalergologistas do sexo masculino e os imunoalergologistas com idade superior a 50 anos os que afirmaram estar mais à-vontade para efectuar estas questões.

Figura 1.Distribuição das respostas à questão 5, segundo o sexo e a idade dos médicos

Relativamente às questões sobre se o à-vontade seria diferente consoante se tratasse de um ou de uma doente (questão 6) ou se se tratasse de uma pessoa mais nova ou mais velha (questão 7), registaram -se as respostas apresentadas no Quadro 2: verifica -se que as médicas imunoalergologistas se consideram mais à-vontade para questionar doentes do sexo feminino (p<0,001), enquanto os médicos imunoalergologistas acham estar igualmente à vontade para questionar asmáticos ou asmáticas sobre este assunto. Relativamente à questão 7, os clínicos consideraram -se mais à-vontade para questionar doentes mais jovens, não se verificando diferenças significativas entre as respostas dos médicos de diferentes sexos e/ou idades (p>0,05).

Quadro 2.Distribuição das respostas às questões 6 e 7

Verifica-se que cerca de 2/3 dos médicos pensa que é importante para os doentes poder discutir eventuais queixas que possam ocorrer durante a actividade sexual (questão 9) e que essa pergunta não constitui uma intromissão na sua vida privada (questão 8). Praticamente todos os médicos consideram relevante que os seus doentes tenham a sua asma bem controlada para não terem quaisquer sintomas respiratórios desencadeados pela actividade sexual (questão 11); no entanto, cerca de 44% dos médicos é que crê que os seus doentes referirão espontaneamente estes aspectos (questão 10) (Quadro 3).

Quadro 3.Distribuição das respostas às questões 8 a 11

Em nenhuma destas quatro últimas questões se verificou qualquer diferença significativa entre as respostas dos médicos de diferentes sexos e/ou idades (p>0,05).

No entanto, os médicos que acham que este tipo de perguntas pode ser considerado como uma intromissão na vida privada afirmam mais frequentemente que a maioria dos doentes não consideraria importante poder referir essas queixas (p=0,036). É ainda de referir que os médicos que consideram importante que os doentes possam referir essas queixas são os que consideram, em maior percentagem, que a maioria desses doentes não as referirá espontaneamente (p=0,013).

DISCUSSÃO O presente estudo envolveu 101 médicos imunoalergologistas e pretendeu avaliar até que ponto é que os médicos consideram relevantes e efectuam questões relativas à eventual sintomatologia desencadeada pelo esforço durante a actividade sexual em doentes asmáticos.

Embora 99 dos 101 imunoalergologistas refiram que costumam fazer sempre ou quase sempre perguntas sobre a tolerância ao esforço ou sobre se o esforço desencadeia alguns sintomas brônquicos nos doentes com asma (100% dos médicos afirma ser esta uma informação importante do ponto de vista clínico), a percentagem dos médicos que refere fazer habitualmente perguntas especificamente sobre o esforço associado à actividade sexual é muito mais reduzida: apenas 11% afirmam questionar regularmente (sempre ou quase sempre) estes aspectos e mais de metade dos clínicos (53%) refere que raramente ou mesmo nunca os questiona. Contudo, e apesar de pouco questionada, 96% dos clínicos considera esta informação importante.

Este facto torna imediatamente evidente uma nítida contradição, traduzida pelo facto de a maior parte dos imunoalergologistas não abordar um aspecto que contudo considera relevante. E esta mesma contradição é também sublinhada pelas respostas à última pergunta do questionário, em que 97% dos médicos inquiridos acha ser relevante para os seus doentes asmáticos terem a sua asma diariamente bem controlada, para que o esforço da actividade sexual não lhes cause quaisquer sintomas brônquicos limitativos. No entanto, parece óbvio que será difícil saber se o esforço da actividade sexual causa sintomas brônquicos se essa questão não for colocada.

Esta atitude de alheamento, no que diz respeito às questões relativas à vida sexual dos doentes, também tem sido documentada em outras áreas da Medicina como é o caso da Cardiologia, apesar de ser uma área em que é extensamente reconhecido que a actividade sexual pode desencadear um enfarte10 e que os doentes que sofreram recentemente um enfarte agudo do miocárdio deverão ter algumas precauções quanto aos esforços em geral e ao esforço durante a actividade sexual, em particular.

Alguns estudos, efectuados em países tradicionalmente considerados abertos relativamente às questões da sexualidade em geral, têm demonstrado que os profissionais de saúde das unidades de coronários raramente fornecem, aos doentes ou aos cônjuges, informação oral ou escrita sobre os aspectos relacionados com reabilitação cardíaca e a actividade sexual. Verifica-se que esta falta de informação ocorre muitas vezes por falta de preparação desses profissionais para discutir e/ou aconselhar os doentes nesta área específica11- 13, por preconceitos por parte dos profissionais de saúde em relação à sexualidade dos seus doentes ou por medo e/ou vergonha de discutir a sexualidade12. Inclusivamente, um estudo sérvio que analisou como é que médicos e doentes cardíacos se sentiam durante um questionário sobre a actividade sexual12 até revelou um significativo maior grau de desconforto por parte dos profissionais de saúde do que por parte dos doentes, o que novamente vem sublinhar os aspectos anteriormente discutidos. De forma semelhante, estudos de países latinos mostraram que a maior parte dos doentes internados por síndrome coronário agudo não tinha recebido, durante o seu internamento, informação considerada suficiente relativamente a possíveis alterações na sua actividade sexual e que a maioria desejaria ter recebido essa informação, considerando- a importante, particularmente quando se tratava de doentes mais novos14,15.

No presente questionário verificou-se serem poucos (<10%) os médicos que admitem estar pouco à-vontade para questionar sobre o esforço durante a actividade sexual, o que contrasta claramente com a realidade da prática clínica. Ou seja, parece haver uma realidade teórica em que é afirmado não haver qualquer problema em abordar essas questões e depois uma realidade prática em que, de facto, essas questões não são feitas. Esta não consciencialização de que existe um problema, que também é reforçada por não existirem nenhumas perguntas específicas sobre a actividade sexual nos questionários de qualidade de vida mais utilizados na asma, poderá também contribuir para a persistência desse mesmo problema.

É interessante salientar que são as médicas que, em maior proporção, admitem a existência de um maior à-vontade relativamente a inquirir doentes do mesmo sexo. Por outro lado, os médicos que afirmam ter menos à'vontade para inquirir sobre a actividade sexual são os que também afirmam que se sentem mais à- vontade para inquirir doentes com menos de 40 anos. Ambas as situações são, quanto a nós, mais próximas da realidade dos factos e apontam, de certa forma, para a existência de ideias pré-concebidas e para uma falta de preparação dos médicos para activamente questionarem os seus doentes asmáticos sobre os efeitos que a actividade sexual tem na asma e, ainda menos, sobre os efeitos que a asma tem na actividade sexual e no grau de satisfação sexual dos doentes e dos seus parceiros.

Relativamente a estes aspectos não se pode deixar de salientar os poucos estudos que abordam especificamente este problema e que mostram, por um lado, que a asma, particularmente a asma não controlada ou a asma de maior duração, tem uma significativa interferência na vida sexual dos doentes8,9,16 e, por outro lado, que medidas que se associam a um melhor controlo da asma também se associam a diminuição da interferência da asma na vida sexual17.

Um outro dado interessante do presente inquérito é a percentagem de médicos (14%) que acha que este tipo de questões poderia ser considerada como uma intromissão na vida privada dos doentes, sendo estes os médicos que, na sua maioria, também pensam não ser muito importante para os doentes discutir este tipo de queixas.

Contudo, nos diversos estudos atrás citados e em inquérito que efectuámos a doentes asmáticos (dados não apresentados), a realidade é que são os próprios doentes a quererem ter mais informação por parte dos profissionais de saúde e, em mais de 50% dos casos, a admitirem terem tido queixas e não as terem referido ao médico por motivos que vão desde a vergonha em abordar esse assunto, não achar importante referi-lo ao médico ou pura e simplesmente devido ao facto de nada lhes ter sido perguntado sobre esse assunto.

Esta percepção de que os doentes asmáticos provavelmente não irão relatar espontaneamente as eventuais queixas relacionadas com a actividade sexual é referida por 37% dos médicos no presente inquérito (sendo que 19% dos inquiridos não se pronunciam sobre esta questão); contudo 44% dos médicos afirmam ser sua opinião que se houver problemas da esfera da vida sexual os doentes os referirão por sua livre iniciativa, esquecendo-se de que na asma, tal como em outras doenças crónicas, se o médico não questionar, pró-activa e especificamente, os pontos sobre os quais pretende obter informação (número de crises nocturnas, número de crises diurnas, consumo de fármacos de alívio, etc) na maior parte dos casos não conseguirá reunir dados clínicos relevantes para poder decidir se necessidade ou não de alterar a terapêutica de base ou implementar novas medidas terapêuticas que possam contribuir para melhorar a qualidade de vida (incluindo a vida sexual) dos doentes com asma.

CONCLUSÕES O presente estudo demonstra que, ao contrário das queixas relacionadas genericamente com o esforço que são habitualmente perguntadas, a maior parte dos imunoalergologistas não questiona habitualmente os seus doentes asmáticos adultos sobre queixas respiratórias durante a actividade sexual, apesar de considerarem relevante essa questão, quer em termos clínicos quer no que diz respeito à utilidade de um bom controlo de base da asma para que a doença não interfira significativamente com a actividade sexual.

Em contraste com estes dados, o facto de mais de 90% dos clínicos se considerar à -vontade ou completamente à-vontade para efectuar estas questões, apesar de as não efectuar na prática, sugere que ainda muito a fazer no sentido de tornar os imunoalergologistas mais capacitados e mais conscientes da necessidade de questionar pró-activamente, de forma fácil e natural, os doentes asmáticos sobre a eventual interferência da asma na sua vida sexual.


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