Avaliação da evolução e controlo da asma em grávidas num serviço de
Imunoalergologia
INTRODUÇÃO
A asma, doença respiratória crónica, é reconhecida como uma patologia
potencialmente grave e a que mais frequentemente complica a gravidez1-5.
A evolução individual é imprevisível, no entanto a generalização de que cerca
de um terço das asmáticas melhoram durante a gravidez, outro terço agrava e o
último terço se mantém estável, é comum1-4.
Estudos referem que as exacerbações da asma ocorrem em cerca de 20% de todas as
grávidas asmáticas, sendo o valor superior nas doentes com asma grave6.
As asmáticas grávidas que conseguem um controlo adequado da sua patologia neste
período têm menor risco de complicações perinatais, nomeadamente atraso de
crescimento intra-uterino, parto pré -termo ou malformações fetais1.
O objectivo deste estudo foi avaliar a evolução e controlo da asma em grávidas
seguidas em consulta de Imunoalergologia.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi efectuada uma análise retrospectiva dos processos clínicos de doentes
asmáticas seguidas durante o período de gravidez numa consulta especializada de
Imunoalergologia.
?ões do Global Initiative for Asthma(GINA) de 20077 a asma foi classificada em
intermitente, persistente ligeira, moderada ou grave, tendo em conta a
sintomatologia, exacerbações, limitação da actividade, necessidade de medicação
de alívio e nível de função pulmonar (Quadro_1).
As doentes asmáticas grávidas incluídas no estudo foram acompanhadas sempre
pela mesma médica e observadas mensalmente em consulta. Em cada visita foi
colhida história clínica, realizado exame objectivo, avaliação da função
pulmonar com espirometria simples e medida a fracção de óxido nítrico no ar
exalado (FeNO). Foi igualmente pedido a cada doente para responder ao
questionário ACT® para auto -avaliação do controlo da asma. A análise foi feita
em cada trimestre da gravidez e no período pós-parto.
Tendo em conta os parâmetros anteriores, a sintomatologia apresentada em cada
consulta, os recursos ao serviço de urgência, a necessidade de medicação de
alívio, de corticoterapia sistémica e alteração da terapêutica habitual, foi
efectuada igualmente uma análise subjectiva da evolução da asma em cada
trimestre e ao longo da gravidez (análise global), tendo sido classificada como
havendo melhoria, manutenção ou agravamento da doença.
Para a análise estatística foi utilizado o programa SPSS 16.0, tendo recorrido,
para as variáveis categóricas, ao teste qui-quadrado e para as quantitativas,
ao teste de Mann-Whitney. Quando comparadas variáveis categóricas em várias
classes recorreu -se ao teste de Kruskall-Wallis.
Foram considerados estatisticamente significativos valores de p < 0,05.
RESULTADOS
Foram analisados 29 processos clínicos, tendo sido excluídas três doentes (uma
por interrupção médica da gravidez e duas por não se ter confirmado a suspeita
de asma, no período pós-parto). As restantes 26 grávidas, com diagnóstico
prévio de asma, foram incluídas no estudo.
As grávidas tinham entre 18 e 36 anos, com uma média de 27,6 anos (± 4,9 anos)
(Quadro_2).
A asma foi classificada como intermitente em 11,5% das doentes, persistente
ligeira em 30,8% e persistente moderada em 57,7%. Vinte doentes (76,9%) tinham
também rinite associada. Dezanove doentes eram atópicas (73,1%), 4 não atópicas
(15,4%) e 3 não tinham realizado ainda testes cutâneos, o que iria ser feito
após o período de gravidez.
Seis doentes tinham apenas prescrita medicação de alívio e 20 grávidas faziam
diariamente corticóide inalado (associado ou não a outros fármacos). Três
grávidas estavam sob tratamento com imunoterapia específica, que mantiveram
durante este período.
Nos três trimestres da gravidez e no período pós-parto, a maioria (entre 66,7 e
83,3%) das grávidas apresentou uma função pulmonar normal, com valores do
volume expiratório forçado no primeiro segundo (FEV1) acima de 80%. Nenhuma
grávida teve valores de FEV1 inferiores a 60% e ao longo da gravidez mais
grávidas atingiram melhores valores de função pulmonar, evolução que não
atingiu, no entanto, valor estatisticamente significativo (p = 0,248) (Quadro
3).
No primeiro trimestre de gestação metade das grávidas apresentou valores
elevados de FeNO, significando maior probabilidade de inflamação brônquica. Ao
longo da gravidez, a probabilidade de inflamação foi diminuindo, com mais
grávidas a terem valores de FeNO inferiores a 35 ppb (75% no segundo trimestre
e 80% no terceiro trimestre), tendência que se manteve após o parto (80% das
grávidas) (Quadro_3).
A auto-avaliação do controlo da asma efectuada pelas doentes, através do
preenchimento do questionário ACT®, mostrou haver total controlo da doença
(ACT=25) em apenas 28,6% no primeiro trimestre, 22,2% no segundo trimestre e
30% no terceiro trimestre. Nos primeiros dois terços da gravidez, as doentes
asmáticas mostraram mau controlo da sua doença (ACT≤19) na maioria dos casos
(57,1 e 55,6%, no primeiro e segundo trimestre, respectivamente).
No período pós -parto metade das grávidas obteve valores de ACT® entre 20 e 24
e a outra metade valor de 19 ou inferior (Quadro_3).
Para cada avaliação, correlacionou -se FEV1, FeNO e ACT, obtendo-se apenas
correlação significativa entre FeNO e ACT, no segundo trimestre (p=0,028).
Apesar de não haver alterações, ao longo do tempo, com significado estatístico
dos três parâmetros avaliados, verificou -se subjectivamente que, no primeiro
trimestre, 55,6% das grávidas agravaram e 44,4% mantiveram; no segundo
trimestre 33,3% pioraram, 52,4% permaneceram estáveis e 14,3% melhoraram; no
último trimestre a maioria (62,5%) não se alterou e 37,5% melhoraram. No
período pós -parto 7,2% das doentes agravaram, enquanto 57,1% mantiveram e
35,7% apresentaram melhoria da asma.
Na avaliação global, uma grávida melhorou ao longo de toda a gravidez, enquanto
onze (42,3%) pioraram neste período e catorze (53,9%) mantiveram-se estáveis. A
evolução global da asma, tendo em conta a classificação prévia da gravidade da
doença é apresentada no Quadro_4.
Tiveram necessidade de avaliação urgente, por exacerbação de asma, duas
grávidas entre a 13.ª e a 24.ª semanas de gestação e quatro entre a 25.ª e a
36.ª semanas. A quatro destas doentes foi prescrita corticoterapia sistémica
para tratamento do quadro, não tendo nenhuma necessitado de internamento. No
primeiro trimestre da gravidez e após a 37.ª semana, nenhuma grávida recorreu a
atendimento urgente. Não se registaram outras complicações maternas nem
agravamento da asma, durante o parto, em nenhuma das doentes observadas.
Ocorreu apenas um parto pré-termo (às 36 semanas de gestação em grávida que
tinha tido agravamento da asma). Dezanove partos foram eutócicos e 8 distócicos
(4 por cesariana e 4 com auxílio de ventosa).
O peso dos recém -nascidos variou entre 2225 e 3960 g (média: 3224,5 ± 510,6
g), registando -se dois com baixo peso ao nascimento (peso < 2500 g), um filho
de uma grávida sem alteração do curso da doença e outro de uma mãe com
agravamento da asma. Nenhum dos 26 recém-nascidos apresentou malformações ao
nascimento.
DISCUSSÃO
A asma é a patologia crónica que afecta com maior frequência a gravidez1-5.
Embora a maioria dos estudos refiram que o agravamento, melhoria ou manutenção
da asma ocorrem em proporções semelhantes, esta evolução não é previsível e as
exacerbações acontecem com alguma frequência1-4,6. Isto pode dever-se não só a
alterações na gravidade da própria asma ao longo deste período, mas também a
mudanças no controlo da doença, ou ambos.
Este mau controlo pode, por sua vez, ser resultado do referido aumento da
gravidade da asma, de um seguimento inadequado, de uma má resposta à
terapêutica ou má adesão a esta8.
Vários estudos demonstraram que uma grávida com asma e mau controlo da doença
tem um risco aumentado de eventos perinatais adversos4. Blais e Forget
mostraram um aumento de 50% no risco de malformações congénitas nas mulheres
que tiveram uma exacerbação de asma durante o primeiro trimestre da gravidez9.
Num estudo de Bakhireva et al.os sintomas mal controlados na fase inicial da
gravidez e a história de internamento por asma em qualquer período da gestação
foram, cada um deles, associados ao dobro de risco de parto pré-termo,
independentemente de outros factores de risco8. Alguns estudos concluíram que a
asma grave tem maior tendência a agravar durante a gravidez e maior risco de
complicações perinatais, sugerindo que é necessário estar muito atento para
reconhecer e tratar precocemente qualquer exacerbação que ocorra4,10,11. As
complicações maternas e fetais da asma não controlada reportadas são inúmeras,
o que requer um controlo rigoroso da doença1.
No presente estudo, embora a maioria das grávidas tenha apresentado, ao longo
de todo este período, uma função pulmonar normal, observa-se, através dos
resultados da espirometria, que o número de grávidas com FEV1 normal foi
aumentando ao longo do tempo. Uma pior função pulmonar inicial, com posterior
evolução favorável ao longo da gravidez, podem ser explicadas, em primeiro
lugar, por uma interrupção da terapêutica habitual da asma, atitude que ocorre
frequentemente na altura do diagnóstico de gravidez devido ao receio de efeitos
adversos para o feto12; segundo, a melhoria ao longo da gravidez pode dever -se
ao seguimento regular da doente, com consulta mensal, ajuste da medicação e
reforço da necessidade de cumprir o tratamento, que em conjunto contribuem para
uma evolução favorável, com maior controlo da doença.
Em relação à adesão terapêutica, estudos referem que apenas metade das mulheres
que têm sintomas durante a gravidez toma alguma medicação de controlo e apenas
metade das mulheres que tomavam medicação de controlo antes da gestação, a
mantém enquanto grávidas13.
As medidas de função pulmonar, para além de serem úteis na avaliação da
obstrução brônquica, servem como medida indirecta para assegurar uma oxigenação
materna e fetal normais. Podem fornecer alertas precoces de perda de controlo,
de maneira a prevenir um episódio agudo, diminuindo assim o risco de
hipóxia1,2. Schatz concluiu que o controlo da asma, avaliado através da função
pulmonar, parece afectar o crescimento intra-uterino: um FEV1 materno baixo
predispõe a um atraso do crescimento intra-uterino14.
Assim os objectivos do tratamento da asma durante a gravidez incluem a
optimização da função pulmonar juntamente com o controlo adequado dos
sintomas1,14.
A variação dos valores da função pulmonar ao longo do tempo confirma a
necessidade de reavaliação frequente durante a gravidez. A utilização de outros
instrumentos pode completar esta avaliação.
A medição da fracção exalada de óxido nítrico é um método fácil e não invasivo,
que constitui um marcador da inflamação brônquica eosinofílica, sendo útil na
monitorização do controlo da asma. Este parâmetro pode ainda ajudar na
avaliação da adesão ou não da terapêutica anti-inflamatória15,16.
Neste estudo, a diminuição dos valores de FeNO ao longo da gestação é também a
favor de uma maior adesão ao tratamento e melhoria do controlo. A avaliação da
adesão à terapêutica tem particular relevância durante este período.
O questionário ACT® é um instrumento simples e de fácil preenchimento, que
avalia o controlo da asma nas últimas 4 semanas, tendo em conta a frequência de
sintomas diurnos e interferência no sono, uso de medicação de alívio e
limitação da actividade. Quanto maior o valor do ACT, melhor o controlo da
asma17,18.
Menos grávidas com valores de 25 no segundo trimestre e a melhoria na fase
final da gravidez, poderão dever-se à redução ou suspensão da medicação
habitual, à maior probabilidade de exacerbações no segundo trimestre e a uma
melhoria posterior (com poucas ou nenhumas crises no final da gravidez e no
momento do parto).
Na primeira metade da gravidez há que ter em conta um factor confundidor, a
dispneia sentida pela grávida, devida ao progressivo aumento do volume uterino
com consequente compressão diafragmática, que tende a diminuir ao longo da
gravidez, por adaptação da mulher a esta situação.
Através da avaliação subjectiva, no primeiro trimestre a maioria das grávidas
apresentou um agravamento da asma.
No segundo trimestre, a maioria permaneceu estável (55,6%) e mais de 14%
tiveram até melhoria da asma, podendo para isto contribuir o seguimento regular
em consulta e o maior cumprimento da terapêutica prescrita.
No último trimestre, como esperado, a maioria (52,4%) não se alterou e um
número elevado (37,5%) apresentou melhoria. Esta fase da gravidez parece ser a
mais estável em termos de exacerbações e evolução da asma.
No período pós-parto, justificado porventura pela maior preocupação dirigida ao
recém -nascido e descuido da própria doente, volta a haver uma diminuição
aparente no controlo da doença, confirmado por valores inferiores de ACT e
agravamento na avaliação subjectiva efectuada pelo médico.
Na avaliação global de todo o período da gravidez, amaioria das doentes
permaneceu estável (53,8%), onze (42,3%) pioraram, havendo apenas uma grávida a
melhorar, em relação ao seu estado basal. Diferentes evoluções são esperadas ao
longo da gestação, independentemente da gravidade prévia da asma, como
observado neste grupo de asmáticas.
Estudos anteriores mostraram que aproximadamente 10% das grávidas procura
atendimento urgente a qualquer momento da gravidez, principalmente as que não
estão a tomar corticosteróides3. Essas exacerbações parecem ser mais frequentes
entre a 24.ª e a 36.ª semanas de gestação, com um pico por volta do sexto mês
de gravidez3,4.
Durante o primeiro mês e após a 37.ª semana ocorre pouca sintomatologia, com
exacerbações raras e habitualmente ligeiras e com crises consideradas
excepcionais durante o parto4.
Neste estudo, seis doentes tiveram necessidade de atendimento urgente (4 entre
a 25.ª e a 36.ª semanas de gestação), por exacerbação da asma, quatro delas com
necessidade de corticoterapia sistémica. Como esperado, nem no primeiro
trimestre de gravidez, nem após a 37.ª semana, se registaram exacerbações de
asma que motivassem recurso a atendimento urgente. Não se registaram
complicações durante o parto relacionadas com a asma.
Apesar de várias grávidas apresentarem um agravamento da asma durante este
período, apenas um destes recém-nascidos teve baixo peso.
O presente estudo vem confirmar que a asma pode complicar, de forma
imprevisível, a gravidez. Mesmo grávidas que foram seguidas regularmente em
consulta, com avaliação mensal da função pulmonar, inflamação brônquica e auto-
avaliação do controlo, apresentaram evoluções diversas durante este período,
algumas com melhoria, mas outras com agravamento, exacerbações, necessidade de
aumento da medicação e uma com parto pré-termo.
Estes resultados reforçam a necessidade de uma consulta especializada e regular
na grávida asmática, de forma a manter um maior controlo dos sintomas, uma
melhor função pulmonar e um nível normal de actividade, prevenindo exacerbações
e outras complicações materno-fetais.
Como limitações a este estudo, podem apontar-se o reduzido número de doentes
avaliadas e a consequente falta de significado estatístico, assim como a
subjectividade de parte da análise.
Apesar de não haver uma evolução global como a habitualmente descrita na
gravidez (1/3 melhora, 1/3 agrava e 1/3 mantém-se), a evolução ao longo dos
trimestres e os períodos de ocorrência das exacerbações estão de acordo com o
descrito na literatura.
A inclusão dos três parâmetros avaliados (FEV1, FeNO e ACT) constitui uma mais
valia do estudo e permitiu avaliar, de forma complementar, o controlo da asma
ao longo da gravidez, o que foi reforçado pela associação encontrada entre dois
destes parâmetros (FeNO e ACT).
CONCLUSÕES
Este trabalho, em que conjuntamente se utilizaram três ferramentas (FEV1, ACT e
FeNO) na avaliação das grávidas asmáticas, reforça a importância de um
seguimento regular e especializado durante a gravidez, com monitorização do
controlo, ajuste adequado e atempado do tratamento, prevenção e tratamento das
exacerbações da doença, numa fase em que a evolução é variável e imprevisível e
as consequências afectam o feto em desenvolvimento.
Desmistificar os receios da medicação neste período, encorajar a manutenção da
terapêutica e tratar correctamente a doença, são pontos fundamentais para
manter uma boa saúde materna e fetal.