Pneumonite de hipersensibilidade subaguda
INTRODUÇÃO
A pneumonite de hipersensibilidade (PH) designa um grupo de doenças
inflamatórias do interstício pulmonar, granulomatosas, resultantes da inalação
repetida de determinado antigénio por indivíduos sensibilizados, que provoca
inflamação linfocítica nas vias aéreas periféricas e tecido intersticial
circundante. Durante vários anos, foi considerada uma doença exclusivamente
profissional, mas novos casos surgem por exposição residencial aos pássaros de
estimação1.
CASO CLÍNICO
Mulher de 53 anos, empresária na área de restauração, é proveniente da Clinique
Guenin, Hospital da República do Congo, em Janeiro de 2011, onde esteve
internada durante quatro dias, com os diagnósticos de sépsis e síndrome de
dificuldade respiratória aguda. É internada por dispneia progressiva, tosse e
expectoração mucóide com mês e meio de evolução, acompanhada nas duas últimas
semanas de fadiga, opressão torácica e febre (máximo 40ºC), sem resposta a
antibioterapia empírica.
Dos antecedentes pessoais, destacam-se internamento na Unidade de Cuidados
Intensivos do Hospital do Congo em 2005 por choque séptico secundário a
pneumonia com insuficiência respiratória hipoxémica grave e necessidade de
ventilação mecânica invasiva, fumadora (12 UMA) até 2005 e bronquite com
episódios recorrentes de dispneia desde 2008. História medicamentosa
irrelevante. Reside no Congo desde 1992, tendo no exterior da sua habitação
papagaios (três) em gaiolas desde 2000, não sendo responsável pelos cuidados
prestados a estes animais, negando qualquer tipo de contacto próximo.
No exame objectivo apresenta febre, diminuição do murmúrio vesicular e fervores
bibasais. Avaliação complementar inicial revela elevação da proteína C reactiva
(11,63 mg/dl, valor referência 0 a 0,5), velocidade de sedimentação (55mm/h,
valor referência 1 a 20) e desidrogenase láctica (288 U/L, valor referência
inferior 247), e hipoxemia (pO2 55mmHg em ar ambiente). Radiografia do tórax
(Figura_1a) mostra padrão de acentuação reticular de predomínio bibasal e
densificação periférica. Pesquisa de plasmodium, VIH, auto-imunidade, factor
reumatóide, complementos, SACE e culturas microbiológicas séricas são
negativas. Realiza tomografia de alta resolução do tórax (TCAR) (Figura_1b) que
sugere pneumonia intersticial usual (UIP). A pesquisa de precipitinas é
positiva para IgG específica para papagaio (48,8 mgA/L,normal <10). A
broncofibroscopia óptica (BFO) com lavado broncoalveolar (LBA) mostra cultura
do aspirado positiva para Streptococcus pneumoniae,linfocitose de 43% e razão
CD4/CD8 de 0,63. O estudo funcional ventilatório (EFV) revela capacidade vital
forçada (CVF) de 61,8% e capacidade de difusão do monóxido de carbono (DLCO) de
37,7% compatível com síndrome restritivo moderado. Faz biopsia pulmonar por
toracotomia cujo exame histopatológico revela Infiltrado linfoplasmocitário ao
longo dos eixos broncovasculares, com formação de pequenos pólipos
inflamatórios miofibroblásticos e descamação macrofágica alveolar, por vezes
com fusão e formação de células gigantes de corpo estranho. Nalguns lóbulos, há
fusão inflamatória com bronquialização do epitélio alveolar e retenção de muco.
Focalmente também se observa hiperplasia do BALT compatível com PH (Figura_2).
Face o diagnóstico histopatológico, inicia tratamento com prednisolona oral
60mg (1mg/kg/dia) durante seis semanas, seguido de redução progressiva de 5mg/
semana. O seguimento aos 4 meses, medicada com prednisolona 5mg/dia, mostra
gasometria em ar ambiente com pO2 98 mmHg, EFV normal com DLCO de 80% e TCAR
com raras bronquiectasias de tracção e algumas estrias fibróticas.
DISCUSSÃO
Tal como a maioria das doenças pulmonares intersticiais, a PH é uma doença
rara2. A sua prevalência é incerta e varia entre países e entre as séries,
sendo a variabilidade secundária a condições laborais, climáticas e sazonais,
costumes locais e tabagismo2,3.
Quanto à sua fisiopatologia, é caracterizada pela proliferação de linfócitos
citotóxicos CD8+ e por uma produção exuberante de anticorpos, especialmente
IgG, presumivelmente por proliferação de células plasmáticas estimuladas por
linfócitos, sendo a fase inicial mediada por imunocomplexos (tipo III) e a
tardia por células T (tipo IV).
Após inalação do antigénio, os imunocomplexos precipitados no interstício
pulmonar activam a cascata de complemento, resultando na activação de
macrófagos alveolares.
Estes libertam quimiocinas (IL-8, IL-6, IL-12, proteína inflamatória de
macrófagos α1 (MIP α1), RANTES) e citocinas (IL-1 e TNF-α) que promovem
recrutamento de neutrófilos, atraem e activam linfócitos T e monócitos e
promovem a diferenciação das células CD4+ Th0 em Th1.
No interstício, os neutrófilos fagocitam os imunocomplexos e promovem
libertação de substâncias tóxicas como elastase e colagenase. Após dias ou
semanas de exposição antigénica, ocorre intensa proliferação de linfócitos T
CD8+, de macrófagos alveolares activados, plasmócitos e células gigantes que
produzem citocinas responsáveis pela reacção tipo IV fundamental para a
formação de granulomas não caseosos e fibrose pulmonar em diferentes graus.
Os macrófagos alveolares activados possuem ainda capacidade de gerar lesão
tecidular pela libertação de estimuladores de fibrose e angiogénese (ex: TGF-β)
1,3-5.
Tendo em conta que apenas 5-15% de indivíduos expostos a um antigénio
desenvolvem doença3, colocou-se a hipótese de que factores genéticos são
importantes para determinar a susceptibilidade para desenvolvimento de PH1-
3,5,6.
A apresentação clínica pode variar consoante a frequência, o tipo e duração da
exposição, concentração e solubilidade do antigénio, susceptibilidade do
hospedeiro, gravidade da resposta imunológica e sequelas da reacção
inflamatória1,3,4. Tradicionalmente apresenta-se sob as formas aguda, subaguda
e crónica. O caso clínico apresentado refere-se a uma doente ex -fumadora,
exposta durante anos a antigénios das aves, com episódios recorrentes de
dispneia interpretados como bronquite, e que é internada por insuficiência
respiratória grave. A sintomatologia é sugestiva da PH subaguda, que se
apresenta tipicamente de um modo insidioso com episódios discretos de sintomas
agudos.
Usualmente, ocorre por exposição no ambiente doméstico (pássaros em gaiolas),
de forma menos intensa mas contínua. Os sintomas estão presentes por vários
dias ou semanas. Provavelmente, os episódios de bronquite descritos pela
doente, nada mais seriam do que episódios discretos de sintomas agudos
secundários a períodos de maior exposição ao antigénio.
Da avaliação adicional, constata-se nesta doente infecção por Streptococcus
pneumoniae que, provavelmente, poderá ter despoletado a PH. Alguns indícios
sugerem que em indivíduos sensibilizados, o início da PH pode ser precipitado
por inflamação pulmonar adicional inespecífica, e isso pode, em parte, explicar
porque a doença pode desenvolver-se em alguns doentes após vários anos de
exposição, durante os quais o indivíduo parece ter permanecido em um estado de
equilíbrio com o antigénio, sem sintomas.
McGavin descreveu dois agricultores que tiveram exposição ao feno a longo
prazo, mas que desenvolveram pulmão de fazendeiro somente após infecção por
Mycoplasma pneumoniae3. Por outro lado, o facto de ser ex-fumadora poderá
também explicar porque desenvolve doença apenas após cessação tabágica. Tem
sido demonstrado que o fumo do tabaco protege contra o desenvolvimento de PH,
uma vez que a nicotina diminui a produção de IgG e de citocinas pelos
macrófagos5,7.
Como se revelou importante no caso clínico, é importante uma abrangente
investigação ambiental e ocupacional.
O diagnóstico pode ser difícil por não existir nenhum teste radiológico,
imunológico e fisiológico específico1,3,4.
As precipitinas séricas não são encontradas na totalidade dos casos. Verifica-
se que cerca de 40 a 50% de indivíduos assintomáticos expostos ao mesmo
antigénio desenvolvem anticorpos IgG no soro, o que corrobora o facto de que o
teste é razoavelmente sensível, mas inespecífico, e deve ser pedido de forma
selectiva1.
Os achados imagiológicos são inespecíficos e variam de acordo com a fase da
doença1,4. Em caso de doença aguda e subaguda, a radiografia do tórax pode
apresentar opacidades nodulares ou reticulares, geralmente difusas, mas muitas
vezes poupando as bases na fase subaguda. Os principais achados na TCAR são
infiltrados micronodulares bilaterais, opacidades em vidro despolido, atenuação
diminuída e perfusão em mosaico1-4.
A análise do LBA, geralmente, revela linfocitose (valores podem atingir 60 a
80%)8 com predomínio de CD81-4.
No entanto, a sua presença não determina o diagnóstico, por si só, porque
indivíduos expostos e assintomáticos podem ter linfocitose no LBA1-3,5.
As alterações histológicas da PH são distintas e não patognomónicas. Se há
suspeita, recomenda-se reservar a biopsia cirúrgica para casos atípicos, e com
evolução clínica e resposta inadequada ao tratamento. Esta recomendação não é
baseada em evidências, mas enfatiza as limitações da biopsia cirúrgica e
necessidade de uma investigação clínica que compreende um alto índice de
suspeição e uma história exposicional cuidadosa2.
Uma série de critérios de diagnóstico têm sido publicados, mas nenhum desses
foram validados e todos têm limitações na sua aplicação. A precisão diagnóstica
é desco nhecida e correspondem na verdade a definição da doença2. De acordo com
Schuyler e Cormier, que reviram os critérios de diagnóstico propostos pela
Academia Americana de Alergia, Asma e Imunologia (Quadro_1), o diagnóstico é
confirmado se preencher no mínimo 4 critérios maiores e 2 critérios menores,
após exclusão de outras doenças1,8. Em virtude da ausência ou baixa
especificidade e sensibilidade da clínica e dos testes de diagnóstico,
consideramos que o valor preditivo positivo e negativo destes critérios de
diagnóstico é baixo. Assim, é essencial que se considere o diagnóstico de PH em
qualquer tipo de doença intersticial, desde aguda até doenças fibrosantes.
Por análise retrospectiva do caso clínico exposto, constata-se que a doente
preenche como critérios maiores: exposição ao antigénio revelado pela história
e teste de precipitinas séricas positivo, alterações radiológicas e
histológicas pulmonares compatíveis com PH e linfocitose no LBA; e como
critérios menores: crepitações basais, DLCO diminuído e hipoxemia arterial.
Analisando os exames radiológicos realizados, verifica-se que a radiografia do
tórax e a TCAR demonstram uma distribuição subpleural e apico-basal muito
sugestiva de UIP9,10. Embora a distribuição seja incaracterística da PH, tem-se
constatado a sua presença em alguns doentes com PH crónica, mas não na forma
subaguda. Por resultado do LBA (linfocitose 43% e relação CD4/CD8 inferior a 1)
e história exposicional sugestiva de PH incongruentes com o padrão imagiológico
de UIP, foi realizada biopsia pulmonar cirúrgica. As alterações da biopsia,
caracterizadas por um infiltrado linfoplasmocitário, formação de células
gigantes e sem nenhuma fibrose, são sugestivas de PH subaguda.
Atendendo que a doente se encontrava sintomática e que a corticoterapia é o
único tratamento farmacológico reconhecido2,4, optou-se por instituir
prednisolona, verificando-se boa resposta clínica, espirométrica e
radiográfica.
Enquanto na PH aguda, se preconiza prednisolona 0,5mg/Kg/dia durante 2 a 4
semanas, com redução progressiva, na PH subaguda, as doses são mais altas e o
tratamento por vários meses1. A evicção da exposição causadora da doença é de
carácter obrigatório e interfere com o prognóstico.
Conclui-se que o diagnóstico de PH necessita de extensa investigação para
confirmar este diagnóstico e afastar outros possíveis diagnósticos
diferenciais.