Asma e rinite no idoso: Estudo epidemiológico nacional
INTRODUÇÃO
A asma e a rinite são doenças comuns em crianças e em adultos e surgem
frequentemente associadas1-3.
A realização de estudos epidemiológicos a nível populacional tem sido
fundamental para a avaliação das necessidades das populações no que diz
respeito às doenças respiratórias crónicas3.
Nas últimas décadas tem-se assistido a um aumento significativo da população
idosa, quer no continente europeu, quer no americano. Este incremento na
esperança de vida alia-se a uma preocupação crescente por um envelhecimento
saudável, que se pretende activo. Estudos sobre doenças alérgicas e
respiratórias em idosos demonstraram que infeções, irritantes e alergénios são
potenciais desencadeantes de inflamação, independentemente das alterações
fisiológicas no sistema imune, no tecido conjuntivo e nos vasos, relacionadas
com a idade, que podem contribuir para a ocorrência de sintomas respiratórios4-
7.
A asma e a rinite são doenças com considerável morbilidade e impacto
socioeconómico, sendo as taxas de mortalidade por asma mais elevadas nos
idosos1-3,8-10.
Contudo, estudos epidemiológicos internacionais sobre asma e rinite nos idosos
são escassos, sendo inexistentes ao nível nacional.
Os objectivos principais deste estudo foram estimar a prevalência de asma
diagnosticada por médico, rinite e rinoconjuntivite em idosos na população
portuguesa e avaliar a associação entre estas patologias. Foi ainda propósito
do estudo classificar a rinite neste grupo etário, de acordo com as
recomendações ARIA2, e avaliar a associação entre asma diagnosticada por médico
e as diferentes categorias de classificação de rinite.
MATERIAL E MÉTODOS
Desenho do estudo e participantes
Foi realizado um inquérito de base populacional, transversal, aplicado por
entrevista directa a cidadãos com 65 anos ou mais, residentes em Portugal
continental.
Foi definida uma amostra estratificada (por género, idade e região) em várias
etapas. Numa primeira fase, foi determinado o número necessário de
participantes de cada região de Portugal continental (Norte, Centro, Lisboa e
Vale do Tejo, Alentejo e Algarve), baseado nos dados do recenseamento português
de 2001 referentes a indivíduos com 65 anos ou mais11. Numa segunda fase, foram
selecionados concelhos em cada uma das regiões, em número proporcional à
dimensão da amostra. Os critérios de seleção dos concelhos corresponderam aos
valores do índice de envelhecimento da população, densidade demográfica e poder
de compra, definidos considerando a média (nacional) e o desvio-padrão,
indicadores que resumem as principais clivagens intra-regionais11.
A distribuição por concelhos teve por base os níveis de diferenciação de cada
região face aos fatores utilizados na estratificação da amostra. A selecção
final foi feita utilizando um método aleatório (metodologia de random-route),
tendo sido em cada local consideradas habitações e lares de idosos.
Foi obtido o consentimento informado de todos os participantes. O protocolo do
estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do Hospital CUF Descobertas, Lisboa.
Instrumentos e colheita de dados
O questionário utilizado para a colheita dos dados foi adaptado a partir do
utilizado num estudo epidemiológico nacional anterior12. Foram adicionadas
questões em relação à asma diagnosticada por médico e ao uso de medicação para
o tratamento da asma, baseadas no inquérito do European Community Respiratory
Health Survey(ECRHS)13. A gravidade da rinite foi avaliada usando uma escala
visual analógica de 0-1014.
Os questionários foram aplicados por entrevistadores treinados, entre Maio e
Julho de 2008.
Definições utilizadas no estudo
As definições utilizadas neste estudo são apresentadas no Quadro_1 .
A rinite foi classificada em intermitente / persistente e ligeira / moderada-
grave, de acordo com a classificação ARIA2.
Análise estatística
As variáveis categóricas foram descritas através de frequências absolutas e
relativas com intervalos de confiança de 95% (IC95%), tendo as comparações sido
realizadas utilizando o teste de Pearson qui-quadrado.
Foi considerado um nível de significância de 5%. Foram desenvolvidos modelos de
regressão logística univariada para asma diagnosticada por médico utilizando
variáveis independentes como possíveis factores de risco (género, grupo etário,
tipologia do concelho e residência) e variáveis relacionadas com a rinite
(rinite actual, rinoconjuntivite, rinite diagnosticada por médico e
classificação de rinite) como possíveis factores preditivos (patologias
frequentemente associadas que podem partilhar factores de risco comuns). No
modelo de regressão logística multivariada desenvolvido para asma diagnosticada
por médico apenas os possíveis factores de risco foram incluídos. Estes
factores foram escolhidos de acordo com o valor de p da análise univariada
inferior a 0,250. A qualidade do ajuste do modelo foi avaliada pelo teste de
Hosmer-Lemeshow (considerado um bom ajuste do modelo para p> 0,05). Os
resultados dos modelos de regressão logística univariada e multivariada foram
apresentados como odds ratio(OR) com IC95%.
Os dados foram analisados usando o softwareSPSS versão 17.0 para Windows (IBM
SPSS, Chicago, Estados Unidos da América).
RESULTADOS
Características dos participantes
Foram analisados um total de 3678 questionários. As características
sociodemográficas dos participantes encontram-se resumidas no Quadro_2.
Prevalência de asma diagnosticada por médico nos idosos
A prevalência de asma diagnosticada por médico foi de 10,9% (IC95% 9,9% -
11,9%).
Dos idosos com diagnóstico médico de asma, 69,9% relataram efectuar actualmente
tratamento para esta patologia (prevalência de asma diagnosticada por médico
com tratamento actual de 7,6% (IC95% 6,7-8,4)).
A prevalência de asma diagnosticada por médico foi inferior nos homens (9,6% vs
11,8% nas mulheres, p=0,037), não tendo sido contudo confirmada esta diferença
na análise de regressão logística multivariada (Quadro_3). Não foram observadas
diferenças estatisticamente significativas na prevalência de asma entre os
grupos etários e entre a tipologia urbana e rural dos concelhos (Quadro_3).
Ajustando para as variáveis independentes no modelo de regressão logística,
verificou-se uma associação significativa entre asma diagnosticada por médico e
habitar em casa de familiares ou em lares, comparado com habitar em casa
própria (Quadro_3).
Associação entre asma e rinite nos idosos
A prevalência de rinite actual e de rinoconjuntivite actual foi de 29,8% (IC95%
28,4-31,3) e de 20,5% (IC95% 19,2-21,8), respectivamente. A prevalência de
rinite diagnosticada por médico foi de 13,1% (IC95% 12,9-14,2).
Apenas 38,6% dos idosos com rinite actual tinha o diagnóstico médico de rinite
e 38,7% tinham tratamento para esta patologia. Entre os indivíduos com
diagnóstico médico de asma, 81,1% tinham queixas actuais de rinite, 68,3% de
rinoconjuntivite e 40,9% tinham diagnóstico médico de rinite. Por outro lado, o
diagnóstico médico de asma foi referido por 29,6% dos indivíduos com rinite
actual, 36,4% com rinoconjuntivite e 34,1% com diagnóstico médico de rinite.
Na análise univariada, verificou-se uma associação forte entre as três
condições e asma diagnosticada por médico, em particular com rinite actual e
rinoconjuntivite (Quadro_3).
A frequência de asma diagnosticada por médico aumentou com o número de sintomas
de rinite de 2,1% na ausência de sintomas nasais para 39,3% na presença de três
sintomas de rinite e para 44,4% quando os sintomas nasais estavam associados a
queixas oculares (Figura_1).
A rinite foi classificada como intermitente ligeira em 49,1% dos casos,
intermitente moderada-grave em 27,5%, persistente ligeira em 7,0%, e
persistente moderada-grave em 16,4%. A frequência de cada tipo de rinite de
acordo com o diagnóstico médico de asma está expressa no Quadro_4. A associação
entre o diagnóstico médico de asma e rinite actual foi evidente em todas as
categorias de rinite e foi mais forte em indivíduos com rinite persistente
moderada-grave (Figura_2).
DISCUSSÃO
Neste estudo de base populacional, encontrou-se uma prevalência elevada de asma
diagnosticada por médico (10,9%; IC95% 9,9-11,9), rinite actual (29,8%; IC95%
28,4-31,3) e rinoconjuntivite (20,5%; IC95% 19,2-21,8) na população portuguesa
com 65 anos de idade ou mais. O estudo confirmou ainda uma associação forte
entre rinite, rinoconjuntivite e asma também neste grupo etário, aumentando a
força da associação com a maior persistência e gravidade dos sintomas de
rinite.
O presente estudo foi o primeiro de base populacional nacional dedicado
exclusivamente aos idosos, na avaliação conjunta da prevalência de asma, rinite
e rinoconjuntivite.
É também, a nível internacional, o primeiro estudo de base populacional em
idosos que reporta a frequência das categorias ARIA de rinite e sua associação
com asma. A estratégia de amostragem permitiu uma amostra representativa da
população portuguesa com 65 anos ou mais no que respeita à idade, género e
região11.
Um estudo recente estimou a prevalência de asma actual (i.e., com sintomas nos
últimos 12 meses) na população portuguesa15, sendo esta de 6,8% (IC95% 6,0-
7,7).
Nesse estudo, na análise de subgrupos, não se verificou diferença
estatisticamente significativa na prevalência de asma actual em indivíduos com
65 anos ou mais. Contudo, ajustando para possíveis factores de confundimento, a
prevalência de asma foi inferior nos idosos que não referiram doença cardíaca.
Uma vez que a doença cardíaca é frequente em idosos e pode ser causa de
sintomas respiratórios, os autores apontaram para a possibilidade de uma
sobrestimação de asma actual em indivíduos idosos com patologia cardíaca15.
No presente estudo, apesar da limitação do diagnóstico médico de asma ter sido
auto-reportado, justificado pelo carácter epidemiológico do estudo, o facto de
ter sido considerado o diagnóstico por médico pode contribuir para diminuir a
possibilidade de vieses e factores de confundimento relacionados com sintomas
respiratórios causados por outras patologias, como é o caso da doença cardíaca.
Considerando a prevalência de asma diagnosticada por médico com tratamento
actual como aqueles idosos que têm asma activa, verificou-se uma prevalência
de 7,6% (IC95% 6,7-8,4%), o que não difere significativamente da prevalência
estimada de asma actual em idosos pelo estudo referido (8,0% (IC95% 6,7-9,5))
15, sugerindo ser este um valor aproximado do real na população portuguesa.
Noutros estudos epidemiológicos dirigidos a idosos, a prevalência de asma
variou entre 3,6 e 7,0%16-23.
Porém, os diferentes critérios de selecção e definições de asma limitam a
comparação entre os estudos.
No que diz respeito a possíveis factores de risco para asma, foi interessante
notar que, após o ajuste para variáveis independentes, o diagnóstico médico de
asma estava associado a habitar em casa de familiares ou sobretudo em lares, o
que poderá sugerir maior frequência da doença ou melhor acesso a cuidados
médicos destes idosos, comparados com idosos que residem em casa própria. Em
concordância com o estudo anterior15, a prevalência de asma foi idêntica em
ambos os géneros e tipologia do concelho. Ao contrário do sugerido por outros
estudos17, 24, a prevalência de asma nos idosos não diminuiu com a idade.
A elevada prevalência encontrada de rinite actual e rinoconjuntivite na
população portuguesa com 65 anos ou mais é concordante com o estudo
epidemiológico realizado em Portugal dedicado a indivíduos com mais de 16 anos
de idade12. Nesse estudo, a prevalência de rinite foi de 26,1%, sendo de 25,9%
na análise do subgrupo dos idosos12.
A mais elevada prevalência observada no presente estudo pode reflectir uma
estimativa mais precisa da rinite nos idosos ou corresponder a uma tendência de
aumento da prevalência de rinite neste grupo etário nos últimos anos em
Portugal. Até à data, de entre os estudos dirigidos à rinite em idosos, existe
apenas um de base populacional, que revelou uma frequência de rinite alérgica
de 3,6% de um total de 333 idosos na Cidade do México16. Noutros estudos
epidemiológicos não direccionados a idosos, a análise de subgrupos revelou uma
prevalência de rinite entre 16,1 e 25,9% em indivíduos deste grupo
etário2,12,25-27.
A prevalência de rinoconjuntivite observada foi superior à reportada
anteriormente nos adultos (18,4%)12, o que está de acordo com outro estudo
recente que sugere que os idosos têm rinite associada a conjuntivite mais
frequentemente do que os adultos jovens28.
O presente estudo, incluindo adultos idosos, demonstrou ainda uma forte
associação entre rinite, rinoconjuntivite e asma. Cerca de 80% dos idosos com
diagnóstico de asma tinham rinite e, de entre os idosos com rinite, cerca de
30% tinham asma diagnosticada por médico. A frequência de asma aumentou com o
número de sintomas nasais, sobretudo quando estes se associaram a queixas
oculares.
Estes resultados suportam uma extensa interacção nariz-pulmao observada também
em indivíduos idosos6,29-31.
A definição de rinite actual utilizada no presente estudo, obrigando à presença
de pelo menos dois sintomas nasais, pode permitir sugerir o diagnóstico de
rinite alérgica2.
Este facto é reforçado nos idosos com queixas concomitantes de olho vermelho,
prurido ocular e epífora, sugestivas de rinoconjuntivite alérgica2, que
corresponderam à maioria dos doentes com rinite actual. O facto de a associação
entre rinite e asma ter sido particularmente notável nos idosos com
rinoconjuntivite pode sugerir um risco acrescido de asma quando há maior
probabilidade de envolvimento de mecanismos alérgicos.
Contudo, a definição de rinite ou de rinoconjuntivite alérgica não foi
utilizada em virtude de não ter sido efectuado neste estudo qualquer avaliação
dos mecanismos imunológicos específicos envolvidos.
Conforme definido pela iniciativa ARIA, verificou-se que 49,1% dos idosos tinha
rinite intermitente ligeira, 7,0% rinite persistente ligeira, 27,5% rinite
intermitente moderada-grave e 16,4% rinite persistente moderada-grave.
Estudos transversais e longitudinais têm demonstrado que os sintomas de rinite
atenuam com a idade32-34.
No entanto, neste estudo, mais de 40% dos idosos apresentava rinite moderada-
grave.
Este estudo salienta ainda que a rinite nos idosos está subdiagnosticada e
subtratada. Este facto é particularmente relevante nos idosos com queixas
persistentes ou moderadas-graves.
Mesmo nos idosos com diagnóstico médico de asma, cerca de 40% tinham queixas de
rinite actual e não tinham diagnóstico ou tratamento para a rinite.
A associação forte encontrada entre asma e todas as categorias de rinite apoia
a importância do diagnóstico de rinite, incluindo as apresentações mais
ligeiras da doença.
A força desta associação é particularmente elevada em idosos com rinite
persistente moderada-grave.
CONCLUSÕES
A abordagem das patologias respiratórias nos idosos é reconhecidamente uma
necessidade imperiosa1-3,35, tendo em conta o impacto destas doenças e o
significativo aumento da população idosa em vários países do Mundo, incluindo
em Portugal.
Este estudo revela que a asma, a rinite e a rinoconjuntivite são doenças muito
prevalentes nos idosos, encontrando-se fortemente associadas. A força desta
associação aumenta com a persistência e gravidade da rinite. O estudo salienta
a importância da avaliação integrada, global, da asma e da rinite neste grupo
etário.