Avaliação da expressão dos marcadores CD63 e CD203c em basófilos e do seu
contributo no diagnóstico de hipersensibilidade ao diclofenac
INTRODUÇÃO
As reacções de hipersensibilidade a fármacos são comuns na prática clínica,
correspondendo a cerca de 15% da totalidade das reacções adversas a fármacos1.
De acordo com as normas de nomenclatura publicadas pela EuropeanAcademy of
Allergy and Clinical Immunology(EAACI), dividem‑se em reacções imunológicas ou
alérgicas (IgE e não IgE mediadas) e reacções sem mecanismo imunológico
subjacente, ou não alérgicas2.
O mecanismo responsável pelas reacções adversas a anti‑inflamatorios não
esteróides (AINEs) está ainda pouco esclarecido. A possibilidade de uma reacção
IgE mediada deve ser considerada em doentes com hipersensibilidade selectiva a
um único fármaco, sendo que a reacção a mais do que um fármaco de diferentes
grupos farmacológicos poderá ser justificada pela inibição da ciclooxigenase
tipo 1 (COX‑1)3, apesar de outros mecanismos poderem também estar envolvidos4.
Em relação ao tempo que decorre entre a toma do fármaco e a reacção, estas são
classificadas de imediatas, quando ocorrem até 1 hora após a sua administração,
ou não imediatas ocorrendo num tempo > 1 hora2.
De acordo com as normas do EuropeanNetwork for Drug Allergy(ENDA) e EAACI
interestgroup on drug hypersensitivity, os procedimentos diagnósticos no caso
de suspeita de reacção de hipersensibilidade imediata a fármacos baseiam‑se
numa história clínica detalhada seguida de testes cutâneos por picada (TCP),
quando disponíveis e validados5, testes laboratoriais e prova de provocação
oral controlada6, que, apesar dos riscos associados, é considerado o método de
eleição no diagnóstico.
O grupo dos AINEs é um dos grupos farmacológicos que coloca maior dificuldade
na confirmação diagnóstica.
Como os testes cutâneos e os habituais testes in vitronão estão ainda
devidamente padronizados e validados, nestes casos é necessário muitas vezes
recorrer a uma prova de provocação. Neste sentido, será muito importante
melhorar a avaliação in vitrotornando‑a uma ferramenta útil para o diagnóstico.
Os métodos de avaliação da expressão de marcadores de superfície dos basófilos
(por citometria de fluxo), nomeadamente CD63 e/ou CD203c após activação
induzida por fármacos, têm sido referidos como uma possível mais‑valia no
diagnóstico deste tipo de reacções7,8.
A utilidade do teste de activação de basófilos (TAB) pela expressão de CD63 já
se encontra amplamente demonstrada, nomeadamente nas reacções IgE mediadas a
alergénios inalantes comuns, alergénios alimentares, látex e veneno de
himenópteros, com elevadas sensibilidade e especificidade9‑11. No âmbito da
alergia medicamentosa é utilizado em reacções de hipersensibilidade imediata,
principalmente para fármacos cuja quantificação da IgE específica não se
encontra disponível. Gamboa e colaboradores12consideram o TAB um método de
diagnóstico in vitroreprodutível, com elevada especificidade (>90%) e
sensibilidade (60‑70%) no diagnóstico de reacções de hipersensibilidade a
AINEs, apresentando uma boa correlação com as provas de provocação positivas.
Num estudo mais recente, utilizando um painel de AINEs (aspirina, diclofenac e
naproxeno), foram obtidos resultados semelhantes de sensibilidade e
especificidade, concluindo que resultados negativos no TAB não permitem excluir
o diagnóstico e que resultados positivos associados a uma história compatível
poderão confirmar o diagnóstico, dispensando a realização de prova de
provocação13.
A molécula CD63 (glicoproteína 53), membro da família tetraspan,que surge de
novoapós desgranulação dos basófilos, revela boa correlação com a libertação de
histamina após estimulação inespecífica
(N‑formil‑metionil‑leucil‑fenilalanina‑fMLP), anticorpo anti‑IgE ou
alergénios14.
Mais recentemente tem sido utilizada a molécula CD203c, especifica de
basófilos, e um antigénio neural E‑NPP3 (ectonucleotido pirofosfatase /
fosfodiesterase 3) que não se encontra expressa noutras células do sangue
periférico15,16. Esta molécula sofre uma upregulationem resposta a alergénios
específicos, podendo ser utilizada no diagnóstico no sentido de melhorar a
sensibilidade do TAB, como já demonstrado na alergia a veneno de
himenópteros17, pólenes18 e a alergénios alimentares19,20com alta sensibilidade
e especificidade.
Recentemente têm surgido estudos relacionados com o diagnóstico de reacções
alérgicas a látex, veneno de himenópteros e fármacos, nomeadamente relaxantes
musculares21, comparando estes dois marcadores e demonstrando uma maior
sensibilidade com a utilização de CD203c8,22,23. No entanto, ainda não foram
publicados estudos comparativos da eficácia da expressão destes marcadores no
diagnóstico de hipersensibilidade a AINEs.
OBJECTIVOS
1) Avaliar a eficácia diagnóstica do TAB através da utilização de dois
marcadores de activação, CD63 e CD203c, com abordagens distintas de
identificação da população de basófilos num grupo de doentes com
hipersensibilidade ao diclofenac;
2) Avaliar a influência de factores como o tempo decorrido desde a reacção e o
tipo de reacção após contacto com o fármaco no resultado dos testes.
MATERIAL E MÉTODOS
População
Foram seleccionados para este estudo 17 doentes (M: 4/ F: 13; idade média: 42,9
± 13,7 anos) seguidos em consulta de Alergia Medicamentosa do Hospital Pulido
Valente, Centro Hospitalar de Lisboa Norte, com história de pelo menos duas
reacções de anafilaxia e/ou urticária/angioedema ao diclofenac imediatamente (≤
1 hora) após toma do mesmo.
Anafilaxia e choque anafiláctico foram definidos de acordo com os critérios de
Sampson24 e urticária quando as manifestações foram apenas cutâneas e descritas
como elevações eritematocutâneas pruriginosas, evanescentes à digitopressão,
com duração < 24 horas.
Foram excluídos os doentes com história de reacção num período inferior a seis
semanas. Em sete casos (41,2%) a reacção ocorreu após 2008 e nos restantes
58,8%, antes desse ano.
Em relação à clínica manifestada durante a reacção, sete apresentaram
sintomatologia cutânea (urticária e angioedema) e 10 (58,8%) anafilaxia.
Um grupo de 11 voluntários saudáveis (M: 4/ F: 7; idade média: 44,3 ± 18,7
anos) sem história conhecida de hipersensibilidade a AINEs e tolerando
diclofenac foi utilizado como controlo. De acordo com a comissão de ética
hospitalar, todos os doentes deram consentimento para a inclusão no estudo.
Prova de provocação oral
A prova de provocação oral controlada foi realizada respeitando as orientações
publicadas6 e sob as condições de vigilância indicadas neste tipo de
procedimentos.
Após autorização e assinatura do consentimento informado foram realizadas em
hospital de dia 35 provas de provocação oral abertas aos 17 doentes, que
suspenderam a toma de anti‑histaminicos por um período mínimo de sete dias e a
toma de β‑bloqueantes no próprio dia.
Teste de activação dos basófilos
Optou‑se por avaliar apenas a eficácia do teste para o diclofenac, uma vez que
a totalidade dos doentes selecionados teve reacção com este fármaco, utilizado
de acordo com a literatura25 em 2 concentrações distintas (0,94 e 0,23 mg/mL).
Em ambos os grupos o TAB foi realizado utilizando diferentes abordagens na
identificação da população de basófilos: método Flow2 CAST® (Bühlmann
Laboratories AG, Schönenbuch, Suíça) que utiliza o marcador CCR3; o método
Basotest® (ORPEGEN Pharma, Heidelberg, Alemanha) ' IgE; e o método Basotest®
modificado ' HLA‑DR‑/CD123+. Como marcadores de activação foram avaliados os
níveis de expressão de CD63 de CD203c por citometria de fluxo.
Teste de activação dos basófilos (Flow2 CAST®) ' citometria de fluxo: CD63
O teste de activação de basófilos foi realizado usando o método Flow2 CAST®
(Bühlmann Laboratories AG, Schönenbuch, Suíça) de acordo com as instruções do
fabricante. A 50 μl de sangue total heparinizado adicionaram‑se 50 μl de cada
uma das concentrações dos fármacos, 50 μl do péptido quimiotáctico
N‑formil‑Met‑Leu‑Phee (FMLP) e 50 μl de PBS. A cada tubo foram adicionados 100
μl de tampão de estimulação (IL‑3), 20 μl dos anticorpos monoclonais,
anti‑CD63‑FITC e anti‑CCR3‑PE seguindo‑se uma incubação de 15 minutos a 37ºC.
Foi posteriormente efectuada a lisedos eritrócitos, lavagem e ressuspensão das
células em PBS. A aquisição por citometria de fluxo (FACSCalibur, Becton
Dickinson) e ocorreu nas duas horas a seguir à finalização da técnica.
Teste de activação dos basófilos (Basotest®) ' citometria de fluxo: CD63 e
CD203c
Basotest® ' citometria de fluxo: CD63O teste de activação de basófilos
(Basotest®, ORPEGEN Pharma, Heidelberg, Alemanha) foi realizado de acordo com
as instruções do fabricante. 100 μL de sangue total heparinizado foram
incubados com 20 μL do tampão de estimulação (contendo IL‑3) durante 10 minutos
a 37ºC e posteriormente com o fármaco em duas concentrações (0,94 mg/mL e
0,23mg/mL), com N‑formil‑Met‑Leu‑Phe (fMLP ' controlo positivo) e com solução
de tampão (controlo negativo) durante 20 minutos a 37ºC. A interrupção do
processo de desgranulação deu‑se em gelo, seguida de marcação das células com 2
anticorpos monoclonais conjugados com fluorocromos ' anti‑CD63‑FITC e
anti‑IgE‑PE, lisedos eritrócitos e lavagem das amostras. A aquisição foi feita
em citómetro FACSCalibur ' Beckton Dickinson® e ocorreu num período máximo de
120 minutos após preparação das amostras.
Basotest® modificado ' citometria de fluxo: CD203cParalelamente foi realizado o
Basotest® com algumas modificações no que diz respeito à identificação dos
basófilos, utilização da molécula de activação CD203c e quantidade de sangue
total heparinizado.
A 200 μL sangue total heparinizado foram adicionados 200 μL do fármaco em duas
concentrações, controlo positivo (péptido quimiotáctico N‑formil‑Met‑Leu‑Phe:
FMLP) e controlo negativo (PBS) seguido de incubação durante 20 minutos a 37ºC.
A desgranulação foi suspensa colocando as amostras em gelo durante 10 minutos.
As células foram em seguida marcadas com: 8 μl de anti‑CD63‑FITC, 30 μl de
anti‑CD203‑PE, 8 μl anti‑HLA‑DR PerCP e 8 μl anti‑CD123‑APC.
Após incubação durante 20 minutos em gelo, foi realizada a lisedos eritrócitos,
centrifugação, lavagem e ressuspensão com PBS. Aquisição por citometria de
fluxo (FACSCalibur, Becton Dickinson) ocorreu nas duas horas a seguir à
finalização da técnica.
Análise por citometria de fluxo
As amostras processadas foram imediatamente analisadas utilizando o
softwareCell Quest®.
A população de basófilos foi identificada como SSClow/CCR3high, anti‑IgEhigh e
HLA‑DR‑/CD123+, e pelo menos 500 basófilos foram adquiridos por amostra. Para o
marcador CD63 os basófilos activados foram identificados como CD63high, sendo o
valor basal estabelecido a partir do obtido no controlo negativo (< 5%). Foi
considerado um número mínimo de 150 basófilos activados para validar os testes.
Os critérios de positividade para o Flow2 CAST® com marcador CD63 foram:
percentagem de activação ≥ 5% e percentagem de activação após estimulação de
pelo menos o dobro da percentagem de basófilos activados espontaneamente
(índice de estimulação ≥ 2), sendo que este critério não é referido na
literatura por alguns grupos21,26.
Para o marcador CD203c pelo método Basotest® modificado foi determinado um
valor de activação de 59 após realização de curvas ROC. A sua expressão
traduz‑se em intensidade média de fluorescência (IMF).
Análise estatística
Os dados relativos à história clínica, testes in vivoe in vitroforam
introduzidos numa base do programa estatístico SPSS para cálculo de curvas ROC
e determinação de p valuespelo programa estatístico R.
O teste de Χ2 foi utilizado para avaliar a relação entre as variáveis
qualitativas e o teste exacto de Fisher quando o tamanho das amostras
independentes foi pequeno, número de casos inferior a cinco.
Para cada curva ROC foi determinado um valor de cut offcorrespondendo ao ponto
que melhor discriminava entre presença e ausência de doença. Determinou‑se a
sensibilidade (S), especificidade (E) e valores preditivos (Vp) com intervalo
de confiança (IC) de 95% para os diferentes métodos e marcadores utilizados.
RESULTADOS
Prova de provocação oral
Das 35 provas de provocação oral abertas realizadas, 15 (43%) foram positivas,
encontrando‑se no Quadro_1 discriminados os fármacos utilizados e os resultados
obtidos.
Teste de activação dos basófilos (Flow2 CAST®) ' citometria de fluxo: CD63
Aos 17 doentes e 11 controlos foi realizado o TAB para o diclofenac pelo método
Flow2 CAST®. Do grupo de doentes foram inicialmente excluídos dois resultados:
um por apresentar índice de activação do controlo positivo com FMLP inferior ao
valor obtido pelo controlo negativo, non responder(5,5%), outro por não ter
sido possível adquirir o número mínimo de basófilos necessário para validar o
teste.
Dos restantes 15 doentes, seis (40,0%) e um controlo (9,1%) apresentaram testes
positivos.
A sensibilidade ao diclofenac obtida com este teste foi de 40,0%, E: 90,9%,
VPP: 85,7% e VPN: 52,6%.
Relacionando o tempo decorrido entre a última reacção ao fármaco e a
positividade do teste avaliado por este método, verificou‑se uma diminuição da
sensibilidade com o afastamento da data da reacção (reacção após 2008 S: 83,3%
e E: 50,0%) em comparação com reacção ocorrida antes de 2008 (S: 11,1% e E:
88,9%).
Verificámos também não existir diferença estatisticamente significativa entre o
tipo de reacção (anafilaxia vs.reacção cutânea) e a positividade dos testes (p=
0,6224) (Quadro_2 e Quadro_3).
Teste de activação dos basófilos (Basotest®) ' citometria de fluxo: CD63 e
CD203c
Basotest® modificado‑citometriade fluxo: CD203cO TAB pelo método do Basotest®
modificado, foi realizado nos 17 doentes e nos 11 controlos.
Com os valores de activação obtidos com o marcador CD203c expressos em IMF,
foram criadas curvas ROC.
A AUC(AreaUnder the Curve) obtida para o diclofenac foi de 0,854, sendo o valor
de corte encontrado de 59 (intervalo entre 57,345‑59,715) com sensibilidade de
66,7% e especificidade entre 90,9 e 95,5%.
Dos 17 doentes com história de hipersensibilidade ao diclofenac treze (76,5%)
apresentaram resultados positivos, sendo que no grupo controlo um deles (9,1%)
obteveresultados acima deste valor de IMF.
Com este método e para o valor de corte estabelecido a S obtida foi de 76,5%,
E: 90,9%, VPP: 92,9% e VPN:71,4%.
Relacionando o tempo que decorreu entre a reacção com o diclofenac e os testes
com resultado positivo, utilizando o método Basotest® modificado, não se
verificou correlação estatisticamente significativa (p = 0,8643), assim como
entre o tipo de reacção (anafilaxia vs reacções cutâneas) e a positividade dos
testes (p >0,05).
Existe contudo diferença significativa entre a história de reacção e os testes
positivos (p < 0,0001) (Quadros 2 e 3).
Basotest® ' citometria de fluxo: CD63Pelo método Basotest® utilizando o
marcador deidentificação de basófilos IgE, e na mesma população, obtivemos
valores de S: 12,5%; E: 90,9%; VPP: 66,7% e VPN: 41,7% (Quadros 2 e 3).
DISCUSSÃO
A necessidade de testes in vitrocomplementares para o diagnóstico de
hipersensibilidade aos AINEs, fiáveis e validados, tem levado à abordagem de
outras metodologias, nomeadamente o teste de activação dos basófilos com
avaliação por citometria de fluxo.
Neste estudo, partindo de uma população de doentes com clínica de
hipersensibilidade ao diclofenac, foram encontrados diferentes resultados de
TAB de acordo com as metodologias utilizadas quer para a identificação da
população de basófilos quer na expressão das moléculas de activação. Assim, com
identificação da população de basófilos pelo marcador CCR3 obtivemos uma
sensibilidade de 40% e especificidade de 91%. Com a anti‑IgE sensibilidade de
13% atingindo cerca de 80% quando a mesma população foi identificada pela dupla
marcação HLA‑DR‑/CD123+, sem estimulação prévia com IL‑3.
Na literatura, em relação à activação após estimulação com pólen de gramíneas
usando como identificação de basófilos IgE ou HLA‑DR‑/CD123+, não foram
referidas diferenças significativas27.
Estudos recentes utilizando a molécula CD63 revelaram que a IL‑3 tem neste
contexto um papel relevante7, o que está de acordo com os resultados
demonstrados neste estudo. A sensibilidade obtida utilizando o marcador CD63
aumentou com a estimulação com a IL‑3 De 13% para 40%.
Em relação ao marcador CD203c, estudos anteriores demonstraram não ser
necessário a utilização de IL‑37, o que está de acordo com os presentes
resultados.
De acordo com a literatura28, no que diz respeito aos critérios de
positividade, foram utilizadas diferentes abordagens para os definir. Os
autores, de acordo com as curvas ROC obtidas, definiram o valor de corte óptimo
para a intensidade média de fluorescência com o marcador CD203c, para o
diclofenac, de 59. A AUC foi considerada válida para o valor de 0,854. Foram
obtidos valores de sensibilidade de 77% e especificidade de 91%.
Comparativamente, os resultados obtidos para o CD63 revelaram uma diminuição da
sensibilidade (40%), mantendo igual especificidade. No entanto, se
considerarmos como referido na literatura26 apenas como critério de
positividade a percentagem de activação > 5%, obtemos um valor de sensibilidade
de 60%, mantendo uma especificidade de 91%.
Tem sido referida na literatura a utilização de diferentes marcadores de
activação no diagnóstico de alergia ao látex8, veneno de himenópteros22 e
alergia à amoxicilina23demonstrando uma mais elevada sensibilidade com o CD203c
do que com CD63. Pelo contrário, no diagnóstico de alergia a relaxantes
musculares, foram obtidos melhores resultados de sensibilidade com o CD6329. No
diagnóstico de alergia ao epitélio de gato ambos os marcadores obtiveram
resultados semelhantes30.
Um dos critérios importantes a ter em conta durante a realização do TAB
relaciona‑se com o tempo que decorre entre a reacção e a realização do teste.
Num estudo com relaxantes musculares onde avaliaram esta relação obtiveram
valores de sensibilidade de 85% quando o TAB foi realizado num período de 3
anos após a reacção, com diminuição para valores de 47% quando realizado 4 anos
após a mesma31.
Neste contexto, e do mesmo modo, na avaliação dos nossos resultados utilizando
como identificação de população de basófilos o marcador CCR3, verificámos uma
diminuição da sensibilidade à medida que aumentava o intervalo de tempo entre a
data da reacção e a realização do teste (reacção após 2008 S: 83,3%; antes de
2008 S: 11,1%).
Tendo em conta que um dos factores que pode influenciar a obtenção de
resultados negativos é a redução dos níveis séricos de anticorpo IgE associada
ainda à especificidade do mesmo, seria de esperar que, com a redução dos seus
níveis ao longo do tempo, ou seja, com o passar do tempo entre a reacção e a
realização do teste, um menor valor de sensibilidade seria encontrado32, como
ocorreu no presente estudo. Surgiram, no entanto, estudos com resultados
contraditórios e sem relação entre o tempo de reacção e a realização do TAB33.
Por outro lado, o tempo decorrido entre a realização do teste e a aquisição das
amostras pode afectar os resultados.
Segundo De Weck etal,a percentagem de activação de basófilos diminui a partir
das 24 horas, podendo conduzir a resultados falsamente negativos às 48 horas,
particularmente quando são testados fármacos28.
Todas as amostras do presente estudo foram adquiridas nas duas horas a seguir
ao seu processamento.
Um outro critério que poderá justificar os diferentes resultados prende‑se com
o alergénio utilizado e/ou com as concentrações de fármaco. Neste estudo
utilizamos para o diclofenac concentrações de 1 mg/mL e 0,23 mg/mL, semelhantes
às utilizadas por outros grupos12 que obtiveram valores de sensibilidade e
especificidade para o mesmo fármaco com o marcador CD63 idênticos (43% e 93%,
respectivamente). Por outro lado, alguns trabalhos apresentados utilizaram
concentrações um pouco superiores, com resultados menos favoráveis34.
Não se verificou diferença estatisticamente significativa entre a gravidade
clínica (anafilaxia vs reacções cutâneas) e a percentagem de activação de
basófilos para ambos os marcadores utilizados.
No presente estudo a percentagem de non responderfoi de 5,5%, estando de acordo
com outras casuísticas apresentadas por De Weck e Sanz na qual excede os 4%28,
embora alguns autores apontem para valores um pouco superiores35.
Como foi referido, dos 17 doentes apenas 4 realizaram prova de provocação com o
diclofenac e os restantes foram incluídos por terem apresentado pelo menos duas
reacções imediatas a AINEs, incluindo ao diclofenac. Possivelmente obteríamos
resultados mais concordantes se tivéssemos como critério de inclusão doentes
com diagnóstico confirmado por prova de provocação com o diclofenac, mesmo
correndo o risco de excluir um número considerável de doentes com história de
reacções sistémicas mais graves.
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos sugerem que o TAB, embora carecendo de optimização para
aplicação regular na prática clínica, poderá ser considerado um método
complementar no diagnóstico de doentes com hipersensibilidade aos AINEs. Neste
contexto, a expressão de CD203c, sendo um marcador que rapidamente sofre
up‑regulationna presença do alergénio em doentes sensibilizados, poderá ser
considerado uma mais‑valia neste diagnóstico, uma vez que revelou melhores
resultados de sensibilidade relativamente aos obtidos com o CD63.
Resultados de TAB positivos, utilizando o marcador de activação CD203c,
concomitantemente com clínica fortemente sugestiva poderão eventualmente ser
suficientes para evitar a realização de prova de provocação oral com o fármaco
implicado.