Fenótipos de sibilância em idade-escolar e relação com persistência de asma até
à adolescência
INTRODUÇÃO
A sibilância recorrente é uma entidade clínica muito frequente em idade
pediátrica1 que pode traduzir diferentes diagnósticos e sobretudo diferentes
prognósticos. Embora possa ser transitória, com recuperação total ao longo da
infância, o início precoce dos episódios de sibilância está associado à
persistência de sintomas brônquicos ao longo da vida e a umamaior deterioração
funcional respiratória2,3, podendo haver alterações mantidas da função
pulmonar4.
Tendo em conta a heterogeneidade clínica inerente à sibilância recorrente, tem
sido procurada a definição de fenótipos. O maior contributo para o conhecimento
sobre fenótipos de sibilância na criança derivou da realização de estudos
longitudinais, salientando‑se quatro com início neonatal: Tucson2,5,
Melbourne3, Perth6,7 e Bristol8. Estes estudos definiram três a seis fenótipos,
de acordo com a evolução temporal e a persistência de sintomas. No entanto, as
primeiras definições fenotípicas foram subjetivas, baseadas em características
diretamente observáveis e em hipóteses formuladas a prioripelos autores,
originando classificações distintas e dificilmente comparáveis. Ficou limitada
a sua aplicação noutras idades ou a incorporação de outras características das
crianças, restringindo a comparação de fenótipos entre diferentes coortes. Os
critérios temporais limitaram ainda a sua aplicabilidade clínica pelo facto de
a classificação fenotípica assim descrita só poder ser estabelecida
retrospetivamente, para além de que várias crianças podem não se integrar nas
categorias descritas ou mesmo alternar entre um fenótipo e outro9,10.
Na procura de uniformização e maior aplicabilidade na prática clínica, foi
criada, em 2008, uma taskforceda EuropeanRespiratory Society, que sugeriu a
divisão em dois fenótipos de sibilância definidos pelos desencadeantes
(episódica (viral) vs.desencadeada por múltiplos estímulos), baseada nos vários
estudos longitudinais e na opinião de peritos11. Esta classificação revelou‑se
contudo de difícil aplicação por dificuldades diagnósticas e os padrões
provaram ter pouca consistência ao longo do período de um ano, não estando o
seu valor preditivo esclarecido10‑12.
Até ao momento, não é clara a relação existente entre os fenótipos definidos
pelos diferentes estudos, não existindo uma classificação fenotípica consensual
que possa refletir os mecanismos, a história natural da doença e respostas
terapêuticas distintas.
Com o objetivo de ultrapassar estas limitações tem sido proposta, mais
recentemente, a definição de fenótipos clínicos utilizando modelos
estatísticos, de um modo independente de hipóteses formuladas a priorie que
considerem em simultâneo diferentes dimensões da doença e o seu caráter
dinâmico13. Estes métodos são usados para identificar grupos que podem não ser
directamente observáveis, determinados exclusivamente a partir de
caraterísticas objetivas. Para que os fenótipos possam ser clinicamente
relevantes e para validar os resultados da aplicação destes modelos
estatísticos é importante avaliar a sua aplicação na realidade clínica e,
simultaneamente, analisar a sua validade prospetiva.
Os objetivos principais do presente estudo foram: (1) identificar e descrever
fenótipos de sibilância em idade ‑escolar com base num modelo estatístico
multidimensional, combinando caraterísticas da sintomatologia respiratória,
história pessoal e familiar de doenças alérgicas, exposições ambientais e
resultados de testes cutâneos; (2) avaliar o prognóstico dos diferentes
fenótipos encontrados, a respeito da persistência de asma, considerando
sintomas, uso de tratamento preventivo e parâmetros funcionais respiratórios,
em idade escolar e na adolescência.
MATERIAL E MÉTODOS
Desenho do estudo e participantes
Foi selecionada uma amostra de 308 crianças observadas consecutivamente durante
12 meses em primeiras consultas de um serviço de Imunoalergologia de um
hospital terciário português no ano de 1993. Foram considerados critérios de
inclusão ter menos de sete anos de idade e ter diagnóstico clínico de
sibilância recorrente; foram excluídas outras causas potencialmente relevantes
de sibilância, para cada caso clínico (Figura_1).
Todas as crianças efetuaram terapêutica preventiva com corticosteroides tópicos
inalados, em dose média, por um período inicial de três meses, com reavaliação
posterior e manutenção ou alteração da terapêutica de acordo com a evolução dos
sintomas respiratórios. As crianças mantiveram‑se em observação com uma
regularidade mínima semestral, nos três primeiros anos do estudo; após este
período entrou‑se numa fase com observações, no âmbito do estudo, menos
regulares, sendo mantido o seguimento médico, de acordo com as necessidades
específicas de cada participante e a prática clínica habitual. Foram realizadas
avaliações sistemáticas ao final de três, oito e treze anos. As avaliações
realizadas em cada um destes momentos encontram‑se sistematizadas na Figura_1.
Foi obtido o consentimento informado dos pais de todos os participantes. O
protocolo do estudo foi aprovado pela comissão de ética de uma unidade
hospitalar portuguesa.
Instrumentos e colheita de dados
Questionário
O questionário utilizado para a colheita dos dados foi adaptado a partir do
questionário do estudo ISAAC (InternationalStudy of Asthma and Allergies in
Childhood)14. Foram adicionadas questões relativas à idade de início de
sibilância, história pessoal de alergia alimentar e parental de asma, exposição
ao fumo do tabaco, presença de animais domésticos e frequência de infantário.
Este questionário foi aplicado por médicos treinados para o efeito no contexto
das avaliações presenciais.
Testes cutâneos por picada
Os testes cutâneos foram efectuados de acordo com as recomendações
internacionais15,16, utilizando lancetas metálicas (Prick Lancetter®,
Hollister‑Stier Laboratories, EUA) e os seguintes extratos alergénicos:
' Dermatophagoidespteronyssinus, Dermatophagoides farinae, mistura de pólenes
de gramíneas, parietária, mistura de pólenes de árvores, mistura de fungos, cão
e gato (Allergopharma Joachim Ganzer KG, Alemanha);
' Blatellagermanica, Periplanetaamericanae Blattaorientalis(CBF Leti, Espanha);
' leite de vaca, ovo, peixe e trigo (Stallergènes Group, França).
Como controlo positivo foi utilizado o cloridrato de histamina a 10mg/ml e como
controlo negativo soro fisiológico. Foi considerado positivo um diâmetro médio
da pápula > 3 mm.
Avaliação funcional respiratória
A avaliação funcional respiratória foi efetuada, em 2001 e 2006, por
espirometria basal e após prova de broncodilatação (pneumotacógrafo Vitalograph
Compact II), segundo as recomendações internacionais17,18 e fora dos episódios
de agudização.
Definições utilizadas no estudo
O diagnóstico de sibilância recorrentefoi considerado conforme descrito na
Figura_1.
Considerou‑se como critério para definição de assintomático a ausência de
sintomas brônquicos nos últimos 12 meses em crianças sem terapêutica
preventiva. O diagnóstico de asmafoi efetuado de acordo com critério médico,
após exclusão de outras causas possíveis de sintomas brônquicos; este
diagnóstico foi considerado a partir da segunda avaliação (1996).
As definições de rinite, eczema, alergia alimentare infecções respiratórias
recorrentesforam baseadas nas respostasaos questionários, tendo sido validados
os diagnósticospor médicos especialistas em Imunoalergologia.
A existência de história parental de asma, exposição ao tabacoe uso de
tratamento preventivofoi autorreportada,por resposta ao questionário.
Considerou‑se como critério de atopiaa existência de pelo menos um teste
cutâneo positivo.
A existência de obstrução brônquicae de prova de broncodilatação positivafoi
definida de acordo com as normasinternacionais para avaliação funcional
respiratória17,18.
Análise estatística
As variáveis contínuas foram descritas pela média e desvio-padrão (DP). As
variáveis categóricas foram descritas através de frequências absolutas e
relativas, tendo as comparações sido realizadas utilizando o teste de Pearson
qui-quadrado; nas comparações incluindo variáveis ordinais com mais de dois
grupos foi considerado o valor de p para a tendência. Um valor de p <0,05 foi
considerado estatisticamente significativo.
Foram desenvolvidos modelos de regressão logística univariada e multivariada
para persistência de asma na adolescência utilizando variáveis independentes
como possíveis fatores de risco. Na análise univariada foram consideradas, de
forma abrangente, todas as variáveis avaliadas no estudo que possam ter relação
com a persistência de asma, independentemente da relação entre si e do momento
de avaliação. No modelo de regressão logística multivariada foram selecionadas
preferencialmente variáveis relativas à avaliação feita em idade ‑escolar
(excluindo as que foram avaliadas exclusivamente em 2001 e 2006) de acordo com
o valor de p da análise univariada, incluindo na análise as que apresentaram
p<0,250; nas situações em que as variáveis avaliadas apresentavam elevada
colinearidade, foi selecionada apenas uma para integrar o modelo multivariado.
A qualidade do ajuste do modelo foi avaliada pelo teste de Hosmer‑Lemeshow
(considerado um bom ajuste do modelo para p>0,05) e a sua capacidade preditiva
pela areaunder the curveda curva ROC (receiver operatingcharacteristic). Os
resultados dos modelos de regressão logística univariada e multivariada foram
apresentados como oddsratio(OR) com intervalo de confiança a 95% (IC95%).
Foi usada metodologia de análise de clusterspara classificação dos
participantes em idade pre‑escolar, com uma abordagem em dois passos. Numa
primeira fase foi usada análise de clustershierárquica, com o método de Ward,
tendo sido gerado um dendograma para estimação do número provável de
clustersdentro desta população. Nesta análise foi estimado que o número
provável de clusters seria três. Numa segunda fase, esta estimativa foi
pre‑especificada numa análise de clustersk‑means, usada como técnica principal
de clustering. As variáveis incluídas na análise de clustersforam selecionadas
com base na análise de regressão logística feita e descrita previamente.
Os dados foram analisados usando o softwareSPSS® versão 21.0 para Windows (IBM
SPSS, Chicago, IL, EUA); o cálculo do qui-quadrado para a tendência foi feito
usando o programa MedCalc®, versão 12.2.1.0 para Windows (MedCalc Software
bvba, Ostend, Bélgica).
RESULTADOS
Caraterísticasdos participantes
A Figura_1 representa o número de crianças observadas em cada momento de
avaliação. Das 308 crianças incluídas na coorte foram avaliadas, no 13.º ano de
seguimento, 170 crianças (55%). O Quadro_1 apresenta as caraterísticas dos
participantes em cada momento. Não foram encontradas diferenças significativas
entre os participantes em cada avaliação sistemática do estudo no que respeita
às características basais, à entrada no estudo (p>0,33).
Prevalência de asma em idade escolar e na adolescência
O Quadro_2 expressa a prevalência de asma em cada momento de avaliação das
crianças que cumpriram o seguimento de 13 anos. A maioria das crianças
manteve‑se sintomática em todos os momentos de avaliação. A prevalência de asma
foi de 53,5% em 2006, tendo sido significativamente superior nas crianças com
idade ≥3 anos à data de inclusão no estudo, antecedentes de asma materna,
história pessoal de rinite, eczema e atopia em idade pre‑escolar, tratamento
preventivo de asma, obstrução brônquica e prova de broncodilatação positiva
(Quadro_2). Nesta avaliação, não foram observadas diferenças estatisticamente
significativas na prevalência de asma no que respeita à frequência de
infantário antes dos 12 meses de idade, ao contrário do que havia sido evidente
em 1996 e 2001 (Quadro_2).
Com a idade verificou‑se uma tendência particularmente significativa para o
decréscimo da frequência de crianças asmáticas nas que tinham história paterna
de asma, nas sem história pessoal de rinite em idade pre‑escolar ou sem uso de
tratamento preventivo (Quadro_2).
Fatoresde risco para persistência de asma na adolescência
O modelo de regressão logística univariada mostrou que a persistência de asma
na adolescência se encontrava associada à idade ≥3 anos à data de inclusão no
estudo, existência de história pessoal de rinite e de eczema e à presença de
atopia em idade pre‑escolar, ao uso de tratamento preventivo e à presença de
alterações funcionais respiratórias em idade escolar (Quadro_3). No modelo de
regressão logística multivariada confirmaram-se como fatores de risco
independentes a existência de história pessoal de rinite e de atopia em idade
pré‑escolar (Quadro_3).
Identificação de fenótipos
A amostra usada para definição de fenótipos consistiu em 247 crianças com
sibilância recorrente em idade pre‑escolar, sendo 153 (61,9%) do sexo masculino
e a idade média (DP) de 3,6 (1,6) anos em 1993.
As variáveis utilizadas para definir os grupos foram a idade de início da
sibilância recorrente, a história materna de asma, a história paterna de asma,
a frequência de infantário, a história pessoal de rinite, a história pessoal de
eczema e a atopia.
As caraterísticas de cada clusterencontram‑se resumidas no Quadro_4, sendo de
salientar as seguintes:
Fenótipo 1: Sibilância persistente atópica.
Este grupo foi caracterizado essencialmente pela presença de atopia e de
história pessoal de rinite em idade ‑escolar.
Fenótipo 2: Sibilância persistente nao‑atopica
Estas crianças caraterizaram‑se por serem não atópicas e terem tido início de
sintomas de asma antes dos 48 meses de idade. A maioria tinha história pessoal
de rinite. Caraterizaram‑se ainda por não terem frequentado infantário no
primeiro ano de vida. Nenhuma tinha história paterna de asma e cerca de 2/
5 tinham história materna de asma.
Fenótipo 3: Sibilância transitória não atópica
Apesar de, tal como no fenótipo anterior, se terem caraterizado pelo início de
sibilância antes dos 48 meses de idade e não serem atópicas, estas crianças não
tinham história de rinite, de eczema ou de alergia alimentar em idade
pre‑escolar, nem antecedentes maternos de asma. Cerca de 40% frequentaram
infantário antes dos 12 meses de idade.
O fenótipo 1 foi o mais frequente, seguido do fenótipo 3.
Comparação dos fenótipos em relação ao prognóstico
A persistência de asma foi significativamente diferente entre os três grupos,
tendo sido consistentemente superior no fenótipo 1 e inferior no fenótipo 3 nas
avaliações sistemáticas da coorte (Quadro_4). De igual forma, o uso de
tratamento preventivo foi significativamente diferente entre os grupos, sendo
mais frequente no fenótipo 1.
A figura_2 mostra a frequência cumulativa de asma de acordo com a idade para os
diferentes fenótipos de sibilância definidos.
Houve diferença significativa na frequência de alterações funcionais
respiratórias em idade escolar, tendo as crianças com fenótipo 3 tido menor
percentagem de exames com obstrução brônquica e provas de broncodilatação
positivas. Estas diferenças não foram observadas na avaliação em adolescentes
(Quadro_4).
DISCUSSÃO
Neste estudo, pioneiro em Portugal, foram identificados três fenótipos de
sibilância em idade pre‑escolar, tendo por base um modelo estatístico
multidimensional desenvolvido usando dados objetivos e não definido a priori.
Estes fenótipos foram preditivos de asma em idade escolar e na adolescência,
conciliando caraterísticas de outros previamente descritos na literatura. Este
estudo mostrou ainda que a existência de história pessoal de rinite e de atopia
em idade pre‑escolar constituíram factores de risco independentes para
persistência de asma na adolescência.
A inclusão de um grupo de mais de 300 crianças com sibilância recorrente,
acompanhadas sistematicamente desde a idade pre‑escolar até à adolescência, com
avaliações seriadas em alturas-chave do desenvolvimento da criança, permitiu a
avaliação prospetiva da evolução da sibilância e fatores associados. A selecção
da amostra em primeiras consultas da especialidade, se bem que possa estar
associada a alguns fatores de enviesamento, constituiu uma condicionante de
homogeneidade no que respeita à clínica e gravidade da sibilância. Foram
colhidos de forma sistemática dados referentes à sintomatologia respiratória,
história pessoal e familiar de doenças alérgicas e exposições ambientais. Todas
as variáveis respeitantes a diagnósticos foram confirmadas por médicos
especialistas em Imunoalergologia. As variáveis atopia, obstrução brônquica
e prova de broncodilatação positiva foram objetivadas pelos resultados de
testes cutâneos por picada e provas funcionais respiratórias, respetivamente.
A aplicação do modelo estatístico multivariávelpara a definição de fenótipos
baseada exclusivamente em caraterísticas objectivas, independente de hipóteses
a priori, representa um complemento importante em relação à definição de grupos
com base em critérios arbitrários ou diretamente observáveis. Acresce como
vantagem do estudo a avaliação do prognóstico dos diferentes fenótipos
encontrados no que diz respeito à persistência de asma em idade escolar e na
adolescência.
As principais limitações do estudo relacionam‑se com a perda de seguimento de
crianças nos vários momentos temporais, com a ausência de marcadores objetivos
de exposição ambiental, nomeadamente tabágica e de uso de medicação preventiva.
A perda de seguimento de crianças atingiu 55% ao final de 13 anos. No entanto,
a coorte manteve‑se homogénea a respeito das suas características basais, não
tendo sido encontradas diferenças significativas nos três momentos de avaliação
sistemática.
A identificação de fenótipos de sibilância é relevante do ponto de vista
clínico e de investigação. A sua definição é útil na descrição da história
natural da doença, na identificação dos mecanismos fisiopatológicos relevantes
e consequentes respostas terapêuticas distintas.
O estudo longitudinal de Tucson foi um dos mais relevantes desenhado para a
identificação de fatores de risco para sibilância5,19. Foi recrutado um grupo
de 1246 recem‑nascidos e acompanhada a coorte numa base comunitária não
hospitalar. Nesse estudo definiram‑se três fenótipos de sibilância: sibilância
persistente (início antes dos três anos, persistindo aos seis anos de idade),
sibilância tardia (ausente antes dos três anos mas presente aos seis anos) e
precoce transitória (início antes dos três anos e ausente aos seis anos). No
presente estudo, à semelhança do descrito, foi evidente a existência de grupos
com prognóstico distinto a respeito da persistência de asma na idade escolar e
na adolescência. Foram identificados três grupos, que nomeámos em consonância
com os fenótipos descritos anteriormente, de sibilância persistente atópica,
persistente não atópica e transitória não atópica. O método estatístico
utilizado tem a vantagem de evitar a necessidade de definir fenótipos pelo
aparecimento de sibilância numa idade pre‑definida e considerar simultaneamente
várias dimensões da doença.
A maioria das crianças manteve‑se sintomática ao longo do estudo, ao contrário
do descrito no estudo de Tucson20, em que 60% das crianças com sibilância em
idade pre‑escolar deixaram de ter queixas em idade escolar.
Esta diferença deve‑se provavelmente aos diferentes critérios de seleção das
crianças, sendo o nosso estudo caraterizado por maior gravidade clínica, tendo
em conta que eram crianças selecionadas numa consulta de especialidade e já com
pelo menos três (vs. um20) episódios de sibilância. Não é contudo de excluir a
hipótese de que as crianças com resolução total de sintomas possam ter tido
maior expressão no grupo de perda de seguimento.
As crianças com pior prognóstico, no que diz respeito à persistência de
sintomas de asma e uso de medicação preventiva, eram na sua maioria atópicas e
tinham história pessoal de rinite em idade pre‑escolar, em concordância com o
descrito noutras coortes20‑22.
A atopia em idade pre‑escolar foi identificada como um fator de risco
independente para persistência de asma na adolescência, com um OR de 11,4.
Estes resultados reforçam que a sibilância recorrente nos primeiros anos de
vida tem pior prognóstico se associada a sensibilização alergénica23 e apoia a
importância da realização de provas de sensibilização cutânea como exame
complementar de diagnóstico desde idades precoces. Uma revisão sistemática
recente mostrou que a redução da exposição a múltiplos alergénios reduz para
cerca de metade a probabilidade do diagnóstico de asma ativa em crianças com
elevado risco para esta doença (definido neste estudo pela história familiar de
primeiro grau de asma)24. A demonstração de sensibilização alergénica deve
assim ser mais um elemento a favor do diagnóstico de asma25, podendo as medidas
de controlo ambiental estar associadas a um prognóstico mais favorável24.
A rinite é um fator de risco para asma em adultos e crianças26,27, estando
frequentemente associada a atopia nas crianças27. No presente estudo, a
existência de rinite em idade pre‑escolar foi também identificada como um fator
de risco para pior prognóstico, com um OR de 10,6, independente da existência
ou não de atopia, ao contrário do anteriormente reportado27. Para além do
fenótipo de sibilância persistente atópica, neste estudo identificou‑se um
outro fenótipo de sibilância persistente não associado a atopia. Este fenótipo,
persistente não atópico, difere do fenótipo de melhor prognóstico, transitório
não atópico, no facto de a maioria das crianças ter rinite.
A prevalência de rinite em idade pre‑escolar foi recentemente estimada no nosso
país como sendo cerca de 43%28.
Apesar da elevada prevalência, a rinite continua a ser uma patologia
subdiagnosticada, em especial na idade pediátrica28.
O presente estudo vem reforçar a importância da avaliação e valorização dos
sintomas nasais das crianças desde idades precoces. Outros autores documentaram
a existência de associação entre a gravidade e/ou o controlo da rinite e da
asma, incluindo crianças29.
A presença de eczema em idade pre‑escolar foi também identificada como um fator
associado à persistência de clínica de asma na adolescência, à semelhança do
descrito na literatura19,23,25,30. Uma das caraterísticas distintivas
encontradas no fenótipo de sibilância transitória foi a ausência de eczema.
Contudo, ajustando para possíveis fatores de confundimento, o eczema em idade
pre‑escolar não se revelou como fator de risco independente para persistência
de asma. Este facto pode dever‑se à existência de associação entre eczema e
rinite e/ou atopia em idade pre‑escolar.
Apesar de no Índice Preditivo de Asma30 a rinite ser considerada como critério
minore o eczema como critério major, os resultados do presente estudo sugerem,
na nossa população, a rinite, e não o eczema, como um fator independente para
persistência de asma.
Outra caraterística distintiva do fenótipo de sibilância transitória não
atópica em relação ao fenótipo persistente não atópico diz respeito à
frequência de infantário no primeiro ano de vida. As crianças que frequentaram
infantário em idades precoces apresentaram persistência de sintomas em idade
escolar em número significativamente inferior. Contudo, este efeito protetor
parece perder‑se com a idade, não tendo sido observado na adolescência. Mais se
acrescenta que não se observaram diferenças a respeito da frequência de
infantário entre os grupos com pior (sibilância persistente atópica) e melhor
(transitória não atópica) prognóstico, o que pode sugerir que o eventual efeito
protector dependerá do contexto clínico de cada grupo de crianças. Esta
hipótese está de acordo com estudos anteriores que demonstraram que o efeito
protetor da frequência de infantário em relação à existência de sensibilização
e desenvolvimento de sibilância dependia de variantes genéticas31, factos que
carecem contudo de confirmação.
Por fim, outra caraterística diferenciadora entre os fenótipos descritos de
sibilância persistente não atópica e transitória não atópica diz respeito à
história parental de asma. O grupo com melhor prognóstico caraterizou‑se pela
ausência de história de asma materna.
Pelo contrário, a ausência de história paterna de asma carateriza as crianças
com sibilância persistente não atópica. A presença de asma materna foi um fator
associado à prevalência de asma na adolescência, observando‑se uma tendência,
com a idade, para o decréscimo da percentagem de crianças sem história de asma
materna com persistência de asma. Pelo contrário, não se documentaram
diferenças significativas a respeito da asma paterna. Apesar destes resultados
carecerem de confirmação pela avaliação médica dos familiares, outros estudos
têm sugerido uma maior influência materna no desenvolvimento de asma, em
relação à paterna32,33.
Cookson e colaboradores mostraram que a transmissão de atopia é detetável
apenas pela linha materna33.
Há várias razões possíveis para explicar um impacto diferente entre
caraterísticas maternas e paternas no desenvolvimento de asma dos seus
descendentes, sendo sobretudo salientados mecanismos epigenéticos por
exposições ambientais maternas durante a gravidez ou o aleitamento32.
A exposição ao tabaco durante a gravidez tem sido um dos fatores ambientais
associados à asma em crianças25,32,34, o que não foi confirmado no presente
estudo.
No entanto, é importante salientar que este facto pode ter resultado de um viés
de ocultação por parte dos pais, uma vez que a exposição tabágica das crianças
foi apenas autorreportada.
A presença de alterações funcionais respiratórias associou‑se à persistência de
asma na adolescência. As crianças com sibilância transitória não atópica
tiveram o melhor prognóstico em todas as caraterísticas estudadas, incluindo no
que respeita aos parâmetros funcionais respiratórios em idade escolar,
nomeadamente menor prevalência de obstrução brônquica e de prova de
broncodilatação positiva. Na adolescência não se registaram diferenças
significativas entre os fenótipos no que respeita aos parâmetros funcionais
respiratórios estudados, sendo de referir uma menor proporção de obstrução
brônquica e de provas de broncodilatação positivas em todos os grupos. Estes
achados estão de acordo com o descrito por outros grupos22,35, mas contrastam
com o estudo de Tucson19, que descreve alterações funcionais respiratórias na
adolescência no grupo com sibilância transitória, bem como ausência de
alterações significativas em qualquer dos fenótipos, desde a idade escolar à
adolescência18.
Em resumo, os fenótipos identificados neste estudo conciliam outros previamente
reportados8,19,20,22. Os fenótipos de sibilância persistente atópica e
transitória não atópica são consensualmente descritos e o terceiro fenótipo,
persistente não atópico, é semelhante ao fenótipo de asma não atópica descrito
pelo grupo de Tucson5.
O prognóstico, no que diz respeito à persistência de asma em idade escolar e na
adolescência, diferiu significativamente entre os grupos.
CONCLUSÕES
O presente estudo, com duração de 13 anos, que pela primeira vez incluiu uma
coorte de crianças seguidas em Portugal, vem apoiar a distinção entre
sibilância persistente atópica e transitória não atópica, reconhecendo a
existência de um terceiro fenótipo que, não sendo atópico, é na sua maioria
persistente.
O desenvolvimento de modelos estatísticos multidimensionais e adaptados ao
caráter dinâmico desta patologia podem ajudar a compreender a variabilidade
fenotípica caraterística da sibilância e identificar fenótipos clinicamente
relevantes no que respeita ao prognóstico e às decisões terapêuticas. É
importante validar estes resultados noutras coortes independentes.