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EuPTCVHe0872-07542011000200006

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National varietyEu
Year2011
SourceScielo

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Fasceíte necrotizante e síndrome de choque tóxico estreptocócico numa criança com varicela

INTRODUÇÃO A varicela na criança é habitualmente uma doença benigna e autolimitada.

Contudo, pode associar-se a complicações fatais. A varicela constitui o factor de risco mais importante para a aquisição de doença invasiva por Streptococcus pyogenes. Esta relação parece dever-se ao facto da varicela lesar a integridade da barreira cutânea, criando assim uma porta de entrada, bem como à imunodepressão causada pelo próprio vírus da varicela.(1) Também alguns autores defendem um maior risco desta complicação associado ao uso de anti-inflamatórios não esteróides em crianças com varicela.(2,3) A fasceíte necrotizante é uma doença invasiva causada habitualmente por Streptococcus pyogenes, embora o Staphylococcus aureus também possa estar implicado.(4) Caracteriza-se por uma destruição rápida e consequente necrose da fáscia muscular e tecido subcutâneo, atingindo por vezes a epiderme. Pode complicar-se de Síndrome de choque tóxico (SCT) que se caracteriza por início súbito de choque, falência multiorgânica e uma elevada mortalidade (30-60%).(5) O seu reconhecimento atempado e o tratamento com antibioterapia sistémica com cobertura anti-estreptocócica e anti-estafilocócica, bem como o desbridamento cirúrgico precoce, são fundamentais para redução da morbilidade e mortalidade.

Os autores pretendem alertar para a importância do diag­nóstico precoce das potenciais complicações da varicela, nomeadamente da fasceíte necrotizante, pois a precocidade da actuação é determinante para o prognóstico.

CASO CLÍNICO Criança de oito anos, sexo feminino, raça branca, com antecedentes de asma, medicada habitualmente com budesonido e formoterol, sem vacinas extra- calendário. Irmão de quatro anos com varicela duas semanas antes da sua admissão hospitalar.

Cinco dias antes da admissão, iniciou febre associada a exantema vesiculopapular generalizado. Foi observada no segundo dia de doença pelo seu médico assistente, que diagnos­ticou varicela e medicou com aciclovir oral.

Para o controlo da febre recorreu ao uso de ibuprofeno alternado com paracetamol. Ao quinto dia de evolução, mantinha febre elevada e surgiram lesões de celulite na parede torácica anterior direita, registando­se um agravamento clínico, com mal-estar geral, períodos de confusão e agitação, dispneia, diarreia e noção de baixa diurese, pelo que recorreu ao serviço de urgência.

Na admissão, apresentava-se febril com temperatura axilar 40,4ºC, consciente, mas desorientada (Escala de Glasgow de 13). Tinha um aspecto tóxico com sinais de perfusão periférica, taquipneia (FR 60 cmp), taquicardia (FC 150-180 bpm), tensão arterial não mensurável e saturação transcutânea de O2 de 90% em ar ambiente. A auscultação cardiopulmonar não apresentava alterações. Eram evidentes lesões de varicela dispersas pelo corpo e sinais de celulite na região torácica anterior direita. Iniciou oxigenioterapia com O2 a 15 l/min por máscara com reservatório, volemização com soro fisiológico (4 bólus de 20 ml/ kg) e antibioterapia com ceftriaxone e clindamicina endovenosos. Por deterioração do estado de consciência e hipotensão refractária, iniciou suporte ventilatório e suporte inotrópico com dopamina, tendo sido transferida para o Serviço de Cuidados Intensivos Pediátricos (SCIP).

Na avaliação analítica apresentava: hemoglobina 13.5 g/dl; leucócitos 14200/µl com 71.2% de neutrófilos, plaquetas 158000/µl; APTT 67.6, TP 20.6, fibrinogénio 394 mg/dl, D-dímeros 13,56µg/ml, glicose 37 mg/dl, ureia 1.36 g/l, creatinina 36.2 mg/ dl, sódio 127 mEq/l,potássio 5,1 mEq/l, CPK 1440 U/l. TGO 1061 U/l, TGP 122U/l. Proteína C reactiva 319.2 mg/l. A gasometria venosa revelou: pH: 7.17, pCO2 37.2 mmHg, pO2 22.4 mmHg, HCO3 14.4 mmol/l, lactatos 6.81 mmol/l. Perante a hipótese de sindroma de choque tóxico associou-se vancomicina.

 Inicialmente no SCIP, apresentou choque refractário a ami­nas, que respondeu bem fl hidrocortisona (100 mg/dia, três dias). Necessitou de suporte politransfusional com plasma fresco con­gelado, antitrombina III, plaquetas e concentrado eritrocitário.

No segundo dia de internamento, por insuficiência renal aguda (oligoanúria, hipercaliémia e anasarca) necessitou de hemodia­filtração veno-venosa contínua, que manteve durante 33 dias.

Dado o agravamento dos sinais inflamatórios/infecciosos da parede torácica anterior sugestivos de fasceíte necrotizante, foi realizada fasciotomia ao sétimo dia de internamento. Posteriormente necessitou de desbridamento cirúrgico regular, três vezes por semana, e tratamento local com sistema de pressão negativa (Sistema EZCare). (Figura 1)

FIGURA 1 - Ferida torácica em fase de cicatrização (Sistema de EZCare)

Na hemocultura foi isolado um Streptococcuspyogenessensível ao tratamento instituído.

O aparecimento de um exantema com descamação das mãos (Figura 2) na segunda semana de internamento constituiu mais um dado a favor de SCT estreptocócico.

FIGURA 2 - Descamação das mãos em criança com SCT estreptocócico

Foi submetida a sedo-analgesia e relaxamento muscular com perfusão de midazolam, fentanil e vecurónio durante o período em que necessitou de ventilação mecânica, tendo sido possível a extubação ao 55º dia de internamento. Necessitou de nutrição parentérica durante cerca de um mês e meio, tendo posteriormente tolerado alimentação por sonda naso-duodenal, que manteve durante 25 dias.

Como outras complicações, teve uma pneumonia nosocomial por Stenotrophomonas maltophilia e outra por Pseudomonas aeruginosa, uma trombose da veia femoral esquerda (no local de inserção do cateter da hemodiafiltração) e hipertensão arterial.

Posteriormente teve uma evolução clínica favorável, verificando-se a normalização da função hepática e da função renal nas terceira e sexta semanas de internamento, respectivamente. A proteína C reactiva normalizou a partir da quarta semana de internamento.

Teve alta hospitalar 89 dias após a admissão. FL data da alta encontrava-se deprimida, sob tratamento com FL uoxetina e com uma fraqueza muscular generalizada (miopatia dos cuidados intensivos), dependente de cadeira de rodas. Mantinha necessidade de ventilação não invasiva nocturna, sem necessidade de aporte suplementar de oxigénio. Encontrava-se normotensa (sob tratamento com amlodipina) e com diurese preservada.

DISCUSSÃO A fasceíte necrotizante é um diagnóstico a considerar sempre que uma criança com varicela se apresente com eritema, calor e induração da pele e tecidos moles, associado a uma recorrência da febre ou à sua persistência ao quarto dia após o início do exantema.(6) As frustres manifestações cutâneas iniciais podem dificultar o seu diagnóstico, sendo frequentemente subdiagnosticada e confundida com celulite.(7) No entanto, a rápida progressão e extensão da lesão inflamatória local, a presença de anestesia central, equimose, crepitações, bolhas ou necrose são sugestivas de fasceíte necrotizante.(8) Quando estas manifestações se associam a exantema escarlatiniforme, vómitos, diarreia, mialgias, depressão do estado de consciência e taquicardia, deve-se suspeitar de SCT estreptocócico.

Alguns autores defendem que o uso de anti-inflamatórios não esteróides em crianças com varicela aumenta o risco de fasceíte necrotizante, alegando que o seu uso, ao mascarar os sintomas (dor), pode atrasar o diagnóstico e, ao suprimir as funções granulocitárias (quimiotaxia e fagocitose), pode aumentar o risco de infecções mais graves.(2,3) Esta criança apresentava alguns factores de risco para doença invasiva por Streptococcus pyogenes, nomeadamente: tratar-se do segundo caso índex de varicela, o uso crónico de corticóide inalado, a persistência de febre cinco dias após o aparecimento do exantema e o uso de anti-inflamatório não esteróide (ibuprofeno).

O caso clínico apresentado, pelo isolamento do Streptococcus pyogenes no sangue, a presença de choque, falência renal, hepática, coagulação intravascular disseminada e fasceíte necrotizante preenche critérios de SCT estreptocócico.

Com a apresentação deste caso, os autores alertam para uma complicação rara, mas potencialmente fatal da varicela, cujo diagnóstico precoce permite uma intervenção atempada, fundamental para a redução da sua morbilidade e mortalidade.


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