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EuPTCVHe0872-07542011000200012

EuPTCVHe0872-07542011000200012

National varietyEu
Year2011
SourceScielo

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Caso electroencefalográfico

CASO CLÍNICO Apresenta-se o caso de uma criança do sexo masculino referenciada à consulta de Epilepsia aos 11 anos por suspeita de crises epilépticas durante o sono. Aos 10 anos começou a apresentar episódios estereotipados, maioritariamente nocturnos, durante o sono, descritos como de postura sustentada em extensão dos membros superiores e inferiores, com punhos cerrados, acompanhados por cianose e sialorreia, com duração de 10-15 segundos, seguidos por respiração rápida e profunda durante 5-10 segundos, após o que voltava a adormecer. Menos frequentemente, tinha episódios semelhantes durante a vigília, com queda, seguidos de breve período de confusão. A frequência dos episódios era variável, de um cada duas semanas até quatro por noite. Os episódios nocturnos aconteciam, quer ao início da noite, quer de madrugada. Tinha sido medicado com valproato de sódio e clobazam no hospital da área de residência, sem modificação da frequência destes episódios. Na mesma altura tinha iniciado alterações do comportamento, tornando-se opositivo, reivindicativo e agressivo verbalmente, e por vezes fazia furtos. Por esta razão, foi medicado com imipramina e valeriana, que foram entretanto retirados.

Dos antecedentes pessoais, destaca-se aos oito anos a ocorrência de uma queda de bicicleta com traumatismo cranio­facial e provável perda de consciência, que motivou a realização de tomografia axial computorizada (TAC) cranioencefálica, que excluiu lesões endocranianas. Os antecedentes perinatais eram irrelevantes e o desenvolvimento psicomotor era normal. No entanto, tinha dificuldades na aprendizagem, com fraco aproveita­mento escolar e retenção no ano. Não havia história prévia de convulsões febris ou afebris, nem de infecção do sistema nervoso central. Sem história familiar de crises epilépticas.

O exame neurológico era normal. A avaliação neuropsicológica revelou défice de planeamento, dificuldade em terminar tarefas, preserveração e falta de iniciativa motora. A avaliação psiquiátrica revelou dificuldades de concentração, atenção e cumprimento de regras, bem como impulsividade.

Qual o seu diagnóstico? Que exames complementares solicitava?

Pela anamnese os episódios sugeriam crises epilépticas tónicas, sem fenómenos lateralizadores. Realizou monitorização com vídeo-EEG, na qual foi registada durante o sono, uma crise tónica assimétrica, com contracção da face e membros, elevando o membro superior esquerdo e mantendo postura sustentada do direito, seguindo-se pedalagem do membro inferior esquerdo e agitação (Figura 1). Do ponto de vista eléctrico, imediatamente antes da crise, observaram-se ondas lentas e algumas ondas abruptas hemisféricas direitas, seguidas por atenuação generalizada da actividade eléctrica; posteriormente, actividade beta frontal bilateral (actividade recrutante e/ou de origem muscular) (Figura 2). Seguiram- se ondas teta rítmicas antero-laterais direitas (Figura 3) e no pós-crítico actividade lenta delta lateralizada à direita (Figura 4). O traçado interictal durante o sono revelou actividade paroxística focal anterior direita e por vezes bifrontal, pouco abundante. A RM cerebral foi normal.

FIGURA 1 - Sequência da crise epiléptica registada na monitorização video-EEG

Montagem nas figuras 2 a 4. Sensibilidade 70 µV/mm; TC 0,1 s; HF 15 Hz.

FIGURA 2 - Antes da crise observam-se ondas lentas com raros componentes abruptos nas derivações direitas (círculos), depois atenuação generalizada (traços verticais) e ritmos rápidos bifrontais (rectângulos).

FIGURA 3 - Decorrer da crise: ondas lentas, teta, rítmicas, fronto-temporais direitas

FIGURA 4 - Fim da crise: sequências de ondas delta hemisféricas direitas.

A WISC-III revelou QI global de 66 (QI verbal de 78, QI de realização 65). O questionário Conners para os pais e professores revelou pontuações superiores a 2 desvios padrão.

Iniciou substituição da medicação antiepiléptica por oxcar­bazepina, com remissão completa das crises. A prescrição de metilfenidato resultou em franca melhoria comportamental e ligeira melhoria do aproveitamento escolar.

Actualmente tem 13 anos de idade e mantém a terapêutica e seguimento em consultas de Neuropediatria e Pedopsiquiatria.

DISCUSSÃO A observação dos eventos motores paroxísticos nocturnos através de filmagens e o vídeo-EEG durante o sono são fundamentais para o diagnóstico correcto, uma vez que se impõem diagnósticos diferenciais cujas manifestações são por vezes difíceis de caracterizar através da anamnese. Entre estes incluem-se as crises epilépticas, parassónias do sono não REM, parassónias do sono REM, mioclonias hipnagógicas e hipnopômpicas, mioclonias proprioespinais, movimentos periódicos das pernas, vocalizações isoladas durante o sono, caimbras nocturnas dos membros inferiores, body rocking e head banging. Algumas características que apontam para a natureza epiléptica dos episódios são: 1) episódios marcadamente estereotipados; 2) vários episódios na mesma noite; 3) ocorrência na fase 1 ou 2 do sono NREM; 4) episódios semelhantes durante vigília; 5) posturas distónicas ou movimentos bizarros como pedalagem; 6) duração inferior a dois minutos; 7) persistência dos eventos vários anos após início da idade adulta.(1) De acordo com o glossário para descrição das crises epilépticas da Liga Internacional Contra a Epilepsia,(2) as crises observadas neste caso são focais motoras com componente motor tónico assimétrico e automatismos hipercinéticos.

Esta semiologia das crises, juntamente com o facto de ocorrerem predominantemente durante o sono e de existirem défices de atenção, de planeamento e executivos, sugere epilepsia do lobo frontal. A semiologia atribuída às crises frontais varia de acordo com a localização do foco epileptogéneo: lobo frontal dorsolateral (inclui lobo central, área pré- motora e área pré-frontal), lobo frontal mesial e lobo frontal basal.(3) Os resultados de estudos neurofisiológicos demonstram que a estimulação eléctrica cortical unilateral da área suplemen­tar sensoriomotora, localizada na região frontal mesial, produz contracção tónica bilateral assimétrica dos músculos axiais e dos membros bem como sintomas sensitivos bilaterais.(4) Estes acha­dos estão de acordo com a análise de vídeo-EEG de crises com origem na região frontal mesial.(5) Habitualmente os doentes permanecem sem resposta a estímulos externos mas não perdem a consciência, embora crises mais prolongadas possam provocar amnésia e confusão pós-ictal. Os automatismos hipercinéticos (movimentos complexos, amplos e repetitivos que envolvem o tronco e segmentos proximais dos membros) que o doente apresentou no decurso da crise são também característicos de crises frontais e as regiões que tipicamente produzem estas manifestações são as áreas pré-frontal e orbitofrontal. O EEG ictal foi capaz de lateralizar o início da crise ao hemisfério direito, mas com o decurso da crise a actividade muscular impediu a interpretação da actividade eléctrica cerebral. O EEG interictal mostrou actividade paroxística bilateral com ligeiro predomínio direito. Tanto a semiologia ictal como a análise do EEG permitiram dirigir a análise da RM cerebral, com especial atenção aos lobos frontais, em busca de lesões como sequelas pós-traumáticas ou malformações do desenvolvimento cortical, ausentes neste doente.

O diagnóstico etiológico neste caso permanece por esclarecer. Coloca-se a hipótese de se tratar de uma epilepsia lesional pós-traumática, uma vez que houve traumatismo com perda de consciência três anos antes do início das crises. Um estudo recente de base populacional demonstrou um aumento de cerca de duas vezes do risco de desenvolvimento epilepsia em crianças entre os cinco e os 15 anos que haviam sofrido traumatismo craniano ligeiro a moderado (concussão, sem lesão endocraniana), comparando com crianças sem traumatismo craniano. Este risco revelou-se mais elevado no primeiro ano após o traumatismo.(6)Outra hipótese diagnóstica a considerar é a epilepsia nocturna do lobo frontal (NFLE) esporádica, que se caracteriza por início na infância, episódios com posturas distónicas paroxísticas, acordares paroxísticos com automatismos hipercinéticos, exame neurológico normal, exames de imagem cerebral normais e resposta favorável aos antiepilépticos (nomeadamente carbamazepina).(7)Foi descrita a associação de défices cognitivos e manifestações psiquiátricas em doentes com NFLE, mas parecem ser mais co­muns nas formas autossómicas dominantes (ADNFLE).(8) A confirmação da origem focal das crises corroborou a substituição do fármaco antiepiléptico, o que resultou na remissão completa das crises. O seguimento por Pedopsiquiatria, a medicação com metilfenidato e provavelmente o controlo da epilepsia permitiram uma melhoria comportamental.


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