Tratamento dietético no metabolismo proteico
Tratamento dietético no metabolismo proteico
Manuela Ferreira de Almeida1
1Centro de Genética Médica Jacinto de Magalhães
2Dep. Genética, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, IP
As doenças hereditárias do metabolismo (DHM) são consideradas mais importantes
pela sua gravidade que pela sua frequência. Segundo uma perspectiva
patofisiológica, estas doenças podem ser enquadradas em três grupos: as que
envolvem distúrbios da síntese ou degradação de moléculas complexas, as que dão
origem a intoxicação por acumulação de substratos ou as que interferem no
metabolismo energético.
Os efeitos negativos das DHM podem ser evitados ou significativamente
diminuídos se for feito um diagnóstico precoce, de modo a iniciar um programa
terapêutico atempado. O Programa Nacional de Diagnóstico Precoce (PNDP) teve o
seu início em 1979-80, com o rastreio da fenilcetonúria e hipotiroidismo,
tendo sido recentemente alargado com o uso da Espectrometria de Massa em
Tandem (MS/MS) a 23 novas patologias susceptíveis de tratamento numa fase
precoce. A colheita de sangue deve ser efectuada em papel de filtro entre o 3º e
o 6º dia de vida, habitualmente nos Centros de Saúde, com envio imediato das
amostras para o Laboratório Nacional de Rastreios ' Centro de Genética Médica,
INSA IP. Neste sentido, os doentes rastreados precocemente pelo PNDP, e/ou
diagnosticados clinicamente são encaminhados para centros especializados no
tratamento deste tipo de patologias (despacho nº 4326/2008, 2ª série), onde se
inicia de imediato o tratamento, evitando as graves consequências típicas da
fase aguda, realçando de entre elas, a instalação de sequelas neurológicas
irreversíveis. O diagnóstico atempado e o bom controlo metabólico são cruciais
para assegurar o prognóstico favorável destes doentes.
De entre as mais de 300 DHM descritas, algumas desencadeiam quadros de
intoxicação, tais como as causadas por defeitos no metabolismo dos aminoácidos,
sendo designadas como doenças hereditárias do metabolismo proteico (DHMP), e de
que fazem parte as aminoacidopatias, as acidúrias orgânicas e as doenças do
ciclo da ureia.
As DHMP têm particular interesse, na medida em que é possível uma abordagem
nutricional no seu tratamento. Os princípios gerais do tratamento, neste tipo
de patologias, consistem:
- no controlo do aporte de proteína natural, reduzindo assim a disponibilidade
do substrato na via metabólica afectada;
- na diminuição do catabolismo proteico e na promoção do anabolismo, evitando
assim a acumulação dos produtos tóxicos e lesões no sistema nervoso central;
- em manter uma preocupação constante com a promoção de uma nutrição correcta
para permitir o crescimento.
Para tal, é necessário o conhecimento rigoroso da composição nutricional dos
alimentos disponíveis e permitidos no sentido de melhor adaptar os planos
alimentares às necessidades dos doentes.
Este tipo de tratamento requer uma estreita relação entre os familiares e os
profissionais de saúde especializados em variadas áreas (médico, nutricionista,
psicólogo, geneticista, bioquímico/ farmacêutico, etc.) para estabelecer a
terapia adaptada a cada caso e controlar a sua resposta à terapêutica.
Nesta apresentação particularizamos o tratamento nutricional e dietético de
três aminoacidopatias rastreadas através do PNDP: fenilcetonúria (PKU),
Homocistinúria (HOM), Leucinose (MSUD) e de uma das doenças do ciclo da ureia
que não é passível de ser diagnosticada através do PNDP: Défice da
transcarbamilase da ornitina (OTC).
A actuação nutricional e dietética é similar nestas patologias, sendo
fundamental quantificar/restringir a ingestão de certos alimentos. O tratamento
consiste em todas estas DHMP na implementação de uma dieta restrita em proteína
natural e no caso da PKU, HOM e MSUD, nos aminoácidos que provocam intoxicação
(Tabela 1). De modo a garantir as necessidades proteicas, é feita uma
suplementação com uma mistura de aminoácidos essenciais no caso da OCT, ou com
misturas de aminoácidos isentas dos aminoácidos que provocam intoxicação no
caso da PKU, HCU e MSUD. A esta mistura deve adicionar-se uma fonte de proteína
natural e fontes glicídicas e lipídicas, devendo dividir-se o mais possível o
total das tomas ao longo do dia. O aporte em glícidos e lípidos, suplementados
ou fornecidos em parte pelos alimentos hipoproteicos, permite satisfazer as
necessidades energéticas, tentando evitar o catabolismo proteico e constituindo
uma mais-valia para o encaminhamento dos aminoácidos para os processos de
síntese. Dadas as restrições alimentares características deste padrão
alimentar, é feita suplementação em micronutrientes.
Tabela_1 ' Doenças Hereditárias do Metabolismo Tratadas com uma Dieta
Hipoproteica
Em situação crítica de descompensação, para evitar as consequências graves para
a criança, a dieta terá de sofrer modificações do aporte nutritivo, com
restrição do aporte proteico e incremento do aporte energético (dietas de semi-
urgência e de urgência).
O estado nutricional destes doentes deve merecer uma atenção especial. Deve
realizar-se uma investigação analítica global com estudo hematológico,
bioquímico e das funções renal e hepática. A ingestão lipídica deve ser
devidamente monitorizada de modo a optimizar o aporte de ácidos gordos
essenciais. A avaliação da composição corporal, por bioimpedância eléctrica
tetrapolar, será igualmente útil, de modo a constatar a evolução da massa
celular e do ângulo de fase.
A preocupação inicial do Programa Nacional de Diagnóstico Precoce centrou-se na
prevenção das consequências neurológicas impostas pelas doenças. Actualmente, e
com este primeiro objectivo concretizado para as patologias que rastreia,
apresentam-se as recomendações e alguns aspectos particulares da intervenção
nutricional nas DHMP, focando-se o tratamento dietético na generalidade e a
adaptação da dieta às diferentes fases da vida do doente, tendo em vista a
optimização do estado nutricional dos doentes hereditários do metabolismo
proteico.