Insulinoterapia
Insulinoterapia
Rosa Arménia Campos1
1Unidade de Endocrinologia CHVNG/E
ABSTRACT
Diabetes Mellitus is one of the most prevalent chronic diseases in pediatric
ages, and its handling should take into account not only the prevention and
treatment of acute and chronic complications, but also the improvement of the
patient's quality of life, through an efficient educational process based on
lifestyle changes and Insulin therapy.
The author depicts insulin therapy in diabetic children, highlighting the
importance of a strict metabolic control of the intensive regimes with multiple
daily insulin administrations, with use of new generation insulin analogues.
INTRODUÇÃO
A Diabetes Mellitus é uma das doenças crónicas mais prevalentes na idade
pediátrica e a sua abordagem deve ter como principais objectivos a prevenção e
tratamento das complicações agudas e crónicas da doença, assim como a melhoria
da qualidade de vida do diabético, através de uma educação eficaz que se baseia
no estilo de vida e na terapêutica com Insulina.
A autora faz uma abordagem sobre a insulinoterapia na criança diabética,
realçando a importância no controlo metabólico dos regimes intensivos com
múltiplas administrações diárias de insulina com as insulinas da nova geração,
os análogos de insulina.
A descoberta da insulina em 1921 por Frederick Banting e seus colegas da
Universidade de Toronto foi um dos acontecimentos mais importantes da Medicina
do século passado. Desde então e ao longo destas últimas 9 décadas, a
terapêutica com insulina tem procurado evoluir fundamentalmente em 2 sentidos:
na purificação da insulina e no modo de acção e de administração da insulina.(6)
A purificação da insulina, sem dúvida que foi um dos objectivos conseguido com
sucesso; a utilização de extractos pancreáticos de boi e de porco nos primeiros
anos deu lugar, no início da década de 80, à utilização da insulina
recombinante humana obtida por técnicas de engenharia genética, eliminando
virtualmente os fenómenos alérgicos relacionados com o tratamento e outros
efeitos indesejáveis com a lipoatrofia imuno-mediada.(5,6)
Quanto ao modo de acção da insulina, também temos assistido a progressos
importantes: nos anos 30 foram desenvolvidos os primeiros preparados de longa
acção através da adição de zinco e protamina, permitindo prolongar a sua
duração de acção e reduzir o número de injecções necessárias, tornando
populares os esquemas terapêuticos com 1 só injecção diária, sem a utilização
da insulina regular. Pelos anos 50, quando a protamina neutral de Hagedon (NPH)
e a insulina zinco (Lenta) foram introduzidas, os regimes terapêuticos mais
utilizados mundialmente passaram a ser os de 2 ou mais injecções diárias,
utilizando a NPH e a insulina regular. Mais tarde, em meados da década de 90,
surgem os análogos de insulina (primeiro são comercializados os análogos de
acção rápida e a partir do ano 2000 surgem no mercado os análogos lentos),
caracterizados por apresentarem um perfil de acção muito mais próximo da
insulina endógena, possibilitando uma maior flexibilização dos regimes de
tratamento com insulina, tornando menor o risco de hipoglicemia e melhorando o
controlo metabólico do doente.(5,6)
Em relação à forma de administração da insulina, de momento a via parentérica é
a única possível, embora avanços tecnológicos tenham permitido a utilização de
dispositivos de administração de insulina que a tornam mais confortável e quase
indolor (canetas injectoras, agulhas microfinas, bombas perfusoras de insulina)
Mais recentemente foram criadas expectativas em relação a outras formas de
administração da insulina, tal como a via inalatória que já foi descontinuada,
assim como a via oral, ainda em fase de investigação.
Se na Diabetes Mellitus tipo 1 a terapêutica com insulina é indiscutível,
também na Diabetes Mellitus tipo 2 tem assumido cada vez mais importância (na
falência da terapêutica oral, nas intercorrências médicas ou cirúrgicas e nas
complicações da doença); outra indicação formal da terapêutica com insulina é a
Diabetes Gestacional.
Para um metabolismo adequado dos hidratos de carbono o pâncreas utiliza uma
secreção contínua de insulina entre as refeições e durante a noite, em resposta
à produção de glicose pelo fígado em jejum (secreção basal) e uma secreção
aguda em resposta à ingestão dos alimentos (secreção estimulada). O objectivo
do tratamento com insulina será imitar, o mais possível, a secreção fisiológica
de insulina pelo pâncreas normal (regime basal-bólus).(2,5,6)
De acordo com a sua farmacocinética podemos classificar as insulinas mais
usadas em Pediatria em 2 grandes grupos (Figura 1): Insulinas Tradicionais
(Regular, NPH, Insulina-Zinco) e Análogos de Insulina (Lispro, Aspart,
Glulisina, Largina e Levemir). As insulinas tradicionais como a Insulina
Regular (ex: Actrapid®, Humulin Regular®, Insuman Rapid®) e a Insulina NPH (ex:
Insulatard®, Humulin NPH®; Insuman Basal®) têm um perfil farmacocinético e
farmacodinâmico que as tornam limitadas do ponto de vista de eficácia. A NPH,
quando usada como insulina basal tem o inconveniente de ser demasiado rápida,
com um pico de acção importante às 3-4 horas da sua administração e, por isso
causadora de hipoglicemias; apresenta ainda uma semi-vida demasiado curta o que
obriga geralmente à administração de 2 ou mais injecções diárias e apresenta
uma grande variabilidade de absorção e acção. A Insulina Regular quando
utilizada como bólus apresenta um início de acção demasiado lento (obrigando à
sua administração 30 minutos antes da refeição), um pico tardio e uma semi-vida
longa, determinando frequentemente hipoglicemias entre as refeições.(2,4,5,6)
Figura 1
Para obviar os inconvenientes do tratamento com as insulinas tradicionais
surgiu na década de 90 uma nova geração de insulinas, os Análogos, obtidos por
modificações na sua formulação galénica mediante técnicas de engenharia
genética, com o objectivo de tornar muito mais rápida a insulina regular e
muito mais lenta a insulina NPH (5,6) (Figura 2)
Figura 2
Os Análogos de insulina lenta que dispomos são a insulina Glargina (Lantus®) e
a insulina Detemir (Levemir®). As modificações sofridas na molécula de insulina
alteram o seu perfil farmacocinético, prolongando a sua duração de acção e
mantendo estáveis as concentrações de insulina durante 24 horas e por isso
tendem a substituir a NPH. Apresentam menor variabilidade e um perfil mais
estável e previsível. As principais diferenças entre estes 2 análogos lentos
são que a duração de acção da insulina Detemir é directamente proporcional à
dose, obrigando por vezes a 2 doses diárias e que a sua acção mitogénica parece
ser menor que a da Glargina, pela sua menor afinidade com a IgF1. Esta afinidade
pela IgF1 compromete a segurança dos análogos de acção lenta, não devendo ser
utilizados em crianças com menos de 6 anos.(5)
Os Análogos de insulina rápida disponíveis em Portugal são a insulina Lispro
(Humalog®) e a insulina Aspart (Novorapid®); a Insulina Glulisina (Apidra®) foi
descontinuada no nosso país durante o Verão de 2011. As modificações realizadas
na molécula de insulina para obter estes análogos tornam-nos com um início de
acção muito mais rápido e semi-vida mais curta, permitindo a sua administração
apenas 5-10 minutos antes da refeição (e após a refeição, na criança mais
pequena) e diminuindo o risco das hipoglicemias tardias pós-prandiais. Tal
permite uma maior liberdade e flexibilidade de movimentos contribuindo para uma
melhor qualidade de vida do jovem diabético.(2,3,5)
Na Diabetes Mellitus tipo 1 os esquemas terapêuticos com insulina devem ser
individualizados e adaptar-se quer ao perfil glicémico do doente como ao seu
estilo de vida. No entanto, vários estudos são a favor da utilização dos
análogos de insulina em regimes terapêuticos intensivos com múltiplas
administrações diárias (Figura 3), uma vez que reduzem a frequência das
hipoglicemias nocturnas, melhoram os controlos pós-prandiais da glicemia assim
como a qualidade de vida dos doentes.(1,5)
Figura 3
Nos regimes de múltiplas administrações diárias com análogos de insulina é
necessário calcular as necessidades diárias de insulina que, de acordo com a
idade, estadio puberal, peso e anos de evolução da doença, podem variar desde
0,5 a 1,5 U/ Kg/dia; cerca de 50% da dose diária total de insulina deve ser
administrada como análogo lento, em uma só dose diária no caso da utilização de
Glargina ou em 1 ou 2 doses diárias se utilizarmos a insulina Detemir; os
restantes 50% devem ser administrados como análogos rápidos 10-15 minutos antes
das refeições; o bólus de análogo rápido de insulina a administrar deve
contemplar a quantidade de hidratos de carbono da refeição e também a correcção
da hiperglicemia pré-prandial.(1,2,4,5)