Hipotermia terapêutica na encefalopatia hipóxico-isquémica
INTRODUÇÃO
A encefalopatia hipóxico-isquémica (EHI) é uma causa importante de morte e
incapacidade nos recém-nascidos (RN) de termo. Apesar dos avanços na
monitorização fetal e cuidados neonatais, a sua incidência tem-se mantido
relativamente constante nas últimas décadas, estimando-se em 1 a 3/1000 nados
vivos nos países desenvolvidos.(1)Na EHI moderada a severa o risco de morte ou
incapacidade grave é de cerca de 60% e mesmo nos sobreviventes sem
comprometimento motor, são frequentemente detectados índices cognitivos mais
baixos, mau rendimento escolar e necessidade de apoio educativo especial,
acarretando custos pessoais, sociais e financeiros consideráveis.(2-5)
Até há pouco tempo não havia tratamento específico para a asfixia perinatal,
sendo a abordagem limitada aos cuidados intensivos de suporte. O conhecimento
crescente dos processos fisiopatológicos envolvidos na lesão neuronal pós-
asfixia permitiram estudar novas modalidades terapêuticas neuroprotectoras.
Actualmente, a hipotermia representa a única intervenção terapêutica que se
demonstrou capaz de alterar o prognóstico dos RN com EHI(6-8), sendo
recomendada como terapêutica standard na EHI moderada a grave desde 2008.(9) No
nosso país a sua implementação prática teve início no final de 2009.
Actualmente é realizada em quatro Centros de Referência (Hospital de Santa
Maria, Maternidade Alfredo da Costa, Hospital Pediátrico de Coimbra e Hospital
de São João). Dado que uma grande parte dos RN que irão realizar hipotermia
nascem fora de Centros com hipotermia, são os médicos responsáveis pela
assistência ao parto (neonatologistas/pediatras gerais) os principais
determinantes do acesso à terapêutica. O sucesso da hipotermia vai depender do
reconhecimento precoce dos RN em risco, da sua estabilização apropriada, do
controlo da temperatura corporal, permitindo o arrefecimento passivo, da
comunicação atempada com os Centros de Referencia e transporte adequado.
Assim, é fundamental difundir o conhecimento actual sobre o uso da hipotermia
terapêutica na EHI, sobretudo no âmbito da Comunidade Pediátrica Geral, dado o
potencial envolvimento de todos os pediatras que prestam assistência ao parto
no reconhecimento e referenciação atempada destes RN.
FISIOPATOLOGIA DA LESÃO HIPÓXICO-ISQUÉMICA
A principal descoberta que levou à exploração da hipotermia como terapêutica
neuroprotectora foi a de que a lesão na EHI não decorre de um evento isolado
mas é um processo evolutivo. Sabe-se hoje que após um insulto hipóxico-
isquémico, apesar de poder haver morte neuronal numa primeira fase, muitos
neurónios conseguem recuperar, pelo menos parcialmente, numa fase de latência,
para morrerem horas ou dias mais tarde(10) (Figura 1). A constatação da
ocorrência de recuperação neuronal sugeriu que pudesse haver um período de
tempo (janela terapêutica) no qual fosse possível intervir de forma a prevenir
ou atenuar a progressão para a lesão cerebral definitiva.
Figura 1' Esquema das fases fisiopatológicas da lesão hipóxico-isquémica
Durante a fase primária da lesão hipóxico-isquémica há uma redução marcada do
oxigénio e do metabolismo, com depleção de metabolitos altamente energéticos.
Consequentemente ocorre despolarização celular progressiva, que leva à
acumulação extracelular de aminoácidos excitatórios e perda da homeostasia
iónica através da membrana celular, com entrada de água e sais para a célula
(edema citotóxico), acumulação intracelular de cálcio e saída de potássio.
Terminado o insulto, na fase de reperfusão, durante cerca de 30 a 60 minutos é
restabelecido o fluxosanguíneo e o metabolismo energético cerebral, seguindo-se
uma fase de latência em que há novamente hipoperfusão secundária. Nesta fase
verifica-se uma redução no consumo de oxigénio(11), mas sem alteração no
metabolismo oxidativo cerebral.(12) Apesar de ser uma fase clinicamente
silenciosa, é nela que se iniciam os principais mecanismos que acabam por levar
posteriormente à morte celular definitiva: cascata apoptótica, inflamação pós-
isquémica e hiperactividade dos receptores excitatórios. A fase de latência tem
uma duração de 6 a 15 horas, dando lugar a uma fase de deterioração que conduz
invariavelmente à lesão cerebral definitiva. Esta fase secundária pode durar
dias e caracteriza-se pelo aparecimento de convulsões, edema citotóxico
secundário, acumulação de citotoxinas excitatórias, falência mitocondrial e
morte celular.(10,11,13,14)
A fase de latência, antes do inicio da deterioração secundária irreversível,
constitui o período de janela terapêutica no qual é possível a aplicação da
hipotermia terapêutica. Apesar de os efeitos neuroprotectores da hipotermia não
estarem ainda completamente estabelecidos, sabe-se que intervém essencialmente
sobre os mecanismos de lesão que se iniciam na fase latente e que levam à lesão
definitiva (apoptose, inflamação e hiperactividade dos receptores
excitatórios). Outros efeitos conhecidos da hipotermia, ainda que sem valor
protector independente, são a redução do metabolismo cerebral, supressão do
edema citotóxico, inibição da produção de radicais livres e da libertação de
toxinas excitatórias, com modulação do potencial convulsivo.(15)
EVOLUÇÃO DA HIPOTERMIA TERAPÊUTICA
A primeira aplicação da hipotermia em estudos animais ocorreu há mais de 60
anos, tendo sido possível anos mais tarde demonstrar que a hipotermia iniciada
após um episódio de asfixia em animais RN melhorava a sobrevida
comparativamente aos animais com temperatura normotérmica.(16,17) Na década de
60 foi feito um ensaio clínico humano, não controlado, com aplicação de
hipotermia em RN de termo que não respondiam às manobras de ressuscitação ao
nascimento. A hipotermia foi induzida pela imersão corporal (à excepção da boca
e nariz) num banho de água com temperaturas entre os 10 e os 15ºC. A avaliação
feita à idade média de 42 meses (intervalo 18,5-105 meses) revelou uma
sobrevida de 94% e sequelas neurológicas em apenas 3%.(18) Apesar destes
resultados animadores, na década seguinte a investigação nesta área foi
praticamente extinta, devido à melhoria da sobrevida dos RN pré-termo e ao
reconhecimento da importância da manutenção de um ambiente térmico neutro nesta
população, que foi depois extrapolada para os RN de termo, bem como ao relato
de efeitos adversos específicos relacionados com a exposição ao frio.(19-20)
Os estudos animais sobre os efeitos neuroprotectores da hipotermia foram
retomados anos mais tarde(11), impulsionados pelo conhecimento crescente dos
mecanismos de lesão hipóxico-isquémica, desta vez com recurso a reduções mais
modestas da temperatura (2-6ºC), sendo os resultados de tal maneira promissores
que rapidamente constituíram a base da investigação clínica humana. Foram
feitos estudos piloto(21,22), que estabeleceram a aplicabilidade e segurança da
hipotermia, permitindo a realização de estudos clínicos controlados
randomizados para determinar a sua eficácia.(6-8)
Nos três principais estudos realizados (CoolCap(6), NICHD(7)National Institute
of Child Health and Human Development e TOBY(8) Total Body Hypothermia for
Neonatal Encephalopathy Trial) a metodologia é muito semelhante, nomeadamente
no que diz respeito à população seleccionada: RN com idade gestacional igual ou
superior a 36 semanas, com documentação de asfixia (baixo índice de Apgar ou
necessidade de ressuscitação prolongada ou ventilação) ou acidose metabólica
grave na 1ª hora de vida e clínica de encefalopatia moderada ou grave; no
CoolCap(6) e no TOBY(8) era também necessária a documentação neurofisiológica
da encefalopatia usando electroencefalograma de amplitude integrada (aEEG).
Todos os RN foram recrutados até às seis horas de vida, de acordo com o
estabelecido pelos estudos experimentais(11,23,24) e a terapêutica foi mantida
durante 72 horas. O método de arrefecimento, a temperatura alvo e o local de
monitorização da temperatura foi diferente nos três estudos, tendo o re-
aquecimento ocorrido de forma semelhante, a um ritmo de 0,5ºC por hora.
Os três estudos tiveram como objectivo primário avaliar o resultado combinado
de morte e alterações moderadas a graves do neurodesenvolvimento aos 18 meses.
Em todos eles foi possível documentar a sua redução no grupo sujeito a
hipotermia, apesar de apenas no estudo NICHD(7) essa redução ter significado
estatístico (Quadro 1). Uma preocupação global antes destes ensaios estarem
concluídos era a possibilidade de a hipotermia permitir a sobrevida de RN que
sem terapêutica estariam destinados a morrer, aumentando a incidência de
sequelas graves nos sobreviventes; constatou-se, no entanto, que a redução da
mortalidade foi também acompanhada de uma redução das sequelas nos
sobreviventes.
Quadro 1' Morte e sequelas nos estudos CoolCap, NICHD e TOBY
Além dos estudos clínicos, a eficácia e segurança da hipotermia foi também
demonstrada através de várias meta-análises sistemáticas independentes.(25-29)
Por esse motivo, e também por não haver outra possibilidade terapêutica numa
patologia com elevada morbi-mortalidade asssociada, muitos dos Centros
envolvidos nos estudos clínicos continuaram a usar a hipotermia enquanto
aguardavam os resultados dos ensaios em que tinham participado.(30) Por outro
lado, alguns ensaios ainda em curso foram interrompidos, por não considerarem
ético continuar a randomizar RN asfixiados para normotermia, dada a evidência
crescente dos benefícios neuroprotectores da hipotermia.
Em 2008 o grupo ILCOR (International Liaison Committee on Resuscitation) fez
uma revisão dos consensos publicados menos de dois anos antes, considerando
existir evidência suficiente para recomendar a introdução da hipotermia
induzida na prática clínica, passando a ser considerada terapêutica standard na
EHI moderada a grave.(9)
HIPOTERMIA TERAPÊUTICA
Selecção de pacientes
Como já foi referido, os principais ensaios clínicos efectuados(6-8) utilizaram
uma combinação de dados clínicos, bioquímicos e electrofisiológicos para
seleccionar RN com EHI e elevado risco de morte ou incapacidade, ou seja, um
grupo de RN em que seria lícito experimentar uma terapêutica nova e com
potenciais efeitos adversos graves. Com base nos protocolos de selecção desses
ensaios, validados e testados, consideram-se elegíveis para inclusão os RN com
idade gestacional igual ou superior a 36 semanas, com menos de 6 horas de vida
e sem anomalias cromossómicas ou físicas.
Os RN prematuros não foram incluídos nos grandes ensaios clínicos efectuados,
devido ao reconhecimento da importância da regulação térmica neste grupo de RN
(19) e à possibilidade de ocorrência de efeitos deletérios associados à
hipotermia. No entanto, recentemente foi publicado um ensaio piloto no qual RN
com idade gestacional média de 27 semanas foram submetidos a hipotermia
induzida de 34ºC durante 48 horas, no âmbito de uma intervenção cirúrgica a
perfuração intestinal por enterocolite necrosante (ocorrida a uma idade pós-
natal média de 31 dias), não se tendo verificado efeitos adversos relativamente
ao grupo controlo.(31)
Em relação ao timing de início da hipotermia, os estudos experimentais
associam o início precoce a um melhor prognóstico.(11,23,24) Em todos os
ensaios clinicos efectuados os RN foram recrutados até às 5,5-6 horas de vida,
mas as TOBY register guidelines, fora do contexto do ensaio clínico,
contemplam a inclusão dos RN até às 12 horas de vida, dependendo a decisão do
neonatologista responsável.(30)
Os RN com anomalias cromossómicas ou físicas não foram incluídos nos ensaios
clínicos, já que essas anomalias poderiam afectar adversamente o resultado e
confundir o efeito da hipotermia. Contudo, com a experiência acumulada dos
vários Centros de tratamento, foi-se permitindo a inclusão de RN com anomalias
congénitas sem indicação para suspensão de cuidados intensivos e com patologia
cirúrgica, desde que o tratamento com hipotermia não impeça as intervenções
necessárias.(32)
A avaliação dos RN a incluir para hipotermia terapêutica é feita de forma
sequencial (Quadro 2). Se existir pelo menos um dos seguintes critérios: Índice
de Apgar ≤ 5 aos 10 minutos de vida; necessidade continuada de reanimação
(incluindo entubação endotraqueal ou ventilação com máscara) aos 10 minutos de
vida; acidose metabólica grave na 1º hora de vida (pH < 7,00 ou défice de bases
≥ 16 mmol/L), documentada no sangue do cordão umbilical ou em outra amostra de
sangue, capilar, venoso ou arterial, deve ser feita uma avaliação do estado
neurológico do RN. A existência de alteração do estado de consciência
(letargia, estupor ou coma), associada a pelo menos um dos seguintes sinais:
hipotonia, reflexos anormais incluindo oculomotores e pupilares, sucção fraca
ou ausente ou convulsões, permite fazer o diagnóstico de encefalopatia moderada
a grave com indicação para hipotermia terapêutica. Para evitar subjectividade
na avaliação neurológica alguns Centros de tratamento utilizam a escala de
Thompson(33), sendo a encefalopatia moderada a grave definida por um índice >7
(Quadro 3).
Quadro 2' Critérios de inclusão para tratamento com hipotermia
Quadro 3' Escala de Thompson, in Thompson et al, Acta Pediatr 1997
Alguns estudos (CoolCap(6) e TOBY(8)) incluíram nos critérios de selecção a
realização de aEEG para confirmação da encefalopatia. Existe evidência de que a
combinação da avaliação electroencefalográfica com a avaliação clinica do
estado neurológico melhora a especificidade predictiva de encefalopatia
persistente.(34) No CoolCap(6) a análise de sub-grupos sugeriu um maior efeito
da hipotermia nos RN com alterações moderadas no aEEG em relação aos que tinham
alterações graves (traçado de supressão grave) e convulsões na altura do
recrutamento.(6)
A monitorização por aEEG deve ser iniciada, sempre que possível, no Centro de
tratamento, após ser considerado o diagnóstico de EHI, não devendo, no entanto,
atrasar a implementação da hipotermia induzida. A presença de uma das seguintes
alterações sugere encefalopatia moderada a grave: actividade epiléptica sobre
um traçado normal, traçado de base moderadamente anormal, traçado de supressão
ou actividade epiléptica contínua. A monitorização com aEEG deve ser mantida
durante todo o tratamento pois permite não só avaliar a gravidade da
encefalopatia, como diagnosticar crises convulsivas sub-clínicas e resposta ao
tratamento.
Técnicas de hipotermia terapêutica
Existem diferentes métodos para indução da hipotermia, com resultados
sobreponíveis.(6-8) A hipotermia pode ser sistémica, com arrefecimento corporal
total até uma temperatura alvo de 33-34ºC(7,8) ou cerebral selectiva, através
de um capacete de arrefecimento até uma temperatura de 34-35ºC.(6) A
temperatura deve ser monitorizada continuamente através de uma sonda de
determinação de temperatura central (rectal ou esofágica), indicadora fiável da
temperatura cerebral. As sondas devem ser mantidas na sua posição, evitando
deslocações.(35)
Actualmente há também vários aparelhos de hipotermia disponíveis no mercado. O
aparelho ideal deve permitir uma rápida indução do arrefecimento até à
temperatura desejada, a manutenção da temperatura central sem flutuações
durante o tempo necessário e o re-aquecimento de forma lenta e controlada. Além
disso, a temperatura ambiente deve ter pouca influência na eficácia da
hipotermia e o aparelho deve ter alarmes sonoros que avisem caso haja
deslocação acidental da sonda de temperatura.(35)
Os estudos experimentais indicam que quanto mais cedo se iniciar a hipotermia
melhor o prognóstico(23), sabendo-se também que a janela de oportunidade é
inversamente proporcional à gravidade da lesão hipóxico-isquémica.(36) De
maneira a iniciar a hipotermia o mais precocemente possível e maximizar o seu
efeito neuroprotector, nos RN de hospitais geograficamente distantes dos
Centros de tratamento o arrefecimento deve ser iniciado no hospital de origem e
mantido durante o transporte. Assim, se ao fim de 10 minutos de vida o RN
preenche os critérios de selecção, deve-se contactar o Centro de referência e
iniciar medidas de hipotermia passiva. A hipotermia passiva consiste na remoção
das fontes externas de calor (calor radiante, incubadora), mantendo o RN apenas
com fralda, de maneira a permitir o seu arrefecimento natural até 34ºC. A
temperatura deve ser monitorizada através de um termómetro rectal introduzido 2
cm e registada de 15 em 15 minutos. Deve-se manter o RN adequadamente sedado
com morfina, já que o stressda exposição ao frio pode inibir o efeito protector
da hipotermia terapêutica.(37)
Efeitos sistémicos e complicações
A hipotermia induz alterações fisiológicas que levam a uma diminuição do
metabolismo em geral, pelo que é de esperar nos RN em tratamento uma diminuição
do ritmo cardíaco, tendência para hipoglicemia, alteração dos tempos de
coagulação e trombocitopenia, sendo todas estas alterações reversíveis e
passíveis de tratamento. Além disso a própria asfixia, como disfunção
multiorgânica que é, acaba por ter um envolvimento multisistémico, com
afectação renal, cardiovascular, pulmonar, hepática, digestiva, entre outras.
(38)
A hipotermia lentifica o nó sinusal auricular e a condução intracardíaca,
originando uma bradicardia sinusal fisiológica benigna; o intervalo QT pode ser
prolongado e pode ocorrer hipotensão durante o tratamento.(39) Em relação às
alterações hematológicas induzidas pela hipotermia contam-se a disfunção
plaquetária, o aumento da actividade fibrinolítica, inibição das reações
enzimáticas da cascata da coagulação, originando um aumento do tempo de
protrombina e tromboplastina parcial, e trombocitopenia.(39)
De acordo com as várias meta-análises efectuadas aos principais ensaios
clínicos, a bradicardia sinusal e a trombocitopenia são os efeitos sistémicos
que ocorrem mais frequentemente nos doentes hipotérmicos em relação aos
normotérmicos, não se tendo no entanto documentado qualquer impacto
clinicamente significativo.(26-29) A ocorrência desses efeitos foi semelhante
nos estudos que utilizaram hipotermia sistémica e hipotermia cerebral
selectiva.(6-8)
O arrefecimento corporal influencia os resultados de algumas análises
laboratoriais, como os gases do sangue, os electrólitos séricos, a glicose e o
lactato.
Por cada grau Celsius de diminuição da temperatura ocorre uma redução de 5 a 8%
na taxa de metabolismo, o que leva à diminuição da taxa de produção de CO.(40)
A diminuição da temperatura altera também a solubilidade dos gases,
condicionando por cada grau Celsius de redução da temperatura um aumento de
0,015 no pH e uma diminuição de 4% e 7% na PaO2 e PaCO2, respectivamente.(41)
Assim, ao analisar a gasimetria é necessário fazer correção para a temperatura
central (33,5ºC), o que pode ser feito de forma automática pelo aparelho.
A homeostasia dos electrólitos e da glicose é também afectada pela hipotermia.
A diminuição da temperatura corporal causa um desvio do potássio para dentro da
célula, com tendência a hipocaliemia, podendo a sua correção agressiva dar
origem a uma hipercaliemia reboundna fase de aquecimento. Outras alterações
laboratoriais frequentemente encontradas são a hipocalcemia, hipomagnesemia e
hipoglicemia.(39)
As complicações do arrefecimento exagerado em RN foram descritas pela primeira
vez há mais de 50 anos atrás.(20) Os efeitos do chamado cold-injury syndrome
incluem: escleroma, eritema cutâneo e acrocianose; hemorragia pulmonar;
insuficiência renal; aumento da viscosidade sanguínea e coagulação
intravascular disseminada; hipoglicemia; distúrbios ácido-base e
electrolíticos; risco aumentado de infecções e distúrbios cardiovasculares
significativos.(42-44) A ocorrência dessas complicações é proporcional ao grau
de arrefecimento, ocorrendo geralmente em situações de controlo inadequado da
temperatura.(39)
A necrose gorda subcutânea é também uma complicação descrita em alguns RN, após
o tratamento com hipotermia terapêutica.(39) A substância gorda do RN é
composta de ácidos gordos saturados (ácidos esteárico e palmítico), com um
ponto de fusão relativamente elevado, pelo que a exposição a uma superfície
fria pode induzir a sua cristalização e dar origem a áreas de necrose. A
necrose gorda subcutânea tem habitualmente um curso auto-limitado, mas pode
complicar-se de hipercalcemia ou outras alterações metabólicas.
OUTRAS TERAPÊUTICAS NEUROPROTECTORAS
Apesar do benefício terapêutico inequívoco, a hipotermia não protege
completamente o cérebro lesado e há evidência de que os RN com as formas mais
graves de EHI poderão manter um prognóstico reservado apesar da terapêutica.(6-
8) São então necessárias outrasterapêuticas neuroprotectoras, utilizadas
concomitantemente com a hipotermia ou até em alternativa. Há vários tratamentos
potenciais em estudo, incluindo mediadores biológicos como a eritropoietina
(45)e a melatonina(46), N-acetilcisteína(47) e o gás Xenon(48). É necessário
continuar a investigação nesta área, de maneira a desenvolver novos tratamentos
que em sinergismo com a hipotermia permitam aumentar o seu efeito
neuroprotector.
CONCLUSÃO
Os resultados dos vários trabalhos publicados até à data são consistentes e
demonstram os efeitos benéficos da hipotermia na redução da morte e défices do
neurodesenvolvimento nos RN com EHI moderada a grave.
Os pediatras são os principais determinantes do acesso à terapêutica: além do
reconhecimento dos RN de risco, têm um papel fundamental na estabilização
apropriada e início de hipotermia passiva, contribuindo para o sucesso da
intervenção terapêutica.