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EuPTCVHe0872-07542011000400015

EuPTCVHe0872-07542011000400015

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0872-0754
Year2011
Issue0004
Article number00015

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Caso hematológico

Adolescente do sexo masculino referenciado à Consulta de Hematologia Pediátrica, aos 15 anos de idade, para estudo e orientação de trombocitose de 1 210 000 plaquetas/mm3 detectada em análises de rotina.

Trata-se de um jovem previamente saudável, praticante de futebol de forma federada e filho de pais não consanguíneos. Sem história de patologias relevantes na família.

Assintomático até à data. Exame objectivo sem alterações.

Na primeira consulta era documentável, em três hemogramas realizados nos três meses precedentes, uma trombocitose superior a 1 000 000 plaquetas/mm3.

Restante quadro hematológico normal.

Quais as hipóteses de diagnóstico? Que exames complementares solicitava?

COMENTÁRIOS Na literatura pediátrica, trombocitose é definida na base de contagens de plaquetas que variam entre os 400 000/mm3 e 1 000 000/mm3. Esta variabilidade do limite superior da normalidade refere-se, no entanto, a grupos etários mais jovens. No presente caso tornava-se claro estar perante uma situação de trombocitose severa e sustentada a exigir investigação.

A abordagem de uma trombocitose (Figura 1) é condicionada pela sua principal vertente classificativa, ou seja, da possibilidade de se tratar de uma situação primária por produção autónoma da medula óssea ou, em alternativa, secundária/ reactiva a uma variedade relativamente elevada de patologias. No presente caso, o grupo etário do doente apontava mais no sentido de uma trombocitose reactiva.

Pelo contrário, a severidade e o carácter sustentado da trombocitose (que se veio a confirmar nos hemogramas realizados posteriormente) contrastava com o excelente estado geral deste jovem, que não apresentava qualquer sinal ou sintoma de doença susceptível de provocar este quadro. Neste contexto a investigação de trombocitose primária foi considera da prioritária. Mesmo assim, foram excluídas as patologias mais frequentemente associadas a trombocitose, nomeadamente de foro inflamatório/infeccioso, assim como o défice de ferro e a presença de hipoesplenismo. Deste modo, foram realizados estudos complementares dirigidos ao diagnóstico de Trombocitémia Essencial (TE).

Figura 1' Um algoritmo diagnóstico para trombocitose (adaptado de Wintrobe`s Clinical Hematology. 12th ed. Lippincott, Williams&Wilkins ; 2009. p. 1355).

A pesquisa das mutações JAK2 V671F e do gene MPL W515L/W515K foi negativa.

A biópsia de medula óssea mostrou proliferação muito aumentada da linhagem megacariocítica, com presença de alguns megacariócitos atípicos, na ausência de mielofibrose e depósitos de ferro normais.

Na investigação adicional, a determinação da massa eritrocitária foi normal, a pesquisa do gene de fusão BCR-ABL foi negativa e o cariótipo revelou-se normal.

O estudo da função plaquetária, através do PFA-100, revelou-se alterado (Epinefrina 273 seg. (n<165) e Colagéneo 146 seg. (n<118).

Este conjunto de resultados permitiu o diagnóstico de TE segundo os critérios da World Health Organization (WHO) 2008(1,2) e da British Society for Haematology (BCSH) 2010(3). Conforme pode ser observado na Tabela 1, este diagnóstico engloba critérios de inclusão (trombocitose sustentada, anatomopatologia concordante e presença da mutação JAK2 V617F e/ou ausência de trombocitose reactiva evidente) e critérios de exclusão de outras neoplasias mieloproliferativas (PV, MFP, LMC BCR/ABL1), síndromes mielodisplásicas (SMD) ou outras neoplasias mielóides.

Tabela_1 ' Critérios da WHO de Trombocitémia Essencial (2008).

Com efeito, no caso apresentado, o diagnóstico foi realizado com base, não , no aumento sustentado do número de plaquetas, assim como, na presença de hiperproliferação megacariocítica na biópsia de medula óssea que, por sua vez, contribuiu também para a exclusão de mielofibrose primária (MFP), síndrome mielodisplásica (SMD) e outras neoplasias mielóides. A policitemia vera foi excluída com base em valores normais de hemoglobina, hematócrito e massa eritrocitária. A pesquisa de BCR-ABL foi negativa. Finalmente, apesar da negatividade da mutação JAK2 e MPL, foi feita a exclusão de trombocitose reactiva, nomeadamente pela clínica e ausência de ferropenia ou patologia infecciosa/inflamatória.

A trombocitemia essencial (TE) faz parte do grupo de neoplasias mieloproliferativas (NMP) cromossomo Philadelphia (Ph) negativas4. Caracteriza- se pela hiperproliferação megacariocítica, de carácter clonal, com consequente trombocitose periférica, favorecendo fenómenos trombo-hemorrágicos(4). A incidência, segundo a OMS, é de 0,6 a 2,5 casos por 100 000 habitantes/ ano. A maioria dos casos ocorre em pacientes entre os 50 e 60 anos de idade(1), sendo uma doença rara na criança. A razão sexo F/M é cerca de 2:1(5).

A mutação JAK2 V617F (exão 14) é observada em cerca de 50-60% das TE(6), sendo menos frequente nas crianças do que nos adultos. Mutações no gene MPL, receptor de trombopoietina, representadas sobretudo na forma do alelo W515L ou W515K, estão presentes em 7-8% dos pacientes com TE(7), correspondendo a raros casos primários familiares em crianças e estando usualmente presentes nos casos JAK2 V617F negativos(8).

As manifestações clínicas dominantes são trombóticas (arteriais ou venosas) e/ ou hemorrágicas, mas a maioria dos casos é assintomática ao diagnóstico e detectada em hemograma de rotina(3). Em idade pediátrica a doença está associada a um quadro clínico mais leve, assim como, a menores taxas de evolução para PV, MFP, SMD e leucemia aguda. Podem ocorrer sintomas vasomotores como cefaleia, síncope, dor torácica, eritromelalgia, distúrbios visuais ou parestesias das extremidades. Angina, enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC) e embolia pulmonar podem representar a primeira manifestação de trombocitose(6). As manifestações hemorrágicas são menos comuns e estão associadas a um número de plaquetas superior a 1 000 000/mm3, variando de epistaxis e gengivorragias até hemorragias digestivas ou do sistema nervoso central (SNC), muito raramente(5). Entre 25 a 48% dos doentes apresentam esplenomegalia(6). As provas de função plaquetária são consistentemente anormais, com PFA-100 aumentado. O esfregaço de sangue periférico pode mostrar plaquetas grandes e fragmentos de megacariócitos.

Actualmente, como referido, o diagnóstico desta entidade, segundo a OMS, exige a presença dos 4 critérios enumerados na 1ªreferência no texto Tabela_1.

Perante este quadro:

Tratar ou não tratar? Quando iniciar tratamento? Quais os fármacos? Pode manter actividade física de alta competição?

O doente, actualmente com 16 anos, tem sido mantido em vigilância sem tratamento dirigido, dado apresentar contagens plaquetárias entre 1 000 000 e 1 500 000/mm3, sem clínica trombótica ou hemorrágica associada.

A TE é uma doença crónica, de comportamento relativamente benigno e que não tem cura. De um modo geral e, de acordo com as as guidelinesda British Society for Haematology (BCSH) 2010(3), a abordagem terapêutica na TE centra-se na redução do número de plaquetas e na prevenção das complicações trombóticas e hemorrágicas; devendo a estratificação pelo risco estar na base da decisão terapêutica.

Neste contexto, estamos perante um doente de baixo risco (idade inferior a 40 anos, com contagens plaquetárias inferiores a 1 500 000/mm3, sem história de eventos trombóticos ou hemorrágicos e sem factores de risco cardiovasculares).

Nestes casos, de um modo geral, deve ser iniciada a aspirina, excepto se contra-indicada(3). De facto, autores que defendem que doentes assintomáticos e de baixo risco poderiam ser apenas vigiados, optando por uma conduta expectante(9), com indicação de aspirina apenas nos casos com número de plaquetas inferior a 1 000 000/ mm3. Com efeito, o caso apresentado enquadra-se neste último grupo, pelo que a decisão de o manter sem aspirina é aceitável, tendo em conta o número de plaquetas e o possível risco hemorrágico que este fármaco poderia condicionar. Vários estudos(9) confirmam que a aspirina evita as complicações trombóticas e reduz os distúrbios microvasculares, tais como a eritromelalgia, acrocianose, cefaleia, tonturas, distúrbios visuais e parestesias das extremidades (palma das mãos e planta dos pés).

Para níveis de risco mais elevados, a base do tratamento são agentes redutores das contagens plaquetárias: hidroxiureia, anagrelide ou interferon alfa associados à prevenção das complicações trombóticas e hemorrágicas.

Finalmente, coloca-se a questão da possibilidade deste jovem manter a prática de futebol de forma federada pelo risco trombótico/hemorrágico a que esta patologia está associada. Com efeito, o presente contexto clínico coloca questões muito delicadas em termos de prática de desporto federado, nomeadamente pelo risco acrescido de hemorragia que um desporto de contacto como o futebol(10) condiciona. De um modo geral, a opinião dominante entre vários especialistas desta área, assim como, na literatura(10) sobre este assunto é de que a prática de futebol federado está contra-indicada.


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