Período neonatal
Período neonatal
Ana Margarida Alexandrino1
1Maternidade Júlio Dinis, CH Porto
RCIU define-se como a taxa de velocidade de crescimento inferior ao normal para
o potencial de crescimento do feto, para uma determinada idade gestacional.
Como consequência resulta daí o nascimento de um recém-nascido leve para a
idade gestacional (LIG) isto é um recém-nascido com peso inferior ao percentil
10 para aquela idade gestacional. A definição de LIG não diferencia entre os LIG
constitucionais, que alguns autores referem rondar os 70%, os LIG com RCIU e os
AIG com RCIU. Daqui a importância do índice ponderal e da relação perímetro
braquial/ perímetro craniano para diferenciar, caracterizar qualitativa e
quantitativamente estas situações. Os marcadores de RCIU são então: o
diagnóstico prénatal de RCIU, peso ao nascer <percentil 10 (LIG) e índice
ponderal <percentil 10. Algumas séries chamam a atenção para o facto de
approximately one third of antenatally diagnosed IUGR is not correct e de
only when the antenatal diagnosis of IUGR was confirmed by a neonatal birth
weight less than the 10th percentile was there a correlation with adverse
outcome.
A insuficiência placentar compromete a transferência de nutrientes, tais como
aminoácidos essenciais (ex. leucina), cálcio e fósforo, podendo acompanhar-se
de catabolismo proteico na unidade feto-placentar e coexistir com alterações
dos estados de oxigenação e ácido-base. Dá-se a redistribuição do fluxo para o
SNC com diminuição do fluxo para o pâncreas, fígado, tubo digestivo, rins,
tecido hematopoiético. A composição corporal é alterada com diminuição da massa
gorda total, da massa muscular e do conteúdo mineral ósseo; diminuição do
glicogénio no fígado e no músculo esquelético. A malnutrição fetal condiciona
uma nova programação estrutural e funcional que é causa de elevada mortalidade
e morbilidade a curto, médio e longo prazo.
Os RN com RCIU não são todos iguais pois os factores determinantes são
múltiplos e condicionam graus de RCIU variados e com diferentes prognósticos.
A hipertensão materna pré-gestacional e as formas mais graves de HTA induzida
pela gravidez associam-se a RCIU mais grave com consequente prematuridade. O
tabagismo > 10 cigarros/dia, a baixa estatura, o IMC baixo e o baixo ganho
ponderal estão mais vezes ligados a RCIU de termo.
A prematuridade é uma das consequências da RCIU e a incidência dos LIG aumenta
com a idade gestacional mais baixa; está descrito que constitui 10% dos RN de
termo nos países desenvolvidos e cerca de 20% dos RN MBP (muito baixo peso).
Num estudo da Maternidade Júlio Dinis com análise dos RN LIG entre 2000 e 2004
(n=406), 106 casos eram MBP constituindo 20% do total MBP desse período,
confirmando-se pois os dados da literatura. Nesse mesmo estudo foram procuradas
correlações entre os diferentes factores de risco de RCIU identificados e o
prognóstico: muito baixo peso e imaturidade foram factores determinantes para a
mortalidade; muito baixo peso, a idade gestacional <32 semanas, a hipertensão
materna crónica, multiparidade e doença genética tiveram forte correlação com a
morbilidade.
As análises que estabelecem a associação de RCIU com menor mortalidade e menor
morbilidade (justificadas com base na maturação acelerada pelo stress) fazem-no
num determinado grupo de peso. É fundamental a análise por semana de idade
gestacional e com amostras suficientemente grandes em cada semana. Estudo com 2
milhões de nascimentos, mostrou mortalidade fetal, neonatal e perinatal dos
LIG termo, com pesos entre 1500 a 2500g, 20-30 vezes superior à dos AIG. E
quando o peso era inferior a 1500g a mortalidade era 70-100 vezes superior.
Outro estudo mostrou que a mortalidade dos LIG aumenta com a descida da idade
gestacional (factor imaturidade) e com a descida dos percentis de peso
(gravidade da RCIU). Abaixo do percentil 6 a mortalidade sobe a pique.
Finalmente um estudo com amostra de 29916 RN prétermo com RCIU, (Thomas J.
Garite, MD Reese C, James A. Intrauterine growth restriction increases
morbidity and mortality among premature neonates. American Journal of
Obstetrics and Gynecology, 2004), conclui que a RCIU está associada a
morbilidade e mortalidade aumentadas nos RN prétermo.
As características clínicas dos recém-nascidos com RCIU são bastante
impressivas: pele fina, laxa e seca; diminuição marcada do tecido e da gordura
subcutâneos e atrofia das massas musculares; crânio anormalmente
desproporcionado; face chupada, afilada de de bruxinha; cordão umbilical é
frequentemente fino e a impregnação meconial não é rara. Os critérios físicos
de cálculo da idade gestacional estão alterados e tornam-se pouco fidedignos: a
diminuição de vérnix leva a maior exposição ao líquido amniótico pelo que a
pele é mais pregueada (exemplo - as plantas dos pés com pregas bem visíveis);
botão mamário menos visível, genitais femininos menos maduros e cartilagem dos
pavilhões auriculares reduzida. Os critérios neurológicos pelo contrário são
fidedignos desde que não haja lesões neurológicas.
As complicações e morbilidade são variadas a começar pela própria prematuridade
em si. Num estudo com 20000 RN MBP, de idade gestacional <30 semanas, os LIG
tiveram taxas mais elevadas de mortalidade, enterocolite necrotizante, SDR e
retinopatia da prematuridade. Outro estudo multicentrico europeu com RN 24-31
semanas mostrou que a displasia bronco-pulmonar aumentou com a descida do
percentil de peso; mas que não houve associação da descida do percentil do peso
com a leucomalacia periventricular e a hemorragia intraventricular mais grave.
Além daquelas complicações são mais frequentes a termorregulação diminuída, a
hipoglicemia, a hipocalcemia, os defeitos cardíacos congénitos, a policetemia,
a trombocitopenia, a neutropenia e a função imunológica alterada. Nos RCIU de
termo são de esperar mais situações de síndrome de aspiração meconial, asfixia
perinatal e hipertensão pulmonar persistente.
A programação do nascimento destas crianças num centro perinatal é fundamental.
A etiologia se ainda não está esclarecida, deve continuar a ser investigada
tendo especial atenção para as cromossomopatias, malformações e infecções
congénitas. A antecipação dos problemas que são mais frequentes é importante
para uma intervenção mais atempada e eficaz. O suporte nutricional é crucial e
deve incluir não só alimentação parenteral desde as primeiras horas de vida
como também alimentação enteral trófica a iniciar nos primeiros dias de vida.
A avaliação da equipa de perinatologia é crucial para estimar a probabilidade
de sobrevida e a antecipação de morbilidades graves futuras que podem ajudar
os neonatologistas na tomada de decisões terapêuticas e na agressividade do
suporte a instituir, sendo estas decisões mais prementes e críticas nas idades
gestacionais mais próximas do limite da viabilidade.