INJECÇÃO INTRALESIONAL DE BETAMETASONA NAS ESTENOSES BENIGNAS
DO ESÓFAGO
INTRODUÇÃO
Os processos inflamatórios crónicos do esófago, associados ou não a ulceração da mucosa, podem complicarse com a formação de estenoses resultando em disfagia.
Este facto poderá ocorrer em situações tão diversas
como a doença de refluxo, esofagite infecciosa, ingestão
de drogas ou substâncias cáusticas, pós radioterapia,
após esclerose endoscópica de varizes esofágicas ou
pós-cirurgia (independentemente da patologia de base)
(1). Pensa-se que este fenómeno resultará de uma proli-
feração reaccional de tecido fibroso e acumulação de
colagéneo que progressivamente reduz o calibre e a distensibilidade luminal.
O tratamento de primeira linha nestas situações é a
dilatação endoscópica, embora seja comum haver necessidade de intervenções frequentes (associada a um alto
risco de recorrência da estenose e dos sintomas). A
própria agressão representada pelas sessões repetidas de
dilatação leva ao aumento da fibrogénese durante o
processo reparativo dos tecidos, o que explica em grande
parte essa tendência para a recidiva (1).
Focamos neste trabalho a injecção intralesional de
betametasona associada à dilatação, uma vez que esta
prática permite aumentar o intervalo entre as sessões de
terapêutica endoscópica, melhorar o estado nutricional e
qualidade de vida dos doentes, evitando o recurso a
métodos mais dispendiosos e agressivos para resolução
dos sintomas (2) (sobretudo atendendo a que muitos dos
doentes são idosos, com comorbilidades importantes e,
por isso, com más condições cirúrgicas). Existem dados
promissores em termos de eficácia e segurança (1,2),
estando mesmo prevista esta opção terapêutica nas
recomendações emitidas pela SPED (3). No entanto, por
ser escassa a experiência e as publicações existentes a
nível nacional relativas a esta técnica, descrevemos a
nossa casuística focando alguns aspectos teóricos relativos ao tema.
OBJECTIVOS
Avaliar a segurança e eficácia da associação de dilatação
e injecção endoscópica de betametasona nas estenoses
benignas do esófago.
MATERIAL E MÉTODOS
Procedemos à análise retrospectiva dos relatórios das
dilatações efectuadas num período de sete anos, entre 1
de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2004, seleccionando os casos de estenoses benignas do esófago nos
quais foi usada a associação dilatação/injecção de
betametasona intralesional. Nas dilatações foram usados
dilatadores Savary ou balões TTS; as injecções de
betametasona foram aplicadas imediatamente após a
dilatação, com recurso a agulha de esclerose, procedendo-se à diluição de 14 mg de betametasona (1 ampola)
em soro fisiológico até perfazer 4cc, com posterior
administração de 1cc da diluição em cada quadrante ao
nível da estenose.
Foram incluídos 31 doentes (21 do sexo masculino e 10
do sexo feminino), com idades compreendidas entre os
15 e os 89 anos (média de 58,8 anos, mediana de 62).
Desses, 21 já se encontravam em programa de dilatação
electiva, tendo os outros 10 doentes realizado injecção
intralesional de betametasona na primeira sessão. A etiologia das estenoses foi mais frequentemente pós-cirúrgica (em 16 doentes), seguida das estenoses pépticas (11
casos) e cáusticas (5 casos).
Registámos o diâmetro máximo obtido pelas dilatações
antes e depois da injecção de betametasona, bem como
o número e periodicidade das sessões de terapêutica.
Calculámos o Índice de Dilatação (ID) antes e após a
injecção de corticoide, conforme proposto por Kocchar
(4), representando o número médio de dilatações / mês.
Baseámos a avaliação da eficácia do método na presença
de um maior diâmetro luminal após a terapêutica e na
redução do ID. A análise dos dados foi feita no programa SPSS, e o significado estatístico avaliado com o
Teste T de Student.
Finalmente, a segurança foi julgada de acordo com registos de eventuais complicações existentes nos processos clínicos dos doentes.
RESULTADOS
Análise global: Estudámos um total de 195 sessões de
dilatação, entre 1 e 17 por doente, com média de 6,32
(mediana de 5). Efectuaram-se 71 injecções de betametasona (entre 1 e 8 por doente, com média de 2,29 e
mediana de 2).
Em média, os doentes iniciaram as injecções intralesionais de betametsona 1,6 meses após a primeira dilatação
endoscópica (entre zero e 6 meses, mediana de 0,5
meses), tendo-se mantido posteriormente com sessões de
terapêutica endoscópica durante uma média de 5,7
meses (entre zero e 30, mediana de 2,5). O follow-up
total foi em média de 7,3 meses (mediana 5 meses,
min.0, max.30). O tempo entre injecções foi, em média,
de 2,1 meses (mediana de 1,5).
Dentre os doentes estudados, três (já em programa de
dilatação electiva) não tiveram necessidade de mais
sessões de dilatação após a primeira (e única) injecção
de betametasona, uma vez que permaneceram assintomáticos (tabela 1). Em quatro casos foi apenas necessária uma sessão de tratamento (dilatação + injecção
intralesional), sem necessidade de qualquer intervenção
adicional durante todo o período em estudo. Esses
doentes tinham estenoses pouco cerradas, pós-cirúrgicas
(3 casos) ou cáusticas (1 caso), dilatadas ab initio até
diâmetros entre 13-15 mm.
Eficácia: o diâmetro luminal médio obtido antes e após
a injecção intralesional foi, respectivamente, de 13,34
mm e 13,6 mm. Esta diferença não tem significado
estatístico (desvio padrão 2,25; p=0,208). Por outro lado,
o índice de dilatação médio "pré-injecção" foi de 2,30 e
"pós-injecção" de 0,95, o que representa uma diminuição de cerca de 1,35 dilatações/mês após a terapêutica com corticoide. Este valor é estatisticamente significativo, com p =0,002 (desvio padrão de 1,61), representando uma diminuição real das necessidades de
dilatação após a injecção intralesional de betametasona.
Na tabela 2 resumem-se os principais dados recolhidos,
estratificados segundo a etiologia das lesões.
Verificamos que o acréscimo de diâmetro luminal obtido nas estenoses cáusticas foi um pouco maior que nos
restantes casos; no entanto, esta diferença carece de significado estatístico (p > 0,200). O mesmo se passa com
a análise dos índices de dilatação estratificados por
patologias, os quais não apresentam uma diferença significativa entre si.
Segurança: Não encontrámos registos de quaisquer
eventos adversos ocorridos na sequência da terapêutica
(quer dilatação isoladamente, quer dilatação/betametasona).
DISCUSSÃO
A base fisiopatológica para a injecção intralesional de
corticosteroides nas estenoses benignas do esófago
reside na sua capacidade de diminuir a resposta inflamatória e a síntese de colagéneo, inibindo a formação de
tecido cicatricial após a dilatação endoscópica (5). Por
não haver significativa interferência com o tecido
fibrótico já "estabelecido", o timing ideal para a injecção
intralesional dessas substâncias será logo após a
dilatação, altura em que há disrupção do tecido cicatricial existente e indução de um processo inflamatório
agudo, prevenindo a formação posterior de fibrose e
reestenoses (1).
Existem vários trabalhos acerca do uso da triancinolona
com esta indicação; contudo, são raras as publicações
utilizando a betametasona intralesional nas estenoses
benignas do esófago, encontrando-se referido na literatura apenas um estudo espanhol (6). No entanto, o seu
uso consta já das recomendações publicadas pela SPED
referentes ao tratamento endoscópico das estenoses
benignas do esófago (3), na dose de 2,5 a 3,75 mg por
picada (diluída em NaCl 0.9%, distribuída igualmente
pelos quatro quadrantes). Uma vez que esta é uma substância
mais lipofilica do que a triancinolona, existe a possibilidade teórica de se acumular a nível do tecido adiposo,
pelo que está recomendado o uso preferencial de triancinolona (na dose de 80 ou 20 mg, consoante se trate do
sal simples ou do hexacetonido).
Não é consensual o número de sessões de injecção
necessárias ou a sua periodicidade óptima, bem como se
esta deverá ser levada a cabo ab initio ou após várias
sessões de dilatação que garantam um diâmetro luminal
satisfatório. Alguns autores propõem que a injecção seja
feita logo na sequência da primeira sessão de dilatação
(em três diâmetros crescentes), realizando-se nova
injecção se posteriormente, após 4 sessões de dilatação,
não houver melhoria da disfagia (6). Por outro lado,
noutros trabalhos utilizando a triancinolona, preconizase a dilatação prévia até um diâmetro satisfatório de 15
mm, só depois se propondo a corticoterapia (1). No
nosso centro, não existiu um protocolo rígido para o início da terapêutica, tendo-se optado pela injecção intralesional de corticoides quando havia a percepção da
ineficácia da dilatação isoladamente. Também o número
de injecções foi muito variável (entre 1 e 8 por doente,
com média de 2.29), não existindo na literatura
recomendações precisas a esse respeito. Assim, alguns
autores colocam o limite de 3 injecções como sendo
razoável (1,4), havendo outros que propõem aplicações
múltiplas de acordo com a necessidade clínica e sem
uma periodicidade ou limite máximo estabelecidos (4),
podendo essas aplicações repetidas ter a longo prazo um
efeito aditivo. Parece-nos adequado prosseguir com as
dilatações / injecções enquanto se verificar uma resposta quer endoscópica quer clínica; caso contrário, será
razoável propor uma solução cirúrgica.
Os nossos resultados demonstram a eficácia da técnica,
dada a menor necessidade de dilatação após terapêutica
com corticoide (decréscimo de 1,35 sessões/mês). No
entanto, essa eficácia não se reflectiu no diâmetro luminal obtido no final, o que pode ser explicado pelos
diâmetros razoáveis existentes à partida (em média
13,34mm), podendo ser que o principal efeito do tratamento tenha sido prevenir as re-estenoses mais do que
facilitar a dilatação até maiores calibres.
Não verificamos diferença significativa nos resultados
de acordo com a etiologia da estenose, havendo apenas
uma tendência para um maior acréscimo de diâmetro
luminal nas lesões cáusticas. No entanto, estes dados são
contrários aos que têm vindo a ser publicados, estando
descritos piores resultados nesses casos uma vez que são
lesões geralmente mais longas, mais estenosantes, com
maiores taxas de recidiva e, por isso, requerendo mais
frequentemente sanção cirúrgica para a sua resolução
(6). Esta discrepância estará, com toda a probabilidade,
relacionada com a pequena dimensão da nossa amostra.
Não encontrámos complicações significativas decorrentes deste procedimento, que parece assim ser uma
técnica segura. Contudo, estão descritos os riscos de
inflamação local da parede esofágica, infecção intramural, perfuração ou hemorragia, embora todas estas sejam
ocorrências raras e que surgem geralmente no contexto
de estenoses cáusticas (1,3).
Os trabalhos mais recentes sugerem que a injecção de
corticoides guiada por ecoendoscopia com minissonda,
dirigida ao segmento mais espessado da estenose, pode
aumentar a eficácia do procedimento, sendo necessários
mais estudos para validar esta técnica (sobretudo nos
doentes refractários à terapêutica pelos métodos convencionais) (1,7).
CONCLUSÃO
A injecção intralesional de betametasona parece ser uma
técnica segura e eficaz, proporcionando um maior intervalo livre de sintomas entre dilatações com consequente
melhoria da qualidade de vida dos doentes. Por outro
lado, é uma técnica de fácil execução e que não acarreta
custos significativos. No entanto, os nossos resultados
não permitem tirar conclusões dado o pequeno número
de doentes estudados. Assim, são necessários ainda
estudos prospectivos e randomizados, com um maior
número de doentes, que clarifiquem quais as doses eficazes, o número de sessões e o timing ideal para inicio
da terapêutica.