INVAGINAÇÃO RETRÓGRADA JEJUNOGÁSTRICA - CASO CLÍNICO
CASO CLÍNICO
Doente do sexo feminino, de 81 anos de idade, admitida
no Serviço de Urgência por hematemeses. Apresentava
dor epigástrica intensa, tipo cólica, com 24 horas de
evolução, associada a hematemeses.
Como patologia associada apresentava hipertensão arterial medicamente controlada, doença de Alzheimer e
diabetes mellitus tipo 2 tratada com antidiabéticos orais.
A doente tinha como antecedentes cirúrgicos uma gastrectomia tipo Billroth II por úlcera gástrica efectuada
há 20 anos.
O exame objectivo mostrava palidez cutânea, abdómen
ligeiramente distendido, doloroso à palpação profunda
dos quadrantes superiores, com massa epigástrica
palpável. A tensão arterial era de 124/64 mm Hg e a frequência cardíaca de 78 bat./min
Analiticamente tinha uma hemoglobina de 11 g/dl, hematócrito de 34.1% e leucocitose de 15 0003/µL,
estando os restantes parâmetros dentro dos valores normais de referência.
Realizou-se endoscopia digestiva alta, que mostrou
volumosa invaginação de ansa intestinal, com aspecto
congestivo e com lesões petequiais na mucosa. A invaginação era procidente através da gastrojejunostomia,
ocupando toda a cavidade gástrica, tendo a mucosa
gástrica aspecto normal (Figuras 1, 2).
TRATAMENTO
Realizou-se uma laparotomia exploradora de urgência
que confirmou a existência de uma invaginação da ansa
intestinal eferente que preenchia toda a cavidade gástrica (Figura 3). Com tracção suave da ansa jejunal, foi
possível efectuar a redução da invaginação de 50 cm de
ansa intestinal, edematosa, congestiva e com aspecto
viável (Figura 4), pelo que não foi necessário realizar
uma ressecção intestinal. A cerca de 30 cm de distância
da gastrojejunostomia, efectuou-se uma pexia da ansa
eferente, à parede abdominal, com pontos separados de
fio absorvível 3/0 (Vicryl®).
O pós-operatório decorreu sem incidentes, tendo a
doente tido alta ao 7º dia de internamento.
Após um mês a doente encontra-se assintomática e o
trânsito gastro-intestinal não mostrou alterações (Figura
5), tendo evidenciado boa permeabilidade da anastomose, com presença de movimentos peristálticos normais na ansa eferente.
DISCUSSÃO
O primeiro caso de invaginação retrógrada jejunogástrica foi descrito por Bozzi em 1914 (1-6). É uma situação
muito rara registando-se menos de 200 casos na literatura anglo-saxófona (1-3) e, apenas, uma publicação na
literatura nacional (4).
Admite-se que as invaginações jejuno-gástricas possam
ocorrer em 0,1% de todas as gastrectomias (2,5) variando o hiato temporal entre a cirurgia e o seu aparecimento entre 6 dias e 20 anos (1,3).
As invaginações jejuno-gástricas podem classificar-se
em três tipos: I - invaginação da ansa aferente; II invaginação da ansa eferente; III - combinação do tipo I
e II (1-3,5,8,9-11).
A invaginação do tipo II que traduz uma invaginação
retrógrada jejuno-gástrica, isto é, uma invaginação da
ansa intestinal eferente através da gastro-jejunostomia é
a mais frequente representando 80% dos casos (2,3).
Na literatura encontram-se descritos casos, após gastrectomia com gastrojejunostomia tipo Polya, Hoffmeister ou Y de Roux, após gastro-jejunostomia sem
ressecção gástrica e, inclusivamente, em doentes com
PEG (gastrostomia endoscópica percutânea) (1,3,5,6-10).
A etiologia desta entidade é obscura admitindo-se que
possa envolver causas funcionais e mecânicas,
nomeadamente, hiperacidez gástrica, atonia do estômago, alterações da motilidade, peristalse retrógrada,
pressão intra-abdominal elevada, ansa aferente muito
longa, aderências após laparotomia, tubos de gastrostomia e erros técnicos (1,2,5-7).
As manifestações clínicas são variáveis dependendo de
ser uma invaginação aguda ou crónica (1-3,6,10,11).
As situações agudas caracterizam-se por dor epigástrica
tipo cólica, massa epigástrica palpável (50%), vómitos
biliares seguidos de hematemeses. Alguns autores referem uma tríade diagnóstica - vómitos, dor epigástrica e
massa epigástrica - em doentes com cirurgia gástrica
prévia (1-3,5,9,11). São situações graves com mortalidade elevada e que impõem um diagnóstico rápido e
tratamento urgente (1,2).
As situações crónicas têm clínica mais fruste, intermitente, de alívio rápido, sendo o diagnóstico difícil.
O meio complementar de diagnóstico de eleição é a
endoscopia digestiva alta, realizada por um gastroenterologista experiente, que habitualmente, permite identificar a invaginação. Nalguns casos pode justificar-se o
recurso à tomografia computorizada do abdómen (13,12).
Em situações agudas, a invaginação de uma ansa intestinal por um pequeno estoma provoca isquémia e rápida
necrose da ansa invaginada, pelo que o tratamento cirúrgico deve ser urgente, não existindo consenso quanto à
melhor opção técnica, ficando esta ao critério do cirurgião
e à melhor adequação ao doente em questão (1,5).
São várias as técnicas propostas, desde a simples
redução da ansa invaginada, plicatura jejuno-jejunal da
ansa eferente, fixação da ansa jejunal ou do mesentério
aos tecidos envolventes, ressecção intestinal e revisão da
anastomose gastrojejunal (1-3,5,6,11).
Da literatura não é possível retirar qualquer ilação quanto ao modo de evitar esta complicação. Na realidade não
existe evidência que uma anastomose tipo Polya predisponha mais que uma tipo Hoffmeister ou que o
isoperistaltismo seja melhor que o anti-peristaltismo (6).
No caso clínico apresentado a opção de tratamento foi a
redução da invaginação e plicatura da ansa eferente à
parede abdominal. Não tendo sido necessário uma
ressecção intestinal já que a ansa invaginada apresenta-
va um aspecto viável. Muito embora este tipo de opção
cirúrgica não esteja descrito a doente teve uma evolução
favorável.
CONCLUSÃO
A suspeição clínica deve conduzir ao diagnóstico precoce destas situações o que permite uma atitude terapêutica em tempo útil, que evitará a gangrena da ansa invaginada e consequentemente a redução da morbi-mortalidade.