ABCESSO DO PSOAS:
COMPLICAÇÃO CLÁSSICA MAS RARA DA DOENÇA DE CROHN
CASO CLÍNICO
Doente do sexo masculino, 19 anos, raça caucasiana,
estudante, com diagnóstico de Doença de Crohn ileocólica desde 2002, com comportamento penetrante
(abcesso e fístula anal em 2001), em remissão clínica
desde o diagnóstico, medicado com mesalazina, não
submetido, até à data, a corticoterapia.
Em Março de 2004, inicia dor na coxa direita, após
vários jogos de futebol, com agravamento progressivo, surgindo claudicação em Abril. Recorre, a 6 de
Abril, ao Serviço de Urgência (SU) do Hospital Geral
de Santo António (HGSA), onde é observado por
Ortopedia. Realiza ecografia das partes moles da
coxa direita e RX da articulação coxo-femural direita e sacroilíacas, consideradas normais. Sem febre
nem dor abdominal ou lombar, alteração do hábito
intestinal, ou sintomas gerais. Teve alta, medicado
com paracetamol e AINE (SOS). Desaparecimento da
dor, mantendo-se a claudicação. No fim de Abril
recorre a consulta de Fisiatria e inicia sessões diárias
de fisioterapia juntamente com o paracetamol e
AINE (SOS). Por suspeita de necrose avascular da
cabeça femural direita, realiza RMN das ancas, que
foi normal. Agravamento clínico desde Junho, com
reaparecimento da dor na coxa e início de dor
inguinal direita, anorexia, astenia, mantendo-se a
ausência de febre e hipersudorese nocturna e a regularidade do trânsito intestinal. Foi observado em consulta de Gastrenterologia do HGSA em 22 de Junho,
salientando-se ao exame objectivo: palidez mucocutânea, emagrecimento (peso: 50 kg, altura: 173 cm;
IMC: 23,2; peso habitual de 60 Kg), apirexia, massa
dolorosa à palpação da fossa ilíaca direita e dor à palpação do músculo quadricípede direito com impossibilidade de extensão total da coxa direita. Realizou
RMN abdominal em 23 de Junho que mostrou uma
colecção abcedada com envolvimento difuso da totalidade do músculo psoas-ilíaco direito (Figura 1). Foi
internado no Serviço de Cirurgia 1 do HGSA, e realizada drenagem percutânea guiada por ecografia,
com colocação de dois cateteres pig-tail, 7 fr, ao nível
do músculo ilíaco direito e na colecção da região
inguinal homolateral, com saída de abundante conteúdo purulento (enviado para microbiologia).
Iniciou antibioterapia IV (de acordo com antibiograma do pus) e nutrição entérica exclusiva, com fórmula polimérica. Após a drenagem a dor desaparece e ao
fim de dois dias a extensão do membro inferior direito é quase completa. A TAC realizada em 08 de Julho
mostra franca redução do abcesso e presença de fístula cego-psoas (confirmada por fistulografia)
(Figuras 2 e 3). Operado em 27 de Julho: "...Secção
da fístula entre o cego e o músculo psoas, resseção
ileo-cecal com cerca de 15 cm de íleon e anastomose
ileo-cólica ao ascendente; curetagem ampla das locas
musculares". Teve alta ao 8º dia de pós-operatório,
assintomático, iniciando azatioprina 2,5 mg/kg/dia,
que mantêm no momento actual.
DISCUSSÃO
Este caso mostra uma complicação rara da Doença de
Crohn, na forma de abcesso retroperitoneal, com
envolvimento do músculo psoas-ilíaco direito. O diagnóstico é com frequência tardio (1) por confusão com
patologia osteoarticular ou muscular, Neste paciente a
relação temporal entre a dor e o exercício físico (jogo de
futebol) contribuiu para o seu atraso.
Os abcessos do músculo psoas (MP) são pouco frequentes, podem ser primários ou secundários (2), predominando estes e sendo a Doença de Crohn (DC) uma
das suas principais causa (3). Os abcessos do MP secundários à DC são raros (0,4-4,3%) (4,5), surgem habitualmente durante a evolução da doença, podendo ocasionalmente ser a sua forma de apresentação (1). Os sinais/sintomas clássicos são a dor lombar, febre e dor
inguinal e /ou na coxa, e estão presentes em menos de
50% dos pacientes (6). O exame de escolha na suspeita
deste diagnóstico é a TAC que apresenta uma elevada
sensibilidade (6), tendo a RMN um valor diagnóstico
semelhante (7), contudo mais dispendiosa e menos acessível. Neste paciente a realização da RMN resultou de
agendamento prévio do exame (pedido no inicio de
Junho pela Fisiatra). A resseção intestinal do segmento
afectado e da fístula constitui o tratamento de escolha,
no entanto a melhoria prévia das condições sépticas
locais com antibioterapia IV, drenagem percutânea eco
ou TAC guiada, nutrição parentérica/entérica é essencial
para o sucesso da cirurgia (8).