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EuPTCVHe0872-81782007000300004

EuPTCVHe0872-81782007000300004

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0872-8178
Year2007
Issue0003
Article number00004

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ESÓFAGO NEGRO ASSOCIADO A INFECÇÃO POR CANDIDA ALBICANS, ASPERGILLUS E ACTINOMYCES

INTRODUÇÃO

O esófago negro, também denominado esofagite necrosante aguda, caracteriza-se pela presença de uma coloração negra do esófago, identificada na endoscopia digestiva alta (EDA) e que corresponde, na histologia, a necrose da mucosa (1-3). A necrose é quase sempre circunferencial e pode atingir todo o esófago, até à junção esofago-gástrica. Trata-se de uma entidade rara, embora esteja provavelmente subdiagnosticada (1,4,5). A maioria dos casos publicados na literatura apresenta uma etiologia multifactorial, considerando-se como causas mais prováveis a isquemia, os traumatismos condicionados por sonda nasogástrica, a estase gástrica, as infecções e a hipersensibilidade a alguns antibióticos (2,5-10). A ingestão de cáusticos e as entidades melanose, melanoma maligno, pseudomelanose e acantose nigricans deverão ser equacionadas no seu diagnóstico diferencial (6,8,11,12). Os autores descrevem o caso clínico de um doente com esofagite necrosante aguda no contexto de vómitos incoercíveis e prolongados após a realização de quimioterapia sistémica, em cujas biopsias esofágicas foram identificadas formas de Candida albicans, Aspergillus e Actinomyces.

CASO CLÍNICO

Doente do sexo masculino, de 52 anos, caucasiano, com o diagnóstico de rabdomiossarcoma pélvico botrióide, submetido a ressecção cirúrgica e radioterapia adjuvante na dose total de 66,6 Gy. Registaram-se duas recidivas tumorais, nos dois anos seguintes ao diagnóstico, também tratadas cirurgicamente. Na terceira recidiva, após um intervalo livre de doença inferior a um ano, foi proposta a realização de quimioterapia (ifosfamida, vincristina e adriamicina). Dois dias após o início da terapêutica, em regime de internamento, o doente iniciou um quadro de vómitos biliares copiosos. Não apresentava, nessa altura, dor abdominal nem melenas e não estava medicado com outros fármacos para além dos citostáticos, nomeadamente antibióticos ou anti-inflamatórios não-esteróides. Ao exame objectivo, encontrava-se apirético, hemodinamicamente estável, ligeiramente desidratado. A observação da orofaringe excluiu a presença de mucosite e a auscultação abdominal revelou ruídos hidro-áereos de intensidade normal, sendo a palpação indolor. Apesar da instituição de terapêutica anti-emética, os vómitos persistiram durante 8 dias, sem que tivesse sido efectuada intubação nasogástrica. A avaliação analítica revelou a presença de pancitopenia - leucócitos 1030/mm3 (4000-10000), neutrófilos 900/mm3 (1700-7700), hemoglobina 10 g/dL (12-15), plaquetas 148000 (150000-400000) - e hipocaliemia de 2,5 mmol/L (3,5-5). A restante avaliação bioquímica, designadamente a glicemia, a creatinina, a amilase e a enzimologia hepática, encontravam-se dentro dos valores de referência, assim como o tempo de protrombina.

Foi realizada TC abdomino-pélvica, que confirmou a recidiva conhecida da lesão neoplásica, mas não evidenciou quaisquer outras alterações. A EDA revelou a presença de duas áreas circunferenciais de mucosa esofágica com coloração negra difusa e ulcerações, dos 19 aos 22 e dos 38 aos 41 cm da arcada dentária, tendose observado uma transição abrupta, para mucosa de aspecto normal, ao nível da linha Z (Figura 1). Entre os 28 e os 38 cm da arcada dentária, a mucosa esofágica apresentava ulcerações longitudinais e áreas de necrose focal. O estômago e o duodeno não evidenciavam alterações macroscópicas. As biopsias obtidas das áreas de mucosa ulcerada mostraram epitélio pavimentoso com alterações degenerativas e abundantes detritos celulares.

No fundo necrótico, entre as células pavimentosas com alterações degenerativas, identificaram-se leveduras e pseudo-hifas características de Candida albicans, hifas e pseudo-hifas dispostas em ângulos de 45 e 90º, sugestivas de Aspergillus e aglomerados de grânulos sulfúricos, constituídos por estruturas filamentosas PAS-positivas e Ziehl-Nielsen negativas, traduzindo a presença de Actinomyces (Figuras 2 e 3). Foram instituídos dieta zero, reposição hidro-electrolítica, inibidor da bomba de protões, imipenem e fluconazol endovenosos. Não se iniciou terapêutica dirigida para o Aspergillus, uma vez que este agente foi identificado posteriormente. Vinte e quatro horas depois do início da terapêutica, por persistência do quadro de vómitos, o doente foi submetido a intubação naso-gástrica. Apesar destas medidas, o quadro clínico manteve-se e a toxicidade hematológica agravou-se. O doente veio a falecer 3 dias após ter sido estabelecido o diagnóstico de esófago negro.

DISCUSSÃO

A primeira descrição endoscópica de esofagite necrosante aguda foi efectuada por Goldenberg et al., em 1990 (7). A incidência e a prevalência desta entidade não são ainda conhecidas (2), embora as últimas publicações questionem a sua assumida raridade (1,4,5). É mais frequentemente descrita em doentes idosos e debilitados (4), sobretudo no pós-operatório de cirurgias oncológicas ou no contexto de infecções graves (8,13). O diagnóstico assenta na coloração negra da mucosa esofágica, reconhecida na EDA, e na necrose da mucosa (pode, por vezes, atingir a submucosa e excepcionalmente a camada muscular), confirmada por histologia. Aceita-se que a esofagite necrosante aguda tenha uma etiologia multifactorial. Vários mecanismos etiológicos foram propostos até à data, nomeadamente isquemia, traumatismo por sonda nasogástrica, antibióticos, hiperglicemia, estase gástrica, vómitos incoercíveis e infecções (2,5-10,14). O principal factor associado ao desenvolvimento desta entidade parece ser a isquemia (5,7); no entanto, na espécie humana o esófago possui extensa irrigação arterial (4) e são poucos os casos descritos na literatura que se associaram a hipotensão ou choque (15-17).

No presente caso clínico, o exame histológico das biopsias efectuadas permitiu a identificação de três agentes infecciosos: Aspergillus, Candida albicans e Actinomyces.

Este facto sugere que, sempre que possível, deverão ser efectuadas biopsias das áreas afectadas, de forma a identificar eventuais agentes etiológicos. Na literatura não existem, tanto quanto nos é dado conhecer, descrições de esófago negro associadas a esofagite por Candida ou por Aspergillus. Porém, em doentes imunodeprimidos casos de esofagite necrosante aguda associada a agentes virais, como Herpes simplex, e fúngicos, como Penicillium chrysogenum (18). Apesar deste ser o segundo caso de esófago negro associado a infecção por Actinomyces (9) descrito na literatura, trata-se de uma apresentação única, dada a coexistência dos três agentes infecciosos. As espécies de Aspergillus são ubíquas e têm sido implicadas, raramente, no desenvolvimento de esofagite em doentes imunodeprimidos. Neste contexto, a sua presença associa-se a um mau prognóstico (19), como comprovámos no caso descrito. A actinomicose é uma infecção progressiva e indolente, causada por bacilos anaeróbios ou microaerófilos Gram-positivos, do género Actinomyces. Estes agentes colonizam geralmente a orofaringe, o cólon e a vagina, provocando infecção por disrupção da mucosa (20). A infecção por bacilos ácido-resistentes como os do género Nocardia, poderá implicar diagnóstico diferencial com a actinomicose, embora naquele caso os bacilos sejam ZiehlNielsen positivos. A actinomicose esofágica é muito rara, encontrando-se apenas dez casos descritos na lite- ratura - um associado a esófago negro, um após transplante medular alogénico, cinco em casos de SIDA e três em doentes imunocompetentes (9,20-22). No presente caso, não é possível afirmar uma associação inequívoca e única entre as infecções a Actinomyces, Aspergillus e Candida e o esófago negro. Existem, para além disso, situações coexistentes que poderão ter contribuído para o seu desenvolvimento ou mesmo ter sido as principais responsáveis. De facto, o doente apresentava um quadro de vómitos incoercíveis, não tendo sido submetido a intubação nasogástrica. Por induzirem hipovolemia e algum grau de isquemia e por causarem refluxo gastro-esofágico significativo e mantido, ultrapassando os mecanismos de defesa normais do esófago, os vómitos poderão ter contribuído de forma importante para as alterações encontradas (2). A toxicidade da quimioterapia é um outro factor a considerar, embora esta associação não esteja descrita até à data.

Na maior parte dos casos, o prognóstico da esofagite necrosante aguda é desfavorável, com mortalidade estimada em cerca de 1/3 dos doentes (3,4). No entanto, admite-se que a elevada taxa de mortalidade esteja relacionada com a gravidade da situação clínica subjacente e não com a evolução das lesões esofágicas (1,2,4). O presente caso clínico é ilustrativo disso mesmo, embora possamos especular sobre uma evolução mais favorável caso a terapêutica para o Aspergillus tivesse sido instituída. Nos casos tratados com sucesso, a principal complicação é a estenose esofágica (1).

Em conclusão, descrevemos uma associação única na patogénese da esofagite necrosante aguda: infecção por Actinomyces, Aspergillus e Candida num doente imunodeprimido por doença oncológica, com um quadro de vómitos prolongados após realização de quimioterapia sistémica. Salientamos a necessidade de realizar biopsias esofágicas na presença de um esófago negro, não para confirmar o diagnóstico, mas também para excluir processos infecciosos que poderão requerer terapêutica específica.


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