Helicobacter pylori
Helicobacter pylori
Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia
A notável descoberta de que a infecção pelo Helicobacter pylori (H. pylori)
está relacionada com diversas doenças gastroduo-denais e constituiu um dos mais
importantes avanços na história da gastrenterologia, revolucionando a forma de
entender e tratar tais afecções.
O H. pylori é uma bactéria espiralada gram-negativa que, estima-se, infecta
mais de metade da população mundial. Existem, actualmente, diversas
possibilidades técnicas de pesquisar a infecção, cada qual com as suas
vantagens e inconvenientes.
Por outro lado, o efeito clínico da erradicação desta bactéria é variável,
desde um grande benefício na doença ulcerosa gastroduodenal até um impacto
modesto na dispepsia funcional.
MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO
Existem, actualmente, diversos métodos de pesquisa deste microorganismo (quadro
I).
Quadro I Testes para detecção da infecção pelo H. pylori
___________________________________________________________________________________________________________________
| |Não Invasivos |Teste_respiratório_(ureia-C13)___________________________|
|Testes |_____________________________________________|Pesquisa_de_antigénios_do_H._pylori_nas_fezes____________|
|Directos |Invasivos (associados à endoscopia digestiva|Exame histológico - hematoxilina & eosina, coloraçã|
| |alta) |argêntica________________________________________________|
|__________|_____________________________________________|Teste_rápido_da_urease___________________________________|
|Testes |Serologia |Doseamento dos anticorpos IgG anti-H. pylori |
|Indirectos|_____________________________________________|__________________________________________________________|
A escolha de um teste depende de questões relacionadas com o custo,
disponibilidade, situação clínica, prevalência da infecção e a presença de
factores que podem influenciar os resultados (presença de sangue no lúmen
gastrintestinal, antibióticos e inibidores da bomba de protões - IBPs).
O teste respiratório e a pesquisa de antigénio nas fezes (preferencialmente
utilizando anticorpos monoclonais) são, pela sua acuidade, os métodos não
invasivos de eleição. Estão especialmente indicados nas situações de abordagem
inicial da dispepsia não investigada. São também adequados para a avaliação
após terapêutica de erradicação, devendo ser respeitado um intervalo de, pelo
menos, quatro semanas (no caso do teste respiratório) e de 6-12 semanas (no
caso da pesquisa de antigénio nas fezes) após o final do tratamento, por forma
a evitar resultados falso-negativos.
Relativamente aos testes associados à endoscopia digestiva alta, atribui-se
acuidade diagnóstica similar quer à pesquisa histológica em fragmentos
biópsicos quer ao teste rápido da urease. Estão indicados sempre que o contexto
clínico justifica a realização da endoscopia, devendo ser efectuadas biopsias
do corpo e antro gástricos.
Na prática clínica, os IBPs são um importante factor causal de resultados
falso-negativos, devendo ser suspensos, pelo menos, duas semanas antes da
realização da pesquisa por qualquer destas técnicas.
A serologia é o método usualmente empregue nos estudos epidemiológicos. Deve
também ser considerada em algumas situações clínicas (designadamente nas
úlceras hemorrágicas, linfoma MALT e doentes medicados com IBP ou antibióticos)
por ser o único teste diagnóstico que não é susceptível de ser afectado pela
antibioterapia ou terapêutica anti-secretora. Está contra-indicada no controlo
da terapêutica de erradicação, uma vez que os anticorpos anti-H. pylori podem
persistir prolongadamente após a eliminação da infecção.
INDICAÇÕES PARA PESQUISA E TRATAMENTO
A implicação do H. pylori na fisiopatologia de algumas doenças do tracto
digestivo alto está, actualmente, bem definida. Existem, no entanto, outras
condições nas quais a relação com este microorganismo não se encontra ainda
devidamente esclarecida. A indicação para erradicar o H. pylori deve ser
considerada em diferentes condições clínicas.
Doença ulcerosa gastroduodenal
A importância do H. pylori na patogénese da doença ulcerosa péptica (DUP) é
incontroversa e está amplamente demonstrado que a sua erradicação altera a
história natural da DUP. O declínio global da prevalência da DUP nos países
ocidentalizados parece ser consequência directa da diminuição generalizada da
taxa de prevalência desta infecção.
A pesquisa da infecção e o tratamento dos casos positivos estão indicados em
todos os doentes com doença activa (incluindo os casos complicados com
hemorragia digestiva alta) ou com história pessoal de DUP.
Nos doentes com úlcera activa, não está provado que seja necessário prolongar a
terapêutica com um IBP para além do período correspondente ao tratamento de
erradicação.
Gastroduodenopatiaassociada aos anti-inflamatórios não esteróides (AINEs) e/ou
anti-agregantes plaquetários AINEs.
A relação entre o H. pylori e os antiinflamatórios não esteróides é complexa.
Aceita-se, actualmente, que existe um efeito sinérgico entre a infecção por
esta bactéria e a toma de AINEs para a ocorrência de úlcera gastroduodenal e
suas complicações. Com base na evidência actual, recomenda-se que os novos
utilizadores de AINEs sejam estudados quanto à eventual presença de infecção
pelo H. pylori, devendo beneficiar dum tratamento de erradicação, se positivos,
antes de iniciar terapêutica prolongada com AINEs.
Nos utilizadores crónicos de AINEs, a erradicação do H. pylori é vantajosa,
embora insuficiente para prevenir completamente os efeitos adversos
gastroduodenais (pelo que não torna dispensável o tratamento de manutenção com
IBP). É aconselhável nas situações em que estejam presentes um ou mais factores
de risco (Quadro II).
Quadro II Factores de risco gastrintestinal
___________________________________________________________________________
| |Idade_>_60_anos_________________________|
|Factores Relacionados com o Doente|História de úlcera péptica ou |
| |complicações__________________________|
|__________________________________|Patologia_associada_ou_grave____________|
| |Utilização_de_AINEs_mais_agressivos___|
|Factores Relacionados com o |Utilização de doses altas ou 2 AINEs e|
|Medicamento |simultâneo_____________________________|
| |Medicação_simultânea_com_anti-coagula|te
|__________________________________|Medicação_simultânea_com_corticoster�|ide
Anti-agregantesplaquetários
O ácido acetilsalicílico em baixas doses, utilizado como agente anti-agregante
plaquetário, associa-se a maior risco de lesões gastroduodenais. Também a
terapêutica com clopidogrel comporta risco acrescido de eclosão de úlceras e
complicações hemorrágicas.
Neste contexto, está também indicada a erradicação do H. pylori no subgrupo de
doentes com factores de risco gastrintestinal, muito em particular nos casos
com antecedentes de úlcera gastroduodenal hemorrágica.
Carcinoma gástrico
O H. pylori assume um papel importante na cascata de eventos que determina a
eclosão do carcinoma gástrico de localização extra-cárdica, sendo considerado
um agente carcinogénico do grupo I. O decréscimo na revalência do H. pylori na
população dos países ocidentalizados reflectiu-se, também, na redução da
incidência destas neoplasias.
Neste contexto, a sua pesquisa e eliminação deve ser promovida nas seguintes
circunstâncias: a) familiares directos de doentes com cancro gástrico, e; b)
doentes com carcinoma inicial ressecado endoscopicamente.
LinfomaMALT gástrico
A erradicação do H. pylori constitui a 1ª linha de tratamento dos linfomas MALT
(“mucosa-associated lymphoid tissue”) de baixo grau (estádio I). Alguns
enfermos com linfoma MALT de alto grau podem igualmente beneficiar com a
instituição deste tratamento.
Dispepsia
A pesquisa do H. pylori, e consequente tratamento dos casos positivos, tem sido
uma opção muito discutida no contexto da abordagem dos doentes dispépticos.
Importa considerar duas circunstâncias distintas: por um lado, a dispepsia não
investigada - excluídos os casos de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e
associados a AINEs - e, por outro, a dispepsia funcional.
A dispepsia não investigada refere-se aos enfermos com sintomatologia
dispéptica cuja natureza (funcional ou associada a patologia orgânica) ainda
não foi esclarecida. Nos doentes com dispepsia não investigada, sem sinais de
alarme e de idade inferior a 45 anos é adequada a opção pela pesquisa e
tratamento do H. pylori, em alternativa ao tratamento empírico de curta duração
(4-8 semanas) com IBP.
Por dispepsia funcional entende-se a dispepsia cuja investigação diagnóstica
(incluindo a endoscopia digestiva alta) não identificou doença estrutural
susceptível de explicar a sintomatologia. Nestes casos a erradicação do H.
pylori revelou-se clinicamente eficaz apenas numa pequena parte dos casos (1 em
cada 17, segundo meta-análise recente) devendo ser ponderada em função das
características de cada caso particular.
Doença do refluxo gastroesofágico
Não existe evidência científica de que o H. pylori interfira significativamente
na patogénese e história natural da DRGE. Também, por outro lado, não se
reconhece que a infecção possa representar um factor de protecção contra o
desenvolvimento da doença ou influencie a eficácia da terapêutica com IBPs.
Assim, não se recomenda a pesquisa e erradicação do H. pylori na generalidade
dos enfermos com DRGE.
Um aspecto particular é o que concerne aos doentes H. pylori positivos
submetidos a tratamento de manutenção com IBP. Verificou-se que a infecção pode
agravar as lesões de gastrite atrófica fúndica e que a sua eliminação pode,
inclusivamente, suscitar a regressão da atrofia da mucosa. Todavia, não há
comprovação definitiva de que a persistência da infecção em doentes com
tratamento prolongado com IBP comporte um risco clinicamente significativo de
ocorrência de carcinoma gástrico. Nestes doentes a instituição dum tratamento
de erradicação do H. pylori deve ser considerada caso a caso.
Em todas estas situações clínicas, se deverá, por regra, confirmar a eficácia
do tratamento de erradicação, uma vez que tendem a aumentar as taxas de
resistência microbiana aos antibióticos usuais (excepto à amoxicilina).
Para além das condições enunciadas, a pesquisa da infecção deve ser considerada
caso o doente o deseje, após explicação detalhada das vantagens e eventuais
inconvenientes do tratamento. Justifica-se, nestas circunstâncias, proceder ao
tratamento de erradicação nos doentes infectados.
REGIMES TERAPÊUTICOS
Quando a taxa de resistência primária à claritromicina é inferior a 15 - 20%
(como é o caso da população adulta em Portugal), o tratamento de 1ª linha deve
assentar na associação IBP, claritromicina e amoxicilina ou metronidazol
(quadro III).
Quadro III Regimes terapêuticos anti-H. pylori
_____________________________________________________________________________
| |IBP 2id + Claritromicina 500mg 2id + Amoxicilina 1g |
|Terapêutica de 1ª lin|2id_-_7_dias_________________________________________|
| |IBP 2id + Claritromicina 500mg 2id + Metronidazol |
|_______________________|500mg_2id_-_7_dias___________________________________|
| |IBP 2id + Subcitrato/subsalicilato de bismuto 120mg |
| |4id + Metronidazol 500mg 3id +Tetraciclina 500mg 4id |
|Terapêutica de 2ª Lin|-_14_dias____________________________________________|
| |IBP + Metronidazol 500mg 2id + Amoxicilina 1g 2id (ou|
|_______________________|Tetraciclina_500mg_4id)_-_14_dias____________________|
O prolongamento da terapêutica até 14 dias representa um ligeiro acréscimo de
eficácia, mas continua a recomendar-se um tratamento inicial de 7 dias.
Parece verificar-se uma ligeira vantagem na eficácia clínica dos regimes com
metronidazol (em vez da amoxicilina) quando, como também sucede no nosso país,
a prevalência de resistência primária ao metronidazol é inferior a 40%. No
entanto, a associação claritromicina + amoxicilina é preferível a
claritromicina + metronidazol pois pode favorecer melhores resultados em caso
de necessidade de implementar um tratamento de 2ª linha.
Neste âmbito, após insucesso do 1º tratamento, considera-se que os regimes
quádruplos baseados em compostos de bismuto persistem como a melhor opção. Em
países, como Portugal, em que estes fármacos não estão disponíveis recomenda-se
a associação IBP, metronidazol e amoxicilina (ou tetraciclina).
Em caso de falência do tratamento de 2ª linha, no âmbito dos cuidados de saúde
primários, o doente deve ser referenciado à gastrenterologia. Terapêuticas
subsequentes deverão levar em conta os testes de sensibilidade microbiana aos
antibióticos.
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