Terapêutica Farmacológica da Doença de Crohn
Terapêutica Farmacológica da Doença de Crohn
Francisco Portela
Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia
A terapêutica da doença de Crohn tem que ter em consideração, entre outros
elementos, a marcada heterogeneidade nos segmentos intestinais envolvidos, no
comportamento predominante e na gravidade. Assim, as normas que se possam
propor, devem constituir linhas de orientação que ajudem a estabelecer a
estratégia terapêutica mais correcta mas não dispensando a avaliação e
discussão individualizada de cada paciente.
SALICILATOS
Introdução:
O uso dos salicilatos na doença de Crohn é, actualmente, um tema controverso,
encontrando-se na literatura posições divergentes. Estes fármacos foram
reservados desde sempre para o tratamento da doença ligeira baseado nos dados
iniciais dos estudos cooperativos, americano e europeu, que mostravam alguma
eficácia da salazopirina e noutros estudos que pareciam evidenciar eficácia da
messalazina. Estes dados iniciais foram, entretanto, contraditados pelo
resultado de dois estudos adicionais e de uma meta-análise que, embora
positiva, mostrou uma diferença para o placebo de muito discutível significado
clínico. Em relação ao tratamento de manutenção, nomeadamente após indução de
remissão com terapêutica médica, existem múltiplos ensaios clínicos, três meta-
análises e uma revisão Cochrane. Embora com alguns resultados positivos, no
global não permitem indicar os salicilatos como terapêutica de manutenção. Por
outro lado, e quando se analisam os resultados de séries populacionais,
verifica-se que existe uma importante percentagem de doentes que nunca utilizou
outras terapêuticas, nomeadamente corticosteróides ou imunossupressores.
Recomendações:
Os salicilatos não devem constituir base da terapêutica da doença de Crohn,
nomeadamente da terapêutica de manutenção. Quando usados devem ser
administrados em dose de 3 a 4 g por dia, tendo, porém, em conta que nos
pacientes com sintomas muito ligeiros o não medicar ou suspender o tratamento
após um curso terapêutico limitado é também uma opção. Na doença ligeira com
envolvimento do íleo terminal e cólon direito deve ser considerado como
alternativa o uso de budesonido.
CORTICOESTERÓIDES
Introdução:
Os corticoesteróides são habitualmente usados para tratar pacientes com doença
de Crohn moderada a grave. Exceptuam-se as formas tópicas e o budesonido, com
as primeiras a serem usadas muitas vezes como complemento de outros fármacos e
o segundo porque tem indicação na doença ligeira. O budesonido pode ser
considerado como a primeira escolha para a doença de Crohn ligeira a moderada
localizada ao íleo terminal e / ou cólon ascendente. Esta opção fundamenta-se,
não só em ensaios randomizados e controlados que mostram vantagem em relação ao
grupo placebo, mas também em dados que mostram a sua superioridade em relação
aos salicilatos. Nos ensaios que suportam o seu uso a resposta foi avaliada às
8 semanas, ou posteriormente, e a superioridade em relação ao 5-ASA não é
objectivável até ás 4 semanas. Tal como foi referido inicialmente os
corticoesteróides são habitualmente usados para o tratamento de pacientes com
sintomas considerados moderados a graves. A estes podem ser associados os
doentes que não responderam ao budesonido. As moléculas mais extensamente
estudadas são a prednisolona e a metilprednisolona e a sua eficácia encontra-se
documentada, desde há mais de duas décadas, em ensaios randomizados e
controlados designadamente nos trabalhos cooperativos norte-americano e
europeu.
Recomendações:
O budesonido deve ser usado na dose de 9 mg por dia, em 1 ou 3 tomas.
Recomendam-se 4 a 8 semanas de tratamento seguidas de redução para 6 e
posteriormente 3 mg com intervalos de 4 semanas. Nos corticoesteróides ditos
sistémicos recomenda-se um mínimo de 40 mg de prednisolona ou equivalente,
podendo ir-se até 1 mg / kg. Recomenda-se igualmente que se evitem
administrações prolongadas e que se inicie a diminuição da dose após duas a
quatro semanas de tratamento. Esta diminuição poderá ser de 10 mg semanais até
aos 20 mg dia e de 5 mg a partir daí. Recomenda-se que a terapêutica com
corticoesteróides seja acompanhada por medidas profilácticas da osteoporose.
IMUNOSSUPRESSORES
Os imunossupressores para os quais existe evidência de eficácia no tratamento
da doença de Crohn são a azatioprina / 6 mercaptopurina e o metotrexato.
Azatioprina/ 6MP
Introdução:
A 6-mercaptopurina e sobretudo a sua pró-droga azatioprina são os
imunossupressores mais utilizados. Embora seja consensual que a sua actuação se
faz através dos metabolitos 6-tioguanina o mecanismo de acção exacto permanece
desconhecido. Existem estudos, incluindo duas revisões Cochrane, com resultados
positivos tanto na indução da remissão como na terapêutica de manutenção.
Recomendações:
A principal indicação para o uso da azatioprina são os doentes
corticodependentes, nomeadamente aqueles que necessitam de dois ou mais ciclos
de corticoesteróides por ano, os doentes nos quais a diminuição da dose de
prednisolona além dos 15 mg determina uma reagudização e aqueles em que se
verifica uma recidiva precoce (6 semanas). A dose preconizada é de 2.5 mg / kg
/ dia, podendo variar entre os 2 e os 3 mg. O tempo de latência até ao efeito
clínico é de 2-3 meses e portanto a avaliação do resultado e sobretudo a
suspensão do fármaco por ineficácia não deve ser considerada até que decorram
pelo menos 3 meses desde o início do tratamento. Os pacientes devem ser
submetidos a análises periódicas (hemograma) para detecção de alterações
hematológicas, sugerindo-se avaliações com intervalos de 1 a 2 semanas durante
os primeiros dois meses, após os quais o intervalo será alongado para 3 meses.
Para além da leucopenia o paciente deve ser alertado para os efeitos
secundários mais frequentes, nomeadamente um quadro de náuseas e dispepsia,
muitas vezes auto-limitado, a pancreatite aguda e a toxicidade hepática. Os
riscos infeccioso e neoplásico, nomeadamente de linfoma, devem ser abordados na
perspectiva de que, embora reais, são pequenos e largamente compensados pelo
previsível efeito benéfico do fármaco. Nos doentes em remissão prolongada (4
anos) recomenda-se que a eventual suspensão do fármaco seja discutida com o
paciente, na perspectiva que, mesmo nestas circunstâncias, existe um pequeno
aumento na taxa de recidivas.
Metotrexato
Introdução:
É menos usado que a azatioprina na doença de Crohn embora não haja qualquer
evidência de que seja menos eficaz. A existência de alguns estudos preliminares
com resultados promissores levou a que fossem desenhados e concluídos dois
estudos randomizados avaliando a eficácia do fármaco no tratamento de pacientes
em fase aguda e em manutenção. Ambos os estudos apresentaram resultados
positivos, significativamente superiores ao placebo.
Recomendações:
As indicações para o uso do metrotrexato são sobreponíveis às da azatioprina e
incluem os pacientes intolerantes a esta. A dose recomendada é de 25 mg
administrados uma vez por semana durante 16 semanas, a qual pode ser diminuída
para 15 mg nos pacientes em remissão e utilizada como terapêutica de
manutenção. A via de administração deve ser, pelo menos inicialmente,
parentérica (intra-muscular ou subcutânea), podendo, nos pacientes sem
compromisso do intestino delgado e que estejam a usar doses inferiores a 20 mg,
ser eventualmente usada a via oral. Recomendam-se avaliações analíticas
regulares (hemograma e bioquímica hepática) e a discussão dos efeitos
secundários com o paciente deve incluir, para além da mielotoxicidade (menos
frequente que na azatioprina), a possibilidade de penumonite, de toxicidade
hepática e ainda a teratogenicidade que contraindica a gravidez e a lactação
durante a medicação. A periodicidade dos controlos analíticos pode ser
semelhante à da azatioprina. Nos pacientes com intolerância gastrointestinal a
associação de 5 mg de ácido fólico por semana costuma ser eficaz. Apesar de ser
consensual a vigilância das provas hepáticas não está recomendada a realização
sistemática de biopsia.
TERAPÊUTICA BIOLÓGICA
Infliximab
Introdução:
O infliximab foi o primeiro agente biológico aprovado para o tratamento da
doença de Crohn. Trata-se de um anticorpo monoclonal quimérico dirigido contra
o TNFα humano e que se aproxima já da sua primeira década de uso clínico. A sua
eficácia em pacientes com doença de comportamento penetrante ou inflamatório,
independentemente da localização, encontra-se documentada em diversos estudos
randomizados e controlados. Para além disso foi demonstrada a sua capacidade de
promover a cicatrização da mucosa e a sua eficácia como terapêutica de
manutenção, permitindo reduzir o número de internamentos e cirurgias
abdominais. Não existem estudos randomizados que esclareçam definitivamente
sobre a necessidade de associar imunossupressores ao inflixilab e sobre quando
parar a terapêutica nos doentes em remissão.
Recomendações:
O inflixilab deve ser utilizado em pacientes que não respondam às terapêuticas
de primeira e segunda linha, nomeadamente corticoesteróides e
imunossupressores. Nos doentes corticodependentes, que não responderam a um dos
imunossupressores, considera-se adequado a utilização imediata do inflixilab
sem ser efectuada uma segunda tentativa com o outro fármaco. Nos doentes
corticorresistentes com sintomas graves ou fístulas clinicamente significativas
é adequada a utilização imediata do inflixilab concomitantemente com a
introdução de um imunossupressor. A dose recomendada é de 5 mg / kg
administrados por perfusão endovenosa durante duas horas. O esquema de indução
inclui três administrações às 0, 2 e 6 semanas. Os pacientes que não respondam
ao esquema de indução devem suspender o inflixilab e serem considerados para
outras alternativas terapêuticas. Os doentes com resposta ao esquema de indução
devem iniciar infusões de manutenção com intervalos de 8 semanas. Os pacientes
com resposta inicial, que entretanto a perderam, podem caso não existam
alternativas terapêuticas, serem tratados a intervalos mais curtos (até 4
semanas) ou com dose de 10 mg / kg. A médio prazo e quando em remissão
prolongada a manutenção ou suspensão do tratamento deve ser equacionada com o
paciente, tendo em atenção, entre outros factores, a complexidade e gravidade
de cada caso, terem ou não sido esgotados os tratamentos com imunossupressores
antes do início do infliximab e a alternativa cirúrgica. O perfil de efeitos
secundários deve ser partilhado com o doente começando por investigar os
possíveis antecedentes de tuberculose e seguindo, neste aspecto particular, as
normas nacionais para doentes imunodeprimidos. A possibilidade de reacções às
infusões, na grande maioria das vezes de escassa gravidade, deve ser discutida
bem como o risco de outras infecções e de linfoma.
NOVAS TERAPÊUTICAS
Existem diversos fármacos em avaliação na terapêutica da doença de Crohn. De
entre os mais promissores pelos resultados alcançados nos ensaios clínicos
destacam-se o adalimumab, o certolizumab e o natalizumab, com os dois primeiros
a actuarem no TNFα e o último na integrina α4. Neste momento não é ainda
possível apresentar recomendações formais para a sua utilização fora de ensaios
ou programas de compassionate use.
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|Agudização._Fármacos_segundo_a_gravidade_da_doença___________________|
|Doença_Ligeira|Budesonido___________________|Messalazina;_sulfassalazina|
|Doença Moderad|Budesonido, |Azatioprina /Metotrexato |
|_______________|Corticosteróides_sistémicos|Infliximab_________________|
|Doença Grave |Corticosteróides |Azatioprina |
|_______________|Infliximab___________________|Metotrexato________________|
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|Doses_recomendadas_na_doença_de_Crohn__________________________________|
| ______________|Agudização________________|Manutenção______________|
|Salicilatos_____|1_g_3_a_4_id________________|1_g_3_a_4_id______________|
|Budesonido______|9_mg_id_____________________| ________________________|
|Corticosteróide|40_mg_(prednisolona)_id_____| ________________________|
|Azatioprina_____|2_a_3_mg_/_kg_/_dia_________|2_a_3_mg_/_kg_/_dia_______|
|Metotrexato_____|25_mg_/_semana______________|15_mg_/_semana____________|
|Infliximab______|5_mg_/_kg_às_0,2_e_6_semana|5_mg_/_kg_às_8_e_8_semana|
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