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EuPTCVHe0873-21592009000400011

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National varietyEu
Year2009
SourceScielo

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Derrame pleural recidivante e polipose gástrica: Caso clínico

Introdução O linfoma de células B da zona marginal é uma entidade clinicopatológica que surge no tecido linfóide associado às mucosas (mucosal associated lymphoid tissue, MALT). Do ponto de vista nosológico, é um linfoma não Hodgkin (LNH) extraganglionar da zona marginal e corresponde a cerca de 7,6% de todos os LNH.

Recentemente, o linfoma MALT tem despertado especial atenção pelos aspectos particulares que apresenta 1, 2 .

Constitui uma doença tipicamente do adulto, com predominância no sexo feminino.

Frequentemente, existe história de doença autoimune ou inflamatória associada, cuja expressão varia em função do órgão afectado.

O dado comum a estas patologias é a proliferação crónica de linfócitos, reactiva ao processo patológico de base, que em determinada altura conduz ao desenvolvimento de um clone patológico que substitui a população de células linfóides residentes, dando origem ao linfoma. O estômago é a localização extraganglionar mais frequente4. Em termos etiopatogénicos, a infecção por Helicobacter pylori(H pylori) parece ser o factor mais importante no desenvolvimento deste tipo de linfomas.

No entanto, factores genéticos, ambientais ou mesmo nutricionais podem estar, igualmente, implicados na génese das alterações moleculares observadas1,2,4.

Caracteristicamente, o linfoma MALT H pylori(+) apresenta baixo grau de malignidade e resposta favorável à terapêutica de erradicação bacteriana ' mais de 50% em alguns estudos2.

As manifestações clínicas são inespecíficas e incluem a epigastralgia, a dispepsia, os vómitos e a hemorragia digestiva. A presença de sintomas B (febre, sudorese nocturna e perda ponderal) é rara4.

O linfoma MALT tem um comportamento muito indolente e permanece localizado por um período prolongado, sendo frequente a ausência de progressão mesmo sem tratamento. A disseminação sistémica e o envolvimento medular ocorrem numa pequena minoria de doentes, casos em que o prognóstico é francamente adverso2.

A terapêutica do linfoma MALT H pylori(+) não é consensual. Existe evidência de que a erradicação pode ser utilizada como terapêutica única na doença localizada, sem diferenças observáveis na sobrevida em relação a doentes submetidos a esquemas convencionais baseados em cirurgia, quimioterapia ou radioterapia2. No entanto, cerca de 20% dos doentes com doença localizada não respondem a este tratamento4.

Cerca de 5-10% dos linfomas MALT gástricos são H pylori(-). Para o diagnóstico definitivo de negatividade, é necessária a pesquisa de anticorpos CagA e de IgG específicas para o H pylori, bem como a pesquisa de outras espécies de Helicobacter(H heilmannii, H felis). Não existem orientações específicas para o tratamento destes doen tes. O papel da erradicação bacteriana (possíveis falsos negativos) é discutível e as restantes modalidades terapêuticas têm sido utilizadas com taxas de resposta e de remissão variáveis 3,4 .

A existência de doença disseminada, radiorresistente ou recorrente após um primeiro tratamento, implica outras estratégias terapêuticas. A monoterapia com clorambucil ou ciclofosfamida está associada a taxas de remissão completa de 82-100% para a doença em estádio I e de 50-57% para a doença em estádio IV4.

Caso clínico Doente do sexo feminino, 86 anos, raça branca, natural da Guarda e residente em Lisboa, reformada (doméstica), não fumadora, internada no serviço de pneumologia do nosso hospital, em Julho de 2007, devido a quadro de dispneia de esforço, toracalgia, tosse seca e perda ponderal.

Aparentemente assintomática até cerca de dois meses antes do internamento, altura em que inicia um quadro de omalgia esquerda com irradiação à região cervical, que motivou terapêutica com anti 'inflamatórios não esteróides e paracetamol, sem melhoria.

Cerca de um mês antes do internamento, refere instalação de toracalgia esquerda de características pleuríticas, associada a tosse seca, cansaço fácil, anorexia não selectiva e perda ponderal. Por agravamento progressivo, recorreu ao serviço de urgência central do nosso hospital, tendo ficado internada.

Como antecedentes pessoais a referir hipertensão arterial medicada, depressão e gastrite crónica com polipectomia gástrica vários anos antes, desconhecendo-se exame histológico da peça.

Na admissão ao serviço encontrava-se apirética e hemodinamicamente estável, eupneica em repouso, com palidez cutaneomucosa e oximetria digital de 93% em ar ambiente; a semiologia pulmonar era compatível com derrame pleural esquerdo e a palpação abdominal difusamente dolorosa, sem outras alterações.

A telerradiografia de tórax em PA e perfil evidenciou derrame pleural esquerdo, consolidação do lobo inferior esquerdo e cardiomegalia (Fig. 1). Do ponto de vista laboratorial, apresentava anemia (Hb: 8,2g/dL); leucocitose sem neutrofilia (13 590céls/μL); VS: 109mm; proteína C reactiva: 9,7mg/dL; neuroenolase específica (NSE): 17,3μg/L; â2-microglobulina: 4,26 mg/L e antigénio carcinoembrionário (CEA): 5,5 ng/mL. Gasometria arterial (O2 a 2L/ min): pH: 7,44, PaCO2: 44,2mmHg, PaO2: 71,5mmHg, HCO3-: 28,6mmol/L, SatO2: 95%, lactatos: 19,7mg/dL.

Fig. 1' Radiografi a de tórax PA (A) e perfi l (B), que revela uma obliteração do seio costo frénico esquerdo, a que se associa uma hipotransparência da metade inferior do campo pulmonar homolateral com broncograma aéreo, imagens compatíveis com consolidação do lobo inferior esquerdo com derrame pleural.

Índice cardiotorácico aumentado

Foi efectuada toracocentese diagnóstica, com saída de 400ml de líquido pleural amarelo-citrino hipercelular, com predomínio de linfócitos, baixo teor em glicose e bioquímica compatível com exsudado. A pesquisa de células neoplásicas no líquido foi negativa.

A TC torácica, entretanto solicitada, evidenciou, para além de cardiomegalia e de derrame pleural esquerdo, bronquiectasias do lobo inferior esquerdo com padrão em vidro despolido envolvente (Fig. 2). A endoscopia digestiva alta mostrou um pólipo séssil da grande curvatura, que se biopsou.

Fig. 2' Cortes de TC do tórax, em janela mediastínica (A e B) e janela pulmonar (C e D), que revelam cardiomegalia, discreto derrame pericárdico, ligeiro derrame pleural esquerdo e bronquiectasias do lobo inferior esquerdo com áreas de vidro despolido envolvente

Os primeiros dias de internamento decorreram sem intercorrências. Ao 7.º dia instalou-se febre persistente de 38ºC, motivo pelo qual foi iniciada antibioterapia empírica de largo espectro com piperacilina'tazobactam e linezolide (tendo em conta a realização de técnica diagnóstica com punção cutânea), que efectuou durante 10 dias. Não foram isolados quaisquer agentes infecciosos, quer nas hemoculturas seriadas e urocultura, quer no líquido pleural e biópsia pleural, produtos biológicos colhidos antes do início da antibioterapia. Ao 15.º dia, houve necessidade de toracocentese evacuadora por recidiva do derrame, com saída de 600ml de líquido pleural com as mesmas características (total drenado: 1000ml). Os exames bacteriológicos do líquido pleural e da biópsia pleural (incluindo pesquisa de micobactérias) foram novamente negativos.

A biópsia pleural foi insuficiente para diagnóstico e a biópsia do pólipo gástrico mostrou apenas tecido de pólipo hiperplásico ulcerado.

Foi solicitada TC abdominopélvica, que mostrou uma lesão infiltrativa da parede gástrica, nódulos hipodensos do baço, volumoso nódulo do lobo esquerdo do fígado e adenopatias locorregionais (Fig. 3).  

Fig. 3' Cortes de TC abdominal (A e B), que revelou uma lesão infi ltrativa da parede gástrica, nódulos hipodensos do baço e volumoso nódulo do lobo esquerdo do fígado. Moderado derrame pleural esquerdo

Procedeu-se a biópsia da parede gástrica guiada por TC, que permitiu o diagnóstico definitivo: infiltração significativa do tecido conjuntivo por células linfóides, pequenas, CD20 (+), CD10 (-) e ciclina D1 (-) ' achados sugestivos de linfoma B, subtipo MALT (Fig. 4).

Fig. 4' Aspectos histológicos de biópsia aspirativa da parede gástrica guiada por TC (A e B), que documentam tecido conjuntivo com extensa infi ltração por células pequenas, linfóides. Marcação imunoistoquímica positiva para CD20 (+)

Apesar de a pesquisa de H pyloriter sido negativa, a doente efectuou terapêutica de erradicação com amoxicilina, claritromicina e omeprazol, embora sem qualquer resposta. Após a alta hospitalar, foi observada em consulta de hematologia e iniciou quimioterapia combinada com CVP (ciclofosfamida, vincristina e prednisona) em baixa dose, com melhoria das alterações pulmonares, nomeadamente regressão franca do derrame; contudo, houve necessidade de suspensão da quimioterapia por toxicidade hematológica grave e ileus paralítico. Nos dois meses seguintes, e após instituição de clorambucil oral em baixa dose, foi reinternada várias vezes por toxicidade medicamentosa e infecções respiratórias recorrentes. Verificou-se deterioração progressiva do estado geral, tendo vindo a falecer cerca de três meses após o diagnóstico.

Discussão Numa doente com gastrite crónica e antecedentes de polipectomia gástrica, o quadro clínico na admissão era compatível com a presença de neoplasia gástrica.

No entanto, a inflamação crónica da mucosa gástrica constitui igualmente um terreno favorável ao aparecimento de uma DLP. Quer a inflamação seja desencadeada pela presença de H pyloriou surja na sua ausência, a gastrite crónica cursa de uma forma geral com um infiltrado linfocitário reactivo, que a qualquer momento pode sofrer uma mutação indutora de um clone neoplásico1,6.

Poderá ter sido esta a evolução no caso em discussão. Está descrito o envolvimento pulmonar pelo linfoma MALT sob a forma de nódulos de dimensões apreciáveis ou zonas de consolidação.

Em relação ao derrame pleural, pode ser a primeira manifestação de DLP e surge, com alguma frequência, na evolução clínica destes doentes. A pesquisa de células neoplásicas no líquido pleural foi negativa e a biópsia pleural inconclusiva, o que não surpreende, dada a baixa rentabilidade diagnóstica, quer da toracocentese, quer da biópsia pleural cega nos LNH7. No entanto, a presença de um exsudado rico em linfócitos e com níveis baixos de glicose, na ausência de doença autoimune, e após excluídas a pleurisia bacteriana, incluindo a tuberculose, é muito sugestivo de DLP. Mais ainda, a melhoria das alterações pleuropulmonares sob quimioterapia aponta para a etiologia neoplásica ' tal evolução não seria de esperar no caso de lesões secundárias a outra patologia (nomeadamente infecciosa).

Apesar da inexistência de documentação histológica, e face ao exposto, a condensação radiológica do lobo inferior esquerdo associada ao derrame pleural foi enquadrada no contexto de envolvimento pleuropulmonar pela neoplasia.

A endoscopia digestiva alta não permitiu o diagnóstico no presente caso. Tal pode ser explicado pelo facto de, apesar de haver lesões visíveis da mucosa gástrica, o infiltrado de células linfóides ser focal e, por vezes, predominar em profundidade, o que dificulta o acesso endoscópico3. A biópsia percutânea guiada por imagem foi da maior importância, permitindo chegar ao diagnóstico.

Salienta-se a elevação do NSE, marcador serológico tradicionalmente associado a neoplasias neuroendócrinas, como o carcinoma pulmonar de pequenas células. A subida deste marcador na DLP está descrita na literatura, com prevalências que podem atingir os 20%5, dependendo das séries, o que reforça a necessidade de interpretar as alterações dos marcadores tumorais em estreita correlação com a clínica.

O linfoma MALT primário do estômago surgiu, no presente caso, com pesquisa de H pylorinegativa. Apesar de não terem sido efectuadas as serologias para este e outros agentes potencialmente envolvidos, que excluiriam definitivamente o contacto, parece lícito admitir que não existia infecção crónica por H pylori.

A ausência de resposta à terapêutica de erradicação, que não é habitual nos casos positivos, bem como a progressão extremamente rápida da doença, levam a crer que se tratasse de um verdadeiro caso de linfoma MALT H pylori(-).

A agressividade do linfoma, com extensa disseminação hepática, esplénica, ganglionar, pleuropulmonar e pericárdica, aproxima'se do comportamento clínico dos linfomas difusos de grandes células B, que podem surgir na evolução dos linfomas MALT. Constitui uma questão que permanecerá em aberto.

Concluímos realçando que o derrame pleural pode ser a primeira manifestação de doença linfoproliferativa e, neste contexto, o pneumologista assume um papel importante no diagnóstico e na orientação clínica do doente.


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