Rinite alérgica e doenças associadas
Definição
A rinite alérgica é uma doença nasal sintomática, determinada por um processo
inflamatório mediado por imunoglobulina E (IgE) após a exposição da mucosa
nasal a um ou mais alergénios
1
.
Epidemiologia
A prevalência das doenças alérgicas tem aumentado no seu global, nomeadamente a
rinite alérgica. Cerca de 500 milhões de indivíduos sofrem desta doença
1
.
Existe uma estreita ligação entre asma e rinite alérgica, coexistindo muitas
vezes no mesmo indivíduo. Aproximadamente 80% dos asmáticos tem rinite alérgica
e 40% dos doentes com rinite tem asma
2,3
.
A rinite alérgica precede na maioria dos casos as manifestações de asma e é
considerada um factor de risco independente para asma
4
.
Em colaboração com a OMS (Organização Mundial de Saúde), um painel de
especialistas criou um documento baseado na evidência sobre rinite alérgica e o
seu impacto na asma (ARIA ' Allergic Rhinitis and its Impacto on Asthma).
Publicado pela primeira vez em 2001, tem sofrido actualizações e os objectivos
são: actualizar os conhecimentos sobre rinite alérgica e o seu impacto na asma,
estabelecer uma abordagem diagnóstica, terapêutica e de prevenção da doença
1
.
Manifestações clínicas e co morbilidades associadas
As principais manifestações clínicas da rinite alérgica são: rinorreia,
obstrução e prurido nasal, espirros e por vezes anosmia.
Estes sintomas são reversíveis espontaneamente ou após tratamento, no entanto
quando presentes, têm grande impacto na qualidade de vida, com perturbação das
actividades diárias, diminuição do rendimento escolar e laboral, interferência
com a qualidade do sono e agravamento da asma concomitante.
Os estudos têm mostrado uma maior utilização de recursos de saúde/crises de
asma nos doentes asmáticos com rinite alérgica comparativamente aos doentes que
tinham apenas asma brônquica
5
.
Para além da asma brônquica, existem outras co morbilidades/complicações
associadas à rinite alérgica (Quadro I).
A conjuntivite alérgica é outra manifestação alérgica que frequentemente se
associa à rinite.
Ocorre sobretudo na alergia aos pólenes e contribui para o agravamento do
quadro alérgico com lacrimejo, prurido, olho vermelho e sensação de corpo
estranho. Raramente ocorre nos doentes sem rinite.
O quadro de rinossinusite alérgica é frequente e tem aumentado de incidência.
Estudos epidemiológicos revelaram que 53-70% dos doentes com rinite tem
sinusite e 56% dos doentes com sinusite sofrem de sintomas de rinite
6
.
A maioria dos autores defende que a sinusite é uma complicação da rinite, pois
a alergia leva à inflamação da mucosa nasal, com edema e obstrução dos ostios
dos seios perinasais e consequente compromisso da sua oxigenação e drenagem.
Outros advogam a hipótese da exposição directa da mucosa dos seios perinasais
ao alergénio, desencadeando uma resposta inflamatória alérgica local. Deste
modo, a sinusite é vista como uma comorbilidade associada à rinite.
Os pólipos nasais são membranas mucosas edemaciadas que prolapsam para a
cavidade nasal, com aspecto mole e frequentemente de cor acinzentada.
Clinicamente surgem sintomas de rinorreia, obstrução nasal, cefaleias,
hiposmia, anosmia, e predispõe para a sinusite bacteriana recorrente. Apesar de
surgirem em doentes com rinite, a polipose não é uma manifestação de alergia,
pois a sua associação é sobretudo com a fibrose quística, asma não alérgica e
intolerância à aspirina.
A relação entre otite média e rinite alérgica gera alguma controvérsia; no
entanto, o mecanismo envolvido na associação destas duas patologias será a
disfunção tubar ou o envolvimento contíguo por inflamação alérgica.
É frequente crianças com otite média recorrente terem queixas de rinite e,
quando tratadas da rinite, melhoram o quadro de otite.
Queixas de faringite/laringite são frequentes nos doentes com sintomas nasais,
pois respiram frequentemente pela boca, as secreções nasais escorrem
posteriormente para a faringe e laringe, resultando em tosse e irritação local.
Classificação
A rinite alérgica era classificada segundo a exposição ao alergénio em sazonal
ou perene. Actualmente o ARIA propõe uma classificação com base na duração dos
sintomas em intermitente ou persistente e, de acordo com a gravidade dos
sintomas e seu impacto na qualidade de vida, em ligeira ou moderada/grave
(Quadro II)
1
.
Etiopatogenia
Os factores etiológicos da rinite alérgica são os mesmos da asma, sendo os
aeroalergénios (ácaros do pó, pólenes, fâneros de animais, fungos, etc.) os
mais frequentes.
Fármacos, como a aspirina e outros anti-inflamatórios, desencadeiam
frequentemente quadros de rinite alérgica.
Apesar de menos documentado, não se pode menosprezar o papel dos poluentes
(domésticos e de exterior) e dos alergénios ocupacionais como agentes
etiológicos da rinite.
A resposta inflamatória alérgica que ocorre na via aérea é comum para a asma e
para a rinite. Caracteriza-se pela sensibilização ao alergénio e posteriormente
a resposta de hipersensibilidade imediata (minutos após a exposição ao
alergénio) e tardia (4 a 12 horas após a exposição ao alergénio).
Na primeira exposição ao alergénio (sensibilização) este é apresentado pelas
células dendríticas da mucosa nasal aos linfócitos T (Th 2) que, por sua vez,
vão estimular os linfócitos B a produzir IgE.
A IgE circulante vai ligar-se aos receptores de alta afinidade (FcåRI)
existentes nos mastócitos e basófilos.
Nas exposições seguintes, o alergénio vai ligar-se directamente à IgE
especifica da superfície dos mastócitos, com consequente activação e
desgranulação.
Na resposta imediata, os mastócitos vão libertar mediadores pré-formados, como
a histamina e outros, que vão ser sintetizados a partir do ácido araquidónico
(leucotrienos, prostaglandinas, etc).
Da libertação desses mediadores vão surgir os sintomas nasais, como espirros,
rinorreia, prurido, congestão nasal e, da acção a nível brônquico, o
broncoespasmo e o edema.
Durante a resposta de hipersensibilidade tardia são libertadas citocinas (IL 4,
IL 13, ) e outras quimiocinas responsáveis por recrutar células inflamatórias,
como eosinófilos e neutrófilos, que por sua vez libertam mais citocinas,
perpetuando o processo inflamatório e conduzindo à inflamação da via aérea com
obstrução nasal e brônquica.
Diagnóstico
O diagnóstico baseia -se numa história clínicacompleta, com identificação da
sintomatologia sugestiva, ou seja, rinorreia, espirros, obstrução e prurido
nasal. A existência de história pessoal ou familiar de doença alérgica (eczema,
urticária, asma, rinite) e de co morbilidades associadas deve ser investigadas.
Ao exame objectivo, os doentes apresentam fácies característico com respiração
pela boca e prega nasal transversa resultante da manobra de saudação alérgica.
O exame otorrinolaringológico é fundamental nos doentes com rinite alérgica,
tanto para a avaliação de comorbilidades/complicações associadas, como para o
diagnóstico diferencial.
A rinoscopia a anteriorfeita com espéculo sob iluminação directa permite
visualizar a metade anterior das fossas nasais. Nos doentes com rinite
alérgica, é frequente observar-se a mucosa nasal pálida ou hiperémica,
secreções seromucosas, hipertrofia dos cornetos inferiores e eventuais
anomalias anatómicas associadas.
Perante a necessidade de uma observação mais posterior ou em caso de dúvida, o
doente deverá ser referenciado para observação pela otorrinolaringologia.
Na presença de história de atopia deve'se proceder ao estudo alergológico, com
realização de testes cutâneos de alergia, ou seja, testes cutâneos de
hipersensibilidade imediata (Pricktestes).
Quando o extracto padronizado de alergénio é introduzido na pele, interage com
as IgE ligadas aos mastócitos, causando libertação de histamina e consequente
reacção de pápula e eritema.
Estes testes permitem avaliar de um modo simples, rápido e económico, a
natureza alérgica do processo mediada por IgE
7
.
Na impossibilidade de realizar os testes cutâneos, o diagnóstico de atopia deve
basear'se no doseamento de IgE total e específica (RAST)e na contagem de
eosinófilos do sangue periférico.
O doseamento de anticorpos IgE específico é um método mais caro e mais moroso
do que os testes cutâneos, no entanto apresenta a vantagem de os resultados
serem independentes da medicação do doente (ex: anti-histamínicos) e não
apresenta efeitos secundários, como o aumento do prurido em doentes com eczema.
O grau de eosinofilia no sangue periférico depende do tamanho do órgão
afectado; portanto, valores elevados são encontrados na dermatite atópica e
asma e raramente estão elevados na rinite.
No entanto, existem outras patologias que cursam com aumento dos eosinófilos
periféricos (infestação parasitária, periartrite nodosa, doença de Hodgkin,
síndroma de Loeffler, síndroma hipereossinofílico, alergia medicamentosa,
aspergilose broncopulmonar) e, contrariamente, os corticóides causam
eosinopenia.
Os testes de provocação nasal com alergéniosnão são usados por rotina na
prática clínica, tendo sobretudo interesse no campo da investigação.
O estudo funcional respiratório nasal com recurso à rinomanometria(Fig. 1)
permite estudar de forma simples, indolor e reprodutível, a resistência nasal,
medindo a pressão e o fluxo de ar na cavidade nasal durante a respiração.
Deste modo, a rinomanometria tem particular interesse na objectivação do grau
de obstrução, na avaliação da eficácia do tratamento ou na avaliação pré e pós-
operatória. Apesar de não existir consenso, consideramos valores normais para a
rinomanometria quando
8
: ' Fluxo total a 150 pascal(Pa) de pressão > 630 cm3/segundo para mulheres e >
700 cm3/segundos para homens; ' Resistência total a 150 Pa de pressão <0,43 Pa
. seg/cm3.
A imagiologianão é habitualmente necessária para o diagnóstico de rinite, tendo
interesse na avaliação das comorbilidades e das complicações associadas.
Atendendo à ligação entre rinite e asma, recomenda-se a investigação de asma
concomitante
1
, com estudo funcional respiratório, teste de broncodilatação e, eventualmente,
teste de hiperreactividade brônquica.
O óxido nítrico exalado (FeNO)é um importante marcador da inflamação
eosinofilica, razão pela qual tem um papel importante no diagnóstico e
seguimento de doentes com asma.
Vários factores afectam os níveis de FeNO, entre os quais a rinite alérgica,
que pode conduzir a um aumento desses valores
9
.
Tratamento
O tratamento da rinite alérgica assenta em cinco categorias: Medidas de
evicção, tratamento farmacológico, imunoterapia e, em casos seleccionados, a
cirurgia.
Medidas de evicção
A maioria dos estudos sobre evicção alérgica analisam sobretudo os sintomas de
asma, sendo escassos os que se debruçam sobre os sintomas de rinite.
Atendendo a que os aeroalergénios, nomeadamente os ácaros do pó doméstico, são
os principais agentes etiológicos, medidas simples de evicção devem ser tomadas
e são recomendadas pelo ARIA
1
.
Tratamento farmacológico
Os fármacos disponíveis para o tratamento da rinite são:
Anti-histamínicos H1' Os anti'histamínicos H1 são o principal grupo
farmacológico para o tratamento de todos os níveis de gravidade e duração da
rinite. São eficazes no alívio de sintomas, como prurido, espirros, rinorreia,
e menos eficazes no tratamento de obstrução nasal. Administram-se na forma oral
ou tópica (nasal ou ocular).
Os de 2.ª geração são os mais utilizados pois atravessam pouco a barreira
hematoencefálica, diminuindo o seu efeito sedativo.
Corticóides intra nasais' Diminuem a inflamação e hiperreactividade nasal, com
benefício a nível da obstrução nasal e, concomitantemente, dos sintomas
oculares.
A administração tópica minimiza a absorção sistémica. Bem tolerados, mas podem
apresentar alguns efeitos secundários, como sangramento, irritação local e, em
casos raros, perfuração septal.
Cromonas locais' Apresentam reduzida actividade no alívio dos sintomas nasais
e, devido à sua curta duração de acção, são necessárias 4 aplicações diárias.
As cromonas em forma de colírio ocular mostraram-se muito eficazes no alívio
dos sintomas.
Descongestionante intra nasal/oral' Os agonistas dos receptores adrenérgicos
alfa causam vasoconstrição, descongestionando o nariz. O seu uso deve ser
limitado (< 10 dias) devido ao efeito reboundque ocorre com uso prolongado e
consequente fenómeno de rinite medicamentosa.
A formulação oral é menos eficaz do que a tópica, mas não está associada a
rinite medicamentosa.
A dose necessária para alívio do nariz é próxima da que causa efeitos adversos
sistémicos, como palpitações, taquicardia, tremor e cansaço.
Existem no mercado combinações de descongestionante oral com anti-histamínico
H1.
Anti colinérgicos' Eficazes no tratamento da rinorreia aquosa em doentes
alérgicos e não alérgicos.
Anti leucotrieno' Administrado por via oral em toma única diária, mostrou
eficácia e segurança no tratamento de doentes com asma e rinite alérgica
10
.
Com recurso a este grupo de fármacos, o ARIA preconiza uma abordagem
terapêutica por degraus, de acordo com a gravidade da doença. Ou seja, para
qualquer grau de gravidade da rinite, a evicção de alergénios e irritantes e os
anti-histamínicos H1 devem ser incluídos na estratégia terapêutica.
À medida que aumenta a gravidade da doença é necessário adicionar outros grupos
de fármacos (corticóides intranasais, cromonas locais, antagonistas dos
leucotrienos), até obter o controlo dos sintomas.
Imunoterapia especifica
Consiste na administração de extractos de alergénios purificados e
padronizados, por via subcutânea ou sublingual, com o objectivo de modificar a
resposta imune ao futuro contacto com alergénio e consequente redução dos
sintomas nasais, oculares e pulmonares.
Está indicada na presença de doença alérgica significativa não controlada,
quando a exposição ao alergénio está claramente relacionada com os sintomas e
um único pequeno grupo de alergénios (ex: pólenes de gramíneas) é responsável
pelos sintomas
11
.
A selecção adequada dos doentes é extremamente importante para garantir uma
terapêutica eficaz e segura.
As reacções adversas (locais e sistémicas) são minimizadas pela selecção
adequada dos doentes e dos extractos alergénicos, vias e normas de
administração, rigor na vigilância e registo das reacções ao tratamento.
São factores de risco para reacção adversa sistémica: asma sintomática, alto
grau de sensibilização, uso de ß -bloqueantes, novos frascos de extractos de
alergénios, erros de dosagem e concomitante exposição elevada a alergénios
11
.
Contudo, existem algumas contraindicações relativas e absolutas ao uso de
imunoterapia (Quadro III).
Esta terapêutica apresenta eficácia demonstrada no tratamento dos doentes que
sofrem de alergia aos pólenes e hipersensibilidade a picada de insectos, não
estando recomendada nas alergias alimentares, urticária ou eczema atópico
1,12
.
Cirurgia
Os doentes que mantêm queixas nasais persistentes, apesar de terapêutica médica
optimizada, deveram ser referenciados para cirurgia
5
.
Terapêutica Anti-IgE
O mecanismo de acção desta terapêutica resulta da utilização de um anticorpo
monoclonal que forma complexos com a IgE livre, bloqueando a sua interacção com
os mastócitos e os basófilos, descendo os níveis de IgE circulante.
Actualmente, apenas com indicação na asma alérgica persistente grave; no
entanto, existem trabalhos que evidenciam uma melhoria dos sintomas de asma e
rinite e da qualidade de vida dos doentes com asma moderada//grave e rinite
persistente tratados com omalizumab (terapêutica anti-IgE)
13,14
.
Comentários finais
A elevada prevalência da rinite alérgica, as comorbilidades associadas e o seu
impacto na qualidade de vida torna esta doença um problema de saúde global.
Atendendo à ligação entre asma e rinite alérgica, são recomendações do programa
ARIA
1
:
' Doentes com rinite persistente devem ser avaliados sobre a presença de asma;
' Doentes com asma persistente devem ser avaliados sobre a presença de rinite;
' Estratégia terapêutica combinada para tratamento das doenças das vias áreas
superiores e inferiores.