Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe0873-21592009000500011

EuPTCVHe0873-21592009000500011

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0873-2159
Year2009
Issue0005
Article number00011

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

DPOC agudizada ou algo mais: Caso clínico

Introdução Gustav Killian deu início à era da broncoscopia em 1897, quando procedeu à extracção de um osso de porco da traqueia de um agricultor alemão usando um esofagoscópio 1 .

Desde então, a broncoscopia tornou'se uma das pedra angulares da investigação pneumológica e um auxiliar indispensável na abordagem diagnóstica e terapêutica de adultos e crianças com suspeita de aspiração de corpo estranho.

A aspiração de corpo estranho para as vias aéreas é mais frequente em crianças, sendo que mais de 80% dos casos ocorrem em doentes com menos de 15 anos 2 . Crianças com menos de 1 ano, e adultos com mais de 75 anos, apresentam um risco acrescido de morte em consequência de aspiração de corpo estranho 2 . A apresentação clínica no adulto é, em contraste com as crianças, geralmente subtil, e o diagnóstico requer uma cuidadosa história clínica e exame físico, bem como o uso judicioso da broncofibroscopia.

Caso clínico Doente do sexo feminino, 45 anos, portadora de síndroma de Down e com antecedentes de DPOC.

Enviada, no espaço de cinco dias, repetidamente ao SU do HS Marcos, por tosse produtiva e agravamento progressivo de quadro de dificuldade respiratória, que respondiam inicialmente à terapêutica broncodilatadora instituída.

Acabava por ter alta após ajuste do tratamento-base, sem, no entanto, ficar no seu estado clínico habitual. Na última observação urgente, face ao carácter e recorrência das queixas, à resposta menos que suficiente às medidas aplicadas e à verificação da existência de possível estridor e cianose labial, decide'se pelo seu internamento. Neste episódio realiza Rx tórax (Fig. 1), que sugeria hiperinsuflação do hemitórax direito, e estudo analítico com gasimetria arterial que evidenciaram elevação dos marcadores de fase aguda e acidose respiratória com retenção importante de CO2 (Quadro I). Ainda antes de ser admitida a internamento, e dado apresentar novo sinal clínico, o estridor, foi solicitada a observação por ORL, de modo a descartar obstrução alta das vias respiratórias, não sendo aparente, na avaliação realizada, qualquer alteração que pudesse explicar o quadro. A doente é então internada com o diagnóstico provisório de DPOC agudizada, possivelmente complicada por obstrução das vias aéreas superiores por edema e deformidades esqueléticas e da postura associadas, a necessitar de clarificação posterior.

Durante o internamento verifica-se uma resposta pouco satisfatória às medidas instituídas, mantendo-se o quadro de estridor, inclusive recorrendo a adrenalina aerossolizada e a corticoterapia inalada e sistémica. Este facto adensa ainda mais as suspeitas relativamente à etiologia do quadro, motivando o prosseguimento da investigação pelo recurso a medidas mais invasivas, no caso a broncofibroscopia.

Entretanto, e enquanto aguardava a realização de broncofibroscopia, é realizada TC do tórax (Fig. 2), na qual é sugerida a presença de obstrução parcial do brônquio principal direito, possivelmente por rolhões de secreções.

Finalmente, é realizada a broncofibroscopia que acabou por revelar a presença de corpo estranho na emergência do brônquio principal direito (Fig. 3), identificado após a sua remoção como elástico de fralda. Após extracção do referido corpo estranho, verifica-se uma resolução rápida e completa do quadro clínico da doente, acabando esta por ter alta completamente assintomática, necessitando apenas da sua terapêutica de base em face dos antecedentes clínicos conhecidos.

Discussão O diagnóstico da aspiração de corpo estranho não constitui desafio importante, casos agudos em que estão implicados objectos de maiores dimensões, que geralmente conduzem à oclusão de um brônquio principal. No entanto, este torna- se bastante mais complicado no caso de aspiração de pequenos objectos ou, se o doente for incapaz de se exprimir com clareza, como são exemplo os recém- nascidos, crianças ou indivíduos mentalmente incapacitados 3 , como era o caso da doente em causa.

Apenas por si, a simples suspeição pode constituir o mais importante passo para o estabelecimento do diagnóstico e, a prospecção anamnésica, apontando nesse sentido, nunca deve ser negligenciada 4 . No caso vertente, a história clínica fornecida pelo cuidador, pessoa atenta mas que nunca poderia sugestionar sobre a possibilidade da aspiração de corpo estranho, associada aos antecedentes questionáveis de DPOC, levou linearmente ao diagnóstico, embora erróneo, de agudização da condição clínica preexistente, que é bem mais comum. a atenção prestada a sinais pouco habituais, como o estridor e a cianose recorrentes, a monitorização da resposta ao tratamento e a valorização do backgroundda doente permitiram pôr em causa o diagnóstico mais atractivo e fácil e colocar como provável a hipótese de aspiração de corpo estranho, inquestionável após recurso à broncofibroscopia. Esta também possibilitou a exclusão de outra possibilidade, como seria a obstrução dinâmica das vias aéreas facilitada pela dismorfia torácica e agravadapela inflamação desencadeada por infecção intercorrente.

Retrospectivamente, e antes do diagnóstico de certeza, somos levados a admitir como elementos positivos do quadro que contrapõem a aspiração do corpo estranho à agudização da DPOC, a resposta insuficiente ao tratamento optimizado, a ausência de processo infeccioso inicial evidente, bem como a ineficácia da antibioterapia ambulatorial, o aparecimento de estridor recorrente, a assimetria radiológica no padrão da transparência normal dos pulmões e a sugestão de alteração da permeabilidade das vias aéreas por TAC do tórax.

Conclusão O presente caso pretende ilustrar duas situações particulares a ter presente na prática clínica. Antes de mais, a história e os antecedentes patológicos, podendo condicionar o estabelecimento diagnóstico definitivo, devem ser questionados sempre que a apresentação clínica é atípica, porque nem sempre o que parece é. Em segundo lugar, e sobretudo nos indivíduos que apresentam défices cognitivos e da comunicação, o aparecimento de quadros de dificuldade respiratória aguda deve levar a considerar a hipótese de aspiração de corpo estranho, mesmo contra toda a evidência.


Download text