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EuPTCVHe0873-21592009000600013

EuPTCVHe0873-21592009000600013

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0873-2159
Year2009
Issue0006
Article number00013

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Nocardiose torácica

Introdução A infecção por Nocardiaera até pouco tempo considerada uma raridade e curiosidade laboratorial. Actualmente, apresenta-se como um patogenio oportunista, com importância crescente, sobretudo em indivíduos imunocomprometidos.

A apresentação pulmonar e a mais frequente, no entanto pode atingir pele, tecidos moles e disseminar-se para outros locais do organismo, em particular pelo sistema nervoso central.

A propósito do tema, os autores apresentam um caso clínico e elaboram algumas considerações teóricas acerca da infecção por Nocardia.

Caso clínico Doente de 60 anos, sexo masculino, raça caucasiana, residente em Leiria e comerciante. Internado em Janeiro de 2007 através da consulta de Pneumologia para estudo e controlo de toracalgia associada a alterações radiológicas.

Referia toracalgia anterolateral direita, com cerca de um mês de evolução. A dor era intensa, de carácter intermitente, aliviava em decubito dorsal e na posição de sentado e inclinado para a frente. Negava febre, dispneia, tosse ou expectoração, bem como queixas de outros aparelhos e sistemas. Antecedentes pessoais de artrite psoriatica, gastrite, diabetes mellitustipo 2 insulino tratada, hipertensao arterial e fistula perianal.

Ex-fumador de 20 UMA e sem hábitos alcoolicos. Polimedicado, a fazer antidiabeticos orais, insulina, anti-hipertensores, protector gástrico e terapêutica imunossupressora (ciclosporina 100 mg 2id e dexametasona 16mg 2id) desde alguns anos.

Os antecedentes familiares eram irrelevantes. Ao exame objectivo apresentava-se consciente, orientado e colaborante. Obeso, com fácies cuxingoide, eupneico com saturação O2 de 91% em ar ambiente, tensão arterial de 130/70 mmHg e temperatura axilar de 37,6oC. Sem adenopatias periféricas palpáveis.

No exame do tórax observava-se uma tumefacção da região peitoral direita, sem rubor, mas com dor a palpação. Havia submacicez simétrica a percussão de ambos os hemitoraces.

A auscultação pulmonar revelava diminuição generalizada do murmúrio vesicular, de predomínio basal direito. Auscultação cardíaca rítmica, sem sopros. Abdómen globoso, depressivel, indolor, sem organomegalias. Em relação aos membros superiores e inferiores, apenas se salientava dor e tumefacção da raiz do braço direito. tinha realizado radiografia e TAC torácicas. Na radiografia torácica observavam-se: uma opacidade não sistematizada, em faixa, que se estendia desde a hemicupula até à região axilar, de limite interno bem definido mas irregular, com aspecto bosselado; opacidades vagamente arredondadas com cerca de 25 e 36 mm que se localizam respectivamente a nível da projecção posterior do 6.o e 7.o arcos costais, na linha medioclavicular (Fig. 1).

Fig.1 Radiografia torácica opacidade em faixa que se estende desde a hemicúpula até à região axilar de limite interno bem definido mas irregular, com aspecto bosselado; opacidades vagamente arredondadas com cerca de 25 e 36 mm que se localizam respectivamente a nível da projecção posterior do 6.º e 7.º arcos costais, na linha medioclavicular

A TAC torácica (29/12/2006) confirmava o espessamento pleural irregular, adquirindo em algumas áreas aspecto nodular heterogéneo e com perda de interface com a parede torácica; no recesso costofrenico posterior tinha extensão para o mediastino (Fig. 2). Sem outras alterações a nível do mediastino ou parenquima pulmonar.

Fig. 2 TAC torácica Espessamento pleural irregular, adquirindo em algumas áreas aspecto nodular heterogéneo e com perda de interface com a parede torácica; no recesso costofrénico posterior com extensão para o mediastino

Foram colocadas as seguintes hipóteses de diagnostico: a) infecção tuberculosa, b) infecção não tuberculosa, c) neoplasia pleural secundaria, e d) neoplasia pleural primaria.

Foi medicado empiricamente com amoxicilina + acido clavulanico e, do estudo analítico realizado, de salientar o aumento dos marcadores inflamatórios com PCR 24,9 mg/dl, VS 109 mm/1.oh e 9870 leucócitos com 82,7% de neutrófilos. Os restantes estudos analíticos, nomeadamente função hepática e renal, ionograma, sumaria de urina, marcadores tumorais (AFP, CEA, Ca 125, Ca 15.3, Ca 19.9 e NSE), proteinograma electroforetico, doseamento de Igs (Ig G, A, M), marcadores VIH 1 e 2, hepatite B e C, estudo do complemento e doseamento de ANA, ANCA e ENA, não apresentaram alterações.

O estudo microbiológico da expectoração (aeróbios e micobacterias) foi negativo. A broncofibroscopia mostrou uma árvore brônquica de morfologia normal e os exames microbiológico e citologico do aspirado brônquico foram negativos.

Perante o agravamento dos sintomas e da tumefacção descrita, repetiu-se TAC torácica (31/01/2007), que mostrou um aumento significativo do envolvimento dos tecidos moles da parede torácica e extensão ao membro superior (Fig. 3).

Fig. 3 TAC Torácica agravamento radiológico e progressão do envolvimento dos tecidos moles

Foram feitas biopsias da lesão da parede torácica (guiadas por ecografia), cujo exame anatomopatologico mostrou alterações sugestivas de lesão abcedada. A citologia confirmou um processo inflamatório agudo exuberante. No estudo microbiologico, ao exame directo observaram-se muitos bacilos gram positivos e em cultura foi isolada Nocardia asteroides(Fig. 4). A pesquisa de fungos (metodo de PAS e Grocott) e de micobacterias foi negativa.

Fig. 4 Nocardia asteroides (exame directo e cultura em gelose de sangue)

Perante o diagnostico de nocardiose toracica, institui-se terapêutica segundo teste de sensibilidade antibiótica (TSA) com cotrimoxazol (1600 mg sulfametoxazol + 320 mg trimeptropim) em três tomas diárias, com regressão da tumefacção torácica e melhoria das queixas algicas em oito dias.

Por iniciativa própria suspendeu precocemente a terapêutica, tendo completado apenas 1,5 meses de antibioterapia.

Dois meses depois do internamento, estava assintomático e com melhoria radiológica (Fig. 5).

Fig. 5 TAC torácica controlo radiológico dois meses após o internamento, com melhoria das alterações

Reavaliado quatro meses após suspensão do tratamento, o doente mantinha-se bem clínica e radiologicamente, tendo tido alta da consulta.

Considerações teóricas A nocardiose é uma doença infecciosa localizada ou disseminada causada por bactérias do género Nocardia, das quais a mais frequente é a Nocardia asteroides;no entanto, outras espécies, como a Nocardia brasiliensise caviaepodem estar associadas a doença humana. São bacilos filamentosos gram positivos, aeróbios, não capsulados e fracamente acido álcool resistentes, presentes no solo.

Apesar de poder ocorrer em indivíduos saudáveis, atinge sobretudo imunocomprometidos, como os doentes que recebem terapêutica imunossupressora prolongada, transplantados, infectados pelo VIH ou com patologia pulmonar crónica.

A maioria das infecções é adquirida por via inalatória, sendo o pulmão o local mais frequente de infecção primária.

Outros locais, como pele, tecido subcutâneo, sistema nervosos central (SNC), rim, osso e musculo também podem estar atingidos, sobretudo pela disseminação da infecção.

O quadro clínico é inespecífico, com queixas de tosse, mal-estar, febre e anorexia, podendo ter uma evolução variável, de subaguda a crónica.

O envolvimento cutâneo pode ocorrer na forma primária ou disseminada, como ulceração, celulite e/ou abcesso subcutâneo. Em relação ao envolvimento do SNC, o mais frequente é o abcesso cerebral1 .

Os achados radiológicos são variáveis, podendo haver nódulos ou massas (isolados ou múltiplos), com ou sem cavitação, infiltrados reticulares, consolidação alveolar, derrame pleural e empiema1.

Para o diagnostico definitivo é necessário o isolamento e a identificação da bactéria do género Nocardiaa partir da colheita de material do local atingido.

Ao exame directo observam-se bacilos gram positivos e com positividade na coloração de Ziehl-Neelson (bacilos acido alcool-resistentes fracamente positivos). Em cultura tem um crescimento lento, entre 2 dias a 4 semanas, razão pela qual na suspeita de nocardiose se devem manter as culturas cerca de 20 a 30 dias, antes de excluir o diagnostico. A hemocultura raramente é positiva Na avaliação histopatologica, evidenciam-se necrose e abcesso, com infiltrado de neutrófilos, linfocitos e macrofagos, sem formação de granuloma1. Não existem testes serológicos para diagnostico de infecção por nocardia.

O tratamento antibiótico preferencial recomendado são as sulfamidas, mas nos últimos anos muitos doentes tem sido tratados com a associação de sulfametoxazol (SMZ) e trimeptoprin (TMP) (cotrimoxazol), no entanto sem evidência de que a associação seja superior ao uso das sulfamidas isolado 4 .

Optando pela associação, a dose recomendada para iniciar tratamento é de 10 a 20 mg/kg de TMP e 50 a 100 mg/kg SMZ, dividido em duas tomas diarias 3 .

Após controlo da doença, as doses devem ser reduzidas para 5 mg/kg e 25 mg/kg, respectivamente3.

Em caso de efeitos secundários ou resistência a associação SMZ-TMP, as alternativas são associação de imipenem e amicacina, amoxicilina e acido clavulanico ou monoterapia com ceftriaxone, minociclina e linezulida 1. No entanto, sugere-se que seja realizado o TSA, pelo facto de existirem diferentes susceptibilidades aos antibióticos entre as diferentes espécies de Nocardia.Para além do tratamento médico, pode haver necessidade de drenagem cirúrgica nos casos refractarios a antibioterapia, quando o envolvimento cutâneo é extenso é para a maioria das lesões do SNC.

A duração do tratamento depende da localização das lesões e do estado imunitário do doente, mas habitualmente dura entre 6 a 12 meses, de forma a evitar recidivas4.


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